Carta aberta a parentes e amigos bolsominions

“Apesar de você, amanhã há de ser outro dia”
(Chico Buarque)

“É pena eu não ser burro; eu não sofria tanto”
(Raul Seixas)

“Meu coração não se cansa de ter esperança”, como cantou o recém-oitentão Caetano Veloso. Ao longo dos últimos quatro anos não foram poucas as vezes em que alertei parentes, amigos e conhecidos – ou deveria chamá-los todos/as de ex? – acerca do bolsonarismo, cuja máquina de mentir é tão perversa que acaba transformando seus próprios entusiastas em vítimas do próprio esquema.

Ainda em 2018 fui tachado por um par de parentes de “fanático”, adjetivo que acompanhava palavras como lulista, petista, dilmista, esquerdista ou comunista. Logo eu, que nunca deixei de fazer justas críticas ao PT e seus líderes enquanto o partido esteve no poder – ao contrário de quem, após um mandato inteiro de desmandos de Jair Bolsonaro, segue aplaudindo-o desavergonhada e acriticamente.

Falo de gente pobre, gente como eu. Não é nem gente remediada, que diante de qualquer emergência possa fazer um saque em uma poupança e resolver um imprevisto. Gente que se nega a perceber que é inaceitável o retorno do Brasil ao mapa da fome, sendo o país um dos maiores produtores de alimentos do mundo; gente que se nega a perceber que é impossível pagarmos tão caro por combustíveis fósseis, sendo o país um dos maiores produtores de combustíveis fósseis do mundo. A quem me lê agora e não simpatiza com Jair Bolsonaro e sua família, peço perdão pelas repetições e redundâncias, mas estas são necessárias, vocês sabem o porquê.

É claro que é muito mais fácil receber uma figurinha engraçada, um meme, um vídeo curto e imediatamente repassar por aplicativos de mensagens e redes sociais em geral. Mas nem sempre o mais fácil é o melhor ou o correto. Ler dá trabalho, interpretar texto dá trabalho, pesquisar dá trabalho – ter consciência de classe, então, nem se fala. Checar, então, se uma notícia é verdadeira ou não, mesmo que isto custe apenas perguntar a algum conhecido, dá muito trabalho.

“Mas esta checagem deveria ser papel dos próprios jornalistas”, uns podem argumentar, não sem razão. Sim, deveria: mas muitos de meus colegas de profissão sucumbiram ao bolsonarismo, mesmo que o líder neofascista seja uma ameaça ao exercício crítico e livre de nossa profissão, além de à nossa própria existência. Fora que não são apenas jornalistas que usam redes sociais, estas ferramentas que têm suas vantagens, mas também deram voz a uma legião de imbecis, como ainda teve tempo de afirmar Umberto Eco (1932-2016).

Um presidente da república é uma referência política, moral e cultural. Para o bem ou para o mal – e esta antítese está bem desgastada, quando a extrema-direita se posiciona como “o bem” para derrotar “o mal” (seja o comunismo, o lulismo, o petismo, a esquerda, os vermelhos), mesmo pecando, ao usar o nome de Deus em vão, para mentir. Cristianismo e bolsonarismo são doutrinas absolutamente incompatíveis.

Jair Bolsonaro se elegeu com a cantilena vazia do pseudocristianismo escondido em um de seus slogans de campanha: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”, esgarçou o versículo bíblico do evangelho de São João. Na prática a teoria é outra e qualquer investigação sobre si ou sua família é colocada em sigilo de 100 anos.

Faço questão de escrever este texto puxando as coisas apenas pela memória, sem consultar links ou reler matérias – fosse citar exemplos cotidianos, uma carta aberta não seria suficiente, melhor seria escrever logo um livro, mas já há excelentes publicações revelando as entranhas do bolsonarismo e seu modus operandi, desde o processo que resultou em sua ida à reserva do Exército até a relação dele e sua família com as milícias cariocas.

O Partido dos Trabalhadores está fora do poder há seis anos e qualquer verdade dita a um simpatizante de Jair Bolsonaro ainda é invariavelmente rebatida com um “e o PT?”, “e o Lula?”, “e a Dilma?”. Em meio a isso, a prisão, covarde, pois injusta, pois sem provas, do maior líder político vivo da América latina, pelas mãos de um juiz e procuradores corruptos, o lavajatismo a serviço do bolsonarismo, cujos objetivos eram tirar das eleições de 2018 o então líder em todas as pesquisas de opinião e alimentar o antipetismo.

Mentiras têm pernas curtas: a farsa caiu, a casa dos golpistas caiu, e o governo Bolsonaro, quatro anos depois de eleito, nada tem para mostrar que tenha beneficiado a vida de qualquer brasileiro, a não ser a do próprio nanopresidente, de seus familiares e aliados de ocasião, cujas burras nunca enchem.

Vivemos há dois anos e meio uma crise sanitária global, com distintos comportamentos em relação a seu combate ao redor do mundo. A opção do Brasil governado pelo neofascismo foi retardar a compra de vacinas enquanto tentava negociar propinas e as sórdidas mentiras de toda ordem do Hitler tupiniquim que acabaram por colaborar para o inchaço do número de óbitos, hoje em mais de 700 mil, muitos dos quais poderiam ter sido evitados, se o adorador de Ustra tivesse agido em prol do povo, em vez de ficar imitando gente morrendo por falta de ar. Tudo indica que a história se repetirá com a varíola dos macacos, infelizmente.

Por vários motivos, diversos gênios da criação artística brasileira faleceram nos últimos anos: Agnaldo Timóteo (1936-2021), Aldir Blanc (1946-2020), Cassiano (1943-2021), Dona Inah (1935-2022), Flávio Migliaccio (1934-2020), João Gilberto (1931-2019), Letieres Leite (1959-2021), Mário Luiz Thompson (1945-2021), Moraes Moreira (1947-2020), Nelson Sargento (1924-2021), Paulo Diniz (1940-2022), Paulo Gustavo (1978-2021), Rubem Fonseca (1925-2020), Sérgio Sant’Anna (1941-2020), Tarcísio Meira (1935-2021). Em nenhum caso o ocupante do Palácio do Planalto decretou luto oficial, lançou nota de pesar ou sequer publicou qualquer coisa em redes sociais, manifestando condolências a familiares e fãs-clubes.

“Que diferença faria?”, poderão me perguntar. É o simbólico que nos diferencia dos animais. E este profundo desprezo pelas artes – tidas como coisa de esquerdistas – é um dos símbolos do fascismo.

Por falar nisso, apesar de este texto se intitular “Carta aberta a parentes e amigos bolsominions”, outra categoria poderia estar no título: não perdoo artistas bolsonaristas. É uma contradição em termos. O desmonte sistemático das políticas culturais – e do próprio Ministério da Cultura – já seria motivo suficiente para que o candidato à reeleição não encontrasse apoio entre a classe. E particularmente acredito que artistas, “as antenas da raça” no dizer de Ezra Pound (1885-1972), sejam bem maiores que bobagens como “mamata da Rouanet” ou “caixa preta do BNDES”.

Falando em mamata, por que é mesmo que quem se indigna com a corrupção só se indigna com a corrupção do PT? Os governos de Lula e Dilma, além dos investimentos em órgãos de controle e fiscalização, criaram o Portal da Transparência e nunca interferiram em aparelhos como a Polícia Federal a fim de livrar quaisquer de seus quadros em investigações. Lideranças petistas foram condenadas, presas, perderam cargos. Ou seja: foram punidos por seus crimes. Resumindo: cortaram na própria carne.

Apesar do desejo de alguns, no Brasil (ainda) não existe pena de morte – quer dizer, até existe informalmente, fora da lei, para a população negra, moradores de periferias e pequenos traficantes. Então o que explica o cinismo de quem até hoje se revolta com uma tapioca comprada com cartão corporativo, mas não se revolta com os milhões torrados diariamente pelo atual mandatário da república, sob a proteção dos sigilos centenários?

Volto aos artistas: aqueles que se respeitam e nutrem respeito por seu público têm lado e assumem. E não se trata de ser petista, lulista, dilmista ou beneficiário de leis de incentivo à cultura através de renúncia fiscal. Trata-se de assumir uma postura diante da encruzilhada civilização x barbárie, autoritarismo x democracia, alegria x tristeza, humanidade x desumanidade. O Brasil é o país da alegria e grande parte dela nos é dada por artistas – imaginem o que teria sido do isolamento social sem as lives, os streamings ou quaisquer outras formas de arte e entretenimento. Como podem artistas apoiarem quem representa a tristeza e a morte? Ou, a esta altura do campeonato, aferrarem-se a uma suposta neutralidade? “Se você fica neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor”, já diria o Nobel da Paz Desmond Tutu (1931-2021).

Polarização existia nos tempos em que Lula e Dilma disputavam eleições contra Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, José Serra e, entre outros, Geraldo Alckmin. Ora, se Alckmin entendeu a necessidade de alianças para livrar o Brasil do neofascismo e do neonazismo, qual é a sua dificuldade em entender?

Há uma barbárie em curso no Brasil, basta acompanhar o noticiário: do capoeirista Moa do Katendê (1954-2018), entre o primeiro e o segundo turnos da eleição de 2018, ao campeão mundial de jiu-jítsu Leandro Lo (1989-2022) no último fim de semana, passando pela vereadora Marielle Franco (1979-2018) e o motorista Anderson Gomes (1978-2018), o bolsonarismo mata. “Ah, mas o presidente não apertou o gatilho em nenhum destes casos”, apelará um/a bolsonarista, que deve, no entanto, acreditar na facada desferida por Adélio Bispo durante (te)at(r)o de campanha de Bolsonaro em 2018. De fato não puxou o gatilho, mas reiteradamente incentiva o ódio e a eliminação física de opositores em discursos, além de ter facilitado o porte e a posse de armas à população em geral, colaborando para o ambiente de terror e guerra civil que o Brasil, mais do que nunca, vive (ou morre?).

Qual terá sido o peso da postura de artistas contrários à ditadura militar brasileira instaurada em 1964 para o fim do regime de exceção em 1985? Obviamente é difícil calcular. Mas sua recusa em calar, que os levou a prisões, torturas, exílios, desaparecimentos e censuras, certamente colaborou para que o pesadelo acabasse. Não há clima, tempo, espaço, nem motivo para neutralidade. Goste-se ou não de Lula, do PT, ou de quaisquer nomes e partidos postos à disputa.

Não é preciso sentir dor para se indignar com a dor alheia. Não é preciso passar fome para se indignar com a fome alheia. Não é preciso ser negro para lutar contra o racismo. Não é preciso ser homossexual para lutar contra a homofobia e a violência que dela decorre. Não é preciso ser indígena para ser contra o desmatamento e o garimpo ilegais na floresta. Não é preciso ser mulher para se indignar contra os assustadoramente crescentes números de estupros e feminicídios. Basta ser humano e ter alguma empatia e alguma consciência de que o estímulo à lei da selva, por ação ou omissão, não nos serve nem nos representa.

Esta singela missiva é um último chamado à razão a parentes, amigos e artistas bolsonaristas. Errar é humano e não é vergonhoso admitir erros. Antes tarde do que nunca. Ainda é tempo de reconstruir o Brasil. Ou ao menos de não deixar terminarem de destruí-lo. Nem simpatizantes e defensores de Bolsonaro aguentariam um eventual segundo mandato deste governo da necropolítica e da destruição sistemática. Até por que, caso esta tragédia aconteça, sequer existirá Brasil. E quem diz/ia que foi enganado em 2018 não vai ter desculpa dessa vez.

São Luís/MA, 11 de agosto de 2022

Zema Ribeiro, jornalista antifascista

Quando o carteiro chegou e meu nome gritou com uma carta na mão

Divulgação

Uma das figuras mais marcantes de minha infância certamente é Araújo, carteiro na cidade de Rosário/MA, onde morei até os sete anos. Percorria a cidade inteira numa bicicleta cargueiro, a sacola de correspondências no bagageiro da frente, de onde ele habilmente as tirava e entregava aos destinatários, após gritar “Correios!”, a anunciar-se de porta em porta.

Conhecia pelo nome e era conhecido idem pela cidade inteira. Uma tia, que fazia pedidos nos antigos catálogos Hermes, costumava servir-lhe água, para aplacar o calor e o suor que sempre empapavam seu fardamento azul e amarelo, numa época em que as cores da bandeira eram motivo de orgulho, e não da vergonha de terem sido usurpados pelo neofascismo tupiniquim.

Ao lado de professores, carteiros estão entre os profissionais por quem mais nutro respeito. Ou admiração. Ninguém é nada sem os primeiros, com raríssimas e honrosas exceções; os segundos sempre foram motivo de alegria, quando batem palmas, tocam a campainha ou, como um outro dia, telefonam, para não serem obrigados a devolver uma encomenda, dada a dificuldade em entregá-la, visto que moro em prédio sem porteiro.

Não raros são os carteiros que já viram meus olhos brilhando quando da chegada de alguma aguardada encomenda, em geral livros ou discos.

O anúncio da vitória da privatização da estatal na Câmara dos Deputados, ontem (5), por 286 a 173 (placar nada apertado), entristeceu-me profundamente. Trata-se de uma empresa pública, eficiente e lucrativa. Os que caíram na balela de que cobrar bagagem baratearia passagens aéreas ou que a reforma trabalhista ajudaria a gerar empregos, agora caem na esparrela de que a privatização (ou desestatização, no dizer de eufemistas em conversas para boi dormir) vai “modernizar” os Correios.

Ora, é justamente o fato de ser uma empresa pública – com toda a responsabilidade social efetiva (em vez de mera jogada de marketing) que isso implica – que permite aos Correios atender todos os mais de cinco mil municípios brasileiros, com tarifas justas. Que permite, por exemplo, a um sebista, enviar um livro cobrando um frete de menos de 10 reais, num prazo razoável (há opções mais caras para quem desejar agilizar o recebimento de suas encomendas).

É lógico que não esqueci a imagem que circulou e, por ocasião da triste notícia de ontem, tornou a aparecer nas redes sociais: funcionários da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) fardados queimando a bandeira do Partidos dos Trabalhadores (PT), defendendo o voto em Jair Bolsonaro, nas eleições de 2018. Não foi falta de aviso, mas não gosto de pensar em vingança, embora espere que tenham aprendido a lição – obviamente, também, é impossível generalizar ou atribuir responsabilidades a toda uma categoria pela irresponsabilidade (ou crueldade ou masoquismo) de alguns.

O que é impossível é compreender o patriotismo entreguista de um governo com pulsão de morte, que revelou o pior do brasileiro: como conceber um negro racista (há um na presidência da Fundação Palmares), uma mulher misógina (outra é titular do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos) ou um homossexual homofóbico?

“Faça chuva ou faça sol, o carteiro sempre cumpre o seu dever”, ouvíamos dizer um deles em um desenho animado. A privatização não mais permitirá: se o carteiro, este artista merecedor do Nobel, do Grammy ou do Oscar na arte de ir aonde o povo está, chegava aonde Judas perdeu as botas, gastando as suas, os funcionários concursados de uma empresa pública passarão, como empregados do setor privado, a ir tão somente aonde o lucro (da empresa, não dos carteiros) permitir-lhes.

Pessimismo? De jeito nenhum! Não conhecer o mínimo de História é estar fadado a repetir erros do passado, vide o espetáculo grotesco em que se transformou a política no Brasil, em que um presidente da República chama o presidente de um tribunal superior de “filho da puta” (aqui sem os pudicos asteriscos ou reticências da grande mídia). Não regozijo-me, no entanto, usando de escudo o “não foi falta de aviso” ou o “eu avisei”. O buraco é mais embaixo e nele acabamos todos, afinal. “Não há abismo em que o Brasil caiba”, como afirma o título do mais recente disco do mestre Jorge Mautner.

O placar de ontem não é o resultado final deste jogo bufão. Mas, realista, pouco espero do congresso nacional, que se apequena a cada dia, ao permitir ao despresidente continuar seu script de perversidades e falta de respeito com qualquer um/a.

Cachorros são mais dignos e coerentes: tidos como inimigos número um dos carteiros, os cães em geral são mais fiéis a seus donos que o centrão, cujo fisiologismo permite fidelidade a quem pagar melhor. O que infelizmente ajuda a explicar muita coisa neste país.

O professor me ensinou fazer uma carta de amor, mas muito em breve, a depender do endereço, ela poderá não mais ser entregue.

Infância roubada

Reprodução
Vestida feito adulto, criança fuma em anúncio publicado na imprensa brasileira em 1918. Reprodução

 

Por princípio, sou contra programas como The Voice Kids, Masterchef Kids e que tais. Não me venham dizer que os que por lá desfilam são fofinhos, inocentes, que cantam e/ou cozinham com a alma e blá blá blá. Nem se apressem simplesmente em me tachar mero chato, estraga-prazeres, #diferentão.

Os cantos das crianças, afinados até demais, as feições emocionadas dos jurados – certamente bastante ensaiadas – e as lágrimas de ambos, concorrentes e jurados, nada é capaz de tocar e amolecer meu coração de pedra, perdoem-me a fra(n)queza.

O que percebi, vendo alguns poucos minutos do certame musical mirim televisionado é que as crianças ali perdem sua inocência e pureza: são tão ensaiadas que chegam a opinar com desenvoltura até sobre a questão indígena brasileira. E certamente saberiam, caso instigadas, comentar política, economia, o impeachment da presidenta, o crime de lesa-humanidade cometido pela Vale/BHP Billiton/Samarco em Mariana/MG e por aí afora.

Crianças devem brincar e estudar – e nisso, consequentemente, desenvolver habilidades. Expô-las a competições e aos constrangimentos inerentes, ainda mais transmitidos simultaneamente pela tevê para outros milhões de terráqueos, é algo que não consigo conceber.

Alguns hão de argumentar que o mundo é assim mesmo e que, na seleção “natural”, quem não pisa na cabeça dos outros será engolido, tentando justificar, talvez, que, por isso, é necessário que mais e mais cedo crianças entrem no jogo – literalmente. Sinceramente, não creio. Crianças não são miniaturas de adultos, como no anúncio que abre/ilustra este post, da Revista da Semana de 19 de março de 1918, que roubei daqui.

Imaginem os danos psicológicos que uma derrota, ou mesmo um comentário mais ácido (e/ou cretino) de um jurado, pode causar em uma criança. O mundo já é por demais cruel e não precisamos antecipar o ingresso dos petizes nesta trágica realidade.

A meu ver reality shows mirins são uma forma bizarra de os pais realizarem alguma frustração: um sonho abandonado em prol de alguma questão prática é realizado num filho, seja lá por vaidade, os 15 minutos de fama, ou mesmo a sobrevivência – quanto rende, ainda que temporariamente, um talento revelado por um grande canal de tevê? Outro problema disso é que pode pintar aí uma nova frustração, desta vez redobrada.

Pai recente e de primeira viagem, preocupo-me naturalmente com os rumos que ofereceremos ao guri. Como livrá-lo da miríade de horrores propagada pela mídia convencional e/ou sob demanda, sem prendê-lo numa bolha, sem sermos extremamente superprotetores?

É claro que quero que ele experimente se arriscar a tocar um instrumento musical, praticar esportes, aprender línguas estrangeiras: ter as possibilidades. Mas não quero simplesmente impor-lhe estes anseios, como um “diferencial de mercado”. Antes, é preciso deixá-lo à vontade para escolher o quê e quando fazer, aproveitando as coleções de “vícios antigos” do pai – respeitando-lhe os tempos, escolhas e abdicações.

O que me incomoda em reality shows mirins é também o que me incomoda em reality shows adultos: muito show e pouca reality. Todo mundo ensaiadinho buscando as cifras milionárias da premiação. A vantagem dos segundos em relação aos primeiros: os participantes já estão bem grandinhos e podem decidir seus destinos por si mesmos. O que vão fazer com a grana do prêmio, eventuais contratos descolados a partir dele, se vão posar nu/a/s ou não só lhes diz respeito.

Dos males o menor em relação aos problemas que afligem nossa infância? Certamente. Num país em que crianças são assassinadas no colo da mãe, escravizadas ou exploradas sexualmente, ou sucumbem às drogas e ao crime, sua exibição musical-televisiva nem chega mesmo a ser problema.

Estes outros casos, citados aqui de raspão, constituem o verdadeiro show de realidade que infelizmente ainda persiste no Brasil. A este reality show nos negamos a assistir.

Para que serve a UFMA?

FLÁVIO SOARES*

O professor Flávio Soares durante o encontro "Pensando na fronteira: leituras cruzadas de Ribamar Caldeira". Foto: ZR (17/6/2013)
O professor Flávio Soares durante o encontro Pensando na fronteira: leituras cruzadas de Ribamar Caldeira. Foto: ZR (17/6/2013)

 

“A crítica é a morte do rei”
(R. Koselleck, Crítica e Crise)

“A quem serve a UFMA?” poderia ser indagação mais precisa para título desse texto, nascido numa situação difícil de urgência pessoal.

Mas um infortúnio individual, sobretudo no trabalho, pode revelar ou confirmar aspectos mais amplos da pobreza e cegueira institucional onde se vive.

Às vezes, talvez, seja preciso sofrer o trauma no corpo e vivenciar o absurdo em série para perceber a presença fria dessa besta – em forma de incompreensão e miséria – na Universidade Federal do Maranhão.

Uma coisa é falar da “crise” em sala de aula ou livro; outra é sentir no osso sua crueldade numa UPA do Bacanga, nos corredores velhos de um hospital ou nos labirintos administrativos da sua própria universidade, em São Luís.

Por isso, o acidente também pode abrir brechas para reforçar questionamentos e reagir.

Até se precisar do ambulatório “HUzinho” pode se supor que ali seja uma “unidade de atenção à saúde do estudante e do servidor”. Não está escrito na placa? Até se ir à unidade Presidente Dutra do Hospital Universitário é capaz de se permanecer na incerteza ou ilusão quanto à existência por lá de um centro de referência qualificado. Não se ouve falar assim?

Existem sempre exceções admiráveis, mas absurdos e desacertos são normalidades no estado de emergência.

Aparecem de várias maneiras: na cena do velho cadeirante, dentro do hospital, apressado para ir ao banheiro, mas preso na porta porque a largura desta não lhe deixa entrar; na daquele senhor tentando marcar, sem êxito e há meses, simples consulta de poucos minutos; em outro necessitando e não conseguindo fazer cirurgia reparadora que já devia ter ocorrida há muito tempo; na imagem do rapaz humilde e trabalhador sofrendo num leito à espera da imediata ressonância que nunca acontece porque a máquina está quebrada; nos desencontros (propositais?) entre a direção e suas próprias decisões ou “bilhetes de recomendação”; nas imperícias da perícia; no médico – coronel do sistema – a atender apenas durante uma hora a cada semana.

Ao expor o domínio de práticas arcaicas e a exclusão do incluído, o acidente desvela a propaganda da “inovação e inclusão” pelo seu lado triste de horror e farsa.

Vozes solícitas surgem na urgência para lembrar a força de um “pedido do Reitor”, fazendo sentir o círculo do medo e da servidão voluntária que move as hierarquias em torno da Reitoria. O sinal transmitido é que o Reitor não é lugar do direito e sim do pedido; é mais negócio, portanto, cortejar o poder e seus favores.

Conclusão imediata: não há inteligência substantiva nem independência possíveis dessa forma.

*

Um parêntese sobre a questão da expansão da UFMA.

O problema nunca foi o seu crescimento em si, que mais ou menos sempre houve.

Com 30 anos nesta universidade (como aluno e professor) somos testemunha de que ela sempre cresceu, mesmo nos tempos difíceis do governo FHC, na década de 1990.

Não foram nestes anos a construção do atual CCH?

No período Lula, na última década, qualquer um pôde perceber o crescimento da UFMA, nas suas estruturas físicas e atividades básicas.

Difícil foi observar que essa expansão teve mais a ver com uma conjuntura de “falsa euforia” nacional – quando universidades federais cresceram no país inteiro – do que com méritos e virtudes de qualquer gestão competente e suas figuras iluminadas. Isto poderia até ser o caso se o aporte de recursos oriundos da adesão a programas federais emergenciais, como o REUNI, fosse canalizado para uma virada de página no destino da universidade, e não para a reiteração de um modelo superado (cf. Flávio Reis).

O problema, portanto, sempre foi o da natureza da expansão: autoritária, precária, desorganizada e de qualidade duvidosa.

*

É incrível, mas se partirmos do pressuposto de que deveria haver um mínimo de correspondência entre as situações da universidade e do estado, a observação imediata é de que quanto mais a universidade federal ampliou seu espaço físico e aparato técnico-administrativo e atividades de ensino, pesquisa e extensão, mais os índices sociais do estado foram para baixo.

Pois há décadas essa universidade diploma educadores, médicos, advogados, engenheiros, administradores, etc., e há décadas são sempre piores os índices estaduais da saúde, justiça, infraestrutura, serviços públicos, educação.

Há anos desenvolve programa de pós-graduação em políticas públicas, por exemplo, mas alguém se lembra de alguma política “pública” oriunda da UFMA – tocada mesma numa simples prefeitura?

Não é possível que só a UFMA melhore e o Maranhão não.

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A emergência reitera a miséria e alienação universitárias.

Revolve a ferida de uma existência submissa, sem autonomia e, assim, sem movimento e pensamento próprios.

Certifica um fato: a Universidade Federal do Maranhão, principal lugar do ensino superior no estado, é incapaz de se pensar e, assim, olhar o Maranhão e o país.

Lembro José Ribamar Caldeira como exemplo significativo de um mestre inquieto com as dificuldades para a vida do pensamento, da crítica sem amarras e da inovação real, e pergunto: a professora Maria de Lourdes, da mesma geração, poderia escrever São Luís do Maranhão: corpo e alma (2012) dentro da cidade universitária?

*

No campo das ciências humanas, nas últimas décadas, apenas três estudos conseguiram fecundar alguma coisa para além de si, quebrando o círculo negativo da inveja e do silêncio. A Ideologia da Decadência, de Alfredo Wagner, esforço de repensar a tradição dos antigos estudos maranhenses, elaborado fora da UFMA, inspirador de várias pesquisas, inclusive na universidade; Grupos políticos e estrutura oligárquica no Maranhão, dissertação de mestrado de Flávio Reis feita pela Unicamp reavaliando a formação política do estado, cujo impacto, além de acadêmico, foi político (“oligarquia” virou mantra na guerra político-partidária); A fundação francesa de São Luís e seus mitos, elaborado pela professora Lourdes Lacroix quando aposentada da UFMA, questionando a construção da memória histórica da cidade e ferindo a fundo os nervos do sistema intelectual local. Academia Maranhense de Letras, Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e Sistema Mirante que o digam.

Tais obras fizeram figura de exceção especialmente quanto à amplitude do impacto interno gerado.

Outros livros, pela qualidade, poderiam ter tido efeito semelhante, mas não tiveram e não sabemos exatamente por que.

Apesar da divulgação, das festas de lançamento, do tamanho, dos prêmios e honrarias, não produziram discussão pública alguma. E nem adiantou apadrinhá-los com nomes de fora ou de dentro mais conhecidos, injetar valor antecipado pela invenção curricular de autoridade, copiar sem pejo as obras citadas invertendo os sinais, ou se fazer aparecer em algum periódico ou programa televisivo nacional (ou, agora, apelar pra rede “social”.). No máximo são discutidos entre pares e compadres; ou em situações de orientação de pesquisa e ensino, quando o orientador ou professor-doutor pressiona o aluno a ler suas obras ou então o próprio autor busca se promover, falando de si, pondo-se na bibliografia da sua disciplina e coisas do tipo.

20 anos de acúmulo de profissionalização, pós-graduação, grupos de pesquisas, etc., não foi bastante para fazer sair do Centro de Ciências Humanas sequer um estudo que se aproximasse (atualizando criticamente), por exemplo, da História do Comércio do Maranhão, não o título de uma coletânea, mas de um clássico local, escrito por Jerônimo de Viveiros na década de 1950; ou O Sertão, de Carlota Carvalho, escrito em condições mais difíceis ainda.

Mencionando tais obras queremos dizer o seguinte. Pode se concordar ou não sobre livros como História do Maranhão, de Mário Meireles, inclusive quanto ao seu baixo teor crítico, mas toda sua produção historiográfica foi representativa, a seu jeito, de uma ordem maior de problemas e ideias acerca da sua realidade.

Desgraçadamente, o Maranhão nunca foi prolífico em obras como estas (no sentido indicado da representatividade de uma ordem maior de problemas), que, no entanto, praticamente desapareceram desde que a UFMA surgiu, na aurora do regime militar e do Maranhão Novo (para não esquecer a hora macabra em que ela nasceu).

O ganho, quando há, é quase sempre quantitativo, apesar da estratégia midiática do poder universitário de vender gato por lebre – como se, por exemplo, a publicação de “x” artigos na revista “y” significasse em si avanço real do saber.

A questão, porém, está longe de ser simplesmente numérica. Se fosse já teria sido equacionada. Comparar, não a quantidade, mas a qualidade da produção anterior do conhecimento (reconhecida como tradição) à da universidade é brincadeira.

Fora qualquer juízo, a produção dos “antigos” inventou o Maranhão conhecido. A dos “novos”, especializada e técnica, consegue apenas ser miseravelmente medíocre.

É triste, mas perto de fazer 50 anos a Universidade Federal do Maranhão não vale uma frase do velho João Lisboa.

Fábrica de espíritos pequenos, servis e vaidosos, a universidade jamais reconhecerá isso.

A UFMA nunca foi fonte de qualquer campanha e debate realmente engrandecedor, formador da opinião pública no estado, em qualquer área (saúde, tecnologia, educação, etc.).

Poderia ter desempenhado papel direcionador em questões como a do desenvolvimento regional, da educação, do meio ambiente, da violência, ou até mesmo na elaboração de um ponto de vista original sobre o Brasil, mas isso nunca aconteceu.

*

É que o modo como na prática ela funciona é algo muito distante da vontade coletiva de superação dos problemas de sua trágica realidade por meio das artes, ciências e tecnologias.

Presa entre imitação pobre de modelos teóricos estrangeiros e idiossincrasias locais, a UFMA nunca passou duma aberração burocrática “colonizada”, dependente, cada vez mais reduzida à meio de transformar verbas federais em giro eterno dos recursos num balcão de negócios e troca de favores de todo tipo.

A combinação de burocratismo e orçamento não explica tudo, mas, em grande parte, ajuda a entender a situação.

Onde impera o toma-lá-dá-cá como estilo de gestão, aliado ao espírito do negócio, não há possibilidade para a vida do pensamento, da criação e da crítica.

*

Talvez as bases sociais e propósitos da UFMA possam ser realçados se pensarmos na história da principal universidade do país.

Todos sabem que no século XX, a partir da década de 1930, em São Paulo chegou a se criar uma verdadeira universidade – a USP – e um centro de ciência humanas (FFCL) que mudou o padrão nacional do conhecimento. Fruto da combinação entre influência estrangeira, sentido de engajamento social e tradição local viva (Mário de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr. e outros), formou-se nova massa crítica, num contexto de transformações sociais profundas daquela região do país (cf. Antônio Candido, O mundo coberto de moços). Tal processo resultou numa instituição de saber efetiva, que fez escola no Brasil, embora hoje se assemelhe mais a uma organização empresarial (cf. Paulo Arantes).

Longe de ser fruto de uma história de superação crítica, onde se retoma, repensa e atualiza a herança cultural e intelectual recebida, a UFMA foi produto de um tipo de “renovação” baseada na justaposição de faculdades com histórias distintas, espécie de agregação de alhos e bugalhos, dada em consonância com a corrente política-ideológica estabelecida com o Golpe de 1964, fundamento de um organismo hoje cada vez mais indeterminado, caótico.

Por quê?

Porque a UFMA, na sua constituição, nunca deixou de ser fiel a velha conjunção entre igreja e sua teologia reacionária, estado oligárquico e sua burocracia patrimonialista, e tradição mental conservadora arraigada, bacharelesca, avessa ao espírito crítico; conjunção fortalecida, agora mais como simulacro de representação, com o progresso-catastrófico de uma sociedade senhorial e bárbara na etapa final do nacional-desenvolvimentismo brasileiro.

Medicina, direito e letras indicam bem a sua natureza.

Na área de humanas (principalmente nos departamentos de economia e sociologia), numa atmosfera de direita, surgiram reflexões de esquerda, sobretudo marxistas, mas frágeis, confusas, pouco criativas e sem expressão política dentro da universidade.

Até hoje é comum, no centro de ciências humanas, o fenômeno esquizofrênico dos professores bifrontes, vários oriundos das classes baixas, oscilando entre o público e o privado, entre a lei e a malandragem, entre discursos de esquerda em sala de aula e projetos de pesquisa para alunos, e a prática político-administrativa diária de direita para a reitoria da vez.

O atual governador – ex-aluno e professor de direito da UFMA -, fruto da queda do sarneismo e das lutas entre facções, talvez seja exemplo sugestivo de que não haverá o que esperar ou temer da parte dessa universidade, gestada dentro do mundo daquela oligarquia, quanto a qualquer capacidade de aproveitamento do momento para ajudar o Maranhão a se perceber e superar criticamente seus dilemas seculares.

Apresentando-se sob a graça de deus como expoente do primeiro governo comunista do Brasil, almeja chegar à terra prometida do “Maranhão de todos” através da fundação da república, da “revolução burguesa” e do capitalismo. Indicando a amplitude geral do atual pântano mental, onde tudo é possível, tal projeto-zumbi – repita-se: a criação divino-comunista de uma república burguesa capitalista no Maranhão – foi defendido a sério em jornais da província e do sudeste, sem provocar espanto algum. Nem lá e nem cá.

Se a construção de uma capacidade crítica própria tivesse vingado no Campus da UFMA – salvo ilusão retrospectiva, possibilidade talvez existente na virada da década de 1970 para a de 1980 -, não há dúvida de que a ideia de Maranhão hoje poderia não ser a mesma e os seus desdobramentos nas artes, ciências e na política seriam outros.

A palavra “crítica”, aliás, é impossível de ser compreendida nesse ambiente. Como se gosta de dizer, crítica só “construtiva”, o resto é “falar mal”.

Mas, quem sabe, ela não esteja se refazendo agora em outros lugares?

*Flávio Soares é professor do departamento de História da UFMA

[texto roubado do perfil do professor no facebook, onde o mesmo é anunciado como “ruminado e escrito no primeiro semestre de 2015, num momento pessoalmente muito difícil, mas que queríamos transformar numa forma de reflexão mais ampla, forma de registro e de luta. Saiu como um desabafo depois esquecido. Um amigo do facebook lembrou que hoje é aniversário da UFMA, dando um click”]

Boicotem quem boicota O Boticário!

 

Há quem pague caro e use tênis com o nome da coca-cola. Outros pagam centenas de reais em camisas oficiais do Flamengo, Barcelona ou Seleção Brasileira, para fazer propagandas de marcas de produtos de toda a sorte. Cada um/a, cada um/a, tou fora!

Em Eu, etiqueta, poema de Carlos Drummond de Andrade que li em alguma gramática do ensino fundamental, o poeta mineiro já se queixava do excesso de logomarcas a que estávamos submetidos. E era apenas o século XX.

Com um comercial exibido na tevê aberta, O Boticário causou a ira de homofóbicos e reacionários em geral. Os que defendem a cura gay e a família tradicional (seja lá o que isso for), que ainda falam em homossexualismo em vez de homossexualidade, mesmo a OMS já tendo, há tempos, retirado o primeiro de sua lista de doenças mentais.

O Boticário mostra algo real e os habitantes da babacolândia falam que “não têm preconceito”, “que têm amigos gays” e toda sorte de baboseiras típicas da intolerância. O pastor Silas Malafaia convocou boicote à empresa de cosméticos, à guisa de “pertencer a uma maioria” e de “preservar macho e fêmea”. Segundo o zoófilo, ops, evangélico, a campanha “é uma tentativa de querer ensinar crianças e jovens o homossexualismo” (sic), conforme notícia do Portal Terra.

As casas legislativas brasileiras estão dominadas por hordas de fundamentalistas. Nunca os vi criticar, por exemplo, a publicidade voltada ao público infantil, como forma de preservar nossas crianças. Certamente o lobby de seus financiadores de campanha pesa mais na hora de decidir a que pauta se apegar.

Em vez de se juntar a quem prega o ódio, este blogue lança a campanha que intitula este post: boicotem quem boicota O Boticário!

É fácil pregar o ódio em nome de Jesus. Difícil é amar o próximo, como o mesmo Cristo ensinou. Ainda mais se esse próximo não for tão próximo assim. Se for diferente então, o próximo está condenado.

Não escrevo para fazer propaganda do Boticário, afinal de contas, não sou pago para isso e, em grande medida, o dia dos namorados é mais uma data caça-níquel no calendário do consumo. Aos preconceituosos de plantão, recomendo outros poetas: “qualquer maneira de amor vale a pena”, “ame, seja como for”, desde que o amor esteja cheirosinho, usando Boticário ou outra marca qualquer – vale até o bom e velho sabão de andiroba, comprado a quilo na quitanda mais próxima. Como diria Márcio Greick, “o mais importante é o verdadeiro amor”.

*

Abre o post a antológica, sempre rodando em um k7 imaginário, best of particular, Largo do boticário, linda canção sobre linda paisagem carioca, de Milton Carlos, saudoso irmão de Isolda, ambos fornecedores de pérolas para o repertório de Roberto Carlos.

O reitor Edgard Santos e nós

FLÁVIO REIS*

Pode causar estranheza o título deste artigo em plena reta final de campanha da consulta eleitoral na UFMA para a indicação aos cargos de reitor e vice-reitor no período 2015-2019. Afinal de quem se trata?

Edgard Santos, médico, foi reitor da Universidade da Bahia num longo período, entre 1946 e 1962. Oriundo das elites provinciais, mas com uma percepção que ia muito além do provincianismo, fez uma leitura do momento enquanto possibilidade de “recolocar a Bahia no mapa do Brasil” através da cultura, tornando a universidade o dínamo de uma agitação cultural, favorecendo o florescimento de iniciativas variadas no amplo arco da produção estético-intelectual. Apesar de uma noção de cultura ainda herdeira do iluminismo, sem consciência da riqueza do universo antropológico da Bahia, teve abertura suficiente para criar o pioneiro Centro de Estudos Afro-Orientais, e, principalmente, não se dobrou ao nacionalismo mais estreito da época, abrindo as portas para o vanguardismo estético, abrigando figuras iconoclastas nos campos da música, do teatro, da dança, do design.

A geração que participou dessa experiência foi a juventude inquieta e criativa de Glauber Rocha, Caetano Veloso, Tom Zé, Waly Salomão, Rogério Duarte, Helena Ignez, João Ubaldo, Carlos Nélson Coutinho e tantos outros que estariam entre os da linha de frente na revolução cultural desencadeada no final dos anos 60. Na germinação do processo, o encontro entre uma cultura popular viva, diversa e uma instituição universitária que não se submetia simplesmente aos cânones demarcados pelo Ministério da Educação, estando aberta à experiência criadora. Depois de Edgard Santos, logo vieram os militares, a truculência e a uniformização, a burocratização e a burrice. Reestabeleceu-se a desconexão entre as energias da sociedade e a vida universitária.

A Universidade Federal do Maranhão, às vésperas do primeiro cinquentenário, é mais recente que sua congênere baiana, muitos gostam mesmo de enfatizar sua infância frente às latino-americanas, mas, para os padrões nacionais, ela já possui idade suficiente para ter os traços característicos impressos em padrões de atuação bem discerníveis. Neste trajeto é possível detectar dois períodos de reitorados longos: Cabral Marques (1979-1989) e Natalino Salgado (2007-2015), que coincidem com dois momentos de expansão da universidade brasileira a partir das políticas do governo federal. No primeiro caso, sob o domínio da ditadura e, no segundo, sob os recentes governos de Lula e Dilma. O ponto a destacar: a expansão sempre se deu a reboque do estímulo externo e feita a toque de caixa, no ritmo do aparecimento das verbas e ao sabor do que era imposto ou oferecido pelas decisões do Ministério da Educação, com escassa fermentação interna.

Nascida numa sociedade ainda largamente oligárquica, vale dizer, numa sociedade extremamente desigual, onde o compadrio, o clientelismo e o predomínio dos laços de dependência patrimonial, com sua teia de favores através da utilização da máquina estatal, são características indisfarçáveis, a universidade funcionou todo esse tempo quase em circuito fechado, sendo controlada a partir de um núcleo administrativo que comanda com rédea curta o Conselho Universitário. Com pequenas variações essa foi a realidade mesmo depois da ditadura, pois os ventos da real modificação da estrutura administrativa nunca foram além da mera intenção anunciada.

Se olharmos mais de perto, vivenciamos no último longo período até uma regressão chocante neste quesito, pois uma das marcas da gestão de Natalino Salgado foi, sem dúvida, a concentração de decisões, o velho autoritarismo de raiz oligárquica, mas com um matiz ainda mais agressivo, expresso, entre outros, no esvaziamento dos órgãos colegiados, mesmo tradicionalmente submetidos a suas determinações, no desrespeito recorrente ao calendário eleitoral para escolha de Diretorias de Centros, Chefias de Departamentos, Coordenações de Curso ou, mais abertamente, nas ações truculentas de intervenção no Colégio Universitário e na intransigência diante da luta pela moradia estudantil no próprio campus do Bacanga.

No primeiro caso, foi derrotado nas eleições para a nova diretoria do COLUN e, no segundo, derrotado pela força do protesto, pela ação interna de apoio realizada na ação conjunta da APRUMA e do DCE e pela pressão de setores da sociedade civil e da opinião pública em favor dos estudantes. Fora estes dois momentos, no geral reinou soberano, concentrando, de fato, muito mais poderes que no período da ditadura, quando Cabral ainda fazia cumprir determinadas liturgias, já abertamente descumpridas por Natalino Salgado. Lembremos apenas o absurdo do Conselho Universitário ter que ser convocado por interveniência da mesma APRUMA junto ao Ministério Público, pois o reitor simplesmente já nem o convocava.

Não foi à toa, de resto, que tentou algo inusitado, construindo a partir da reitoria chapas que concorreram (e perderam), em duas ocasiões, eleições para a diretoria da associação sindical dos docentes. Por fim, patrocinando abertamente a criação de outro sindicato, com a finalidade de enfraquecer aquele que foi o único espaço institucional não submetido ao domínio centralizador da reitoria.

Mas tal traço de centralização pode ser igualmente identificado na forma como remodelou a bel-prazer o campus universitário, com uma série de construções, várias ainda inacabadas ou mal acabadas, todas sempre muito além do prazo previsto. Atrasos, frise-se, contados não em meses, mas em anos. E obras cujo resultado final chega a ser escandalosamente inferior ao prometido nos projetos arquitetônicos, alardeados em vasta utilização da comunicação institucional para fins de propaganda pura e simples. Nada de consultas, nada de transparência nos gastos, nada de explicações sobre os atrasos, no melhor estilo “faço e desfaço”, como um senhor em sua casa.

Logo na entrada da rebatizada cidade universitária, temos a monumentalidade inacabada  do prédio da Biblioteca Central, obra contratada em 30 de outubro de 2010, ao custo inicial de R$ 10.798.253,24 e prazo de execução de 720 dias, completados em setembro de 2012. É interessante comparar o projeto arquitetônico impresso em propaganda institucional e a situação em que ele ainda se encontra, quase três anos (e sabe-se lá quantos aditivos) depois da data prevista para a entrega. Atente-se que a foto não permite visualizar a situação real do interior do prédio, com todo o acabamento por fazer. Sem dinheiro para concluir a construção, deram um jeito de “terminar” nos últimos dias a imponente escadaria para sustentar propaganda eleitoral e sugerir a entrada num prédio inacabado.

O projeto arquitetônico da Biblioteca Central, prometido num "Guia do Servidor" de 2010...
O projeto arquitetônico da Biblioteca Central, prometido num “Guia do Servidor” de 2010…

E  situação atual da construção, com a escada terminada a toque de caixa, sustentando uma faixa da chapa apoiada pelo reitor. Foto: ZR 20/5/2015
…e a situação atual da construção, com a escada terminada a toque de caixa, sustentando uma faixa da chapa apoiada pelo reitor. Foto: ZR 20/5/2015

 

Configura mesmo um escárnio a faixa com a propaganda da candidata da reitoria, ostentando como troféu, na maior cara dura, algo que deveria ser objeto de averiguação do Tribunal de Contas da União. Ou quando estabelecemos a mesma comparação entre o projeto apresentado e utilizado nas propagandas institucionais e eleitorais e o choque da realidade, na Casa da Justiça, obra contratada em 1º. de setembro de 2010, com prazo de entrega de oito meses, recebendo os aditivos de praxe e entregue apenas recentemente. É de doer os olhos.

Projeto arquitetônico da Casa da Justiça. Guia do Servidor, 2010
Projeto arquitetônico da Casa da Justiça. Guia do Servidor, 2010

Casa da Justiça. Foto: ZR 20/5/2015
Casa da Justiça. Foto: ZR 20/5/2015

 

Na mesma linha de desencontros de dimensões surreais, o que dizer, então, do projeto da Concha Acústica, obra cujo contrato inicial era de 2009, com prazo de entrega em 180 dias, que recebeu um aditivo em 2011 e foi inaugurada na SBPC, no ano seguinte?

Projeto arquitetônico da Concha acústica. Guia do Servidor, 2010
Projeto arquitetônico da Concha acústica. Guia do Servidor, 2010

Concha acústica. Foto: ZR 20/5/2015
Concha acústica. Foto: ZR 20/5/2015

 

Note-se que a UFMA possui cursos de música, de teatro, de artes visuais e a cidade é identificada como espaço de variadas manifestações da cultura popular, mas a própria universidade não tem um teatro, uma galeria, não favorece as trocas, não cultiva espaços de encontro, não aproveita o enorme potencial de gerações que são literalmente amputadas de qualquer anseio criativo. E isto num estado onde as secretarias de cultura são fracas, quase apenas balcões de acesso de grupos organizados às minguadas verbas do setor. Preocupada em construir grandes auditórios para convenções, a reitoria fez pouco caso de toda uma área estratégica para a nossa própria identidade. Manteve firme o pacto de mediocridade com as velhas academias de letrados e a mídia predominante em torno do autoelogio, sem dúvida a expressão mais acabada de nossa esclerose, passando ao largo de qualquer crítica da cultura. Essa concepção pautada no espetáculo, na concessão de honrarias, no discurso vazio e nas solenidades, desconectada dos processos sociais, está sintetizada no projeto de utilização do prédio da antiga Faculdade de Farmácia e Odontologia para instalação do “Palácio da Ciência” (sic). Em pleno século XXI, isso tudo é de um anacronismo de causar espanto.

Fiquemos com estes três, mas a referência aos projetos inacabados poderia ser muito mais ampla, passando pela TV UFMA, de 2008, alardeado na última campanha como “uma realidade para 2012”. Até hoje continua na promessa. Ou pelo já histórico prédio da Biologia, obra contratada em 2010, objeto ainda há pouco de matéria televisiva provocada por alunos fartos de tanta enrolação, obrigados a trabalhar amontoados em laboratórios indignos de tal denominação. Poderíamos enfocar o anexo do CCET ou até mesmo prédios bem modestos, como o do Núcleo do Fígado, no entorno do HU, promessa antiga que nunca se efetiva. Exemplos não faltam.

É um retrato tímido do nível de desperdício de dinheiro público a que chegamos nesta administração, alicerçado na total autonomia que o reitor exerceu sobre todo o processo. É o resultado da negação da própria natureza da administração colegiada que, por princípio, deveria reger a universidade. Falo do que vejo cotidianamente e nos agride há anos, mas o que não se verá nos outros campi? De pequenos relatos sabe-se das carências de funcionamento dos cursos, o mesmo enredo de desencontros entre o prometido e o realizado.

Tudo isto foi acompanhado de uma utilização intensa da ASCOM, que deveria ser instância de comunicação institucional, transformada em agência de publicidade da reitoria. Durante seu primeiro mandato, inclusive, abríamos a página da UFMA e dávamos com um retrato na coluna intitulada “Palavra do reitor”. Os alunos, é claro, não perderam a piada cortante, chamando a página de blog do Natalino. O que está em jogo aqui é a própria função da comunicação institucional, posta a serviço da construção da imagem do reitor e de sua administração. Basta atentar para o vasto material que foi distribuído ao longo destes anos com propaganda institucional, agendas, pastas, folders, todas repletas dos maravilhosos projetos arquitetônicos, tabelas sobre a ampliação do número de alunos, de cursos de graduação e pós-graduação etc. Além da utilização aberta da máquina burocrática da reitoria em períodos eleitorais, como vimos em 2011 e seguramente veremos com violência ainda maior neste pleito.

Por baixo do mundo das imagens, no entanto, a realidade cotidiana vai se mostrando outra, a universidade carece de vida, o aumento dos números não esconde o esvaziamento constante do campus, existe pouca articulação entre suas unidades, falta autonomia aos departamentos, os funcionários são insuficientes e as lacunas supridas com a exploração de bolsistas, os alunos são praticamente ignorados, com uma péssima prestação de serviços, seja de restaurantes, bibliotecas, espaços de convívio, disponibilidade de equipamentos, transporte. A cidade universitária possui igualmente outra face, cada vez mais evidente, de circo de horrores. As filas gigantescas do RU e o sufoco das paradas de ônibus, ocasionando as cenas de romarias a pontos distantes na busca de um lugar, são as imagens mais chocantes, mas nem de longe as únicas, do verdadeiro tratamento de gado dispensado aos estudantes.

A negação de qualquer espaço para debate tomou tons dramáticos quando foi colocada a questão da criação de uma empresa para gerir os serviços prestados pelos hospitais universitários. Em que pese a delicadeza do tema e as implicações da decisão a ser tomada, em uma área cuja situação é de clara emergência, o reitor agiu como sempre, atropelando os trâmites, cerceando a discussão e concluindo o acordo na base de um ato administrativo da direção do HU, sem apreciação pelos colegiados superiores.

O mandonismo de velha cepa oligárquica apareceria ainda com força no “toma lá, dá cá” que passou a dominar o próprio encaminhamento de solicitações na esfera administrativa, pois “falar com o reitor” é o verdadeiro passo para conseguir qualquer coisa, tudo é tratado de forma muito pessoalizada, e também na vergonhosa imposição do desligamento do professor Ayala Gurgel, do Departamento de Filosofia, por dano à “imagem” da UFMA, em processo frágil, eivado de erros e derrubado em instância liminar. Para isto contou, é bom frisar, com a falta de autonomia e até de brios de um Conselho Universitário acovardado, novamente com exceção honrosa da representante da APRUMA, que foi voz solitária no repúdio àquele ato arbitrário.

Não obstante este quadro, onde apenas foram alinhavados fatos que são do conhecimento de todos, a ideia que sua máquina publicitária construiu é de uma gestão de “crescimento com inclusão e participação”. A imagem que muitos inadvertidamente encampam é a do agente modernizador, a gestão com “eficiência comprovada”, permanecendo em segundo plano a observação sobre a natureza desta modernização, suas pontes de contato e reprodução com as velhas práticas exclusivistas, numa palavra, os traços patrimoniais e oligárquicos que cumpre ultrapassar. Houve crescimento, mas a qualidade e a forma precisam ser seriamente discutidas; a inclusão foi tímida, exatamente pelo desencontro entre o prometido o funcionamento efetivo dos programas; e a participação foi quase inexistente, restringindo-se, quando muito, à mera encenação.

A UFMA encontra-se novamente diante de uma encruzilhada que guarda similitudes com a disputa do ano de 2007, justamente quando Natalino Salgado tornou-se reitor. Na ocasião, abriu-se um vazio decorrente da desistência do então reitor e candidato considerado natural à disputa pela reeleição, Fernando Ramos, surgindo a candidatura do professor Francisco Gonçalves, então apenas coordenador do curso de Comunicação Social. Nome conhecido, profissional respeitado e pessoa aberta ao diálogo, vindo da experiência dos movimentos sociais, como num feixe de luz, a sua candidatura ganhou força e foi se contagiando em alegria, configurando uma possibilidade bem diferente do que havíamos visto até ali na história da universidade, pois a escolha de reitores sempre foi resolvida entre eles, os da administração superior, de tal modo que fazer parte deste circuito era condição essencial a qualquer aspirante. Isto e o apoio do reitor em fim de mandato. No fundo, apesar das diferenças, os reitores foram quase saindo um de dentro do outro, configurando um verdadeiro Monstro do Mesmo, pois os eventuais atritos nunca foram suficientes para quebrar esse fosso que se colocou entre a administração e a comunidade universitária.

Infelizmente, naquela ocasião a APRUMA e o DCE, por um erro grande de percepção das possibilidades abertas, preferiram optar por não participar do pleito e pregaram o boicote à consulta, alegando a ilegitimidade decorrente do peso do voto dos professores equivaler a 70% do total, restando os outros 30% divididos igualmente entre os segmentos de alunos e funcionários. Uma das bandeiras centrais da candidatura de Chico Gonçalves, no entanto, era implantar a paridade, o peso igual para os três segmentos, o que já significaria grande avanço mesmo pra quem defendia o voto universal, como era o caso das diretorias das duas instituições.

Ao cabo de oito anos, limitado por seu próprio centralismo personalista, Natalino Salgado teve dificuldade em deixar fluir o processo sucessório, terminando por indicar como candidata, tal como um czar da instituição, a Diretora do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Nair Portela. Sem nenhuma autonomia frente ao atual reitor, o horizonte que ela oferece a esta universidade é sombrio, a de um reitorado fantoche, justo no momento em que todas as IFEs sofrerão sérias restrições orçamentárias. Como herança a ser encarada temos a penca de prédios e obras não acabadas/mal acabadas, a expansão galopante sem correspondente infraestrutura e a necessidade inadiável de repensar seu próprio lugar na sociedade, principalmente a insuficiência de suas relações com a realidade maranhense. Mais do que nunca o pensar conjunto e a ação transparente serão os antídotos contra as decisões arbitrárias.

A UFMA, apesar de toda insuficiência, se transformou no correr das décadas e possui trabalhos em diversas áreas que não podem ser ignorados. Fruto do esforço de vários, muitas vezes lutando contra amarras burocráticas até inacreditáveis, formaram-se grupos de pesquisa, cursos de pós-graduação, inciativas bem sucedidas de extensão, levadas quase a ferro e fogo por seus proponentes. Neste soar do cinquentenário, uma nova possibilidade de driblar o curso normal da história e iniciar um caminho diferente, de ativação de forças de participação, de maior autonomia, volta a se colocar e com uma novidade importante em relação às disputas de 2007 e 2011, quando as candidaturas aguerridas de Sirliane Paiva e Cláudia Durans expressaram a existência de pontos de resistência importantes a esse projeto autoritário que se pretendia hegemônico. Em 2015, a junção desses pontos esteve na base da formação do Movimento UFMA Democrática (MUDe), um movimento de participação transversal, criado contra a mesmice preservada quase intacta ao longo de décadas e sustentada na anemização conformista que brota do simples fato de tudo vir da reitoria.

A era dos Edgard Santos já passou há muito, algo que Natalino Salgado, em seu narcisismo heroico, e sem possuir a dimensão do personagem, não teve qualquer pendor para perceber. Neste momento da história da universidade, o verdadeiro salto qualitativo só virá como fruto da modificação da estrutura administrativa arcaica em que estamos todos mergulhados. Ativar os colegiados e abri-los, reformá-los com vistas à ligação mais estreita com a comunidade, fortalecer os departamentos e os centros, derrotar esta linhagem de mandarins da administração superior, aproximando os campi, instaurando a discussão ampla sobre os problemas e os rumos da universidade e não impondo receituários, como tem sido a práxis em todos estes anos, são eixos fundamentais cuja defesa encontram expressão nas candidaturas de Antônio Gonçalves a reitor e Marise Marçalina a vice-reitora.

Oriundos da ponta mesmo das atividades-fins, um médico do HU e uma doutora em educação voltada a projetos de alfabetização, tendo ambos a dimensão mais crua das dificuldades cotidianas e não do mundo da fantasia em que parecem viver os integrantes da administração superior, representam um caminho bastante distinto neste aspecto crucial de aproximar a administração da comunidade universitária e no ideal de “construir um planejamento participativo que estabeleça um fluxo de relações com a sociedade civil e os movimentos sociais”, tirando a universidade do isolamento olímpico em que ela sempre se manteve. Não será fácil, nem a transformação ocorrerá num passe de mágica, mas esta eleição poderá marcar um momento de maturidade, quando a comunidade universitária em sua maioria se recusa a continuar dominada por uma estreita camarilha administrativa, decide finalmente romper seus grilhões mais antigos e encaminhar a discussão de seus próprios rumos, livre de senhores e falsos heróis.

*Flávio Reis é professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMA. Publicou Cenas marginais (2005, ed. do autor), Grupos políticos e estrutura oligárquica no Maranhão (2007, ed. do autor) e Guerrilhas (2012, Pitomba/ Vias de Fato).

Quase crônica em comentário a telefonema de ouvinte a rádio AM

O chargista Carlos Latuff dando a real sobre a redução da maioridade penal em charge de 2010
O chargista Carlos Latuff dando a real sobre a redução da maioridade penal em charge de 2010

 

Em comentário em rede social que cito de memória, Bruno Azevêdo afirmou, certa vez, que telefonemas a rádios AM dariam bons contos. Ou crônicas, já não lembro. Tão bons que bastaria gravar e transcrever as ligações e publicar. Escriba de raro talento, ele tem razão.

Como se o trânsito já não me estressasse o suficiente, normalmente dirijo ouvindo AM. Vez por outra sintonizo uma FM, a depender do horário, da qualidade da música tocada e, o que quase sempre enseja a mudança, das opiniões reacionárias propagadas pelas amplitudes moduladas: enojam-me mais as de certos colegas radialistas que as de ouvintes em geral.

O fato é que, hoje pela manhã, enquanto dirigia, após ouvir diversas notícias entre as quais as dos assassinatos de um vereador em Santa Luzia, domingo, e de um estudante, durante um assalto a ônibus na capital, ontem, o telefone começou a ser usado pelos ouvintes para as esperadas colheradas no angu.

No caso, a defesa da redução da maioridade penal é uma espécie de unanimidade burra, como advertiria Nelson Rodrigues. O ouvinte começa seu alô dizendo o nome e o bairro em que mora, depois saúda o locutor e os ouvintes da rádio e do programa. A certa altura da ligação, ouvimos um “eu sou policial também”. Depois emenda com um “não estou incitando a violência” para finalmente destilar sua opinião – veneno que ninguém pediu.

Antes de desligar, ameaça a torto e a direito: “não nasci com farda na costa nem tenho paixão por emprego: comigo é elas por elas. Adolescente vagabundo que vier se meter com soldado Carlos vai levar” – omiti o nome real do policial, mas o programa tem grande audiência, então é capaz de os poucos mas fiéis leitores o saberem.

Não culpo Carlos por sua postura pública. Embora ele não tenha dito na ligação se é policial civil ou militar, disse que a profissão “é de risco”. Neste aspecto ele sabe o que fala. Ademais, na hipótese de ser militar, repete a opinião dos hierarquicamente superiores, incluindo seus representantes na Assembleia Legislativa e Câmara Federal.

Feito Carlos, grande parte dos que defendem a famigerada medida apenas repete clichês surrados ouvidos aqui e acolá. Desconhecem, por exemplo, estatísticas que dão conta de que cerca de 1% dos homicídios são cometidos por pessoas com 16 e 17 anos. Ou seja: você não soluciona um problema e, de quebra, aprofunda outro, gravíssimo, inchando ainda mais os superlotados locais de privação de liberdade do falido sistema penitenciário brasileiro.

A raposa e as urnas

[letra pra um samba de breque e ocasião, que permanece sem melodia. Escrevi por conta deste episódio e o título me veio, óbvio, inspirado no saudoso Reginaldo Rossi]

 

Charge de Carlos Latuff originalmente publicada no Vias de Fato (agosto/2014)
Charge de Carlos Latuff originalmente publicada no Vias de Fato (agosto/2014)

Vocês se lembram por que
O urubu ficou com raiva do boi
Mas a raposa tá contente
Eu vou contar por que foi

Um amigo do rei ganhou
Uma licitação
Pra cuidar de urna eleitoral
(num curral)
Lá no Maranhão

É muita cara de pau
Um amigo da família
Vestir pele de cordeiro
Pra beneficiar a matilha

Refrão

As urnas vão
De ferry atravessar a baia
E o Maranhão continua
A ser notícia ruim todo dia

É tanta água
Mas não mata minha sede
Agora além do ferry (e da lancha)
A urna também é do Cantanhede

Este blogue tem lado!

Em 10 anos de blogosfera nunca tive anunciantes. A relativa longevidade de minha atividade blogueira é fruto de pura teimosia. E do carinho e incentivo de alguns poucos mas fiéis leitores.

Embora o jornalismo cultural seja nossa pauta prioritária, durante este tempo não abrimos mão de debater outros temas, principalmente direitos humanos e política.

Como em outros pleitos, este blogue tem lado e anuncia. Declara voto e pede o seu! Sem medo de perder eventuais patrocinadores (mesmo sem nunca ter recebido um centavo de quem quer que seja) e/ou leitores – a razão de ser do espaço.

O que não podemos é nos dar ao luxo da omissão, diante do trágico quadro político vivido no Maranhão, sempre tão ruim e, por incrível que pareça, certamente piorando com o passar dos anos.

Votarei em Luis Antonio Pedrosa (PSol, 50) para governador do Maranhão. E em Haroldo Sabóia (PSol, 500) para senador da república.

Nunca enganamos e/leitores. E acho que o gesto de declarar votos, além de demonstrar honestidade, colabora para o bom debate político, tão necessário e urgente.

Para os outros cargos em disputa ainda tenho dúvidas. Mas não deixarei de tomar a mesma atitude em relação a candidatos à presidência da república e deputados estaduais e federais. Questão de tempo.

Em tempo, a quem interessar possa: estou engajado na campanha de Pedrosa na medida do possível, colaborando sobretudo com ideias. Nem fiz doação financeira para a campanha (que, embora modesta, carece) nem recebi ou receberei qualquer remuneração por isso.

Em tempo, a quem interessar possa 2: este blogue não se transformará, no período de campanha, em palanque virtual das candidaturas que têm meu apoio. A programação segue normal, com eventuais opiniões sobre determinados episódios, principalmente contraponto os esforços de manipulação da mídia oligárquica.

Em tempo, a quem interessar possa 3: o anúncio de apoio às candidaturas permanecerá visível neste blogue até a realização do primeiro turno.

Lobão Filho e Zé Luis Lago faltam a debate

Candidatos do PMDB e PPL sequer mandaram justificativas para as ausências, num flagrante desrespeito à organização e ao público presente

Fotosca: Zema Ribeiro
Fotosca: Zema Ribeiro

 

As cadeiras de Edison Lobão Filho (PMDB) e Zé Luiz Lago (PPL) ficaram vazias, ontem (20) à noite, no debate promovido pela Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz e Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – Regional Nordeste 5 (CNBB), no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Maranhão (OAB/MA).

Não lhes seguiram os passos o público, que lotou o espaço, para assistir ao debate entre os candidatos Saulo Arcangeli (PSTU), Professor Josivaldo (PCB), Luis Antonio Pedrosa (PSOL) e Flávio Dino (PCdoB). Os candidatos faltantes, cuja presença foi previamente confirmada pelas assessorias, sequer mandaram qualquer justificativa, demonstrando um profundo desrespeito com os movimentos sociais do Maranhão e seus militantes.

Em quatro blocos, os candidatos responderam perguntas elaboradas pela organização do evento e do público presente, sobre temas diversos: educação, saúde, segurança pública, economia, desenvolvimento, controle social e participação popular, entre outros. Pedro Gontijo, da CNBB, foi o mediador.

Saulo Arcangeli criticou o financiamento das duas maiores campanhas no estado e as alianças de Dino com candidatos ligados ao trabalho escravo. O socialista culpou ainda a oligarquia Sarney, que governa o Maranhão há 50 anos, pelos problemas enfrentados pelos trabalhadores. O comunista rebateu, pedindo respeito.

Flávio Dino se sentia à vontade: o candidato tem o apoio declarado de entidades do movimento social maranhense, fator criticado por Pedrosa: “O movimento social tem que ser autônomo para fiscalizar e cobrar a gestão. Se eu puder vou construir um palanque na porta do Palácio [dos Leões] para todo dia ter movimento lá, eu ouvir e dialogar com os movimentos”, disse.

Dino afirmou que, apesar das divergências, as candidaturas presentes estavam no mesmo campo político, da esquerda – o que despertou olhares espantados dos outros três presentes.

Professor Josivaldo teve um desempenho sofrível, embora bem humorado: comentando uma resposta de Saulo Arcangeli, tirou onda de si mesmo: “fui pedir emprego, acabei me atrapalhando com o tempo”, disse para risos dele e da plateia. O candidato do PSTU havia defendido um piso salarial de 3 mil reais para professores da rede pública, ao que o pecebista disse que “se sentiria contemplado com um governo do Saulo”.

Luis Antonio Pedrosa encerrou o debate comentando a recém-aprovada Política Nacional de Participação Social. “Para além de um decreto na esfera nacional ou estadual é preciso fazer essa política valer de verdade. Ninguém governa sozinho, então não adianta prometer se a coligação tiver gente puxando o governo para o outro lado, da falta de transparência, como o Maranhão já vem sendo governado. A mudança tem que ser completa, de verdade”, afirmou.

Na divulgação do debate de ontem à noite, a Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz reafirmou seu compromisso com o fortalecimento da democracia. Público e candidatos presentes colaboraram com o atingimento do objetivo. Dos candidatos faltantes não se pode dizer o mesmo.

Um acerto que deve servir de exemplo

Quer se concorde ou não com a escolha da candidata, a iniciativa da revista CartaCapital, de declarar apoio à reeleição de Dilma Rousseff, é digna de elogio.

A semanal da editora Confiança anunciou em editorial a opção pela petista. No texto, justificou a escolha, embora não lhe tenha poupado de críticas, sobretudo à equipe de ministros e ao duradouro relacionamento com o PMDB, partido do vice Michel Temer, também candidato à reeleição.

Impossível não lembrar o pioneirismo da revista Trip, quando abdicou da publicidade de cigarros e iniciou uma campanha que resultou no fim dos anúncios de tabaco em publicações brasileiras. A mesma Trip, depois, tomou partido quando do referendo do desarmamento.

Outros veículos nacionais e locais deveriam lhes seguir os exemplos e anunciar de que lado estão. A blogosfera, idem. Seria melhor para todos/as: candidatos/as, partidos, veículos, jornalistas e, principalmente, leitores/as. Afinal de contas, sabemos: imparcialidade jornalística é quimera.

Este blogue mesmo, como de praxe, anunciará em breve suas escolhas. Quantos mais terão coragem e independência?

Uma zúñiga se abateu sobre o Brasil

Foto: Eitan Abramovich/ AFP
Foto: Eitan Abramovich/ AFP

 

Neymar está fora da Copa. É a notícia mais triste da Copa, até agora. E permanecerá a mais triste, mesmo que a próxima notícia triste seja a de que a seleção brasileira disputará o terceiro lugar.

O Brasil fez ontem, talvez, sua pior partida no mundial. Se não a pior partida, ao menos o pior segundo tempo. Ainda assim demonstrou sua superioridade e bateu a Colômbia por 2×1.

Bater talvez não seja melhor verbo que vencer, afinal de contas, Zúñiga bateu Neymar e terminou com seus sonhos – e o de milhões de brasileiros, ao menos meus, em particular – de terminar artilheiro do torneio e seu melhor jogador.

Bater, no caso, é eufemismo. A joelhada do colombiano nas costas do brasileiro, que terminou por fraturar-lhe a coluna uma vértebra e eliminá-lo da competição, foi, no mínimo, criminosa.

Logo Neymar, o craque do Barça – mas eternamente santista –, que vinha enfeitando a competição com seu talento e suas belas jogadas, devolvendo ao futebol o status de arte de que já parecíamos ter nos desacostumado.

Li e ouvi muitas opiniões acerca da mordida do uruguaio Suárez no italiano Chiellini e sua severa punição. Minha opinião sobre o episódio está dada: a punição é necessária, mas a Fifa pesou a mão (e isto eu já dizia antes do ocorrido ontem).

Brasil e Colômbia fizeram talvez o jogo mais violento da Copa e infelizmente o dado não se traduziu na distribuição de cartões amarelos e vermelhos – Zúñiga sequer recebeu punição. Em determinado momento do segundo tempo a seleção colombiana admitiu ter carimbado o passaporte de volta para casa e, em vez de tentar reverter a situação e garantir ao menos a prorrogação da partida, aprimorou seu arsenal contraditor de qualquer vestígio de “fair play”.

A Fifa precisa punir exemplarmente o jogador colombiano. Se é para comparar, certamente a marca deixada por Suárez em Chiellini já sumiu. Neymar ficará ao menos um mês fora dos gramados. Lamentável não só para a seleção e torcida brasileiras e a Copa do Mundo: lamentável para o Futebol, com F maiúsculo.

Zúñiga, para este que vos perturba, vira, a partir de ontem, sinônimo de tragédia, qual ziquizira, urucubaca, caiporismo e que tais.

Sindicato Chapa Branca e Golpismo no DCE

FLÁVIO REIS*

A marca de centralismo e autoritarismo que caracteriza a administração do reitor Natalino Salgado ganha mais um capítulo tenebroso. Preocupado em submeter tudo e todos à sua vontade, sem conseguir sequer conviver com críticas e posicionamentos contrários, volta suas baterias novamente em duas frentes.  A primeira é a tentativa de controlar o Diretório Central dos Estudantes. Através de uma manobra, a comissão eleitoral impugnou a chapa da diretoria Ninguém Pode nos Calar, que resgatou o DCE da posição vergonhosa de ter se tornado uma representação chapa branca no período 2010/2011, alheio às lutas históricas por uma universidade plural e participativa, servindo de mero apêndice da reitoria e agência de festas. Circulou largamente através do YouTube o áudio de uma conversa em que o presidente da comissão eleitoral se colocava abertamente como interessado em articular uma chapa com um canal com a reitoria (veja o vídeo que abre-ilustra este post). Apesar da eleição não contar com o quórum mínimo necessário, mostrando o repúdio dos estudantes à manobra, a direção da universidade quer reconhecer o resultado, um escândalo que  deve parar na justiça. A segunda é a tentativa de criar outro sindicato de professores, um sindicato chapa branca, vinculado ao PROIFES, depois de ter perdido eleições para a diretoria da Apruma em duas oportunidades e não ter conseguido sequer organizar uma chapa para concorrer às eleições realizadas em dezembro do ano passado.

Na democracia professada pelo reitor Natalino Salgado, manifestações contrárias são sempre tratadas com intolerância, problemas de funcionamento não devem vir à luz do dia, reivindicações são apenas fruto de descontentes que “não vestem a camisa da UFMA” (leia-se, não dizem amém a todas as resoluções monocráticas vindas da reitoria), pois a instituição vive simplesmente dias gloriosos. Os que estão no cotidiano das salas de aula sabem que as coisas não são bem assim. Apesar do grande aumento no número de matriculados, numa operação cujos resultados desastrosos começam a aparecer nos inúmeros gargalos criados pela falta de professores, o que percebemos no dia a dia é um contínuo esvaziamento do campus, uma irritação e um desestímulo crescentes.

Não se trata apenas de um período de transição, no qual o próprio ensino ainda patina para encontrar novos rumos. O chão do processo é a defasagem da estrutura administrativa da universidade, pesadona e controladora, quando os tempos pressupõem exatamente o contrário. A própria forma como são propostas modificações em atividades fundamentais, como as recentes normas sobre o ensino de graduação, são pensadas de cima para baixo, com apenas um arremedo de discussão proposto em cima de um texto base que, no caso, uma observação feita pela comissão organizada pela Apruma mostrou ser cópia quase literal de uma resolução da UFPI. Mais do que crescer, a UFMA vive um processo de inchaço de uma estrutura arcaica e as iniciativas de modificação sempre insistem em afirmar a centralização de decisões nas Pró-Reitorias. No fundo, quase não há vida nas unidades, apesar da propaganda feita nas placas espalhadas pelo campus e no site da instituição insistir em mostrar um mundo dourado “como nunca se viu antes”, para lembrar um bordão que fez escola. Tanto aqui quanto nos campi do interior do estado, entretanto, existem muitos problemas, mas, segundo a ótica reinante, eles não devem ser debatidos e sequer publicizados. Todas as vezes que aparecem, geram logo profundo mal-estar entre o Magnífico e seus áulicos, como se fossem deturpações rasteiras de elevadas intenções.

Chegando ao ano final de seus dois mandatos à frente da reitoria, antecedidos de dez anos no comando do Hospital Universitário, Natalino Salgado tenta fechar o seu ciclo calando os únicos espaços institucionais que não controla, com o golpe perpetrado no DCE e a tentativa de organizar um sindicato paralelo de professores. Neste último caso, uma articulação puxada pelos áulicos de sempre, pró-reitores e assessores, para a formação do chamado Sind-UFMA, um sindicato atrelado ao PROIFES.

Por princípio, acho que a organização de interesses deve ser livre e ampla. O problema é quando esta se dá a partir de cima, quebrando na origem qualquer possibilidade de real independência. Se organizar chapas a partir da reitoria já era algo escandaloso, tentar organizar outro sindicato utilizando-se desses meios chega ser uma excrescência, sem mais nem menos. Talvez o problema mais importante e decisivo nesta universidade seja o fosso que historicamente foi estabelecido entre a administração superior e a comunidade acadêmica. Essa questão chegou ao ápice na atual gestão, onde a aproximação só se efetua através da cooptação. No momento em que entidades importantes, como a ADUFC, se desvinculam do PROIFES, frisando entre os motivos a “notória subordinação ao governo federal”, o “alheamento em relação ao movimento docente nacional, promovendo o isolamento e a desmobilização dos professores das universidades federais cearenses” e a “participação ativa na implementação de medidas e normas que precarizam o trabalho docente”, é exatamente este o modelo que o círculo próximo à reitoria quer criar aqui e ficar ainda mais à vontade para impor procedimentos, como é do seu estilo, contornando a resistência que a Apruma desempenhou, principalmente nos dois últimos anos.

A universidade brasileira, de modo geral, guarda esse traço centralizador que manteve dos tempos da ditadura, mas tem seus contornos acentuados quando tratamos de sociedades em vários aspectos ainda largamente oligarquizadas, como é o nosso caso. A luta de professores, alunos e técnicos administrativos deve buscar a ampliação e a efetividade dos espaços de participação na universidade, abrir as decisões, garantir maior autonomia para as unidades num quadro de efetiva colaboração interdisciplinar. O processo em curso tem seguido o caminho contrário, sempre falando em futuro, democracia, inclusão, diversidade, mas agindo efetivamente para garantir a continuidade do passado, com os velhos procedimentos de tomada de decisões em circuito fechado e as mesmas figuras de sempre, pessoas que atravessam décadas nos círculos da administração superior da universidade. A articulação do Sind-UFMA é uma associação pensada para atrelar a representação sindical à reitoria, nada a ver com as lutas dos docentes e a necessidade de democratização da universidade.

Todos se lembram do papel importante que o DCE e a Apruma exerceram no apoio aos estudantes em luta pela moradia no Campus diante da intransigência de Natalino Salgado, vergada apenas após uma greve de fome levada a efeito por discentes que dependem da moradia, prolongando-se por uma semana, com mobilização que envolveu outros setores da sociedade em solidariedade. São justamente estes espaços de resistência que a sanha autoritária da reitoria tenta a todo custo anular.

*FLÁVIO REIS é professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMA

Tinha um caminhão de pedras no meio do caminho

Parafraseio Drummond para comentar mais um fato vergonhoso que leva o Maranhão ao noticiário nacional: em paralelo à crise em Pedrinhas, desta vez um caminhão de pedras chocou-se com um pau de arara que transportava estudantes. Dói essa pedra no calo da oligarquia?

Não é para menos a comoção causada pela morte de oito crianças e adolescentes em um acidente que deixou ainda um saldo de quatro feridos, na estrada MA-303, entre Bacuri e Apicum-Açu, no litoral norte maranhense, ontem (29).

É a fatura do descaso com que são tratadas a educação e diversas outras políticas públicas pelos governantes de plantão. É preciso que sejam apuradas as responsabilidades dos condutores envolvidos no acidente – a caminhonete pau de arara que fazia o papel de transporte escolar chocou-se com um caminhão que transportava pedras e caiu numa ribanceira –, mas é preciso ir além: é necessário punir exemplarmente também gestores e autoridades responsáveis pela fiscalização.

O interior do Maranhão é tido como uma terra sem lei, onde usar capacete, tripular motocicletas aos pares ou usar cinto de segurança pode dar multa. O “folclore” também ocorre em determinados bairros da capital.

30 estudantes estavam na caminhonete no momento do acidente, ocupando apertadamente um lugar que deve ser destinado ao transporte de carga. A nota da governadora Roseana Sarney lamentando o fato e entristecendo-se com o mesmo é cinismo puro: suas gestões e as de seus aliados – e até mesmo por opositores – pouquíssimo ou nada têm feito para modificar a trágica realidade dos que arriscam a vida ao pendurar-se em tais veículos em busca de um futuro melhor.

Um futuro que parece só existir na propaganda governamental, onde as estradas são asfaltadas e os estudantes têm, além de educação, até mesmo internet pública e gratuita.

O futuro da censura

Entre lançamentos e reedições, outras obras podem ter o mesmo infeliz destino desta

Muito já se falou no assunto e eu só não vi mesmo a opinião do Lobão, que agora engrossa o coro de colunistas reaça da Veja. Em pauta as biografias e a censura prévia. Talvez o velho lobo esteja quieto por já ter escrito – com o grande Cláudio Tognolli – sua autobiografia.

Até aqui, de tudo o que foi dito, fico com Alceu Valença e Benjamin Moser. O grupo formado por Caetano Veloso, Chico Buarque, Djavan, Erasmo Carlos, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Paula Lavigne e Roberto Carlos – perdoem se esqueço alguém – é simplesmente ridículo, a começar pelo nome: Procure saber é um exemplo de pura arrogância.

A meu ver, quem já foi vítima de censura não tem o direito de se tornar censor.

Existem biografias boas e biografias ruins, como tudo na vida. Mas não será a censura que fará este filtro de qualidade. Num momento em que está muito em voga a pauta memória, justiça e verdade, por conta da Comissão Nacional que, apesar dos limites, procura esclarecer crimes de lesa-humanidade cometidos pela ditadura militar brasileira, é no mínimo triste o comportamento da dita elite da emepebê.

Para além do interesse público, pra mim o buraco é bem mais embaixo. Agora censuram biografias. Já imaginou se num futuro próximo tentam censurar a literatura? Deliro? De jeito nenhum. Um ótimo exemplo é a clássica página 73 do Bregajeno Blues – Novela Trezoitão, de Bruno Azevêdo. Leiam-na e tirem suas próprias conclusões.

Este post vai com um abraço ao Paulo César de Araújo!

O maior segredo do Brasil é a tal da perna de pau do Roberto Carlos. Não pode comentar isso. É feio. É errado.

Podem reparar. Já viram isso em alguma revista? Programa de tv? Nada, não sai nada! É a informação mais subversiva do país. Entra governo, sai governo, aparece a nova promessa da música brasileira, morre a nova promessa da música brasileira, fulano chifra cicrano, Nelson Gonçalves abre o jogo, mas ninguém fala da perna de pau do Rei.