Nada há de surpreendente ou revelador, ou novidade qualquer desconhecida do fã médio de Luiz Melodia em Meu nome é ébano – A vida e a obra de Luiz Melodia (Tordesilhas, 2020, 301 p.; R$ 55,00), biografia escrita pelo jornalista Toninho Vaz, autor das biografias também insossas de Paulo Leminski (2001) e Torquato Neto (2005) – enormes e complexos personagens que poderiam redundar em livros idem, mas ficam a meio caminho.
A narrativa é linear, para não dizer preguiçosa, começando com a construção da casa da família no morro de São Carlos pelo pai de Luiz, Oswaldo Melodia, de quem ele viria a herdar o sobrenome artístico – embora nunca tenha encarado uma carreira profissionalmente, Oswaldo era compositor, autor, por exemplo, do choro Maura, gravado por Luiz –, e termina com a morte, em 2017, aos 66 anos, em decorrência de complicações de um câncer na medula.
Em meio a tudo isso, histórias conhecidas por todos: alçado ao estrelato pela gravação de Pérola negra por Gal Costa, em 1971, antes mesmo de seu disco de estreia (1973) – fundamental em qualquer coleção de MPB que se preze –, que acabaria batizado por aquela música; a descida do morro de São Carlos, no bairro do Estácio, para o asfalto; a reconhecida elegância de filho de costureira interessado por moda; a insubordinação aos ditames da indústria fonográfica – “como pode um negro que não canta (apenas) samba?”, perguntavam-se os tecnocratas do setor, à época –, o que acabou lhe valendo a pecha de “maldito” da MPB, ao lado de nomes como Jards Macalé, Sérgio Sampaio e Itamar Assumpção, cuja relação com Melodia é pobremente relatada na obra, apesar de o primeiro assinar o texto da quarta capa.
Vaz relembra, por exemplo, que Macalé compôs Negra melodia em homenagem ao amigo, mas sequer cita a participação de Luiz Melodia em Doce melodia, homenagem de Sérgio Sampaio a ele gravada por ambos em Sinceramente (1982), último disco lançado pelo capixaba em vida; ou Quem é cover de quem?, com que Itamar Assumpção homenageou-o no primeiro dos três volumes de Bicho de 7 cabeças (1993), em que era acompanhado pela banda exclusivamente feminina Orquídeas do Brasil. A música é uma brincadeira com a semelhança física e a fama de malditos de ambos. Citação da participação de Melodia em Vida cigana, do maranhense Adler São Luiz, nem em sonho.
Entre outros deslizes, imprecisões e incorreções, um apêndice com a discografia, ao fim do volume, opta por citar o intérprete (Luiz Melodia) em vez dos compositores registrados pelo biografado em seus álbuns, o que pode causar certa confusão na cabeça do leitor mais desavisado ou mesmo cooperar para a manutenção do quase anonimato de nomes como Getúlio Cortes (de quem Luiz Melodia regravou os “sucessos de Roberto Carlos” Negro gato e Quase fui lhe procurar), Zé Keti (Diz que fui por aí), Cartola (Tive sim) e Ismael Silva (Contrastes) ou mesmo de um mais conhecido Cazuza (Codinome Beija-flor). Lembrando que, dono de uma dicção completamente particular na história da música popular brasileira, Luiz Melodia apropriava-se de tal modo do que interpretava que parecia mesmo ser o compositor de tudo aquilo que cantava.
A cobertura da morte de Luiz Carlos dos Santos (7/1/1951-4/8/2017), nome de batismo de Luiz Melodia, pela imprensa também foi abordada por Vaz em sua biografia. Não comparece às páginas do livro o obituário escrito para o portal UOL pelo jornalista Jotabê Medeiros, um dos mais completos publicados à época – talvez por vaidade, para evitar citar a “concorrência”: Medeiros, sabemos, é autor das biografias de Belchior (2017) e Raul Seixas (2020), a cujas referências bibliográficas comparece o Solar da Fossa (2011) de Vaz.
O grande trunfo de Meu nome é ébano é o mergulho no conceito e produção da espaçada discografia de Luiz Melodia. Alguns capítulos são batizados por discos como Maravilhas contemporâneas (1976), Mico de circo (1978) e 14 quilates (1997) e descrevem bastidores de composições, gravações e lançamentos. Por sua indiscutível grandeza, Melodia merecia mais.