Abaixo um texto de Joãozinho Ribeiro, publicado hoje no Jornal Pequeno; o texto chegou-me ainda ontem por e-mail. (Re)Publico-o aqui como forma de homenagear todas as mulheres do mundo, pelo seu dia internacional (mas todo dia não é dia internacional da mulher?…); que seria de nós sem elas…
Especial carinho para
Solange de Fátima, minha mãe, aniversariando hoje;
Maria Lindoso, minha vó, e como toda vó, segunda mãe;
Graciana Rodrigues, que será mãe em breve – Fred, vamos escolher o nome? – e, de certa forma, já o é, vez em quando me dando merecidos puxões de orelha, recompensados com o carinho de sua sincera amizade;
Joisiane Gamba, definitivamente moradora do meu coração;
e Vivi Queiroz, ela sabe o porquê,
todas elas, de uma forma ou de outra, muito importantes na vida deste sonhador, que como um Paquito/Quixote, quer transformar o mundo num lugar melhor para se viver…
AMÁLIA, SENHORA DO MEU DESTINO
por Joãozinho Ribeiro (*)
“Gente modesta, gente boa deste mundo, que só comete distúrbio se alguém menosprezar. E aquela gente, que mora na zona norte, até hoje chora a morte da estrela do lugar”
Estes versos, da composição popular “Madureira chorou” eram repetidas vezes recitados por meu pai; talvez retratando com a sua sincera cumplicidade, a condição humana da nossa família. Mas não é de meu pai, João Situba, caboclo arrancado das praias de Genipaúba para ser internado nos azulejos e ladeiras da Cidade de São Luís, nos idos dos anos 40, que eu queria me reportar agora. Mas sim, de Amália, a Maria – amante e mulher – minha mãe e de meus dois amados irmãos: Graça e Sebastião.
Exemplo de vida, que neste dia 8 de março, desejo homenagear, num pequeno e simplório depoimento recolhido da nossa breve estação terrena.
Década de 60: morávamos na 18 de Novembro, descendo o Canto da Fabril, antes do asfalto rasgar a “Quinta do Barão” e a geografia urbana arrancar dos meus cinco anos de idade as touceiras de agrião, que nasciam sem serem plantadas, regadas pelas águas da minha precoce infância.
Naquele tempo, éramos uma família como tantas outras da cidade. Gente humilde, do subúrbio, da subsistência arrancadas das peças de lona, tecidas pelas mãos operárias de D. Amália, nos teares da Fábrica Santa Isabel. Seu João/meu pai vendia frutas na Feira do Galpão (onde fica hoje uma imponente caixa d’água da CAEMA) e trocava parte do apuro das vendas pelas doenças das mariposas da Rua 28.
Um episódio ainda hoje permanece projetado na tela da minha memória. Meu pai acordava cedinho, todos os dias, às 4 da manhã, e ia armar a sua banca na feira do Galpão, para assegurar o sustento das bocas famintas dos meninos (nós). D. Amália, encostada pelo IAPI – Instituto de Assistência e Previdência dos Industriários, pela invalidez dos olhos, às 6 da matina, acordava os meninos, meus irmãos mais velhos, que eram logo despachados para a escola primária, enquanto eu lhe seguia os passos até a chegada na feira, onde construíamos, literalmente, a feira do dia.
A essas alturas, meu pai já tinha apurado alguns trocados com a venda de laranjas e bananas, e D. Amália saía, de banca em banca, pechinchando a compra de legumes, uns peixinhos ou uma carne mais em conta. Dentre outras personagens, podíamos encontrar S. Cecílio, pai do extraordinário Canhoteiro, vendendo mingau de milho em sua barraca, bastante visitada. Eu, menino maroto, maravilhado com o universo do mercado e com as canecas de mingau, numa destas incursões, aproveitei a deixa para ir, disfarçadamente, surrupiando limões, tomates e outros hortifrutigranjeiros, pensando estar contribuindo, espertamente, para aliviar o orçamento doméstico.
Quando, ao final do feito, fui fazer o balanço do meu particular “apuro” para D. Amália, qual não foi a minha surra/surpresa. Puxado pelas orelhas, de banca em banca, fui obrigado a pedir, humilhantemente, para cada feirante, desculpas pelo ato, e devolver o produto do pequeno delito que a minha inocência não conseguia compreender a dimensão. Somente as palavras da boca semi-analfabeta daquela senhora do meu destino permanecem, até hoje, servindo de baliza para a formação do meu caráter: “Devolve, moleque, porque somos pobres, mas lá em casa não estamos criando nenhum filho para se tornar um futuro ladrão!”
Lição de ética e honestidade, nunca consegui melhor em toda minha vida. Nem nos cursos universitários por onde passei (Engenharia, Economia e Direito), nem no convívio com diferentes grupos e organizações sociais, públicas e privadas, por onde tenho compartilhado a minha existência.
Foi dos lábios de uma operária de fábrica, D. Amália, Maria, mãe, e, mais do que tudo, mulher, de onde brotaram estas palavras, que até hoje servem de bússola para orientar as intenções e gestos deste poeta, que neste artigo dedica a todas as mulheres, da vida, da cidade e do mundo, este exemplo de decência e dignidade humana.
(*) poeta, compositor, técnico da Receita Federal, professor da disciplina propriedade intelectual, do 8º período do Curso de Direito da Faculdade São Luís.
