PARA VER AS MENINAS DO BRASIL*

É bem sucedido e emocionante o encontro musical de Jussara Silveira, Teresa Cristina e Rita Ribeiro.

As três cores do semáforo na vasta avenida musical que percorrem Jussara Silveira, Teresa Cristina e Rita Ribeiro indicam convergentes possibilidades: pare, olhe, escute. Não há como não prestar atenção a este encontro. Três cantoras da nem tão nova eme-pê-bê, tão parecidas, tão diferentes, a baiana-mineira, a carioca, a maranhense.


[Três Meninas do Brasil. Capa. Reprodução.]

As Três Meninas do Brasil [Biscoito Fino/Quitanda, 2008, R$ 42,90 em média] – verso da música Meninas do Brasil, de Moraes Moreira e Fausto Nilo que abre e batiza esta união – destrincham um diversificado repertório onde as particularidades de cada menina são respeitadas sem uma se sobrepor a outra. É bonito ver, quando uma canta sozinha, as outras duas sentadas, em pleno palco, cantando fora dos microfones, batendo palmas, dançando.

Sóbrio, o experiente maestro Jaime Alem – de Maria Bethânia, proprietária do selo Quitanda, que lança o dvd pela Biscoito Fino – diverte-se. E quem não, ali? Os manos da banda, as minas do palco, estrelas que floram – flores que estrelam – a bandeira brasileira, o Brasil a imensa avenida musical por onde passeiam o girl-power-trio, as meninas super-poderosas da música brasileira.

Marisa Monte (Seo Zé, em parceria com Nando Reis e Carlinhos Brown) é a única mulher a comparecer ao repertório, além de Teresa Cristina (Cantar) e Rita Ribeiro (Divino, em parceria com Zeca Baleiro). Da vontade daquela cantar a música dessa meio que surge o projeto, o show gravado ao vivo em 24 de agosto do ano passado no Teatro Municipal de Niterói.

Não há risco de avançar o sinal: meninos e meninas do Brasil se deterão diante do vestido amarelo de Jussara Silveira, do verde de Teresa Cristina e do vermelho de Rita Ribeiro, ao menos até o fim do dvd. Quem não se emocionar devia ser multado. Há risco de vários repeats.

[*O título deste texto mescla os das músicas Para ver as meninas (Paulinho da Viola) e Meninas do Brasil (Moraes Moreira e Fausto Nilo), ambas gravadas em Três Meninas do Brasil.]

[Tribuna Cultural, Tribuna do Nordeste, ontem]

MARANHÃO, ENGENHOSA MENTIRA

Não me espantará que num futuro próximo o Maranhão venha a ser chamado de “Uganda brasileira”

O Maranhão é um Estado do Meio Norte brasileiro, um preciosismo para nomear a região geograficamente multifacetada que é ponto de interseção entre o Nordeste e a Amazônia. Com área de 330 mil km2, pleno de riquezas naturais, tem fartas agricultura e pecuária, uma culinária rica e diversa e uma cultura popular exuberante. Não obstante tudo isso, pesquisa recente coloca o Estado como o segundo pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do País, atrás apenas de Alagoas.

Sou maranhense. Nasci em São Luís, capital do Estado, no ano de 1966, mesmo ano em que o emergente político José Sarney assumiu o governo estadual, sucedendo o reinado soberano do senador Vitorino Freire, tenente pernambucano que se tornou cacique político do Maranhão, a dominar a cena estadual por quase 40 anos. De 1966 até os dias de hoje, são outros 40 anos de domínio político no feudo do Maranhão, este urdido pelo senador eleito pelo Amapá José Sarney e seus correligionários, sucedâneos e súditos, que gerou um império cujo sólido (e sórdido) alicerce é o clientelismo político, sustentado pela cultura de funcionalismo público e currais eleitorais do interior, onde o analfabetismo é alarmante.

O senador José Sarney, recém-empossado presidente do Senado em um jogo de caras barganhas políticas, parecia ter saído da cena política regional para dar lugar a ares mais democráticos, depois de amargar a derrota da filha Roseana na última eleição ao governo do Estado para o pedetista Jackson Lago. Mas eis que volta, por meio de manobras politicamente engenhosas e juridicamente questionáveis, para não dizer suspeitas, orquestrando a cassação do governador eleito, sob a acusação de crime eleitoral, conduzindo a filha outra vez ao trono de seu império. Suprema ironia, uma vez que paira sobre seus triunfos políticos a eterna desconfiança de manipulações eleitoreiras (a propósito, entre os muitos significados da palavra maranhão no dicionário há este: “mentira engenhosa”).

Em recente entrevista, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disparou frase cruel: “Não vamos transformar o Brasil num grande Maranhão.” A frase, de efeito, aludia a uma provável política de troca de favores praticada pelo Planalto atualmente – segundo acusação do ex-presidente -, baseada em jogo de interesses regionais tacanhos e tráfico de influências. Como alguém nascido no Maranhão, e que torce para que o Estado alcance um lugar digno na história do País (potencial para isso não lhe falta, afinal!), lamento o comentário de FHC, mas entendo a sua ironia, pois o Maranhão tornou-se, infelizmente, ao longo dos tempos, um emblema do que de pior existe na política brasileira. Não é de admirar que divida o ranking dos “piores” com Alagoas, outro Estado dominado por conhecidas dinastias familiares.

Em seus tempos de apogeu literário, São Luís, a capital do Maranhão, tornou-se conhecida como a “Atenas brasileira”. Mais recentemente, pela reputação de cidade amante do reggae, ganhou a alcunha de “Jamaica brasileira”. Não me espantará que num futuro próximo o Maranhão venha a ser chamado de “Uganda brasileira” ou “Haiti brasileiro”. A semelhança com o quadro de absoluta miséria social a que dois célebres ditadores levaram estes países – além do apaixonado apego ao poder, claro – talvez justificasse os epítetos.

[Do cantor e compositor Zeca Baleiro, na coluna Última palavra, na IstoÉ (nº. 2035, 1º. de abril de 2009, nas bancas, se é que o coronel não mandou recolher)]

CONEXÕES

Meu amigo Rojão, que tinha (tem) vários blogues mas não tinha (não tem) concentração e regularidade para escrever em nenhum deles, abriu um novo blogue. Eu o havia aconselhado, há um tempinho, a manter só um e lá escrever sobre todos os assuntos, que a unidade do blogue é o blogueiro e blá blá blá. Parece que é o que ele vai fazer em seu Conexão Brasília Maranhão, que terá neste aprendiz aqui o fiscal-cobrador de constantes atualizações.

JOÃO PEDRO BORGES: RAZÃO E SENSIBILIDADE

Um dos maiores violonistas do Brasil, o maranhense João Pedro Borges, está de volta a São Luís. Desta vez, o filho pródigo regressa para ficar. Ficar e realizar um sonho à altura do amor que persiste nele como garantia para nunca abandonar a terra que, na verdade, nunca abandonou, mesmo estando fora.

Com uma carreira nacional e internacional vitoriosa, dando concertos ou ensinando violão no Sul do País, na África, na França e nos Estados Unidos, participando de festivais importantes como o Carrefour Mondial de la guitarre na Martinica, gravando discos ou recebendo prêmios valiosos como o da Sharp de Música, em 1993, João Pedro nunca deixou de vir, nos anos 70, ao lado de Turíbio Santos, para atuar nos concertos maranhenses que eu promovia anualmente, quando dirigia o Teatro Arthur Azevedo.

Depois, ele continuou vindo todo final de ano para oferecer pelo Natal um esplêndido espetáculo, deixando-nos cada vez mais impressionados diante do talento nato e do virtuosismo com que ia desenvolvendo esse talento, transformando-se no excepcional intérprete que é, das peças para violão de compositores famosos que vão dos clássicos espanhóis aos populares brasileiros.

Assim, ele está de novo entre nós, desta vez não apenas para mais um concerto, mas para criar, ele mesmo dirigindo, uma Escola de Música, a convite do Centro de Estudos Unificados do Maranhão – Ceuma –, a quem louvo pela feliz iniciativa.


[João Pedro Borges interpreta (Kuarup, 1983). Reprodução da capa do vinil]

Conheço João Pedro Borges desde 1971, ano em que me desligando da Petrobras, assumi, a convite do professor Luiz Rêgo, então secretário da Educação e Cultura do Estado, a direção do pequeno Departamento de Cultura, órgão desta secretaria. Conheci-o na casa de José de Ribamar Bello Martins, onde amigos, amantes da música, se encontravam aos sábados para ouvi-la.

Um dia, lá estava João Pedro Borges, era quase um menino. Pediram, a certa altura, que ele tocasse alguma coisa. Tomou do violão e tocou Recuerdos de Alhambra. Nunca tinha visto coisa igual. Aquele jovem ser, tão absorto, completamente entregue à música que se espalhava pela sala, encantando a todos, deixou-me enfeitiçada. De suas mágicas mãos, saíam os sons inebriantes que afugentaram tudo mais em volta. Já sabiam os gregos, antes de Sócrates, e já sabia Nietzsche, numa brilhante formulação epistemológica, que a música é mesmo dionisíaca. Aquela música tão envolvente e, ao mesmo tempo triste, marcaria para sempre nossa amizade, ali iniciada. A música foi tão insólita e a interpretação, que João Pedro fez dela, tão eficaz, que ela é João Pedro e João Pedro é ela. E aqui está uma coisa curiosa que me conforta muito: toda vez que ele sabe que estou numa platéia para um concerto seu, ele toca Recuerdos de Alhambra, oferecendo-a a mim.

Naquela mesma noite, soube que o excepcional jovem havia ganho uma bolsa de José Sarney (que acabara de deixar o Governo do Maranhão), para estudar violão no Rio, mas que poderia perdê-la, porque lhe faltava o violão. Jurei ali mesmo que ele não perderia essa bolsa. E, de fato, duas semanas depois, eu no Departamento de Cultura, com o apoio de Maria José Gomes, então presidente da Scam, conseguimos realizar o primeiro concerto de João Pedro, no Teatro Arthur Azevedo, para obter os recursos, que completei, como pude, através do Departamento de Cultura, viajando ele a seguir para o Rio de Janeiro, com violão e tudo, para a grande carreira que o consagrou.

Conheço a competência e, principalmente, a determinação de João Pedro Borges. Sei do seu desejo de realizar um trabalho sério pela música do Maranhão. Ano passado, morando na França, quando veio a São Luís, falou-me de um projeto que incluía um intercâmbio com músicos franceses no sentido de divulgar o grande acervo de João Mohana de músicas maranhenses, projeto que continua na pauta de suas preocupações. Sei da compreensão que ele tem de arte, bem como da escala de valores que norteia e dimensiona sua personalidade, tornando-o no excepcional ser humano que é, capaz por isso de grandes realizações a favor da sociedade em que vive.


[Sinhô em apresentação no Clube do Choro Recebe, em 27 de dezembro de 2007. Foto: ZR]

Estou certa que João Pedro encaminhará esses estudos de música no Maranhão com a dignidade artística, a compostura ética e a abrangência de mentalidade (que isenta privilégios), necessárias para garantir resultados que não venham de projetos apressados, improvisados, massificados, mas consistentes e conseqüentes.

Nos últimos anos, João Pedro tem tocado em São Luís (inclusive quando comemorou os vinte e cinco anos de carreira), em locais que prejudicaram suas apresentações. Mas hoje, ele dará um concerto no velho e querido Teatro Arthur Azevedo, onde começou em 1971, quando mostrará, para quem não conhece ainda, a sua capacidade de exímio violonista. Esta sua apresentação, em local com condições técnicas de acústica e iluminação, oferecerá também e afinal acomodações satisfatórias à sua fiel platéia e para as pessoas que queiram ouvi-lo pela primeira vez.

As cordas de seu violão sob suas mãos vibrarão mágicas, produzindo o som que virá de uma razão,empenhada em mostrar o rigor de um conhecimento, e de uma sensibilidade, ansiosa de despertar a emoção benfazeja para a fruição de uma beleza sem par.

*

Artigo da escritora Arlete Nogueira da Cruz publicado na edição de 25 de setembro de 1996 do jornal O Imparcial.

Pesquei de seu Sal e Sol (p. 119-122) [Imago, 2006, 316p], livro que reúne “cinqüenta e seis títulos já publicados, alguns agora revistos, entre artigos, crônicas, resenhas, abas e prefácios de livros, incluindo também um discurso, um relato e uma palestra” e que “representam a seleção de uma atuação ou atividade que se fez por uma necessidade, em mim imperiosa, de documentar alguns fatos e de homenagear alguns nomes importantes para a história e cultura de minha terra”, conforme ela explica “ao leitor” do volume.

Uma dessas figuras importantes é o, nada a acrescentar ao tão bem já dito por nossa querida Arlete, simplesmente genial João Pedro Borges, que se apresenta no Clube do Choro Recebe, sábado.

CIAO, KOISA NOSSA

Há diversas situações que me deixam lerdo: beber demais, adoecer etc. Apesar do início de gripe e das três – três, e não quatro, como me cobraram e eu paguei – cervejas que tomei, eu não podia (ainda) ser considerado um bêbado ou um doente ou a soma das duas coisas num corpo só, há pouco.

O fato é que após uma reunião de trabalho, desci à Praia Grande para uma merecida cerveja. Sem perguntar o preço, saberia depois que a unidade custa quatro reais, num bar que não cobra couvert artístico nem dez por cento – “chapéu de otário é marreta”, já rezava a sabedoria popular –, o Koisa Nossa (sic). Fome, e o jantar, um pífio prato de carne (filé é o anunciado no cardápio) com macaxeira (pedi que substituíssem as batatas) morre em dezesseis paus.

Antes, perguntamos, eu e minha esposa: que cartão vocês recebem? “Mastercard”. Débito? A resposta é repetida. Terminado o “jantar” e as três cervejas (paguei quatro), trinta e dois reais a conta. Minha esposa saca o cartão e eu preciso “ir bem aqui do lado digitar a senha”. Bem aqui ao lado é a Cia.Paulista, outro bar. Quem me lê de São Luís e conhece minimamente a Praia Grande, sabe do que estou falando. A distância é pequena, sei. Mas se fosse para digitar senha de cartão em outro bar, teria ido beber no bar que tivesse a maquininha. Enfim.

A máquina da Cia. Paulista estava com defeito e eu brinco com o garçom – sei que nessas horas só lhes resta o medo de perder o emprego: “rapá, então vai ficar fiado, tu sabes quem eu sou, onde trabalho”. A resposta me tira do sério: “é só deixar um documento aí”. Retruco: “sim, vou deixar o número da identidade”. “Não, o número não, a identidade mesmo”, ouço de volta. Querendo me sair logo da constrangedora situação, em vez de ir ao gerente – havia um, descobri depois – reclamar, avisei minha esposa de que iria até o caixa eletrônico sacar a grana de pagar a conta. Passo entre as mesas que ocupam as calçadas dos vizinhos Papagaio Amarelo e Antigamente e me dirijo ao Banco do Brasil – novamente: quem me lê de São Luís e conhece minimamente a Praia Grande sabe do que estou falando. Quando estou passando em frente ao trailer da Polícia Militar, olho para trás a um grito de “ei!”: eu deveria ir falar com o gerente – só aí descobri que havia um. Prestes a perder a paciência (o que devia ter acontecido há tempos), simplesmente disse ao garçom, que virou as costas e voltou ao posto de trabalho: “rapaz, minha mulher ficou no bar. Estou indo sacar um dinheiro para pagar a conta”.

Continuei o percurso, na escuridão do trecho que vai do Teatro João do Vale à agência do BB e por ali mesmo voltei. Paguei a conta: quatro em vez de três cervejas. Nunca mais ponho os pés no Koisa Nossa. Nem com dinheiro no bolso, muito menos com cartão. De crédito ou débito.

MEME-MÚSICA. E CIAO!

Eu já até havia dito que não mais responderia memes, para evitar o risco de isso virar uma nova modalidade de… “corrente”. Mas não pude resistir ao convite de Kamila Mesquita. Bom, não me convidem mais. Aqui “me me” despeço. Às regras: escolher um artista e responder as perguntas com trechos de músicas suas (ok, as regras foram adaptadas: podem ser bandas e títulos das músicas). Adivinharam quem eu escolhi? É claro, Cesar Teixeira. Quem mais?


[Cesar Teixeira clicado por Aniceto Neto]

A última regra é indicar sete blogueiros para a brincadeira. Acho um exagero e, por hoje, vou indicar só o Ricarte.

1-És homem ou mulher? “tiro da lata de lixo meu título de cidadão” [Shopping Brazil]

2-Descreve-te: “sou rei da cola e do pastel de vento” [Flanelinha de avião]

3-O que as pessoas acham de ti: “muito feio/ no meio da multidão/ ele já tem a máscara/ só ‘tá faltando o fofão” [Alvinho]

4-Como descreves seu atual relacionamento: “nem Kafka se metamorfoseou pra ficar assim como eu estou” [Met(amor)fose]

5-Descreve o momento atual de tua relação: “mordo sob a luz das velas teu pescoço de ave rara e depois comemoro” [As bruxas também amam]

6-Onde querias estar agora? “na feira do Cajapió” [Xaveco]

7-O que pensas a respeito do amor? “é um passarinho solto que não se pega com a mão” [Namorada do cangaço]

8-Como é tua vida? “a minha vida ficou tão vazia/ você sumiu pelo espelho do bar/ bêbado me batizei na pia” [Lápis de cor]

9-O que pedirias se pudesses ter só um desejo: “tire os seus óculos escuros” [Ray ban]

10 – Escreva uma frase sábia: “Ninguém vai ser torturado com vontade de lutar” [Oração latina]

MILAS

Meu amigo Salim, mais conhecido como Salim de Andréia, mesmo sabendo que vou aporrinhá-lo, seja entre amigos num boteco, seja num post neste blogue, continua a me contar suas histórias engraçadas e, por vezes, impublicáveis. O título deste post ele não me contou: apenas escrevi o nome dele ao contrário. Não vou contar a última de Salim, ao menos não agora, que pode superar papagaios e portugueses em números de piadas que, contadas pelo próprio têm um “sabor” todo especial.

Para quem não conhece o figura, vai aí um micro-ensaio sensual. Micro também era a cueca que ele usava, mas isso suas mãos trataram de esconder, que este é um blogue de respeito.

O BIGODE DA MODERNIDADE ATACA NOVAMENTE

As peripécias manhosas do brônzeo estadista que veio do Maranhão e não largou a rapadura.

Com a eleição de José Sarney para presidente do Senado, a política nacional deixou para trás o cabresto e a peixeira e entrou de chofre na modernidade. É tempo de mudança, de fardão farfalhante e bigode engalanado. De união de todos com todos para que os coronéis se dêem bem. Ninguém melhor para encarnar o vagalhão reformista que um nababo peemedebista de alma tucana convertido ao petismo. Com 78 anos de encarniçada defesa do interesse próprio, e depois de tantas peripécias manhosas em benefício de sua larga grei de agregados, o brônzeo estadista que veio do Maranhão poderia ser tentado a largar a rapadura. Poderia, quem sabe, se refestelar de jaquetão sobre os louros encardidos da glória. Ou dedicar-se a dedilhar a lira e a atirar sonetos fesceninos nas passantes. Mas, não. A religião do serviço público, o coro de assessores, o clamor do baixo clero e o carrão com chofer falaram mais alto. Antes que se pudesse gritar Cuidado!, lá estava o sagaz acadêmico, flagrado ainda mais uma vez com o bigode na botija, cumprindo na calada da noite o lúbrico dever cívico de zelar para que tudo permaneça para sempre como está.

*

Na Piauí de março: Sarney, que é do Maranhão e está no Distrito Federal pelo Amapá. A sorte dos piauienses é que ele está na, não no Piauí.

DOIS ANOS SEM GERÔ

O texto abaixo foi publicado no jornal Tribuna do Nordeste, em minha coluna Tribuna Cultural, hoje, data em que o brutal assassinato de Gerô completa dois anos.

O VASTO BALAIO DE GERÔ

Disco póstumo apresenta vasto panorama da obra interrompida do compositor, brutalmente assassinado há dois anos.

Completa dois anos hoje (22) o brutal assassinato do poeta, repentista e compositor Jeremias Pereira da Silva, o Gerô, à época com 46 anos de idade. O artista foi brutalmente torturado, espancado até a morte por policiais militares, num fim de tarde, “confundido” com um ladrão, “tratado como preto/ só pra mostrar aos outros quase pretos/ (e são quase todos pretos)/ e aos quase brancos pobres como pretos/ como é que pretos, pobres e mulatos/ e quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados” (Haiti), como cantaram, bem antes, Caetano e Gil.


[Capa. Reprodução]

Selecionado postumamente pelo Plano Fonográfico SECMA 2007 – Prêmio A Voz do Povo, A peleja de Gerô [Secma, 2009], finalmente sai do forno. O disco ajuda a preservar a memória deste importante compositor, embora nem de longe repare a perda sofrida por filho e viúva deixados. Gerô cuidou da direção artística do disco, deixando as bases prontas. Direção e produção musical são assinadas por Anísio Galvão, que toca quase todos os instrumentos do disco – as exceções são a percussão (auxílio luxuoso) de Arlindo Carvalho e as faixas 500 anos (Gerô), Bate coração de novo (Gerô e Naldinho Pinheiro) e Canto de passarinho (Domingos Santos e Gerô), a primeira gravada em Brasília com participação de Moisés Nobre (voz e pandeiro) com o próprio Gerô ao violão, e as duas últimas excertos dos LPs Segunda de arte [Prefeitura Municipal de São Luís, 1992] e Festival Viva Maranhão [Governo do Estado do Maranhão, 1985].

Esta última, interpretada por Fátima Passarinho naquele festival, ficou em terceiro lugar – Oração latina (Cesar Teixeira) seria a grande vencedora – e deu a Fátima Passarinho o prêmio de melhor intérprete e o definitivo nome artístico.

O excesso de teclados no disco e alguns erros no encarte – além dos ortográficos, a autoria de A emenda do cão é erroneamente atribuída a Cesar Teixeira, Joãozinho Ribeiro e Gerô, quando o xote (originalmente um samba intitulado Samba do capiroto) foi composto apenas pelos dois primeiros – não diminuem os méritos do trabalho: se Gerô não era um grande cantor, a força de sua poesia – Linguafiada era outro pseudônimo seu – e seu bom humor fazem o disco valer muito a pena. Há martelo, xote, frevo, toada, reggae, repente e coco, num vasto panorama de sua obra interrompida, cheia de verdades que poucos têm coragem de dizer – ou cantar.

NOTA URGENTE

[Nota-release enviado/a aos meios de comunicação e simpatizantes do Clube do Choro do Maranhão]

Acidentado, Cláudio Lima será substituído por Zeca do Cavaco na 73ª. edição do Clube do Choro Recebe, neste sábado (21).

Por motivo de força maior, o cantor Cláudio Lima não poderá se apresentar na 73ª. edição do Clube do Choro Recebe. O artista está internado após um acidente e será submetido a uma cirurgia. O Clube do Choro do Maranhão deseja sua imediata recuperação e anunciará em breve nova data para seu show no projeto, já tradicional no calendário cultural ludovicense.

Convidado em cima da hora, o cantor Zeca do Cavaco aceitou o desafio de cantar, quase sem ensaio, acompanhado pelo grupo Choro Pungado. A rapaziada se garante: Zeca integrou o Quinteto Calibrado, grupo de choro de proposta musical parecida com a do Pungado, que tem em Rui Mário (sanfona) e Luiz Cláudio (percussão), integrantes comuns.


[Zeca do Cavaco, ao centro no cavaquinho centro]

Dono de voz firme e repertório sofisticado, de Zeca do Cavaco o público presente pode esperar também uma apresentação de qualidade.

O Clube do Choro do Maranhão aproveita esta nota urgente também para agradecer a receptividade do público e dos meios de comunicação para com o projeto e reafirmar o desejo de todos os seus membros pela rápida recuperação do jovem talentoso que é Cláudio Lima, sem dúvidas, desde sempre, um importante personagem na galeria diversa da música maranhense.

O Projeto Clube do Choro Recebe tem Apoio Cultural de TVN São Luís, Energético Hiro, Clinimagem, Honda Gran Line e Rádio Universidade FM e parceria da Solar Consultoria. A entrada custa apenas R$ 6,00.

SERVIÇO

O quê: Projeto Clube do Choro Recebe – 73ª. edição.
Quem: o grupo Choro Pungado recebe o cantor Zeca do Cavaco.
Quando: dia 21 de março (sábado), às 19h.
Onde: Restaurante Chico Canhoto (Residencial São Domingos, Cohama).
Quanto: R$ 6,00 (entrada).
Maiores informações: pelo telefone [98] 3252-1219 e/ou e-mails ricochoro@hotmail.com e clubedochorodomaranhao@gmail.com
Apoio Cultural: TVN São Luís, Energético Hiro, Clinimagem, Honda Gran Line e Rádio Universidade FM.
Parceria: Solar Consultoria.

FACETA RIMA COM QUÊ?

[Se você desconsiderar a resmungada inicial, é possível que me agradeça a dica. Sem querer ser pretensioso, é claro. Este é um post, antes de tudo, de um blogueiro muito contente em ter achado o que achou]

Cada vez que um som ruim me invade a casa pela janela, a primeira reação é me irritar. A segunda é tentar controlar a irritação (suponho que seja melhor que fechar as janelas, às vezes), manter-me como se nada tivesse acontecido. A terceira é pensar sobre o fato, talvez não de forma tão organizada quanto colocar isso num texto, aqui, por exemplo.

A música – podemos chamar isso/aquilo de música? – é ruim e é sempre tocada alta. Parece regra: quem ouve música ruim ouve sempre no volume máximo. Quanto mais ruim, mais alta. Outro dia pensei no porquê de as músicas de duplo sentido não terem mais a mesma graça de outrora. Saudosismo barato? Envelhecimento, quiçá precoce, deste que vos escreve? Lei de Murphy?: nada está tão ruim que não possa piorar? Nem umas coisas, nem outras: penso que é simplesmente por já não haver duplo sentido. Além do sentido ser único, as melodias são ruins e propositalmente efêmeras, e o conteúdo, não raro, ofende. Principalmente as mulheres.

Minha vã filosofia não consegue entender – e minhas palavras traduzir – como é que mulheres vão para festas (ou compram discos, ou ouvem rádio ou veem TV) para serem (ab)usadas: é uma cachorra aqui, é uma vadia acolá, para não botar aqui termos mais agressivos, ofensivos.

Bom, não vou me alongar em temas que não são – ou ao menos não deveriam ser – a razão deste post, contente, feliz, repito. É que uma coisa se relaciona com a outra.

Quando criança, sete, oito anos, era auge da lambada, do forró pré-universitário, digamos assim, e era comum ouvirmos letras de duplo sentido: quem não se lembra, por exemplo, do clássico Tico-Tico (Tico mia), de Sandro Becker? (Dele ou por ele interpretado, deem, por favor, um desconto se erro o nome da música, de seu compositor, ou mesmo do cantor, que não sei se escreve assim e ‘tou com pregui’ de googlar) Quem não se lembra de “seu delegado, prenda o Tadeu/ ele pegou a minha irmã e…”?

Lembro de dois vinis que gostava bastante de escutar, nessa mesma época, embora tenham sido lançados bem antes, em 1978 e 79, quando eu sequer havia nascido. Ali estavam as letras de duplo sentido – com inteligência e certa inocência, eu diria – melodias dançáveis e interessantes (para se ter uma ideia, anos depois Amor de criança seria sampleada por Chico Science no início de sua A cidade), o canto rústico nordestino, o encanto de menino, em mim mantido até hoje, quando reencontro estas pérolas, talvez contradizendo o suposto envelhecimento precoce afirmado anteriormente.


[O disco de 1978. Capa. Reprodução]


[O de 1979. Capa. Reprodução]

Trechinho, que só ouvindo é que tem graça: “mulher do cego faz três dias que morreu/ oi, bateu, bateu, mas não pode se levantar/ pegaram ela, botaram den’do caixão/ e o velho passava a mão no lugar” (Mulher do cego). Outro?: “oi, Dona Maçu, Dona Maçu, Dona Maçu/ toca o dedo no buraco do tatu/ eu tenho a minha prima/ que se chama Julieta/ uma formiga mordeu ela/ bem na boca da cabeça” (Dona Maçu). Só mais uma para não estragar-lhes a surpresa: “cuidado, cantor!/ pra não dizer palavra errada/ velha da bochecha grande/ moça da bochecha inchada/ tira o dedo da bochecha/ bota den’da panelada” (Cuidado cantor!).

Eram dois vinis do Pastoril do Velho Faceta que, após séculos de busca, consegui baixar ontem. Recomendo que vocês façam o mesmo. O risco é, como eu, ficar (re-)ouvindo direto. O que não faz mal algum, em tempo de tanto mal gosto. Viva o Velho Faceta e seu Pastoril!

Abaixo, deixo também um vídeo, para que vocês tenham uma ideia do que são os pastoris profanos, digamos, “didaticamente”. Chamaram minha atenção os versos “pacu pequeno é minhoca/ pacu grande é mandioca”, riam vocês também e vivam os pastoris desses brasis! “E pra vocês que ficam, xau/ fecha a porta e mete o pau!”

ELES SÃO “OS CARAS”

Diversão bem cuidada é garantida em Nós somos Os Outros, disco da banda carioca que se diverte divertindo.

por Zema Ribeiro


[A capa não mostra…]

O preço baixo não é desculpa para descuidos: R$ 5,00 pelo SMD (sigla de Semi Metalic Disc, formato em que Zeca Baleiro, por exemplo, lançou duas trilhas sonoras por ele compostas para balés, pela Saravá Discos) e você tem o áudio, sabe as letras, quem compôs e quem toca o quê.

Estamos falando de Nós somos Os Outros [Bolacha Discos, 2006], a simpática bolachinha da banda formada por Fabiano Ribeiro (bateria; o disco foi gravado ainda com Marcello Calado nas baquetas, posto que ocupou da fundação da banda até a gravação do disco), Papel (guitarra e voz), Palhaço (guitarra), Vitor Paiva (baixo e voz) e Botika (voz), estes dois últimos os principais compositores da banda, o último, também escritor, autor do impressionante Uma autobiografia de Lucas Frizzo [Azougue Editorial, 2004], mas isto é outro assunto.

O som dos meninos é rock (no melhor sentido): influências que vão de Radiohead à jovem guarda, passando por Bob Dylan, Beatles e Tom Zé, entre outros, além de doces e engraçadas pitadas do que se convencionou chamar de música “brega”, a depender do estado de humor deles.


[… quem são Os Outros]

Bom humor, aliás, é o que não lhes falta. Seja nas letras – por exemplo, a de A melhor coisa do mundo (Botika), talvez a música mais “pop(ular)” da banda e, de longe, a predileta deste colunista: “O cardápio não vou ver/ só tenho olhos pra você/ eu esqueci como se lê/ se não for querer comer passou um filme na TV/ e a reprise é logo mais, e lá em casa é bom demais” –, ou no clipe da mesma música, hit no Youtube (digite “os outros a melhor coisa do mundo”, com ou sem aspas, no campo de busca do site e veja os rapazes se divertindo a valer [nota do blogue: veja abaixo]) e na MTV, nos raros momentos em que a emissora ainda faz valer o M de sua sigla.

Diversão, aliás, garantida para quem ouve – e antes, para eles mesmos. Que aliás, nisso, eles não são os outros. São “os caras”.


[Os caras, digo, Os Outros, em ação]

[Tribuna Cultural de ontem, Tribuna do Nordeste]