Com debate na UFMA Flávio Reis lança hoje “Crise da Democracia – Dois Ensaios”

“Crise da Democracia – Dois Ensaios”. Capa. Reprodução

Um dos mais brilhantes pensadores nascidos no Maranhão, o professor Flávio Reis lança hoje (14), às 17h30, no Auditório Ribamar Caldeira (Centro de Ciências Humanas da Universidade Federal do Maranhão), a edição impressa do livro “Crise da Democracia – Dois Ensaios”, disponibilizado em junho para download gratuito no site da Editora Passagens.

A obra “é fruto de uma pesquisa realizada no âmbito do Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMA”, ao qual Reis é vinculado, “junto com a professora Arleth Borges, sobre A Crise Atual da Democracia. O projeto, vinculado ao GAL (Grupo de Estudos em Democracia, Estados e Territorialidades na América Latina), foi basicamente uma tentativa de compreender, à luz da literatura mais recente no campo da ciência política, o quadro que se colocou na década de avanço da extrema direita no mundo, com um discurso antidemocrático, antiglobalização, repleto de componentes racistas e voltados para o combate da diversidade cultural, de gênero, de crenças religiosas”, como afirma o autor na Introdução.

Os dois ensaios a que se refere o subtítulo da obra são “Regressão Democrática e Teoria Política” e “O Brasil na Encruzilhada: Visões da Crise Política”. Um debate com o autor, a colega de departamento Arleth Borges, o jornalista Emílio Azevedo (Agência Tambor) e o professor Wagner Cabral (do Departamento de História da UFMA) marcará o lançamento.

Jair já vai tarde

Foto: Zema Ribeiro

Jair Bolsonaro (PL) se elegeu e governou com mentiras. Conspurcou o Evangelho de Jesus Cristo segundo São João como slogan de campanha em 2018: conhecereis a verdade e a verdade vos libertará, repetia aos quatro ventos, mas uma vez no cargo, colocou seus crimes (e os dos filhos) sob sigilo de 100 anos.

Um dos traços do fascismo é acusar o outro do que você mesmo faz. Em 2018 Bolsonaro disse que o Brasil se tornaria uma Venezuela caso o vencedor do pleito fosse seu oponente, Fernando Haddad (PT), alçado à cabeça de chapa após a ilegítima prisão de Luís Inácio Lula da Silva (PT, que então liderava todas as pesquisas de intenção de voto), orquestrada pelo juiz parcial Sérgio Moro, em conluio com procuradores e a acusação. Mentira tem perna curta. E nariz comprido.

Em 2022, com o país de volta ao mapa da fome, o neofascista disse que é mentira que alguém passa fome no Brasil, que não se vê ninguém pedindo pão. O cruel Jair Bolsonaro vive em uma bolha, uma realidade paralela em que só se acredita no que querem ele e seus fanáticos seguidores.

Caminho e dirijo todos os dias pelas ruas da cidade em que moro e independentemente da rota e do tamanho do percurso, nunca antes na história deste país eu tinha visto as faixas de pedestres nos semáforos loteadas entre flanelinhas, malabares, imigrantes e famélicos em geral. A propósito, a foto que abre-ilustra este texto foi feita ontem, pouco depois de meio-dia, no Renascença, em São Luís.

A despeito de tudo isso, Bolsonaro manteve-se no poder, a peso de ouro, apesar da falta de decoro, das mentiras diuturnas e dos não poucos crimes cometidos em quase quatro anos de mandato. É asqueroso, canalha, cínico, covarde, deselegante, grosseiro, hipócrita, perverso, vil, “o impostor que com o posto não condiz”, como diz a letra da recém-lançada “Hino ao inominável”, de Carlos Rennó (com música de Chico Brown e Pedro Luís, gravada por 30 intérpretes antifascistas).

Presidente em férias permanentes, Bolsonaro parece enfim fazer seu último passeio pago com dinheiro público: foi passar e nos fazer passar vergonha à vista, no débito, no crédito (sob o sigilo do cartão corporativo) e no pix (que ele continua mentindo ter inventado) no funeral da rainha da Inglaterra e na ONU, transformados em palanques e comícios, com suas habituais mentiras e a claque de ignorantes a lhe bater palmas e gritar “mito!”.

Ainda bem que o pesadelo está chegando ao fim. Já não era sem tempo.

Carta aberta a parentes e amigos bolsominions

“Apesar de você, amanhã há de ser outro dia”
(Chico Buarque)

“É pena eu não ser burro; eu não sofria tanto”
(Raul Seixas)

“Meu coração não se cansa de ter esperança”, como cantou o recém-oitentão Caetano Veloso. Ao longo dos últimos quatro anos não foram poucas as vezes em que alertei parentes, amigos e conhecidos – ou deveria chamá-los todos/as de ex? – acerca do bolsonarismo, cuja máquina de mentir é tão perversa que acaba transformando seus próprios entusiastas em vítimas do próprio esquema.

Ainda em 2018 fui tachado por um par de parentes de “fanático”, adjetivo que acompanhava palavras como lulista, petista, dilmista, esquerdista ou comunista. Logo eu, que nunca deixei de fazer justas críticas ao PT e seus líderes enquanto o partido esteve no poder – ao contrário de quem, após um mandato inteiro de desmandos de Jair Bolsonaro, segue aplaudindo-o desavergonhada e acriticamente.

Falo de gente pobre, gente como eu. Não é nem gente remediada, que diante de qualquer emergência possa fazer um saque em uma poupança e resolver um imprevisto. Gente que se nega a perceber que é inaceitável o retorno do Brasil ao mapa da fome, sendo o país um dos maiores produtores de alimentos do mundo; gente que se nega a perceber que é impossível pagarmos tão caro por combustíveis fósseis, sendo o país um dos maiores produtores de combustíveis fósseis do mundo. A quem me lê agora e não simpatiza com Jair Bolsonaro e sua família, peço perdão pelas repetições e redundâncias, mas estas são necessárias, vocês sabem o porquê.

É claro que é muito mais fácil receber uma figurinha engraçada, um meme, um vídeo curto e imediatamente repassar por aplicativos de mensagens e redes sociais em geral. Mas nem sempre o mais fácil é o melhor ou o correto. Ler dá trabalho, interpretar texto dá trabalho, pesquisar dá trabalho – ter consciência de classe, então, nem se fala. Checar, então, se uma notícia é verdadeira ou não, mesmo que isto custe apenas perguntar a algum conhecido, dá muito trabalho.

“Mas esta checagem deveria ser papel dos próprios jornalistas”, uns podem argumentar, não sem razão. Sim, deveria: mas muitos de meus colegas de profissão sucumbiram ao bolsonarismo, mesmo que o líder neofascista seja uma ameaça ao exercício crítico e livre de nossa profissão, além de à nossa própria existência. Fora que não são apenas jornalistas que usam redes sociais, estas ferramentas que têm suas vantagens, mas também deram voz a uma legião de imbecis, como ainda teve tempo de afirmar Umberto Eco (1932-2016).

Um presidente da república é uma referência política, moral e cultural. Para o bem ou para o mal – e esta antítese está bem desgastada, quando a extrema-direita se posiciona como “o bem” para derrotar “o mal” (seja o comunismo, o lulismo, o petismo, a esquerda, os vermelhos), mesmo pecando, ao usar o nome de Deus em vão, para mentir. Cristianismo e bolsonarismo são doutrinas absolutamente incompatíveis.

Jair Bolsonaro se elegeu com a cantilena vazia do pseudocristianismo escondido em um de seus slogans de campanha: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”, esgarçou o versículo bíblico do evangelho de São João. Na prática a teoria é outra e qualquer investigação sobre si ou sua família é colocada em sigilo de 100 anos.

Faço questão de escrever este texto puxando as coisas apenas pela memória, sem consultar links ou reler matérias – fosse citar exemplos cotidianos, uma carta aberta não seria suficiente, melhor seria escrever logo um livro, mas já há excelentes publicações revelando as entranhas do bolsonarismo e seu modus operandi, desde o processo que resultou em sua ida à reserva do Exército até a relação dele e sua família com as milícias cariocas.

O Partido dos Trabalhadores está fora do poder há seis anos e qualquer verdade dita a um simpatizante de Jair Bolsonaro ainda é invariavelmente rebatida com um “e o PT?”, “e o Lula?”, “e a Dilma?”. Em meio a isso, a prisão, covarde, pois injusta, pois sem provas, do maior líder político vivo da América latina, pelas mãos de um juiz e procuradores corruptos, o lavajatismo a serviço do bolsonarismo, cujos objetivos eram tirar das eleições de 2018 o então líder em todas as pesquisas de opinião e alimentar o antipetismo.

Mentiras têm pernas curtas: a farsa caiu, a casa dos golpistas caiu, e o governo Bolsonaro, quatro anos depois de eleito, nada tem para mostrar que tenha beneficiado a vida de qualquer brasileiro, a não ser a do próprio nanopresidente, de seus familiares e aliados de ocasião, cujas burras nunca enchem.

Vivemos há dois anos e meio uma crise sanitária global, com distintos comportamentos em relação a seu combate ao redor do mundo. A opção do Brasil governado pelo neofascismo foi retardar a compra de vacinas enquanto tentava negociar propinas e as sórdidas mentiras de toda ordem do Hitler tupiniquim que acabaram por colaborar para o inchaço do número de óbitos, hoje em mais de 700 mil, muitos dos quais poderiam ter sido evitados, se o adorador de Ustra tivesse agido em prol do povo, em vez de ficar imitando gente morrendo por falta de ar. Tudo indica que a história se repetirá com a varíola dos macacos, infelizmente.

Por vários motivos, diversos gênios da criação artística brasileira faleceram nos últimos anos: Agnaldo Timóteo (1936-2021), Aldir Blanc (1946-2020), Cassiano (1943-2021), Dona Inah (1935-2022), Flávio Migliaccio (1934-2020), João Gilberto (1931-2019), Letieres Leite (1959-2021), Mário Luiz Thompson (1945-2021), Moraes Moreira (1947-2020), Nelson Sargento (1924-2021), Paulo Diniz (1940-2022), Paulo Gustavo (1978-2021), Rubem Fonseca (1925-2020), Sérgio Sant’Anna (1941-2020), Tarcísio Meira (1935-2021). Em nenhum caso o ocupante do Palácio do Planalto decretou luto oficial, lançou nota de pesar ou sequer publicou qualquer coisa em redes sociais, manifestando condolências a familiares e fãs-clubes.

“Que diferença faria?”, poderão me perguntar. É o simbólico que nos diferencia dos animais. E este profundo desprezo pelas artes – tidas como coisa de esquerdistas – é um dos símbolos do fascismo.

Por falar nisso, apesar de este texto se intitular “Carta aberta a parentes e amigos bolsominions”, outra categoria poderia estar no título: não perdoo artistas bolsonaristas. É uma contradição em termos. O desmonte sistemático das políticas culturais – e do próprio Ministério da Cultura – já seria motivo suficiente para que o candidato à reeleição não encontrasse apoio entre a classe. E particularmente acredito que artistas, “as antenas da raça” no dizer de Ezra Pound (1885-1972), sejam bem maiores que bobagens como “mamata da Rouanet” ou “caixa preta do BNDES”.

Falando em mamata, por que é mesmo que quem se indigna com a corrupção só se indigna com a corrupção do PT? Os governos de Lula e Dilma, além dos investimentos em órgãos de controle e fiscalização, criaram o Portal da Transparência e nunca interferiram em aparelhos como a Polícia Federal a fim de livrar quaisquer de seus quadros em investigações. Lideranças petistas foram condenadas, presas, perderam cargos. Ou seja: foram punidos por seus crimes. Resumindo: cortaram na própria carne.

Apesar do desejo de alguns, no Brasil (ainda) não existe pena de morte – quer dizer, até existe informalmente, fora da lei, para a população negra, moradores de periferias e pequenos traficantes. Então o que explica o cinismo de quem até hoje se revolta com uma tapioca comprada com cartão corporativo, mas não se revolta com os milhões torrados diariamente pelo atual mandatário da república, sob a proteção dos sigilos centenários?

Volto aos artistas: aqueles que se respeitam e nutrem respeito por seu público têm lado e assumem. E não se trata de ser petista, lulista, dilmista ou beneficiário de leis de incentivo à cultura através de renúncia fiscal. Trata-se de assumir uma postura diante da encruzilhada civilização x barbárie, autoritarismo x democracia, alegria x tristeza, humanidade x desumanidade. O Brasil é o país da alegria e grande parte dela nos é dada por artistas – imaginem o que teria sido do isolamento social sem as lives, os streamings ou quaisquer outras formas de arte e entretenimento. Como podem artistas apoiarem quem representa a tristeza e a morte? Ou, a esta altura do campeonato, aferrarem-se a uma suposta neutralidade? “Se você fica neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor”, já diria o Nobel da Paz Desmond Tutu (1931-2021).

Polarização existia nos tempos em que Lula e Dilma disputavam eleições contra Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, José Serra e, entre outros, Geraldo Alckmin. Ora, se Alckmin entendeu a necessidade de alianças para livrar o Brasil do neofascismo e do neonazismo, qual é a sua dificuldade em entender?

Há uma barbárie em curso no Brasil, basta acompanhar o noticiário: do capoeirista Moa do Katendê (1954-2018), entre o primeiro e o segundo turnos da eleição de 2018, ao campeão mundial de jiu-jítsu Leandro Lo (1989-2022) no último fim de semana, passando pela vereadora Marielle Franco (1979-2018) e o motorista Anderson Gomes (1978-2018), o bolsonarismo mata. “Ah, mas o presidente não apertou o gatilho em nenhum destes casos”, apelará um/a bolsonarista, que deve, no entanto, acreditar na facada desferida por Adélio Bispo durante (te)at(r)o de campanha de Bolsonaro em 2018. De fato não puxou o gatilho, mas reiteradamente incentiva o ódio e a eliminação física de opositores em discursos, além de ter facilitado o porte e a posse de armas à população em geral, colaborando para o ambiente de terror e guerra civil que o Brasil, mais do que nunca, vive (ou morre?).

Qual terá sido o peso da postura de artistas contrários à ditadura militar brasileira instaurada em 1964 para o fim do regime de exceção em 1985? Obviamente é difícil calcular. Mas sua recusa em calar, que os levou a prisões, torturas, exílios, desaparecimentos e censuras, certamente colaborou para que o pesadelo acabasse. Não há clima, tempo, espaço, nem motivo para neutralidade. Goste-se ou não de Lula, do PT, ou de quaisquer nomes e partidos postos à disputa.

Não é preciso sentir dor para se indignar com a dor alheia. Não é preciso passar fome para se indignar com a fome alheia. Não é preciso ser negro para lutar contra o racismo. Não é preciso ser homossexual para lutar contra a homofobia e a violência que dela decorre. Não é preciso ser indígena para ser contra o desmatamento e o garimpo ilegais na floresta. Não é preciso ser mulher para se indignar contra os assustadoramente crescentes números de estupros e feminicídios. Basta ser humano e ter alguma empatia e alguma consciência de que o estímulo à lei da selva, por ação ou omissão, não nos serve nem nos representa.

Esta singela missiva é um último chamado à razão a parentes, amigos e artistas bolsonaristas. Errar é humano e não é vergonhoso admitir erros. Antes tarde do que nunca. Ainda é tempo de reconstruir o Brasil. Ou ao menos de não deixar terminarem de destruí-lo. Nem simpatizantes e defensores de Bolsonaro aguentariam um eventual segundo mandato deste governo da necropolítica e da destruição sistemática. Até por que, caso esta tragédia aconteça, sequer existirá Brasil. E quem diz/ia que foi enganado em 2018 não vai ter desculpa dessa vez.

São Luís/MA, 11 de agosto de 2022

Zema Ribeiro, jornalista antifascista

Tirem as mãos das nossas bandeiras!

Foto: Acervo Feira da Tralha. Reprodução

A Feira da Tralha, nas pessoas de seus idealizadores Riba e Marly, bem como todos os órfãos do sebo, bar e restaurante que hoje atende exclusivamente online, vem a público repudiar o furto de uma toalha com a imagem do pré-candidato à presidência da República Luís Inácio Lula da Silva, do mesmo modelo que causou frisson recentemente em um festival de música.

A Feira da Tralha sempre foi um lugar do afeto e do respeito e, por isso mesmo, está permanentemente na trincheira de combate ao bolsonarismo, essa tragédia que se abate sobre o Brasil, cuja pilha de cadáveres vítimas da covid-19 é, em sua absoluta maioria, fruto do descaso, da irresponsabilidade e do deboche do nanopresidente Jair Bolsonaro, entre outras mazelas, como o retorno do Brasil ao mapa da fome, os altos índices insegurança alimentar, miséria, desmatamento, desemprego e analfabetismo – todos voltaram a crescer sob o jugo do neofascismo que por enquanto ocupa o Palácio do Planalto –, além dos altos preços de combustíveis e alimentos.

A liberdade de expressão é um direito humano, e como tal, se interrelaciona e interdepende de outros direitos, sem poder feri-los. Arrancar de uma janela uma bandeira que significa a manifestação da opção política de alguém é, sem eufemismo, roubo. O gesto de quem o praticou condiz com a distância entre discurso e prática do poder central, que diz combater a corrupção, mas faz gastos exorbitantes no cartão corporativo e coloca tudo sob sigilo de 100 anos.

A bandeira nacional foi usurpada por um séquito de fanáticos, que desacreditam na ciência, mas passam adiante as teorias conspiratórias mais mirabolantes recebidas por aplicativos de mensagens. A bandeira da Feira da Tralha, com a efígie de Lula, merecidamente reconhecido como uma das maiores lideranças políticas do mundo em todos os tempos, foi roubada, sem meias palavras.

Fascistas não passarão! Devolvam as nossas bandeiras e o nosso país!

[mês passado estive presente no aniversário de Ribamarx, como carinhosamente o chamamos, ocasião em que ele ganhou a toalha de presente dos amigos Chico Neis e Gabriela Flor; como órfão do bar presencial e antifascista em tempo integral, esta nota também me representa]

Quando o carteiro chegou e meu nome gritou com uma carta na mão

Divulgação

Uma das figuras mais marcantes de minha infância certamente é Araújo, carteiro na cidade de Rosário/MA, onde morei até os sete anos. Percorria a cidade inteira numa bicicleta cargueiro, a sacola de correspondências no bagageiro da frente, de onde ele habilmente as tirava e entregava aos destinatários, após gritar “Correios!”, a anunciar-se de porta em porta.

Conhecia pelo nome e era conhecido idem pela cidade inteira. Uma tia, que fazia pedidos nos antigos catálogos Hermes, costumava servir-lhe água, para aplacar o calor e o suor que sempre empapavam seu fardamento azul e amarelo, numa época em que as cores da bandeira eram motivo de orgulho, e não da vergonha de terem sido usurpados pelo neofascismo tupiniquim.

Ao lado de professores, carteiros estão entre os profissionais por quem mais nutro respeito. Ou admiração. Ninguém é nada sem os primeiros, com raríssimas e honrosas exceções; os segundos sempre foram motivo de alegria, quando batem palmas, tocam a campainha ou, como um outro dia, telefonam, para não serem obrigados a devolver uma encomenda, dada a dificuldade em entregá-la, visto que moro em prédio sem porteiro.

Não raros são os carteiros que já viram meus olhos brilhando quando da chegada de alguma aguardada encomenda, em geral livros ou discos.

O anúncio da vitória da privatização da estatal na Câmara dos Deputados, ontem (5), por 286 a 173 (placar nada apertado), entristeceu-me profundamente. Trata-se de uma empresa pública, eficiente e lucrativa. Os que caíram na balela de que cobrar bagagem baratearia passagens aéreas ou que a reforma trabalhista ajudaria a gerar empregos, agora caem na esparrela de que a privatização (ou desestatização, no dizer de eufemistas em conversas para boi dormir) vai “modernizar” os Correios.

Ora, é justamente o fato de ser uma empresa pública – com toda a responsabilidade social efetiva (em vez de mera jogada de marketing) que isso implica – que permite aos Correios atender todos os mais de cinco mil municípios brasileiros, com tarifas justas. Que permite, por exemplo, a um sebista, enviar um livro cobrando um frete de menos de 10 reais, num prazo razoável (há opções mais caras para quem desejar agilizar o recebimento de suas encomendas).

É lógico que não esqueci a imagem que circulou e, por ocasião da triste notícia de ontem, tornou a aparecer nas redes sociais: funcionários da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) fardados queimando a bandeira do Partidos dos Trabalhadores (PT), defendendo o voto em Jair Bolsonaro, nas eleições de 2018. Não foi falta de aviso, mas não gosto de pensar em vingança, embora espere que tenham aprendido a lição – obviamente, também, é impossível generalizar ou atribuir responsabilidades a toda uma categoria pela irresponsabilidade (ou crueldade ou masoquismo) de alguns.

O que é impossível é compreender o patriotismo entreguista de um governo com pulsão de morte, que revelou o pior do brasileiro: como conceber um negro racista (há um na presidência da Fundação Palmares), uma mulher misógina (outra é titular do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos) ou um homossexual homofóbico?

“Faça chuva ou faça sol, o carteiro sempre cumpre o seu dever”, ouvíamos dizer um deles em um desenho animado. A privatização não mais permitirá: se o carteiro, este artista merecedor do Nobel, do Grammy ou do Oscar na arte de ir aonde o povo está, chegava aonde Judas perdeu as botas, gastando as suas, os funcionários concursados de uma empresa pública passarão, como empregados do setor privado, a ir tão somente aonde o lucro (da empresa, não dos carteiros) permitir-lhes.

Pessimismo? De jeito nenhum! Não conhecer o mínimo de História é estar fadado a repetir erros do passado, vide o espetáculo grotesco em que se transformou a política no Brasil, em que um presidente da República chama o presidente de um tribunal superior de “filho da puta” (aqui sem os pudicos asteriscos ou reticências da grande mídia). Não regozijo-me, no entanto, usando de escudo o “não foi falta de aviso” ou o “eu avisei”. O buraco é mais embaixo e nele acabamos todos, afinal. “Não há abismo em que o Brasil caiba”, como afirma o título do mais recente disco do mestre Jorge Mautner.

O placar de ontem não é o resultado final deste jogo bufão. Mas, realista, pouco espero do congresso nacional, que se apequena a cada dia, ao permitir ao despresidente continuar seu script de perversidades e falta de respeito com qualquer um/a.

Cachorros são mais dignos e coerentes: tidos como inimigos número um dos carteiros, os cães em geral são mais fiéis a seus donos que o centrão, cujo fisiologismo permite fidelidade a quem pagar melhor. O que infelizmente ajuda a explicar muita coisa neste país.

O professor me ensinou fazer uma carta de amor, mas muito em breve, a depender do endereço, ela poderá não mais ser entregue.

O testamento de Judas 2021

por Cesar Teixeira, jornalista e compositor

Foto: Luiz Barreto

Outra vez sou enforcado
num tribunal ignaro,
mas meu crime prescreveu,
diz um pergaminho raro.
Quem exterminou Jesus
e botou culpa no SUS
foi Messias Bolsonaro.

Quando chegar no Inferno
ele não terá guarida,
pois o Diabo não aceita
gente de língua comprida
com barriga de jumenta,
cabelo de cu na venta
e fama de genocida.

Deixo ao Profeta do Caos
bula do Billy the Kid,
pois, quando bota ministro
na Saúde, há quem duvide:
– Será Marcelo Queiroga
um novo tipo de droga
que vem no Kit-Covid?

O tratamento precoce
é fim que não principia,
mais parece uma garrafa
de aguardente vazia.
Só traz insuficiência
renal e resiliência
da alma em hemorragia.

Deixo pro Ricardo Salles,
que a natureza atazana,
os restos mortais do gado
que acreditou no sacana.
Jogou no abismo a boiada,
que passa, desgovernada,
achando que a Terra é plana.

Para a ministra Damares,
que só trepa em goiabais,
vou deixar o Kama-Sutra
dos traumas celestiais.
Pra massagear o ego
de um pobre Judas cego,
deixo os órgãos genitais.

Deixo na Universidade
o cordel do ABC.
Hoje em dia estudante
só consegue o que dizer
na voz dos mestres Foucault,
Walter Benjamin, Nivô,
Apolônio e Bordieu.

Antes que o Testamento
se torne monografia,
uma camisa-de-força
deixarei para o Messias,
pois agora o rei está nu
entubado pelo cu,
de onde caga ideologia.

Vou deixar uma vacina
de cereais e verduras
pro nosso Mao-Tsé-Tung
não desabar das alturas
ao subir no Sputnik,
depois de um piquenique
com muito doce e gordura.

Para não cair partido
em Rocha capitalista
deixo a foice e o martelo
de cravar nazifascista
e, sem disparar um tiro,
enterrar mais um Vampiro
da corte terraplanista.

Pro ex-ministro Sérgio Moro
da Lawfare se salvar
eu vou deixar o triplex
com sua “conge” em Guarujá.
Pato já virou boneco,
agora é a vez do marreco
cantando Edith Piá.

Deixo para o Presidente,
doutor em Necrofilia,
o cadáver da Amazônia
cujos pulmões esvazia.
E o verde, se despindo,
de luto vai se vestindo,
numa triste asfixia.

Pagar na mesma moeda
em Aurizona eu pretendo,
pois lá a Equinox Gold
o terror vem promovendo.
Leva o ouro pra Gaudéria,
deixa a lama da miséria
em cada cova escorrendo.

É preciso demarcar
nossa herança por inteiro,
interditar o garimpo
e algemar fazendeiro.
A Funai não auxilia,
é pior que epidemia
para o índio brasileiro.

Deixo a Flávio Bolsonaro
a mala de um mascate
para esconder a grana,
sem que Queiroz o delate
por crime de peculato,
lavando dinheiro a jato
em pia de chocolate.

Na Assembleia deixarei
emenda legislativa
que impede o deputado,
em corrupção ativa,
pular cerca da vizinha
pra comer a rachadinha
da amiga Patativa.

Pois cabaço, meus amigos,
hoje é sigilo fiscal
que no Brasil ninguém quebra
se for presidencial,
por isso a mulher do Arruda
vai proteger a Papuda
do governo federal.

Deixo pras Forças Armadas
a batina dos vigários.
Não há generais rebeldes,
pois, muito pelo contrário,
a velada demissão
é a farsa do escorpião
no cangote de otário.

Assumiram Três Patetas,
no cinema um sucesso.
Para o filme “Bolsotralha
e os Três Porquinhos Perversos”
deixo esquadras de papel,
caminhões de carretel
e uma FAB de processos.

Para Kátia Abreu entrego
um cabresto em Testamento
pra botar o ex-chanceler
Ernesto pastando ao vento.
Nos restaurantes da China
carne que tem vitamina
é a carne de jumento.

Bolsonaro é repetente
desde seu Grupo Escolar,
e foi gazeando aula
que se tornou militar.
No quartel só lhe convinha
brincar de explodir bombinha,
e acabou por se queimar.

Na defesa, Braga Netto,
Paulo Guedes, o zagueiro;
no ataque, Bolsonaro,
Augusto Heleno, goleiro.
Com esse time oficial,
que só tem perna-de-pau,
o Brasil tá no atoleiro.

Ele não toma vacina
nem bota anel de tucum.
Na mão de Chico Gonçalves
não terá Direito algum.
Bozo tem medo é de agulha,
da seringa que borbulha
apontando o seu bumbum.

Deixo pro Fernando Cury
um sutiã de mamão
para ficar apalpando
seis meses de suspensão.
Essa pena é pequena,
em respeito a Isa Penna
caberia a cassação.

Para a amiga Rosa Reis
entrego meu borderô,
mantendo o Cacuriá
na UTI do Labô.
Messias pode surtar,
mas temos que vacinar
nosso Jacaré Poiô.

Vou deixar no Laborarte
minha máscara de linho.
No Inferno não tem vírus,
mas o Cão não tá sozinho.
Lá já se espalhou o mito
da língua do Nélson Brito,
herdada pelo Nelsinho.

Deixo para Joãozinho
enfrentar o lockdown
um litro de catuaba
pra de mim não falar mal.
Também deixo um ingresso
pra ele fazer sucesso
dançando no Xirizal.

No Planalto já deixei
a ceia do Capitão:
patê de ivermectina,
azitromicina, pão,
cloroquina e Leite Moça.
Já lavaram até a louça,
que não tem licitação.

Deixo orelhas de burro
nessa ave de rapina,
que negou o Butantan
por causa de uma vacina.
Fez do Brasil um velório
pra vender supositório
de hidroxicloroquina.

Insumos quero deixar
pra ajudar a Fiocruz,
oxigênio em Manaus,
farinha d’água e cuscuz.
Mas, para o mito bandido
deixo um pequi roído
no cocho dos urubus.

O curral não quer tomar
a vacina comunista.
Vitor Hugo e Zambelli
fazem parte dessa lista.
Por isso, deixo a mimosa
vacina de aftosa
pro gado bolsonarista.

A imprensa, que viveu
no AI-5 amordaçada,
por um louco outra vez
está sendo censurada.
Vou botar uma chupeta
com remédio tarja preta
nesse Boca de Privada.

Vou deixar na CCJ
da Câmara Federal
um despacho pra afastar
o atraso, a dor e o mal.
Incentivando motim,
Bia Kicis é pra mim
um verme no lamaçal.

Se há um ministro escroto
é o da Tecnologia,
viu que a Terra é redonda
sem informar a Chefia.
Deixo um foguete da Nasa
pra bem longe desta casa
despachar Jair Messias.

Nas paredes de Alcântara
já colei o personagem,
com o chapéu do Tio Sam
Bolsonaro fez chantagem.
A distribuição de título
foi mais um falso capítulo,
a mais pura maquiagem.

Deixarei a própria corda
que hoje me decide a sorte
de herança aos editores
que publicam minha morte.
Ganhando dinheiro fácil,
me esculhambam no prefácio
sem me dar vale-transporte.

Auxílio Emergencial
deixo até o fim do ano
para os artistas da Feira
que estão se esforçando,
fazendo até hora extra
entre a segunda e a sexta
no bar do Corinthiano.

Em ano de lockdown
e quarentena de Judas
todos querem fazer live,
virou um “deus nos acuda”.
Mire o seu QR Code,
ou então me compre um bode,
no final tudo é ajuda.

Pra acabar com a pandemia
temos que participar
das batalhas contra o golpe
que espalha cepas no ar.
Contra a fome e a impunidade,
o manjar da liberdade
é o Impeachment, Já!

FIM?

Pena capital ao genocida

Em memória dos mais de 255 mil brasileiros vítimas da covid-19 e da irresponsabilidade do presidente genocida de extrema-direita Jair Bolsonaro

“O que é roubar um banco comparado a fundar um banco?”
Bertolt Brecht

“Se números frios não tocam a gente/ espero que nomes consigam tocar”
Bráulio Bessa/ Chico César

Uma estaca cravada no prepúcio
ainda é pouco pra este genocida.
Se a facada não lhe tirou a vida
é preciso tirar-lhe já o poder.
Quantos ainda precisarão morrer
no Brasil, hoje sinônimo de desgraça?
Bolsonaro, vá embora e leve a sua raça!
Meu povo não aguenta mais sofrer.

Uma corda em volta de seu pescoço,
um patíbulo, um grito desumano:
será que ao morrer faria o gesto insano
da arminha e elogio a torturador?
Quero que Bolsonaro saiba o que é dor
pra que enfim, acabe de vez a nossa.
Que o Brasil volte a ser o país da bossa,
do samba, do carnaval e não mais do horror.

Um tiro no meio de sua testa
distanciando seus olhos de facínora
sem empatia, cujo significado ele ignora.
Haverá quem chore por este desgraçado?
Milhares de corações dilacerados
pelas mortes de pais, mães, filhos e avós.
Precisamos, e logo, desatar os nós
da cilada em que nos meteu seu gado.

Cínicos, uns dizem “eu não sabia”.
Não foi falta de aviso, digo e repito.
Todos sabíamos no que daria falso mito
em lugar que deve ser ocupado por gente,
não por falso herói nada eloquente.
Faltará borracha pra apagar tamanho erro
e aqui e acolá ainda se ouve o berro
do gado que aplaude quem fode a gente.

Impeachment é nada e cadeia é pouco:
Bolsonaro merece passagem só de ida
para sofrer por toda eterna vida
em companhia de ídolos como Hitler e Ustra.
Nem no inferno o diabo quer esses filhos da puta
que tanto mal fizeram à humanidade.
Nem na lata de lixo da história lhes cabe.
Contra suas fake news, eis a verdade absoluta.

A política do luto e da merda

TEXTO E ILUSTRAÇÃO: CESAR TEIXEIRA*

Agora que o Menino Jesus de barro foi despejado dos presépios natalinos pelo Ano Novo, o Brasil se benze para continuar aguentando um inquilino indesejável, modelado em bosta, que já pensa em se recandidatar em 2022 sem ter realizado qualquer gesto democrático como “presidente”. Ao contrário, abusou dos seus dotes de malfeitor para cometer inúmeros crimes que continuam impunes e vão ficando por isso mesmo.

Bolsonaro elogiou um torturador em pleno Congresso Nacional e persiste debochando de pessoas torturadas durante a ditadura civil-militar deflagrada em 1964, enquanto chora a derrota do seu “amigo” Donald Trump (ex-presidente do país que apoiou o golpe) e lança farpas contra a China, maior parceiro comercial do Brasil.

O falso Messias, vale repetir, elegeu-se à custa de milícias digitais, de acordos partidários espúrios e de uma facada de mentira, fora a contribuição dos patos e bonecos infláveis da Fiesp, com digitais do Tio Sam – mesmas armas que patrocinaram o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de Lula. Não era à toa que se esmerava em aparecer na imprensa mundial ao lado de Trump em jantares e reuniões politicamente inúteis para o Brasil

Todavia, Bolsonaro não almejava ser apenas Presidente da República. Esse cargo ele abandonou antes mesmo de assumi-lo. Seu sonho de infância é tornar-se um Duce ou Führer latino-americano, ou pelo menos um caudilho meia-sola, mantendo como bunker o Gabinete do Ódio, que pode mudar de endereço e possui franquias em todo o País. Na pressa de alcançar a glória, feriu pelas costas a Constituição Federal, participando de atos que fazem apologia à ditadura e interferindo politicamente na Polícia Federal para proteger a família.

No início da pandemia pelo Covid-19 buscou privilegiar a elite empresarial e expor trabalhadores ao risco de contágio. Depois teve a cara de pau de “receitar” cloroquina (não recomendada pela Anvisa) no tratamento dos infectados. Regozija-se em transformar o luto em política de Estado, indiferente à saúde pública e ao “direito à vida”, expressão maior inscrita na Carta Magna, no Código Civil Brasileiro e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.

O “presidente” chegou a indispor empresários e escalafobéticos fogueteiros contra o STF, visando aumentar a pressão sobre governadores e prefeitos para afrouxarem o isolamento e o lockdown. Cometeu crime de responsabilidade previsto na Lei nº 1.079/50 (Lei do Impeachment), de acordo com o Art. 4º, ao atentar contra a Constituição Federal e especialmente contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, bem como a segurança interna do país (incisos III e IV).

É crime a “propaganda pública de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social”, conforme o Art. 22 da Lei de Segurança Nacional, ironicamente criada para enquadrar opositores do governo.

Bolsonaro estimulou a invasão da Amazônia por garimpeiros e madeireiros, minimizando o desmatamento e os grandes incêndios; desmontou os mecanismos institucionais de defesa da floresta, além de desprezar o apoio internacional. Uma verdadeira tabelinha com seu infralegal ministro Ricardo Salles, que propõe “deixar passar a boiada”, sem qualquer respeito por seus habitantes indígenas e ribeirinhos, muito menos pela fauna e pela flora. Trata-se de crimes previstos na Lei 9.605 (artigos de 29 a 53), da legislação ambiental.

Aqueles que o elegeram, tal como os ratos do Congresso empenhados no “toma lá, da cá” antes repudiado pelo “presidente”, também são cúmplices das suas caneladas, sem falar na caterva de magistrados coniventes. Por último, no calor da guerra ideológica dos imunizantes, o Messias tem influenciado negativamente a população, espalhando a lorota de que a vacina chinesa contém microchips que podem controlar a mente e transformar a pessoa num jacaré.

Declara repetidamente que não vai se vacinar. Nem precisaria. Bolsonaro já é um camaleão, sobretudo das palavras e dos atos – com todo respeito aos animais da família chamaeleonidae da ordem squamata. O sujeito é capaz de instantaneamente mudar o tom de suas bravatas toda vez que está chegando ao fundo da latrina política em que se meteu.

Enfim, Bolsonaro se assemelha a um produto falsificado por contrabandistas e estelionatários. Não serve como presidente, como capitão e muito menos como jogador de futebol, já que ele só faz gol contra o povo brasileiro, apontando arminha, na ânsia de proteger a prole criminosa com suas asas de galinha pelada. Pelo seu incompatível “histórico de atleta”, certamente não pulou as sete ondinhas de merda do Ano Novo.

*Cesar Teixeira é jornalista e compositor maranhense

Eu voto. E digo em quem.

Interrompemos nossa programação para transmitir a propaganda eleitoral gratuita. Neste caso, gratuita mesmo!

Como de praxe, eleição após eleição, este blogue/iro tem lado. E declara.

Aprendi a lição com a revista Trip, desde sempre uma de minhas prediletas, que li com muita assiduidade entre o fim da década de 1990 e os anos 2000. A revista foi a primeira a recusar propaganda de tabaco em suas páginas, iniciando uma campanha que culminaria com a proibição da propaganda de cigarros no Brasil, contribuindo para a redução do consumo e, consequentemente, de doenças como o câncer de pulmão, para o qual perdi minha avó no último dia 25 de outubro. E a Trip também estampou em capas sua posição a favor do estatuto do desarmamento, legislação que, conforme estudos, ajudou a preservar vidas ao longo de cerca de década e meia de vigência, que só viria a ser fragilizada com a chegada dos neonazistas milicianos ao poder central.

Jornalismo imparcial é quimera. Voltemos a 2018, para um exemplo recente: na segunda-feira (8 de outubro) após o primeiro turno das eleições, quando se definiu a disputa entre Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (então no PSL) no segundo turno, o jornal O Estado de S. Paulo tacou “uma escolha muito difícil” em título de editorial. Posavam de “isentões”, mas obviamente tinham lado. Sabiam exatamente o que estavam fazendo. E talvez daqui a 50 anos publiquem uma nota, dizendo-se arrependidos do que fizeram.

No pleito que se avizinha, domingo que vem (15), feriado da Proclamação da República, aniversário de minha irmã, sairei de casa com uma máscara escrito “fora Bolsonaro!” para votar em Rubens Jr. (65) para prefeito e em Emílio Azevedo (40021) para vereador.

Ambos são combatentes de primeira hora do bolsonarismo e é preciso superar esta tragédia que se abateu sobre o Brasil começando por suas bases. Um recado primordial a ser dado já neste domingo é o início do enfraquecimento eleitoral da familícia.

Rubens Jr. foi ótimo parlamentar em seus mandatos e tinha tudo para ter sido um também muito bom secretário de Estado de Cidades, não tivesse a pandemia atrapalhado seus planos – o programa Nosso Centro é o exemplo mais visível de suas ideias para uma cidade patrimônio, que conjugue em sua paisagem monumentos, casario, história e, principalmente, sua gente. Tem por candidato a vice-prefeito Honorato Fernandes (PT), combativo vereador, que não se encastela em seu gabinete, mas vive a cidade – antes da pandemia, vez por outra nos encontrávamos em eventos prosaicos, nada a ver com aquelas aparições de vereadores “típicos” que o fazem apenas para parecerem populares. Este é popular de verdade!

Emílio Azevedo é jornalista de profissão, comprometido desde sempre com o combate à desinformação, modus operandi de Jair Bolsonaro se eleger e governar. Sua trajetória jornalística e política se confundem, tendo sido um combatente da oligarquia Sarney – o movimento Vale Protestar, de que ele foi uma das principais lideranças, deu na criação do jornal Vias de Fato (de que fui colaborador entre 2009 e 2016) e, em sequência na Agência Tambor, experiência coletiva de webrádio com pautas populares e progressistas.

Escolheu como motes de campanha o combate ao bolsonarismo e o voto livre, contra a lastimável e desavergonhada prática de compra de votos, que infelizmente ainda acaba por conduzir e reconduzir alguns edis ao prédio da Rua da Estrela, na Praia Grande. Angariou apoios importantes durante a campanha bonita, aguerrida e propositiva. Nomes como Cesar Teixeira (autor do samba-jingle de campanha), Ed Wilson Araújo e Flávio Reis votam e pedem votos para Emílio Azevedo.

Declarados os votos, repito o que já disse a alguns interlocutores mais próximos: há tempos eu não via uma campanha com tantos bons candidatos. Ou seja: São Luís terá uma câmara municipal ruim se o povo quiser – ou a prática viciosa da compra de votos não permitir.

Voto em Rubens Jr. (65) para prefeito e em Emílio Azevedo (40021) para vereador. Para a câmara municipal, torço também pelas eleições de Ademar Danilo (65444), o mandato coletivo de Carla Rose Tássia (13013), Creuzamar (13000), Natanael Jr. (23023), Rafael Silva (40221) e Wesley Sousa (36000) – nomes que, uma vez lá, podem dar uma sacudida na casa e consequentemente na ilha. É justamente do que a casa e a ilha precisam.

Aniversariantes do dia

Trago ao blogue este quadro do Balaio Cultural, programa que apresento aos sábados com a queridamiga Gisa Franco, na Rádio Timbira AM (1290KHz).

Fariam aniversário hoje:

Joseph Goebells (1897-1945), ministro da propaganda de Adolf Hitler na Alemanha nazista, cuja frase “uma mentira dita mil vezes torna-se verdade” ajuda a compreender um pouco o atual triste estado de coisas brasileiro;

O compositor Nelson Cavaquinho. Foto: reprodução

Nelson Cavaquinho (Nelson Antônio da Silva, 1911-1986), gênio, cujos versos “o sol há de brilhar mais uma vez/ a luz há de chegar aos corações/ do mal será queimada a semente/ o amor será eterno novamente” nos ajudam a ter esperança de um país e uma sociedade melhores;

e Moa do Katendê (Romualdo Rosário da Costa, 1954-2018), capoeirista baiano, brutal e covardemente assassinado por um bolsonarista após o primeiro turno das eleições de 2018.

*

Ouçam Juízo final (Nelson Cavaquinho/ Élcio Soares), com Nelson Cavaquinho:

Ouçam Badauê (Moa do Katendê), com Caetano Veloso:

serrote ajuda a pensar o bolsonarismo

Serrote. Capa. Reprodução
Serrote. Capa. Reprodução

Notícia nem tão quente para alguns, mas com certeza interessante para os/as que valem a pena: a revista serrote, do Instituto Moreira Salles, publicou uma edição especial quarentena, com download gratuito em seu site.

Escrevo em meio à leitura, chamando a atenção especialmente para dois ensaios do volume: “O líder fascista como encarnação da verdade”, de Federico Finchelstein (professor de história na New School for Social Research, em Nova York, autor de Do fascismo ao populismo na história e A Brief History of Fascist Lies); e “Homo bolsonarus“, de Renato Lessa (professor de filosofia política da PUC-Rio, investigador associado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e pesquisador visitante do Centre Roland Mousnier, da Lettres Sorbonne Université (antiga Paris IV) em 2020-2021. Publicou recentemente O cético e o rabino: breve filosofia sobre a preguiça, a crença e o tempo (LeYa, 2019).). Ambos, a seu modo, didáticos e bem-humorados.

Destaco trechos de um e outro, respectivamente:

Uma das lições centrais da história do fascismo é que a mentira leva à violência política extrema. Hoje a mentira voltou ao poder. Esta é, agora mais do que nunca, uma lição-chave da história do fascismo. Se quisermos compreender o nosso problemático presente, temos que prestar atenção na história dos ideólogos fascistas e no modo e no motivo pelo qual sua retórica levou ao Holocausto, à guerra e à destruição. Precisamos que a história nos lembre como foi possível haver tanta violência e racismo num período tão curto de tempo. Como os nazistas e outros fascistas chegaram ao poder e assassinaram milhões de pessoas? Espalhando mentiras ideológicas. Numa proporção significativa, o poder político fascista surgiu da cooptação da verdade e da disseminação generalizada da mentira.

Hoje assistimos à emergência de uma onda de líderes populistas de direita em todo o mundo. E, como no caso dos líderes fascistas do passado, grande parte do seu poder político provém da impugnação da realidade, da defesa do mito, da raiva e da paranoia – e da promoção da mentira.

Um eixo central dessa história, que parece se repetir em países como os Estados Unidos e o Brasil, é a ideia de um líder que se considera a encarnação da verdade e, com suas mentiras, enfraquece a democracia e chega até a estimular a expansão da covid-19. Essa crença tem consequências letais e nos ajuda a entender melhor a situação do Brasil. Isto é, a partir da análise das mentiras do fascismo no passado podemos entender melhor nosso estranho presente. O passado e o presente apresentam odiosas convergências na forma como o poder nega a realidade e como essas negações acabam transformando-a, provocando e até mesmo ampliando desastres. Os fascistas fantasiaram novas realidades e depois transformaram a verdadeira. Seus sucessores, como Donald Trump e Jair Messias Bolsonaro, querem fazer a mesma coisa.

&

O Homo Bolsonarus é, também, um fundamentalista do caso concreto. Embora possa abrigar alucinações paranoides – aliás, quem não? –, como animal ativo, orienta-se pelos inimigos e alvos a abater. No combate, dado o horror à mediação, as abstrações não são bem-vindas. A bem da verdade, as duas modalidades de horror alimentam-se reciprocamente, já que mediações são materializações de abstrações. Daí a dificuldade em compreender como instituições desprovidas de poder material – cortes constitucionais, por exemplo – podem sobrepor-se a mandatários populares e à força das armas. Isso é virtualmente inconcebível aos olhos do HB. Creio mesmo tratar-se de um limite cognitivo a ele inerente.

(…)

O HB quer fechar o STF e o Congresso, empastelar a imprensa, ocupar militarmente o Poder Executivo e criminalizar os adversários políticos. Tudo isso em nome da liberdade. Antes de julgá-los inconsistentes, importa indagar pelo que tomam a liberdade. Um indício: o HB ama pescar em águas proibidas, odeia pagar impostos e obrigações trabalhistas, deseja dar curso livre e inculpado a seus preconceitos e às ações que eles autorizam e, por vezes, exigem andar sem máscaras em plena pandemia e usufruir do direito de se contaminar com o coronavírus. A liberdade natural, desejada pelo HB, exige a desativação das instituições e normas que garantem toda e qualquer liberdade política e civil. Embora represente-se como uma rocha impermeável, o HB é, no fundo, muito confuso. A tal índole libertária é o complemento comportamental – ou momento subjetivo – do desvínculo entre vida social e estrutura normativa da esfera pública.

É preciso ter muito cuidado. O homo bolsonarus, embora sujeito à ironia e ao humor corrosivo, é hospedeiro da violência. Temo que tenha necessidade imperiosa de exercê-la, como condição de integridade existencial. A reinvenção da democracia entre nós, se e quando vier, não poderá evitar a difícil tarefa de neutralizar as possibilidades de expansão e reprodução do homo bolsonarus. Julgo, no entanto, que em alguma medida ele permanecerá entre nós, como contribuição indelével do consulado corrente da extrema direita ao longo passivo das iniquidades brasileiras. Para tal semeadura, há húmus mais do que suficiente.

*

Para baixar a revista, clique na capa.

Em tempo: o terceiro concurso de ensaios da serrote segue com inscrições abertas até 1º/9; serão selecionados três textos, com prêmios entre R$ 4 mil e 10 mil. Saiba mais no regulamento.

O palco do impeachment

CESAR TEIXEIRA*

Charge de Edgar Vasques. Reprodução
Charge de Edgar Vasques. Reprodução

 

Três batidas. A plateia se espreme no cercado de alumínio, devorando chocolates Kopenhagen, enquanto ele desce ao centro do palco imaginário. Jair Bolsonaro, no papel de presidente, não possui nem mesmo um rascunho de programa de governo. Apenas um texto sinistro e mal ensaiado para minar a democracia brasileira. Trata-se de um ator medíocre, que utiliza redes sociais para divulgar fake news e provocar desordem, enquanto literalmente empurra sua gestão com a barriga – o que nos faz lembrar a célebre facada.

Seu truque é uma indigitada transparência. A plateia aplaude, sabendo que ele é padrinho das milícias cariocas; estimula o crime ambiental e o extermínio de indígenas; torce pelo coronavírus; troca ministros de acordo com interesses pessoais, de parentes e amigos, obedecendo a critérios “técnicos” e “sem viés ideológico”, entre outros crimes. Ocupar cargo no governo é como assinar a própria demissão, se os caprichos do presidente forem ignorados. Logo surge um dublê fardado para tapar o buraco.

Isso nos remete à mise en scène do senador Auro de Moura Andrade (PSD), dirigindo a sessão do Congresso Nacional em 2 de abril de 1964, quando declara vaga a Presidência da República, argumentando que João Goulart havia abandonado o governo e o território nacional, quando na realidade se encontrava no Brasil. Era a senha para oficializar o golpe já deflagrado, logo após o presidente anunciar as Reformas de Base, que para a extrema direita seriam um avanço do comunismo no País. Jango foi obrigado a exilar-se no Uruguai e o governo foi ocupado pelos militares até a reconquista de uma tímida democracia em 1985.

Trinta e cinco anos depois, um ex-capitão do Exército Brasileiro toma posse como presidente da República, mas voluntariamente não assume o cargo, já que desobedece ao compromisso de “manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”, conforme o Art. 78 da Carta Magna. O Messias exilou-se em algum lugar do seu cérebro avariado, de onde pretende dar um golpe no seu próprio governo e ressuscitar generais de pijama, abafando a “conspiração comunista” que acredita estar infiltrada na ciência, na educação e, sobretudo, na cultura.

Para impedir que o réptil ensaie romper a transparência do ovo é preciso que a Câmara Federal autorize com urgência o impeachment reivindicado por partidos políticos, entidades civis e movimentos sociais. Ainda há democratas no Congresso, apesar da sua estrutura bichada, de um lado pelo BBB, como são conhecidas as bancadas da bala, do boi e da Bíblia; do outro pelo Centrão, que reacendeu o “toma lá, dá cá” antes repudiado pelo presidente. Quem tem medo do impeachment?

A pusilanimidade do Legislativo pode despertar a esquerda e as organizações de direitos humanos. Mesmo que as mobilizações de rua estejam limitadas pela pandemia, a união de forças numa rede nacional e até internacional poderá fazer o Congresso votar o impeachment. O confronto será inevitável. Bolsonaro confia nos velhos oficiais e amigos mercenários. Mas será que as Forças Armadas, que são instituições do Estado, topam pagar um mico por conta de um governo estelionatário?

Falta pouco para baixar a cortina desta comédia de mau gosto. Talvez a plateia do cercadinho, espalhada pelo País, ainda reaja com gritos histéricos e slogans fascistas em seus cartazes quando o entijucado ator ouvir sua última deixa, e se retirar para as coxias. Trocando em miúdos, Jair Bolsonaro não passa de um personagem fictício, criado pela direita ultraconservadora e genocida. Sendo assim, o cargo de presidente já pode ser considerado tecnicamente vago. E ponto final.

*Cesar Teixeira é jornalista e compositor

O manifesto comunista ilustrado

Manifesto comunista em quadrinhos. Capa. Reprodução
Manifesto comunista em quadrinhos. Capa. Reprodução

 

5 de maio marca a data de nascimento do filósofo alemão Karl Marx. Como prazo não tem sido o forte desta quarentena, falemos hoje do velho barbudo – e já começa aí a rejeição de leitores mais à direita: eles detestam barbudos.

Marx, autor, com Friedrich Engels, do Manifesto comunista, é amado e odiado talvez em iguais proporções por quem leu e não leu, entendeu e não entendeu sua obra. Ele, que em outra, disse que a história se repete como tragédia e como farsa, dialoga diretamente com o Brasil pelo menos dos últimos 60 anos, mas não só.

A adaptação do cartunista e escritor britânico Martin Rowson Manifesto comunista em quadrinhos [Veneta, 2019, 88 p., R$ 69,90; tradução: Rogério de Campos] é a perfeita tradução da pergunta que vez por outra queremos fazer ou fazemos a, por exemplo, eleitores de Jair Bolsonaro diante da realidade por eles negada, apesar de escancarada: “precisa desenhar?”.

Se em 1964 os generais de plantão, para barrar a ameaça de uma ditadura comunista implantaram uma… ditadura militar, em 2018 a democracia brasileira, numa de suas inúmeras contradições, permitiu que o voto popular elegesse um (aspirante a) ditador, que até agora, além de não dizer a que veio, tem um comportamento repugnante diante do seríssimo momento que não só o país atravessa com a pandemia de coronavírus – seus atos e gestos irresponsáveis estão transformando o Brasil no recordista mundial de mortos pela doença.

A primorosa adaptação de Rowson (que no texto de abertura não poupa críticas ao comunismo e a alguns de seus ideólogos) torna cada página uma obra de arte, com as severas críticas de Marx e Engels ao capitalismo, com eles passeando por pátios de fábricas, e Marx se apresentando para uma plateia de anticomunistas, um gancho recheado de ironia que surte efeito, entre desenhos que expõem as vísceras do sistema capitalista, uma verdadeira máquina de moer gente, com destaque para o vermelho-sangue de trabalhadores e trabalhadoras explorados/as.

“A história de todas as sociedades até os nossos dias tem sido a história da luta de classes”, diz o texto, a certa altura. E continua: “homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de corporação e peão – em resumo, opressor e oprimido –, em constante oposição…”, outra palavra que também dói no ouvido de alguns.

Originalmente publicado em 1848, o Manifesto comunista segue incomodando muita gente, pelos mais diversos motivos. A palavra comunista, em si, chega a causar urticária em alguns. É, no entanto, um dos textos mais importantes da história da humanidade e sua força e atualidade são impressionantes.

Sua leitura, portanto, se faz mais do que necessária, sobretudo em nossos dias. Ilustrado, talvez facilite a vida de curiosos em geral. Outros, certamente continuarão se negando a enxergar o óbvio.

Página do Manifesto comunista em quadrinhos. Reprodução
Página do Manifesto comunista em quadrinhos. Reprodução

O jornalista bolsonarista

No dia seguinte ao AI-5 a genialidade de Alberto Dines (1932-2018), então editor-chefe do Jornal do Brasil, driblou os censores de plantão. Reprodução
No dia seguinte ao AI-5 a genialidade de Alberto Dines (1932-2018), então editor-chefe do Jornal do Brasil, driblou os censores de plantão. Reprodução

 

Jair Bolsonaro sequer sabe que ele existe, mas o jornalista bolsonarista insiste em bajular o presidente, fazendo malabarismos argumentativos para justificar atos desastrados ou falas idem do invasor do Palácio do Planalto.

O jornalista bolsonarista, como de resto qualquer outro profissional bolsonarista (ou bolsonarista profissional), acredita estar acima do bem e do mal. Como seu ídolo (ou “mito”, como prefere/m) se elegeu e governa a partir de uma onda de mentiras – fake news é eufemismo! –, ele acredita que o fato de divulgar “informações” que interessam ao regime lhe dá alguma espécie de cumplicidade ou intimidade com o mandatário e seus asseclas.

Ilude-se o jornalista bolsonarista ao acreditar fazer parte de uma espécie de clube vip – nesse caso, o important da sigla pode ser substituído por idiot.

O jornalista bolsonarista acredita que nada o atingirá. Ele bate palmas para a censura, sem se importar que um dia pode ser ele o amordaçado. Ele aplaude o ataque sistemático à cultura, às artes e ao pensamento. E até mesmo ao jornalismo, em si.

O jornalista bolsonarista nada contra a corrente. Está sozinho, isolado. Os colegas de firma riem de sua cara, diante dele ou em sua ausência. Obviamente o jornalista bolsonarista já percebeu que o governo naufragou, mas aferra-se ao fato de ele ter sido “legitimamente” eleito.

O jornalista bolsonarista chega mesmo ao ridículo de recomendar a colegas identificados como “de esquerda” ou progressistas que guardem seus argumentos, que haverá novas eleições em 2022. Mas disso nem mesmo o jornalista bolsonarista tem certeza.

Na contramão da média, o jornalista bolsonarista parece querer comprovar a tese de Nelson Rodrigues, de que toda unanimidade é burra. Ele é o burro, a confirmar a regra rodrigueana, a livrar a firma da unanimidade.

O jornalista bolsonarista esquece, não sabe, ou finge não saber que o cronista genial só bateu palmas para os generais até o dia em que teve um filho preso e torturado, quando mudou o tom ao opinar sobre aquela outra ditadura brasileira.

O jornalista bolsonarista não sabe escrever sequer em português, mas recorre a termos em latim para dar um ar de sofisticação aos textos que escreve. O que é raro: em geral o jornalista bolsonarista prefere copiar textos prontos.

O jornalista bolsonarista é desonesto: às vezes copia textos alheios sem dar o devido crédito. É desleal mesmo com os que defendem os mesmos ideais que ele.

Talvez por isso os ataques do caudilho ao pensamento não lhe incomodem: ele já não consegue pensar, quanto mais sozinho. O ato de encaminhar mensagens que defendam o governo é automático.

Mas não digo que o jornalista bolsonarista seja uma piada. Ele é parte de uma engrenagem muito maior e nociva, um idiota útil a serviço de um projeto de destruição. Tão útil e tão idiota que cumpre seu papel voluntariamente. E sente-se satisfeito e recompensado por isso.

O jornalista bolsonarista é, como qualquer bolsonarista, um covarde. Um cão que só late por detrás de uma tela de computador ou celular, de onde profere impropérios contra qualquer um que ouse discordar de suas opiniões, mesmo que elas não se baseiem em nada além de convicções frágeis como um dente-de-leão.

Outro dia topei com um jornalista bolsonarista. Ele sequer me deu bom dia, empurrou a porta entreaberta cuja maçaneta eu segurava e passou zunindo, bufando, franzindo o cenho e derramando boa parte do café que trazia, obrigando a moça da limpeza ao serviço extra de limpar sua sujeira, pelo que certamente não lhe agradeceu, afinal de contas, para ele, ela estava apenas fazendo sua obrigação. Segundo sua lógica, ela é quem deveria agradecê-lo, afinal de contas, se ele não sujasse, ela não teria emprego.

Porque o jornalista bolsonarista é orgulhoso de sua própria ignorância e arrogância, que ele confunde com ser inteligente – mas nisso só ele mesmo acredita.

Tanto é que o jornalista bolsonarista é, ele também um, o típico eleitor, defensor e adorador do “mito”, que protestava contra o preço da gasolina a menos de três reais, mas nada diz quando esta custa quase cinco. Tampouco escreverá uma linha contra o anúncio do fim do seguro DPVAT e o consequente efeito sobre o orçamento do SUS. Ou sobre a ideia do mandachuva de fundar um novo partido, o nono ao qual se filiaria ao longo de sua errante trajetória política.

O jornalista bolsonarista não deixa de sair em defesa de seu ídolo nem quando este supostamente o prejudica: o presidente acabou com a necessidade de registro profissional para jornalistas, publicitários e outras categorias, mas para o abjeto objeto desta antiode, obviamente o “mito” agiu certo, afinal de contas, tratava-se apenas de mera burocracia.

Conheço a história de alguns ídolos do rock’n’roll que morreram asfixiados pelo próprio vômito após uma overdose. Parece uma morte mais digna que terminar afogado na própria baba hidrófoba.

O homem que virou pedra de responsa

As recentes entrevistas concedidas por Luís Inácio Lula da Silva, da sede da Polícia Federal, em Curitiba, revelam sua enormidade e sua qualidade de preso político. As peças de um jogo nefasto aos poucos vão se encaixando. Nada de novo para observadores mais atentos, mas aos poucos começa a ruir a farsa alicerçada em motivo indeterminado.

Ano passado cerca de 90 escritores, poetas, quadrinhistas e intelectuais reuniram-se em Lula Livre Lula Livro, manifesto contra a prisão de Lula. A obra reúne poemas, charges, textos em prosa, requerimentos e cartas sobre a questão.

Um dos poemas do livro, do maranhense Celso Borges, é Now, que foi musicado por Alê Muniz e Luiz Lima e virou um reggae, gravação que Homem de vícios antigos revela em primeira mão. O poeta promete um clipe para breve.

Participaram da gravação os reggae stars Dicy Rocha, Santacruz, Célia Sampaio, Alê Muniz e Preto Nando (vozes), João Simas (guitarras) e Gerson da Conceição (contrabaixo). É provavelmente a última gravação em estúdio do músico recém-falecido. Alê Muniz assina arranjo, efeitos e direção musical.

Leia o poema e ouça a música:

NOW

nem uma frase reza
nem a flor da indelicadeza
mas raduan em lavoura de cólera
frida pintando nos murais de rivera:
LULA LIVRE

porque se vomitam
a brutalidade nos tribunais
pound se ergue nos cantos da jaula
munch grita paralém da ponte:
LULA LIVRE

contra as ruas em falsa festa
piva delira paranoia
lennon risca riffs na guitarra
os berros de camille
nos sanatórios explodem explodem:
LULA LIVRE

cavalos tropeçam na loucura
imaginações maquinadas
umas
sobre as outras
numa torre que se levanta e desaparece

tempos de águias com dentes afiados
e crocodilos voando sobre o fígado dos pássaros

uma pomba se espatifa nos muros da história

mas
a incontrolável poesia se alastra como peste
vixe cabra da peste
umas
sobre as outras

molhando a dinamite do silêncio:
LULA LIVRE