Um dos maiores violonistas do Brasil, o maranhense João Pedro Borges, está de volta a São Luís. Desta vez, o filho pródigo regressa para ficar. Ficar e realizar um sonho à altura do amor que persiste nele como garantia para nunca abandonar a terra que, na verdade, nunca abandonou, mesmo estando fora.
Com uma carreira nacional e internacional vitoriosa, dando concertos ou ensinando violão no Sul do País, na África, na França e nos Estados Unidos, participando de festivais importantes como o Carrefour Mondial de la guitarre na Martinica, gravando discos ou recebendo prêmios valiosos como o da Sharp de Música, em 1993, João Pedro nunca deixou de vir, nos anos 70, ao lado de Turíbio Santos, para atuar nos concertos maranhenses que eu promovia anualmente, quando dirigia o Teatro Arthur Azevedo.
Depois, ele continuou vindo todo final de ano para oferecer pelo Natal um esplêndido espetáculo, deixando-nos cada vez mais impressionados diante do talento nato e do virtuosismo com que ia desenvolvendo esse talento, transformando-se no excepcional intérprete que é, das peças para violão de compositores famosos que vão dos clássicos espanhóis aos populares brasileiros.
Assim, ele está de novo entre nós, desta vez não apenas para mais um concerto, mas para criar, ele mesmo dirigindo, uma Escola de Música, a convite do Centro de Estudos Unificados do Maranhão – Ceuma –, a quem louvo pela feliz iniciativa.
[João Pedro Borges interpreta (Kuarup, 1983). Reprodução da capa do vinil]
Conheço João Pedro Borges desde 1971, ano em que me desligando da Petrobras, assumi, a convite do professor Luiz Rêgo, então secretário da Educação e Cultura do Estado, a direção do pequeno Departamento de Cultura, órgão desta secretaria. Conheci-o na casa de José de Ribamar Bello Martins, onde amigos, amantes da música, se encontravam aos sábados para ouvi-la.
Um dia, lá estava João Pedro Borges, era quase um menino. Pediram, a certa altura, que ele tocasse alguma coisa. Tomou do violão e tocou Recuerdos de Alhambra. Nunca tinha visto coisa igual. Aquele jovem ser, tão absorto, completamente entregue à música que se espalhava pela sala, encantando a todos, deixou-me enfeitiçada. De suas mágicas mãos, saíam os sons inebriantes que afugentaram tudo mais em volta. Já sabiam os gregos, antes de Sócrates, e já sabia Nietzsche, numa brilhante formulação epistemológica, que a música é mesmo dionisíaca. Aquela música tão envolvente e, ao mesmo tempo triste, marcaria para sempre nossa amizade, ali iniciada. A música foi tão insólita e a interpretação, que João Pedro fez dela, tão eficaz, que ela é João Pedro e João Pedro é ela. E aqui está uma coisa curiosa que me conforta muito: toda vez que ele sabe que estou numa platéia para um concerto seu, ele toca Recuerdos de Alhambra, oferecendo-a a mim.
Naquela mesma noite, soube que o excepcional jovem havia ganho uma bolsa de José Sarney (que acabara de deixar o Governo do Maranhão), para estudar violão no Rio, mas que poderia perdê-la, porque lhe faltava o violão. Jurei ali mesmo que ele não perderia essa bolsa. E, de fato, duas semanas depois, eu no Departamento de Cultura, com o apoio de Maria José Gomes, então presidente da Scam, conseguimos realizar o primeiro concerto de João Pedro, no Teatro Arthur Azevedo, para obter os recursos, que completei, como pude, através do Departamento de Cultura, viajando ele a seguir para o Rio de Janeiro, com violão e tudo, para a grande carreira que o consagrou.
Conheço a competência e, principalmente, a determinação de João Pedro Borges. Sei do seu desejo de realizar um trabalho sério pela música do Maranhão. Ano passado, morando na França, quando veio a São Luís, falou-me de um projeto que incluía um intercâmbio com músicos franceses no sentido de divulgar o grande acervo de João Mohana de músicas maranhenses, projeto que continua na pauta de suas preocupações. Sei da compreensão que ele tem de arte, bem como da escala de valores que norteia e dimensiona sua personalidade, tornando-o no excepcional ser humano que é, capaz por isso de grandes realizações a favor da sociedade em que vive.
[Sinhô em apresentação no Clube do Choro Recebe, em 27 de dezembro de 2007. Foto: ZR]
Estou certa que João Pedro encaminhará esses estudos de música no Maranhão com a dignidade artística, a compostura ética e a abrangência de mentalidade (que isenta privilégios), necessárias para garantir resultados que não venham de projetos apressados, improvisados, massificados, mas consistentes e conseqüentes.
Nos últimos anos, João Pedro tem tocado em São Luís (inclusive quando comemorou os vinte e cinco anos de carreira), em locais que prejudicaram suas apresentações. Mas hoje, ele dará um concerto no velho e querido Teatro Arthur Azevedo, onde começou em 1971, quando mostrará, para quem não conhece ainda, a sua capacidade de exímio violonista. Esta sua apresentação, em local com condições técnicas de acústica e iluminação, oferecerá também e afinal acomodações satisfatórias à sua fiel platéia e para as pessoas que queiram ouvi-lo pela primeira vez.
As cordas de seu violão sob suas mãos vibrarão mágicas, produzindo o som que virá de uma razão,empenhada em mostrar o rigor de um conhecimento, e de uma sensibilidade, ansiosa de despertar a emoção benfazeja para a fruição de uma beleza sem par.
*
Artigo da escritora Arlete Nogueira da Cruz publicado na edição de 25 de setembro de 1996 do jornal O Imparcial.
Pesquei de seu Sal e Sol (p. 119-122) [Imago, 2006, 316p], livro que reúne “cinqüenta e seis títulos já publicados, alguns agora revistos, entre artigos, crônicas, resenhas, abas e prefácios de livros, incluindo também um discurso, um relato e uma palestra” e que “representam a seleção de uma atuação ou atividade que se fez por uma necessidade, em mim imperiosa, de documentar alguns fatos e de homenagear alguns nomes importantes para a história e cultura de minha terra”, conforme ela explica “ao leitor” do volume.
Uma dessas figuras importantes é o, nada a acrescentar ao tão bem já dito por nossa querida Arlete, simplesmente genial João Pedro Borges, que se apresenta no Clube do Choro Recebe, sábado.