o templo sagrado do choro

[recordações desalinhadas de uma noite que não me sairá da memória]

[ou: (aos que não foram) ó o que vocês perderam!]

boa noite a todos e a todas. essa é a quinta edição do sarau projeto “clube do choro recebe“.

a idéia do projeto é possibilitar um espaço democrático para prática e fruição da boa música brasileira, especialmente o choro, o samba, por que não dizer os ritmos da cultura popular do maranhão, mas tendo sempre como matriz instrumental o choro, enquanto linguagem musical brasileira já profundamente entranhada na produção musical maranhense.

e então? os nossos saraus de sábado têm sempre um grupo anfitrião, que hoje será o já tradicional regional tira-teima, integrado por paulo trabulsi (cavaco solo) francisco solano (violão de sete cordas), joão neto (flauta), gugu (pandeiro), henrique (percussão) e zeca (cavaco centro).

têm também, a cada sábado, um convidado ou uma convidada especial. já passaram por esse palco figuras como os léos espirro e capiba, fátima passarinho e chico nô. para o sarau de hoje, o clube do choro recebe lena machado.

lena machado é uma grata revelação da nossa música. ano passado gravou o cd “canção de vida“, comemorativo aos 50 anos da cáritas brasileira, que já teve diversas indicações ao prêmio universidade fm de música.

depois é a hora de participações e canjas especiais, quando outros instrumentistas e cantores poderão mostrar também suas capacidades musicais, dentro dessa linha samba-chorística. então, com vocês, regional tira-teima.

anunciados pelo texto acima, escrito/dito por ricarte almeida santos, que mais e mais merece o epíteto de embaixador do choro no maranhão, o regional tira-teima subiu ao palco e sentou-se à mesa, num autêntico clima de botequim para os primeiros números da noite. o pequeno atraso para o início nem de longe ameaçou o brilho da festa.

é domingo de manhã enquanto posto e ouço chorinhos e chorões, apresentado pelo mesmo ricarte, que já falou de ontem no programa, fazendo breve retrospectiva desta mais recente edição do sarau, sucesso absoluto. como eu disse ontem aos amigos jaime e lucineth: nada do que eu escreva traduzirá. portanto, caro leitor, que tal aparecer por lá sábado que vem? o bar e restaurante chico canhoto fica ali no residencial são domingos (cohama, por detrás do hiper mateus). em pouco tempo, o espaço certamente já se transformou no novo templo sagrado do choro no maranhão.

perdoem-me a desordem dos pensamentos. se a noite de ontem não tira dez pelo particularíssimo motivo da ausência de minha namorada (que viajava à trabalho), ela foi simplesmente impagável: r$ 3,00 de couvert artístico é nada.

chico maranhão chegou para compor a platéia. cumprimentei-o. “recebi seu convite e vim ouvir”, ele me disse. agradeci e disse que queríamos tê-lo como convidado especial, um sábado destes.

ricarte passou-me o bloco onde estava anotada a sua fala inicial: “zema, escreva algo para apresentar nossa amiga lena”. seu pedido era uma ordem, e eu a cumpri assim:

se ainda restam dúvidas do talento de lena machado, é hora de tirar a teima. no samba, no choro e no riso, ela vem se mostrando uma grata surpresa da música maranhense, aliando o canto à luta por um mundo melhor. e o que seria do mundo sem música? sabe-se lá. nossa certeza é que com boa música, ele é bem melhor.

agora os instrumentos do tira-teima unem-se à voz de lena machado, nossa convidada especial desta quinta edição do projeto “clube do choro recebe”. é com muito prazer que nós, o clube do choro e o regional tira-teima recebemos lena machado. uma salva de palmas!

lena atacou com a já clássica “flanelinha de avião”, de cesar teixeira, que apareceu no meio da música e dividiu a mesa conosco até que anunciamos-lhe a presença de chico maranhão. de uma saudação entre gênios, o homem ficou por lá, num encontro raro e belo.

“aniceto, pega isso aí! capte as emoções”, eu “orientava” nosso retratista oficial a fazer imagens do par de compositores. aniceto neto, que tantas vezes já cedeu imagens para este blogueiro, em posts aqui ou no overmundo, pacientemente clicava tudo o que podia. como sou apressado e não podia guardar este texto (melhor postar antes que me fuja algum detalhe), depois penduro fotos de ontem por aqui.

depois de cesar teixeira, lena machado cantou chico maranhão (“ponto de fuga” e “meu samba choro”) e podíamos ver sorrisos de aprovações em suas faces. pareciam dar o devido aval à cantora.

“acho que chico e cesar estão esperando apenas uma provocação”, provocou-me márcio jerry. lena ainda passeou por josias sobrinho, dona ivone lara e clara nunes, antes das canjas de osmarzinho do trombone e zé luiz do sax, este, pai do violonista luiz jr., ora em turnê por portugal. subiram ainda ao palco os léos capiba e espirro, que dialogaram em inspirada interpretação de “teresa da praia” (billy blanco e tom jobim).

enquanto eles passeavam por diversos clássicos, eu usava novamente o bloquinho de ricarte (irresponsável, trazia nem caneta), a que ele acrescentou o parágrafo inicial:

zeca baleiro e chico césar escreveram uma música gravada por elba ramalho [“face”, parceria de zeca baleiro, chico césar e itamar assumpção, gravada pela paraibana no disco “flor da paraíba”, 1998] que dizia “dou a minha cara para bater, mas se quiser pode beijá-la”. dou aqui a minha à tapa.

sem nenhum desmerecimento a nenhum dos artistas aqui presentes, por mais redundante que isso possa parecer, criou-se aqui, grande expectativa, a partir de suas presenças, por ouvirmos os gênios, os mestres chico maranhão e cesar teixeira.

chico e cesar, como o nome de um terceiro compositor, da nem tão longínqua paraíba. um traz o maranhão no sobrenome artístico, ambos trazem o maranhão nas veias de suas composições. ambos aqui presentes como platéia, e que riquíssima e belíssima platéia. cada qual terá seu sábado como convidado especial ou, quiçá, um sábado conjunto.

aceitem nosso convite, desafio, desejo e, mesmo sem ensaio, abrilhantem ainda mais a noite cuja lua brilha mais com suas brilhantes presenças — e redundo de novo. sem ensaio, pois monstros sagrados não carecem disso. brilhem, além da platéia, cá no palco!

da mesa em que estava, cesar teixeira fez um belíssimo discurso sobre a importância daquela iniciativa do clube do choro. “assustado”, chico maranhão subiu ao palco, “eu não sei discursar, então o jeito é cantar”, disse, e, sozinho ao violão, cantou uma das músicas encartadas no livro que ele lançou quinta-feira passada. reclamou do som e (não) ouviu impropérios de um “esquentadinho” da platéia, que logo foi embora e tudo se transformou em grande festa (depois de ricarte negociar com outro, que, da platéia, desafinava com um surdo). o regional tira-teima voltou ao palco e acompanhou chico em mais alguns números, incluindo uma “vassourinha meaçaba” com performance de cesar teixeira, que dançava como se varresse o bar. em dupla, cantaram “ponto de fuga” e depois era a vez de cesar teixeira tomar conta do palco, com direito à diversas voltas de chico maranhão, que deixou sua participação especial pré-agendada (na hora certa divulgaremos por aqui).

além dos diversos clássicos que tem de sobra, cesar teixeira passeou ainda pelos repertórios de cartola (“cordas de aço”), noel rosa (“feitiço da vila”) e lupicínio rodrigues (“nervos de aço”).

já tendo feito intervenção na apresentação de léo espirro, quando, dentro de “eu sei que vou te amar” declamou o “soneto de fidelidade” (vinícius de moraes), a poeta kátia dias encerrou a noite recitando dois poemas cujos créditos não tenho.

certamente uma noite para entrar na história. se você quer fazer parte dela, caro leitor, apareça lá sábado que vem. nós te esperamos.

a arquitetura de maranhão

ontens

quando meus pais se separaram, fui morar com mamãe e meus irmãos em uma casa na rua de santaninha, centro. chico maranhão morava, à época, na rua da viração, esquina próxima à casa onde morávamos, entre aquela e alecrim. cheguei a, por vezes, jogar bola com um filho dele, cujo nome e feições se perderam nas esquinas de minha memória. uma vez visitei a casa de chico (ele não estava) e fiquei encantado (eu tinha entre 11 e 12 anos) com o bom gosto da decoração. o lado fã sempre falando mais alto.

quando da missa de sétimo dia da finada dona roxa (mãe de lurdimar, madrinha de meu irmão), dentro da igreja dos remédios, ao final, minha irmã, guria, cantou uma música de chico para ele ouvir. não lembro se era o refrão de pastorinha ou de quadrilha, esta recém lançada no lp quando as palavras vêm (1991), estávamos em 1992.

com coisa de 13, 14 anos, uma equipe do sesi, onde eu estudava, deveria escolher um tema para tratar de cultura. “por que não falamos de chico maranhão?”, foi a minha apaixonada sugestão. “quem é chico maranhão?”, a equipe discordou.

corta.

francisco fuzzetti de viveiros filho (nome de batismo de chico maranhão) lança hoje (27) o livro urbanidade do sobrado: um estudo sobre a arquitetura do sobrado de são luís, fruto de sua tese de mestrado em desenvolvimento urbano pela universidade federal de pernambuco (ufpe). a noite de autógrafos acontece a partir das 19h no espaço caixa (rua portugal, praia grande), um dos sobrados analisados pelo autor, na obra. o livro custa r$ 50,00 e traz encartado um cd com duas composições inéditas de chico: sobrado e sobrados e trapiches.

rewind.

23 de novembro de 2005. eu estava no quarto período de comunicação social (jornalismo) da faculdade são luís e pautei uma entrevista com chico maranhão para a disciplina de jornalismo em revista, ministrada pela professoramiga ana patrícia choairy, hoje minha orientadora de monografia.

com a entrevista, construí o texto a vida de seu francisco, obtive uma boa nota na disciplina, publiquei o trabalho em página inteira no diário da manhã (onde eu escrevia à época) e republiquei-o no overmundo.

chico fala à vontade, talvez minha inexperiência, minha inocência (a ingenuidade de que chico fala ao longo da entrevista) expliquem, ou o fã falando mais alto mais uma vez (preciso tomar cuidado para que isso não aconteça, ao menos não tão descaradamente, na monografia).

bom, sem mais, que meus poucos-mas-fiéis leitores devem ler isso aqui antes do lançamento (ou perde-se um pouco, mas só um pouco, do sentido) e chico fala um bocado sobre arquitetura, música e lances de agora e sempre. abaixo, a íntegra da entrevista.

*


[o compositor-arquiteto: a arquitetura por detrás do violão. foto: divulgação]

entrevista: chico maranhão

zema ribeiro – passei os olhos na casa e vi uma coisa diferente do que se costuma ver em são luís [à época, a casa misturava a sala à garagem; o carro estacionado dividia o espaço com estantes recheadas de livros e uma escrivaninha, onde se amontoavam mais livros; a não-divisão entre os compartimentos aumentava o espaço útil da residência]. essa casa é um projeto teu?

chico maranhão – sim, é uma adaptação. a casa é uma casa do século passado, da década de 50 e eu reformei. na verdade, o que acontece é que a cidade de são luís ‘tá toda muito alterada, com o conceito de modernidade. há uma quantidade de asfalto para a qual ela não foi projetada e isso muda tudo na cidade. há quarenta anos, são luís tinha uma temperatura à noite de dez graus. a cidade cresceu, então as casas em são luís são casas inadaptadas. toda planta, toda estrutura de uma porta-e-janela, hoje, como essa casa aqui era, ela está alterada. se não você não consegue viver por causa do calor. então eu tive que quebrar algumas paredes, adaptar, para poder criar um ambiente saudável.

zr – a música entra muito cedo em tua vida com o incentivo e a influência de tua mãe [a professora camélia viveiros] e a arquitetura entra na tua ida para são paulo, com a necessidade de estudar lá…

cm – de certa forma, sim. quem mora numa cidade como são luís tem a arquitetura na alma, queira ou não queira, por que a cidade é uma cidade muito bem projetada, muito bem feita pelos mestres do século xviii. eu nasci num sobradão, um sobrado tradicional de arquitetura portuguesa. então, quem mora num sobrado avarandado, que, como diz olavo pereira, “a frente é a metrópole, e o fundo, a colônia”. quem mora numa casa dessas tem que ter pendores para a arquitetura, não tenha dúvida. então, eu não fui conhecer arquitetura só com a minha ida para são paulo, eu já convivia com um arquitetura belíssima, como você convive. a minha música tem muito a ver com arquitetura. tenho um amigo, um jornalista em são paulo, que diz que eu sou um arquiteto-músico. o chico de assis, outro amigo meu, diz que arquiteto é uma profissão em disponibilidade, isto é, uma profissão que qualquer coisa, ela se adapta, então, uma hora ele faz música, outra hora ele faz poesia, outra, arquitetura, outra, projeto de tráfego, outra, escultura. então, o profissional está sempre disponível. de fato, a formação do arquiteto é uma formação mais criativa. na verdade, sou um criador, não me coloco nem como arquiteto nem como músico, sou um homem criador, o que eu faço eu vou fazer com criatividade, com qualidade.

zr – o personagem de a vida de seu raimundo [música de fonte nova (1980)], é daqui?

cma vida de seu raimundo foi uma música feita quando houve a morte do [jornalista wladmir] herzog [torturado e morto em 1975]. compus essa música no rio. o herzog tinha sido morto e eu conheci a família dele, a esposa dele, muito superficialmente, e nesse período, os nossos temas eram realmente esses, a música popular brasileira passou a ser um instrumento de defesa das nossas posições ideológicas, nesse momento de ditadura. a gente trabalhava muito, todos nós compositores, todos nós da minha geração, tínhamos essa intenção. foi uma música feita com um personagem que mistura o herzog e pega também o homem do povo, como essas pessoas que são massacradas na rua, hoje pelo tráfico, pessoas que são mortas, naquele período havia também, de certa forma, isso. então a música mistura essa coisa do herzog com os acontecimentos comuns da rua, o homem que é baleado, que é jogado no fundo do quintal. na verdade, essa música tem a violência que me impressionou na morte do herzog.

zr – você recentemente se apresentou com o renato teixeira [sambafo: onde tudo começou. show com chico maranhão e renato teixeira. abertura: sérgio habibe. dia 5 de novembro de 2005, na concha acústica da lagoa da jansen, em são luís/ma] e o teu disco de estréia é um brinde da [gravadora] marcus pereira, com renato de um lado e você do outro, que assinava, à época, apenas como maranhão. esse disco inaugura a marcus pereira como gravadora.

cm – só eu e renato tivemos esse privilégio, um disco dessa natureza. nenhum dos outros compositores grandes têm. você poderia ter um disco desse com caetano e gil. não tem.

zr – como é que tu vê isso? tu inauguraste a marcus pereira e o lances de agora, que é um disco fabuloso, e o bandeira de aço, que é outro disco importante para a música brasileira teve reedição em cd e o lances de agora não. como é que tu vê isso?

cm – são destinos diferentes, são dois discos, dois caminhos diferentes. o bandeira de aço, por mais que seja um disco da marcus pereira, tinha um cuidado especial que o papete deu ao disco, que o papete trabalhou. papete fez esse disco, pegou essas músicas [de cesar teixeira, josias sobrinho, sérgio habibe e ronaldo mota] em são luís, levou para são paulo e montou o disco. eu, não. meu disco é muito mais amador do que o dele. meu disco é muito mais romântico do que o dele. meu disco é muito mais descompromissado com o mercado do que o dele. nós não queríamos compromisso com o mercado. nós queríamos reagir à posição globalizante, na época, da globo, sabe? isso é um dado de idéia do marcus pereira que, de certa forma, eu paguei um preço. com muito orgulho. mas há um preço aí muito pesado que ainda será ressarcido, vamos dizer assim, esse preço, ainda será reconhecido na frente, quem sabe?, que é ter sido um disco que foi negado pela mídia, por não ter qualidade para tocar na mídia do momento, por que o disco se dispunha a isso. o disco pretendia um público que não era o da novela do momento da rede globo, o interesse era pegar outro público, era formar outra mentalidade, era mostrar cada vez mais que a música naquele momento, ela se valorizava pela sua qualidade intrínseca de criação, menos técnica.

zr – essa postura se mantém até hoje dentro da tua obra, não? fazer música mais por prazer do que pelo compromisso de vender discos…

cm – um pouco, sim. coisa curiosa, acho que sempre será assim. acho que esse é o valor desse artista de quem estamos falando, essa é uma qualidade desse artista.

zr – te incomoda ouvir rádio hoje?

cm – não, não me incomoda não. eu ouço rádio analisando, compreendendo o que ‘tá se passando, vendo o que ‘tá no momento, o que ‘tá se tocando, não há nenhum desgosto, né? evidentemente que se ouve aquilo e não se tem prazer em ouvir.

zr – por exemplo, a gente sabe que tu tens uma obra melhor e não toca…

cm – é, mas é normal isso. não tem como você querer uma parcela grande desse bolo. numa situação dessa você tem que ter uma parcela pequena. você tem que se preocupar com a qualidade da parcela. a minha vida, cada vez mais, fecha mais a peneira e torna a qualidade essencial. eu tenho 63 anos [65 hoje]. sou um homem que me sinto com 25 anos, só por causa da qualidade da vida, tanto a vida cultural, como espiritual, econômica, o alimento. cada vez melhor e tem que ser assim. cada vez minha vida fica melhor, em termo de qualidade.

zr – qual a tua religião?

cm – eu sou católico.

zr – como é que tu vê a nova geração? quem tu tem ouvido e te agrada?

cm – de maneira geral, acho que a geração mais nova, em relação à minha, tem uma coisa que eu acho que é uma diferença básica. nós éramos ingênuos. a geração hoje não é tão ingênua. eu acho isso importante para o artista, ingenuidade é fundamental. a geração de hoje perdeu um pouco a ingenuidade. ela é decidida, autoritária no que quer, competente, competitiva, mas falta um pouco de inexperiência, de compreender que a inexperiência, a ingenuidade é importante. aquilo de olhar uma coisa e dizer: não, não compreendi e perguntar e se impressionar. a geração, hoje, a diferença, é que ela não se impressiona.

zr – ‘tá tudo muito banal…

cm – é, se banalizou tudo.

zr – e essa falta de ingenuidade que tu colocas, acaba gerando um pouco de falta de sinceridade na obra…

cm – uma falta de autenticidade. falta. como na minha geração faltavam coisas. faltava, por exemplo, a competitividade. eu não aprendi a ser competitivo com 22 anos de jeito nenhum. só fui colocar minha obra com competitividade, depois de homem feito, depois de 35, 40 anos de idade é que fui aprender a competir. e foi um processo difícil para mim por que eu não gosto de aceitar essa competitividade, nunca gostei, até hoje eu tenho um pé atrás com isso.

zr – mas há algum nome, na nova geração?

cm – o pessoal que faz rock, há muita gente boa, o [arnaldo] antunes é um cara muito bom. tem gente muito nova em são paulo. eu fiz um show agora em são paulo, com renato, e vi. o filho da tetê espíndola, um garoto de 17 anos tocou um negócio absolutamente novo, a mão direita dele é completamente nova. chama-se dani black. essas coisas existem. existe muita gente em são paulo, esse caldeirão já misturado.

zr – como é que tu vê, por exemplo, o movimento mangue?

cm – já passou, né? uma experiência interessante de nordeste, do nosso lado, daqui. tanto que quando fiz a ópera boi [o sonho de catirina, (1995)], o [tenta lembrar], o crítico, como é mesmo o nome, o crítico do jornal do brasil?

zr – o tárik?

cm – o tárik de sousa fez uma matéria sobre meu disco e ele fez exatamente uma comparação, colocou dentro do padrão do [inverte o nome do movimento] beat-mangue, por falta de conhecimento. aproximou recife de são luís e considerou as coisas por aquela ótica. achei interessante, esse é o universo dele, ‘tá tudo certo. misturou um pouco com as idéias de hermeto pascoal, há uma música chamada canteiro de passarinhos, onde passarinhos cantam, e ele relacionou um pouco ao mangue de chico science.

zr – voltando um pouco à arquitetura, tu trabalhaste no escritório do niemeyer, né? como foi que tu entrou no magistério?

cm – quando eu fiz arquitetura em são paulo, havia uma intuição profissional, e era muito engraçado, eu sempre me liguei muito por onde me meti, e havia uma intenção de se expandir a profissão de arquiteto, de expandir mais, como se a gente sonhasse que o mundo precisasse de mais arquitetos e muitas escolas foram sendo criadas e nós nos dispúnhamos a dar aula de arquitetura e eu entrei nessa. dei aula na escola de santos recém-formado. quer dizer, eu sempre gostei, e isso aconteceu durante uns três, quatro anos em são paulo e ficou guardado na minha memória, esse prazer de ter contato com os mais jovens, com os colegas, de formar o arquiteto. aí passaram-se anos. quando aqui eu tive problemas com a ópera boi, que eu me desentendi com [o ex-diretor do teatro arthur azevedo, fernando] bicudo, resolvi dar um tempo para descansar, eu tava muito cansado, essa coisa toda veio com um stress muito grande, o próprio processo de fazer a ópera, e eu resolvi dar um tempo e descansar. como eu não gosto e não consigo ficar parado, imediatamente resolvi estudar arquitetura. fiz uma tese de mestrado, que eu me devia. essa tese virou livro, que estará sendo lançado agora, no final do ano, começo do ano que vem [mais tempo se passou], esse livro se chama urbanidade do sobrado e é um dos meus novos projetos. nesse processo eu comecei a me interessar a querer ver como estava a arquitetura em são luís, e aí acabei entrando no recém-formado curso de arquitetura do ceuma e eu prestei um exame, estava meio sem ter o que fazer com aquele material que eu tinha estudado, e passei no exame, com muita vontade de ver como é que ‘tava o pessoal mais novo. gosto muito de ter contato com os mais jovens.

zr – estás há quantos anos no ceuma?

cm – quatro anos. e aí eu comecei a mexer com isso. isso mudou muito a minha vida, de certa forma. tanto que eu não sou professor, eu estou professor. e aí é aquela coisa do verbo to be, da língua inglesa, de ser e estar, é mais ou menos isso. eu tive naturalmente que adaptar algumas coisas do meu modo de vida. eu tive, por exemplo, que escolher roupa para ir dar aula, eu não podia ir dar aula de bermuda, não posso ir para lá de sandálias. foi uma mudança social que tive que fazer, com muito prazer, e comportamental. uma aula é diferente de um show. toda aula é um show, mas a diferença é muito grande. o ensino, passar um conhecimento, é uma coisa científica, fazer um show é uma coisa mais criativa. é a arte e a ciência. e eu achei que seria muito importante eu mexer com a ciência, seria importantíssimo para a minha arte eu compreender e meter a cara na questão científica e hoje eu tenho uma idéia completamente diferente dessas duas posições. essas duas posições sempre estão muito ligadas, então a minha aula hoje, ela é artística e científica. a minha obra hoje é artística e científica. essas coisas se fundiram com essa experiência, isso tem sido muito bom e eu ‘tou muito feliz com isso, o processo ‘tá andando muito bem. não sei até onde isso vai, não sei até quando. quero fazer doutorado e o tempo não ‘tá dando. eu ‘tou com minha carreira como compositor em pleno desenvolvimento, há vários projetos, o dvd, o disco, o livro, songbook, há cinco produtos ali [aponta um quadro magnético na parede, onde há anotações com um marcador]. então, eu acordo geralmente muito cedo e trabalho muito até mais tarde, ‘tou levando as duas profissões. às vezes uma supera a outra. às vezes tenho que parar o violão e dar atenção para os alunos. aí fico escolhendo coisas, montando provas, aí preciso relaxar e vou compor. compor uma canção ocupa muito o cérebro da gente, mas o aluno também. [repete, enfático:] o aluno também. o aluno precisa muito do professor. e no maranhão, o aluno precisa muito mais. muito, muito, muito [repete, frisando]. por que eles chegam muito despreparados [ao curso superior] e é preciso prepará-los para seguir o caminho da arquitetura. eu pego o aluno no começo, eu dou plástica, que é a cadeira que abre a cabeça do aluno para as artes. é preciso ter cuidado, ter muito tempo para isso, muita dedicação. cada aluno para mim é um universo e eu trato especificamente com muito cuidado.

zr – tu colocas para os alunos, por exemplo, essa tua relação com o niemeyer e o fato de tu seres compositor? pergunto por que a gente sabe que quem não se interessar em saber quem é chico maranhão não vai saber nunca, por que a mídia não diz. tu te apresentas, tipo, aula inaugural, “além de professor eu sou compositor”, algo assim?

cm – essa relação, com alguns alunos, é difícil. com certos alunos, essa relação se conflitua. em sala de aula eu tenho muito cuidado para ser professor. às vezes eu relaxo.

zr – a minha pergunta é mais no sentido de que recentemente tu fizeste um show com renato e no começo do ano com zeca e cesar teixeira [brincadeiras de viola, show de chico maranhão, cesar teixeira e zeca baleiro, dia 21 de janeiro de 2005, na concha acústica da lagoa da jansen, são luís/ma]. então, na aula seguinte não acontece um “professor, fui ao seu show e tal”?

cm – comenta-se brevemente e depois disso vamos para a aula. às vezes sinto que eu preciso controlar mais a situação, explicar melhor, dar mais tempo. às vezes os alunos querem saber como é o show, o quê que acontece, mas depois de uns cinco minutos, vamos para a aula, para o conhecimento, para a plástica. e eu preciso administrar isso, para que isso não atrapalhe a aula. uma tática minha é andar um pouco apressado, fugir um pouco. não fico na escola além do tempo necessário que tenho da função como professor. não fico um minuto no corredor conversando abobrinhas, isso não é possível, isso não dá certo. entro, dou a aula, trato dos assuntos, resolvo o problema dos alunos, ensino, passo a matéria, muito obrigado, até logo, tchau. isso eu tive que aprender.

zr – vamos para a experiência do sambafo, que era uma reunião de estudantes para fazer música.

cm – nós não estávamos preocupados absolutamente com nada. não havia um pensamento de competição, esse espírito. quem ia para o sambafo queria batucar, fazer um bom samba, cantar e se divertir. aquilo que aconteceu no show com renato. felizmente naquele dia, tanto eu como renato ficamos muito felizes com esse show. o show foi desprogramado como o sambafo era. quer dizer, o show ainda foi programado demais perto do que era o sambafo. ainda tinha sérgio [habibe, que fez a abertura do show], eu e renato, havia um mestre de cerimônia, havia um que começa e um que termina. não conseguimos ser mais próximos ao sambafo. a desprogramação era fundamental, mas nós não sabíamos disso, isso é uma reflexão de hoje.

zr – chico buarque participava do sambafo. como é tua relação hoje com chico?

cm – a gente é amigo, mas não se vê. a vida levou cada um para um lado. é a mesma coisa. não tem outra história não. ele era um dos comandantes do sambafo. não só ele, mas eu, toquinho, nós puxávamos o violão, não tínhamos diferença, éramos jovens estudantes, éramos amigos, brincávamos, brigávamos, bebíamos cachaça… tudo junto. chico buarque era o carioca, eu era o maranhão.

zr – ismael silva…

cm – quando ismael silva apareceu por lá…

zr – mas nem todos eram estudantes de arquitetura, eram?

cm – a maioria. mas com o tempo foi chegando gente de fora. na verdade, essas pessoas, o próprio toquinho, o renato, começaram a chegar, já tava acontecendo. a gente tocava junto, tinha as idéias. na rua maria antonia, que a maranhão ‘tá na esquina [ruas próximas à faculdade de arquitetura e urbanismo (fau) da universidade de são paulo (usp)], são esquinas universitárias, era um centro cultural muito bom. o sambafo envolvia tudo isso, a gente trilhava por ali. é que nem a praia grande, a gente rola pr’um lado, rola pro outro, toca várias coisas, essa vida…

zr – boêmia?

cm – a vida, a vida [tenta lembrar e enfático:] a vida é uma festa! [o projeto semanal do multi-artista zémaria medeiros], vai num bar não sei aonde, vai não se o quê. você não viveu o tempo do baixo leblon [bar outrora famoso], né? mas era como o baixo leblon, era um centro onde tudo acontecia. na verdade a música paulista nova aconteceu ali, ali na nossa mão. chico, caetano, gil, milton, eu, renato teixeira. eram compositores mesmo, não tinha outros nomes. tinham, mas menos expressivos. se você quiser botar edu [lobo], edu tava no rio. era diferente, a formação clássica da música, era outra coisa, outra história. nós não tínhamos isso. não tinha esse negócio. não tínhamos conhecimento nenhum de violão. e nem queríamos, eu tinha medo de estudar violão e perder minha originalidade, minha intencionalidade, minha pureza, que é uma bobagem, mas é isso que dava o diferencial. é por isso que eu sou o maranhão. eu tinha uma qualidade que era minha, como o buarque tinha a dele, o renato tinha a dele, o maninho, que é um percussionista que as pessoas quase não falam, tinha a dele; ele acabou tocando uma queixada de burro com o vandré [na gravação de disparada, parceria de vandré com théo de barros], era um artista, um criador. então, éramos nós. mesmo gil e caetano, não eram estudantes da fau, então eram um pouco fora, não eram freqüentadores, eles seguiram uma linha. na verdade era mais o comando do chico buarque, que era o cara que era mais expressivo, mais barulhento. e eu que despontei também, de repente haviam grupos de foco. eu criei gabriela. chico tomou outro caminho, fez sucesso, foi pro rio. ficou eu, aí cuidei comigo e acabou. também tomei meu caminho, ele tomou o dele.

zr – eu ‘tava vendo aquela lancheira ali [aponto para uma lancheira sobre a escrivaninha] e me disseram que tu levas ela para o ceuma.

cm – eu levo essa lancheira, eu dou aula com essa lancheira. tem um propósito. no começo as pessoas reagiram um pouco, mas depois acostumaram. a reação dos alunos. o quê que tem aí? materiais que eu dou aula, é muito confortável essa lancheira. eu sou um artista que vai dar uma aula, não sou apenas um professor. isso é para quebrar essa barreira entre professor e aluno. não há conhecimento se não houver liberdade, se não houver uma comunicação clara entre as duas pessoas. só se grava uma coisa quando tem função. só serve para você aquilo que tem função para você. fora isso você não quer saber. então o professor tem que saber o que dizer para o aluno, o que ensinar para o aluno. essas coisas são interessantes, tudo isso se mistura, com uma dosagem muito boa.

zr – chico, outro dia eu consegui comprar o vinil de lances de agora.

cm – ‘cê achou?

zr – achei.

cm – onde?

zr – no chico discos, ali na fonte do ribeirão. raro, fiquei muito contente por ter conseguido comprar, barato. e eu vi coisas interessantes na contracapa do disco: o texto do marcus pereira, o fato de ter sido gravado em três dias na sacristia da igreja do desterro e os músicos que participam. como foi, na época, reunir esse time? de quem foi a idéia de gravar dentro da igreja?

cm – a época era outra, os valores eram outros. reunir [mestre antonio] vieira tocando afoxé, sérgio [habibe] tocando flauta, zezé [alves, hoje professor da escola de música lilah lisboa – emem] aluno de sérgio aprendendo, [o percussionista] arlindo [carvalho]. era um grupo de meninos que ‘tava começando. não havia ainda essa situação que tem hoje. ‘tava tudo muito à mão, nós andávamos em bando. eu tinha vindo de são paulo, com a experiência do sambafo e de certa forma isso se reproduziu aqui e eu toquei o barco assim, com essa gente. o que aconteceu foi o seguinte: eu não sei explicar tudo, é uma coisa de sensibilidade mesmo, eu sai procurando espaço para fazer o disco, queria o museu [histórico e artístico do maranhão] da rua do sol, que ‘tava começando, o teatro [arthur azevedo] não cedia, então não sei por que que surgiu a idéia de fazer dentro da igreja. eu tinha a idéia de fazer dentro de um espaço sagrado. eu queria um espaço sagrado, cheguei lá ‘tava vazia, fechada. aí o marcus pereira chegou de avião com toda a tecnologia, microfone, mesa, caixa e tínhamos que botar num lugar. e ele ficou impressionadíssimo, por que o produto era completamente novo, ele não conhecia a maioria das músicas. algumas sim, cirano, a paixão dele. quando ele ouviu mulher ele chorou. ele fala alguma coisa assim na contracapa, continuo me surpreendendo com o compositor, coisa assim. é isso.

zr – tens alguma idéia de reeditar lances de agora?

cm – como disco, assim, não. eu acho que esse disco tem que permanecer assim. a não ser que isso seja uma proposta que não vá surgir de mim. cada vez mais eu me torno mais artista da minha obra, cada vez mais eu me distancio da produção.

zr – isso é uma dificuldade no maranhão, não é?

cm – [continua a resposta anterior, sem dar atenção à pergunta] deveria ser o contrário. hoje nós estamos na época em que o artista faz a produção de sua obra. eu, cada vez mais, vendo menos a minha música. sou meio maluco por esse lado. cada vez mais, faço minha obra e me distancio da divulgação dela. cada vez que você me olhar num programa de televisão, com meu violão, eu ‘tou integralmente divulgando a obra. isso é um processo pessoal, personalístico meu. cada vez que você me olhar com o violão, eu ‘tou competindo mais, mas eu não tou vendendo a música, eu não vendo música, eu vendo cds. agora, se você entra numa estrutura, por que o mundo é assim, você é pinçado, as forças. eu ‘tou aqui e chega um cara e me chama para fazer determinada coisa, eu sou escolhido para fazer aquilo, eu vou e executo.

zr – a minha pergunta sobre a reedição do lances de agora em particular se dá pelo seguinte: antes de conseguir comprar o vinil, eu tinha uma cópia em cd, uma transcrição do vinil, mal-gravada, que era continuada com a transcrição do fonte nova (1980). eu tomei a liberdade de fazer três cópias e presentear amigos. um amigo no paraná, chorou quando ouviu aquilo, outro se impressionou bastante também. as pessoas para quem eu tenho mostrado, têm gostado. charles gavin tem relançado discos de walter franco, tom zé, secos & molhados e muitos outros em cd.

cm – não há tempo [para se preocupar com ou priorizar reedições]. você pensa que há tempo, mas não há. eu ‘tou aqui dando essa entrevista, estamos conversando, mas às cinco horas [olha para o relógio na parede, que se aproxima de 17h] tenho que estar no ceuma. eu ‘tou produzindo muito, acabei de compor uma música sobre sobrados, que faz parte do disco que vai ser publicado no livro, então são vários projetos.

zr – então, a gente já ta meio em cima da hora, vamos para os projetos.

cm – os projetos em que estou trabalhando são o cd, o dvd, o livro…

zr – o dvd será uma espécie de documentário?

cm – [continua respondendo a pergunta anterior] quem ‘tá comandando é o livro. é o carro-chefe. não era, passou a ser. o projeto se chama sobrado, puxado pelo livro. o dvd vem em função do livro, o cd vem em função do livro, o songbook são cem canções. então, são quatro produtos e uma série de shows. aí, tanto em são luís quanto fora.

zr – a idéia do songbook seria mostrar cem canções do começo da carreira até agora, uma retrospectiva?

cm – independentemente disso, talvez as cem canções com as harmonias originais, do jeito que eu toco, do jeito que eu compus, da forma mais original possível, sem interpretação de maestro e estudiosos. se tem uma coisa que ‘tá meio desafinado vai desafinado. isso é hoje. pode ser que daqui a pouco a idéia mude.

no alternativo, ontem

Maria Preá estréia em CD com roteiro maranhense

Zema Ribeiro
Especial para O Estado

Laeticia Madsen nasceu em Minas Gerais. Mas é maranhense. Morou em diversos lugares do Brasil. E tem uma banda. Ou melhor: um bando. O bando de Maria Preá, sua banda. Maria Preá gravou um disco: Avesso (Elo Music/Tratore, 2007, R$ 22,00), sua estréia. Nasceu Maria Preá, contradizendo o dito popular maranhense, nordestino, “morreu maria preá”. “Tá resolvido” é “tradução” possível. E Maria Preá passeia com força pelo Maranhão, uma escapada para a capital federal do vôo da Juriti do Liga-Tripa aqui, outra para o mineiro Caxangá de Milton Nascimento ali.

Em dez faixas, os nomes de João do Vale (Carcará), Dibell (Vidente), Sérgio Habibe (Ponteira), Cesar Teixeira (A volta de Lampião), Josias Sobrinho (Circo dos horrores) e a parceria de Tácito Borralho, Cláudio Silva e Negreiros Xavier (Guenta touro), além de pontos de tambor de mina, recolhidos, de domínio público (Tambor de mina e Ponto pro Caboclo Sete Flechas).

Se ninguém bota defeito no time de compositores, idem no de instrumentistas: Webster Santos (guitarra e violão), André Magalhães (teclados e produção, com Laeticia), Gerson da Conceição (contrabaixo e guitarra), Swamy Jr. (violão), César Peixinho (percussão), Celso Marques (flauta), Gigi Magno (contrabaixo) e Thomas Roher (rabeca), entre outros.

Avesso é um disco quase genuinamente maranhense, com músicas que poderiam/deveriam (já) ser clássicas e, no entanto, ainda não são conhecidas da maneira que merecem. É esta a conta que Laeticia Madsen assume – mesmo não sendo dela – e quer pagar.

O caos, a inversão de valores do mundo contemporâneo e a falta de moral e ética de nosso tempo explicam o título do disco. Talvez isso explique o porquê de muita gente estar ouvindo essas canções pela primeira vez com a Maria Preá, isto é, não conhecer a maioria das já gravadas em outras versões e, no entanto, ouvir/ter ouvido tanta porcaria neste mesmo caos do mundo. Mas esta é uma outra discussão. Gracias, bando!

rremembranças zêmicas em depoimento por crime de plágio

Não, eu não tenho rremembranças da menina de rua morta nua, era muito novo quando o crime aconteceu, tinha onze anos, apenas. Achava chatíssimo o jeito de Gil Gomes apresentar o Aqui Agora. Aliás, sempre achei chato esse tipo de programa de televisão. Aqui no Maranhão nunca fui com a cara do Bandeira 2. Insuportavelmente antipático, aquilo, [faz voz fanha] “Jânio Arlei, Bandeira 2 e o SBT, de olho em você”, argh! Toscas demais aquelas propagandas de café, cachaça e locadora de filme pornô que patrocinavam o matutino sanguinolento. Não sei como minha família gostava de ver aquilo. Vai ver, supriam a falta de presunto no pão vendo os cadáveres na telinha.

Bom, a primeira vez que ouvi falar da menina de rua morta nua, achei simplesmente um título bonito. A capa, também, lembrava uma grade, uma cela, algo assim. E li o entusiasmadíssimo texto de Joca, quando ele ainda tinha o blogue, talvez seu fã número um. E aqui se desencadeia um fanatismo em cadeia, perdoem-me ser tão repetitivo e trocadilhesco e sem-graça e não ser objetivo, vocês entendem meu nervosismo, não sou acostumado a estes ambientes. Ainda mais que me obrigaram a por uma roupa mais arrumadinha. Por mim tinha vindo como estava em casa, sandália de dedo, bermuda e regata. São Luís é quente. Ah, sim, os fanatismos em cadeia. Bom, talvez eu esteja exagerando. Mas Joca é fã do Valêncio Xavier, um repórter do absurdo, e Reuben é fã do Joca. E eu também já era fã do Joca e do Reuben, e digo-me, além de fã, amigo dos dois, embora não conheça Joca pessoalmente, ao menos ainda. Sim, claro que tenho a idéia de conhecê-lo. E tomar umas cervejas na Mercearia São Pedro com ele. Com ele e aquela turma da Antologia BêbadaRonaldo Bressane, Xico Sá… ah, falar em Xico Sá, outro dia o Alê Muniz me contou uma história que só podia me deixar emocionado. Diz que ele encontrou Xico na Merça, ah, perdoem-me a intimidade, mas puta-que-pariu, quer não ficar íntimo depois de ver as fotos que a Ivana publicou no blogue dela de um almoço na casa do Joca? É, juntem às provas do crime, talvez isto nos facilite as vidas. Aí o Alê ficou na dúvida se era ou não o Xico e resolveu chegar e era, e ele deu um disco do Criolina para ele. E Xico deu os parabéns ao Alê e a Lu pelo trabalho e disse que já tinha ouvido falar, que um cabra do Maranhão etc. E Alê: “Quem?” e Xico: “Zema”.

Sim, mas aí, onde estava mesmo? Ah, bom, aí eu já me considerava amigos dos dois – quer dizer, de Reuben eu sou, inclusive, foi ele quem me emprestou as Rremembranças da menina de rua morta nua e eu li dum tapa e fiquei impressionado e fiquei fã, já era de dois, fiquei fã dos três. Aquele livro você lê muito rápido, curta-metragem, qualidade altíssima, mas vale a pena, sem dúvidas. É muito bonito.

Inclusive eu ‘tava lendo Sonho Interrompido por Guilhotina quando a campainha tocou e só me deram tempo de eu trocar a roupa, ainda bem que já tinha tomado banho, se não ‘tava que nem o velho ex-guerrilheiro de Amores Brutos, que eu vi ontem e também achei bonito, mas nada me impressionou mais este fim de semana que as Rremembranças. Aí eu vim. E lá no Sonho, que a guilhotinesca campainha interrompeu, há histórias de Joca em tributo ao ídolo. E, olha, Joca, chegou a editar um livro dele, não lembro o título agora, deixei o volume das Rremembranças em casa, tive tempo de nada, estou dizendo.

Ciência do Acidente, era o nome da editora de Joca. Aliás, além da prosa e da poesia em si, ele tem títulos maravilhosos, concordam? Não sei o que houve. Junto com as rremembranças, Reuben emprestou-me também o Eletroencefalodrama e eu vi o Joca sem ser careca pela primeira vez, na foto da orelha – do livro, não a dele – encoberta pela vasta cabeleira – a orelha dele, encoberta, não a do livro. Quero até saber se Joca não tem uns livros encalhados, queria comprar umas coisas de Valêncio Xavier, se ele tiver vai ser legal.

(Toma água em copo descartável). Não, obrigado. (Recusa um cigarro). Sim. (Aceita um cafezinho e repete).

Fiquei teorizando umas bobagens. Por exemplo: quando Valêncio Xavier assina apenas com as iniciais, VX, eu ficava fazendo um cálculo doido, sem sentido, uma equação de dar em nada. Lembrava-me dos algarismos romanos que era praticamente obrigado a aprender nos primeiros anos de escola. Se V é cinco e X é dez, e se, para fazer alguns números, você põe uma letra antes da outra, de modo a subtrair da segunda… por exemplo: como se faz um nove em romanos? IX. Ou seja: dez, que é X, menos um, que é I, nove. Ou I, um, para X, dez, nove. Ou quarenta: X, dez, para L, 50, quarenta. Logo, VX seria cinco. V para X, cinco, mas isso não dá em nada, já que cinco é V e pronto.

Outra teoria besta: pensei em dizer, mas não direi, que Valêncio Xavier é o Luiz Gonzaga da nossa literatura. Eu já tinha pensado em dizer que Flávio Moreira da Costa é o Tom Zé da nossa literatura. Mas podem procurar aí por onde eu tiver escrito, qualquer espaço, qualquer, qualquer. Nunca disse. Também, fiquei maravilhado com as obras de ambos, assim que tomei contato, mas soltar isso, assim, de cara, seria demais, pois os li pouco, muito pouco. Por enquanto. Sim, certamente isso é um crime. Eu acho. Vem cá, tem alguma tv filmando isso? Imprensa, rádio… destaquem aí, para a gurizada: leiam Valêncio Xavier e leiam Flávio Moreira da Costa. E não só a rapaziada nova não. Todos deveriam, todos devem lê-los. E já! Eu mesmo, saindo daqui, antes de chegar em casa passo numa livraria para procurar títulos de VX. De Flávio tenho uns dois aguardando, em casa. E chegando em casa digitarei o nome de Valêncio Xavier num desses sites de busca e verei no que dá. Achando qualquer coisa, principalmente se venderem pré-datado, já mando buscar.

(A sala está quente. Justo no dia do depoimento, o ar-condicionado havia achado de pifar. Janelas abertas não davam conta do recado. Felizmente havia energia elétrica para que se digitasse o que ele dizia, por vezes sem pensar e ligeiro demais). Ah, sim, não, talvez essa relação que eu faço, ou tento fazer, do Valêncio com o Luiz Gonzaga, seja pelo fato de eu ter ouvido muito o rei do baião durante o final de semana. Bom, talvez eu esteja dizendo bobagem, até por que, apesar de ter lido bem pouco Valêncio Xavier, ouvi pouco Luiz Gonzaga também; embora do segundo conheça mais coisas, até por ouvir música ser mais fácil do que ler, concordam? Quem já ouviu Samarica Parteira entenderá. É isso. Se Luiz Gonzaga tirava música daquele “nhééééééééééééééééém… pá!” das cancelas sertanejas, de onde Valêncio Xavier tira sua literatura? Como Gonzaga tira sua música, de qualquer lugar, é o que eu quero dizer. Só isso. Ó, aquele bilhete das crianças-pedintes nos ônibus, que ele recebeu em alguma viagem… aquilo ‘tá lá nas rremembranças dele. E isso é o que me rremembro agora.

Bom, quem me conhece sabe que sou boa gente, que não mexo com ninguém. Aliás, ando cada vez mais quieto, os próximos sabem. Sim, tenho bebido menos e, ainda não é o ideal, mas tenho lido mais, tenho procurado ler mais. Foi assim que cheguei às rremembranças do Valêncio Xavier. Sim, claro que vou comprar. Aqueles sete livros, aquela bíblia, é coisa para se ter em casa. Pecado? Ora, bíblia, não é um livro com vários livros dentro? Pois então? O título não é Rremembranças da menina de rua morta nua e outros livros de Valêncio Xavier? Não estou errado, portanto. Portanto, repito, pecado, não, meu crime é outro: EU SOU ZEMA RIBEIRO E PLAGIEI JOCA REINERS TERRON.

ao cinquentão natan máximo

desde que descobri, ao pegar seu endereço de e-mail, ou vendo algo com seu carimbo, que o nome de natan é nataniel, e mais, que seu sobrenome é máximo, inventei a saudação, com que cumprimento-lhe quando nos topamos pelos corredores (da vida e da arte, no dizer do sempre mestre joãozinho ribeiro): “natan, você é o máximo!” a isto ele responde com um “zema, o bárbaro”, sempre sorridente.

na quarta-feira passada (19), natan completou 50 anos. uma turma de amigos correu o chapéu e organizou uma festinha para ele. merecida. memorável festa. emoção total. pediram-me para escrever uma espécie de “roteiro de cerimonial”, pelo que entendi. como sou péssimo nisso e, tomado pela emoção, tornou-se impossível atender ao pedido e cometi o texto abaixo, que li com elizandra, na ocasião.

publico aí após vários elogios (gracias, turma, vocês exageram…) e após a carinhosa indagação/intimação de micaela: “por que não pões o texto do natan em teu blogue?”

*

ao cinquentão natan máximo

certamente, se mais sábios fossem os homens, todo dia seria o dia certo de celebrarmos a amizade. ou melhor, as amizades. nunca esperaríamos pelo momento certo ou por “aquela ocasião” para dizer o quanto gostamos de alguém.

há algumas datas, no entanto, que nos são especiais. e o aniversário de alguém de quem gostamos é, certamente, uma delas. queremos estar juntos, dar aquele abraço apertado que estamos lhe e nos devendo há tempos, queremos colocar o papo em dia. queremos simplesmente ficar perto, fazendo e tendo companhia agradável, celebrando o cumprimento de mais uma etapa da vida, que queremos ainda longa, mais uma primavera, mais um carnaval.

e por falar em carnaval, nesta quarta-feira que nada tem de cinzas, aqui estamos reunidos para celebrar mais uma primavera do mais que colega de trabalho, o professor, amigo e irmão natan.

seus cabelos são de prata, mas as bodas são de ouro. fazer parte de tua vida e ter-te, parte da nossa, é, perdão da rima piegas, um tesouro.

por isso bradamos, em uníssono, o acerto de teus pais ao te batizarem: nataniel, você é o máximo!!!

minha vida não vale um filme

menos ainda um romance de formação.

é de manhã, sol, pingos de chuva nenhuma, ontem não caíram, um motoqueiro me indaga, eu a pé: “onde fica o hospital geral?” indico uma via para que ele fuja da contramão e oriento-lhe sobre como chegar.

em busca de uma casa (para comprar), no centro, desço alecrim, pespontão, encontro um rapazinho dessas terceirizadas que prestam serviço para a cemar (ou caema, sei lá); puxo conversa: “não sabes de nenhuma casa para vender por aqui? pergunto, pois tu deves andar muito por essas bandas, talvez lembre de algo…” pensa um pouco, e “não, no momento lembro de nada não”, ele me diz. depois comenta que talvez aquela que está fechada, e ele toca novamente a campainha, vá ser vendida. mas não há placa nenhuma indicando-me disso.

resolvo finalmente chegar ao trabalho. despeço-me do rapazinho da terceirizada da caema (ou cemar, sei lá) e avisto uma velhinha na calçada. “a senhora mora por aqui?” “moro, e ele já me viu”, responde, como quem não quer conversa e/ou pensando que eu era também um terceirizado da cemar (ou caema, sei lá). podendo dormir sem essa, insisto: “a senhora não sabe de casas para vender por aqui?” a resposta é ainda mais seca: “não! quem sabe disso é imobiliária”. digo um “obrigado” com a quase certeza de que ela não ouviu e sigo meu caminho.

conto a história acima no trabalho. ouço gargalhadas e rio também. rir (ainda) é o melhor remédio.

indo almoçar, sempre a pé, vejo um motorista de van, perguntando a um flanelinha desorientado por uma rua no centro. ao ouvir o nome da rua onde moro, aponto o sentido e digo que estou indo para lá. pego a “carona” na van e indico-lhe para que lado estaria o procurado número 39 e deixo-lhes seguir viagem.

após o almoço, a pé, nem preciso repetir, estudantes do ensino fundamental me gritam: “ê, siô!, ê, siô!, ó o camaleão aí!”. a pouca distância deste que vos escreve, um camaleão em plena rua das crioulas (ou cândido ribeiro, como queiram), no esturricante sol de pouco mais de meio-dia. paro e espero, para ver qual é a do camaleão, que fica parado, tenta escalar um muro e pára novamente. sigo meu caminho.

“boa tarde! um real, sem gelo, por favor”, saúdo e peço ao rapaz do balcão, um copo de caldo de cana. relaxo e atravesso a rua, enquanto um taxista atrapalhado deixa o carro no meio da faixa, atrapalhando nossa passagem.

erramos

convidado por zina nicácio para mais uma edição da revista eletrônica “etc. e tal“, da rádio univima, escolhi, entre os diversos temas propostos, tratar do dia da imprensa. gravei minha participação lendo este texto e ofereci a música “por pouco“, da mundo livre s/a aos ouvintes.

o erro: o dia da imprensa é “comemorado” em 1º. de junho, e não em 10 de setembro, conforme escrevi/disse.

há, n’o estado do maranhão de hoje, texto de edmilson sanches sobre o assunto: “imprensa: um dia de mentirinha“. título, aliás, corretíssimo para qualquer data em que se “celebre” o dia da imprensa.

bom, corrigida a data, a “homenagem” que fiz à imprensa brasileira, maranhense (com raríssimas exceções) continua válida.

antes do cinema

há umas boas semanas, chorei o fim do departamento de cds e dvds das lojas americanas da rua grande. era alarme falso, graças a deus. o departamento voltou maior e cheio daquelas bandejonas onde é possível comprar bons dvds entre r$ 9,99 (dez reais) e r$ 19,99 (vinte reais).

mas do que vou falar aqui, ainda não se compra lá. não por enquanto.

enquanto eu lia este post, no blogue da trip (provavelmente a melhor revista mensal do país), pensava comigo: bom, o filme de que trata o texto ainda não chegou por aqui.

imediatamente, lembrei-me também do fechamento da music play (rua grande), que acabou virando play modas (e agora vende, óbvio, roupas). uma promoção que durou muitos dias me garantiu coisas como um disco de yann tiersen, episódio que contei aqui.

ó: o disco “cê ao vivo” foi lançado. ainda não o vi nas (poucas) lojas de discos de são luís. digo isso só para dar um exemplo do mercado “oficial”.

voltando: lido o texto sobre “tropa de elite“, eu caminhava rumo ao almoço quando me deparo com uma cópia que me sorri, numa banca próxima à rua grande. r$ 5,00. pouco mais caro que um ingresso no cine praia grande. muito mais barato que um ingresso no box.

uma leitura, um aprendizado disso: o mercado “pirata” ludovicense acompanha o do resto do país. o “oficial”, não. sorrio, já com o dvd na mão.

câmeras nervosas e uma crueza que pode incomodar (seja isso bom ou ruim para você que vai ver o filme, caro leitor) mostram a realidade das favelas cariocas, a guerra instalada, infelizmente, obra de não-ficção, a guerra, repito.

josé padilha, o mesmo diretor de “ônibus 174”, “recruta” (para usar um verbo do mundo militar) wagner moura (o olavo da novela dazoito), que dá (mais) um show de interpretação, num filme que estréia nos cinemas só mês que vem, mostrando o cotidiano de policiais do batalhão de operações policiais especiais (bope), uma polícia militar paralela, tida como mais inteligente (ao menos por eles próprios) — sabemos que não é bem assim.

não se sabe se o vazamento do filme aos camelôs foi intencional (estratégia de marketing pensada) ou não. mas, mesmo sem os créditos finais (com a tela da tv sendo invadida por listras verticais no lugar deles), vale ver/ouvir as histórias do capitão nascimento e cia., nas quase duas horas de “tropa de elite”, um filme real. cru como a vida dos ali traduzidos.

dia da imprensa

10 de setembro é data que certamente não merece comemoração, não aqui no brasil, não aqui no maranhão.

abaixo, minha fala no “etc. e tal” de ontem.

*

alô, ouvintes da rádio univima! eu sou zema ribeiro e é um prazer imenso, mais uma vez, estar com vocês aqui no etc. e tal. obrigado, zina, pelo convite, obrigado ouvintes pela atenção.

e então, no último dia dez de setembro, celebramos o dia da imprensa. mas será que temos alguma coisa pra comemorar?

todos sabem no que se transformou, já há bastante tempo, a imprensa brasileira e, em especial, a maranhense, não é mesmo? o que dita seus comportamentos são, meramente, interesses políticos e empresariais.

o interesse público é sempre relegado a segundo, terceiro, quarto, último plano.

aqui no maranhão, historiadores, no futuro, certamente terão dificuldades em seus estudos. de acordo com os impressos locais, parecemos viver duas realidades bem distintas. cada veículo só conta ou mostra o que lhe convém, da maneira que lhe convém.

mas nem tudo é assim tão ruim. ou não tanto quanto parece. e surgem vozes, aqui e ali, contra a corrupção que assola o jornalismo brasileiro – e tantas outras profissões, embora este seja um tema para outra discussão, mais aprofundada.

fred zeroquatro, vocalista, guitarrista e letrista da banda pernambucana mundo livre s/a, é uma dessas vozes. sua banda, no início dos anos noventa, ajudou a consolidar o que mais tarde conheceríamos como movimento mangue beat. e pernambuco falou para o mundo.

a gente fica, pela passagem do dia da imprensa, com a faixa-título do quarto cd da mundo livre s/a, “por pouco”. a frase emblemática da canção é “jornalistas mortos não mentem”. eu diria que não mentem mais.

um grande abraço e até a próxima!

filosofia

ontem, no papiros do egito, após uma boa meia hora namorando o exemplar, deixei de comprar “a guerra do fim do mundo“, de mario vargas llosa. comprá-lo, certamente me demandaria a leitura de “os sertões“, de euclides da cunha, o que eu não faria agora. não, meus caros detratores: tenho 25 anos de sonho, de sangue e de américa do sul e ainda não li o clássico euclideano, um pecado, concordo.

na mesma viagem àquele sebo, acabei acertando uma conta e trazendo pra casa o duplo “4 way street“, de crosby, stills, nash & young, além do “mtv unplugged” do último do quarteto, o neil.

e ainda ouvi a pérola de moema, com quem gosto de conversar, tal qual comadres, às vezes “perco” manhãs de sábado inteiras entre as prateleiras e ouvi-la. e eis o que ela disse, ontem, do alto de sua sabedoria e experiência no ramo, a um outro cliente, que buscava livros e discos interessantes e a quem “empurrei” o “bate o mancá“, primeiro solo de silvério pessoa:

há duas coisas que só servem para acabar com bibliotecas: uma é traça; a outra, viúva“.

*

hoje, às 10h25min, vai ao ar mais uma edição do etc. e tal, comandado por zina nicácio na rádio univima, com participação deste blogueiro. minha fala e a música que toco são em “homenagem” (ironia, detratores) ao dia da imprensa (10 passado). ouçam!

*

atualização do post, às 10h09min: o “etc. e tal” acabou antecipado e eu mesmo não consegui me ouvir. reprise às 15h. não perco. não percam!

de já um clássico (mutaréllico)

“O cheiro que você ‘tá sentindo é do ralo”, diz o protagonista de “O cheiro do ralo[em cartaz no Cine Praia Grande, diariamente às 20h30min; ingressos: R$ 4,00, R$ 2,00 (para estudantes com carteira e maiores de 60 anos); aos domingos, R$ 1,00 para todos], filme de Heitor Dhalia, com roteiro dele e de Marçal Aquino (“O invasor”) baseado na obra homônima de Lourenço Mutarelli. Diz e repete. E repete. E repete. Obsessivamente. Por todo o filme. Lourenço (Selton Mello) é um comprador de quinquilharias, antiguidades e visões de bundas (ele paga para ver bundas, foi o que eu quis dizer), outra obsessão sua – a propósito, é a bunda da garçonete a primeira coisa que se vê no filme, num shortinho curto (diminutivo dos diminutivos, redundância das redundâncias, meu texto, claro, que no filme não há lugares para “issos”), passos apressados até o local de trabalho.

É engraçado vê-lo vendo (redundância de novo?) a bunda da garçonete da lanchonete onde ele faz suas refeições ordinárias. É engraçado ver Lourenço Mutarelli de vermelho e de vigia. Quem o conhece, magro e careca, talvez estranhe. Ou não, pois provavelmente todo mundo já viu este filme antes de mim, não? Não?!?!?!?! Ta esperando o quê, rapá? É engraçado ver Xico Sá tentando vender um objeto a Lourenço (Senton Mello, não Mutarelli) e receber uma resposta negativa, um dos poucos “nãos” ouvidos dele ao longo do filme. Até agora me pergunto de onde é que o “maníaco” tirava (tanto) dinheiro para comprar tanta buginganga, já que não o vi vendendo nada ao longo da trama – vilge!, estraguei?.

É sem dúvidas um dos melhores filmes que o cinema brasileiro produziu nos últimos anos, assim como é Mutarelli um dos melhores escritores da literatura brasileira contemporânea. Ele mesmo parece um personagem criado por ele, se é que vocês me entendem – aqui, lembro de uma matéria numa Trip dazantigas, assinada por Ronaldo Bressane, que depois virou posfácio ou coisa que o valha de “O Natimorto” (DBA Editora). O título da matéria, cito de memória, perdão se ela falhar, era “O bife que desenha” e contava coisas mutaréllicas – como um personagem seu – como o litro e meio de café consumido diariamente (assim ele venceu uma úlcera), o vício em comprimidos tranqüilizantes (ou coisa que os valham) e o uso de algo para apoiar sua mão – que não para de tremer – enquanto desenha. Novamente: são citações de memória, não estou com a revista em mãos, nem com meu exemplar de “O Natimorto”.

A propósito, ouvi falar (ou sonhei?) que este mais recente mutaréllico título será filmado ainda em 2007. É coisa para me deixar ansioso, ou para deixar assim qualquer um que tenha lido qualquer coisa do homem ou visto “O cheiro do ralo”. Ou sentido. “Esse cheiro que você ‘tá sentindo… é do ralo”.

notas atrasadas (mas em tempo)

‘cabei de ler matadouro 5, de kurt vonnegut. aí eu me pergunto: por que é que eu nunca tinha lido nada do homem?

*

boa surpresa na blogosfera maranhense: itevaldo junior em blogue solo. já linkado ao lado, bem-vindo, camarada!

*

reuben, poesia da boa, zunindo na zunái.

*

foi minha namorada quem pegou o buquê após o casamento de laura e luis (de quem fomos padrinhos). um animado forró pé-de-serra com chico nô e banda (o xaxados e perdidos sem sua porção feminina) animou os presentes à bela noite de sábado na vila nova. emoção total. ao novo casal, mais votos nossos de muitas felicidades. sempre.

ah, o feriad(ã)o…

sete de setembro e eu ainda em casa. daqui a pouco, saio para fazer uso de coisa que condeno: procurar um hipermercado aberto para comprar cds virgens. sim, condeno: e o feriado dos que garantem que o hipermercado esteja aberto quando um esquecido (ocupado demais?) precisa comprar cds virgens?

apesar do anúncio e dele não querer chororô, foi estranho não achar mais o blogue do joca. não substitui, é claro, além de tudo por ser temporário, mas o do mutarelli tá no ar, direto de nova york, pelo amores expressos.

ouço o bom disco novo de vanessa da mata, “sim”. amanhã laura e luis dizem “sim” um ao outro. eu e minha namorada somos padrinhos. é mais ou menos como se eu fosse um moleque que vê um ídolo (da platéia), depois aprende a tocar guitarra (pode substituir por seu instrumento predileto) e vira ídolo e é visto da platéia. ano que vem “é nóis”.