Ponto BR marca o encontro de grandes mestres da cultura popular brasileira em disco e shows.
ZEMA RIBEIRO
EDITOR DE CULTURA
Paulistana de nascimento, compositora e regente de formação (pela Universidade Estadual Paulista), a musicista e pesquisadora Renata Amaral, já conhecida deste repórter de discos e shows, alcançou minha caixa de entrada no início da semana: de São Paulo, onde vive – modo de dizer, que a casa dela é o mundo, em bandas, bandos e turnês – mandava-me um convite/divulgação: o Ponto BR, coletivo formado sete importantes figuras da música e cultura populares brasileiras, toca em São Luís hoje (19), era o que me anunciava seu e-mail.
A trupe reúne ninguém menos que Humberto de Maracanã, Zezé Menezes, Henrique Menezes e Walter França, que cantam e tocam vários instrumentos, Renata Amaral (contrabaixo), Thomas Rohrer (violino) e Éder “O” Rocha (percussão) – saiba mais sobre eles no box. “Não somos ‘a banda que os acompanha’, como eles não são ‘participaçoes de luxo’: somos um coletivo cujo objetivo é justamente esse diálogo”, explica Renata Amaral.
Ontem (18), no Laborarte, Mestre Walter França e Éder “O” Rocha (ex-Mestre Ambrósio) ministraram oficina de maracatu. Hoje, a partir das 21h, na Praça Nauro Machado (Praia Grande), acontece o show de lançamento de Na Eira, disco que registra o encontro do Ponto BR. Tudo gratuito (o disco será vendido na ocasião).
Renata Amaral, que conversou com O Debate por e-mail, já tocou pelo Brasil, América do Sul e Europa com nomes como Tião Carvalho, Suzana Salles, Priscila Ermell, ManaChica, Fuzarca, Itiberê Zwarg, Orquestra Popular do Recife e Claudionor Germano, entre muitos outros. Desde 1998 trabalha com A Barca, grupo de pesquisadores com quem lançou os discos Turista Aprendiz, Baião de Princesas e as caixas Trilha, Toada e Trupé e a Coleção Turista Aprendiz.
Como pesquisadora, desde 1991 viaja pelo Brasil formando um acervo que já conta com mais de 800 horas de registros audiovisuais e milhares de fotos de manifestações tradicionais brasileiras. Produziu, nos últimos 10 anos, 27 CDs e 10 documentários sobre cultura popular, e ministra cursos e oficinas tendo como base gêneros da cultura popular tradicional em espaços diversos.
Por duas vezes recebeu o Prêmio Interações Estéticas da Funarte [a Fundação Nacional de Artes, vinculada ao Ministério da Cultura] para residências artísticas no Maranhão e no Benin, desenvolvendo pesquisas que resultam em espetáculos e documentários sobre cultura afrobrasileira.
Após receber o seu e-mail/convite, não hesitei: respondi-lhe a mensagem com algumas perguntas sobre o disco, o show, sua passagem por São Luís, e sobre os mestres – ela inclusa – envolvidos. Eis a breve conversa que Renata Amaral teve, virtualmente, com O Debate.
A pesquisadora e musicista Renata Amaral concedeu entrevista aO Debate. Foto: divulgação.
ENTREVISTA: RENATA AMARAL
O Debate – Como surgiu a ideia do Ponto BR?
Renata Amaral – Surgiu da vontade de tocarmos com nossos mestres, do entendimento que eles são grandes artistas, que esta cultura tradicional é contemporânea também, acontece agora, vigorosa, em transformação, e que este diálogo poderia se dar de maneira mais profunda. Havia também a vontade dos mestres de experimentarem esse encontro, de expandir suas possibilidades artísticas. No show eles tocam vários instrumentos, cantam gêneros diversos. A ideia não é reproduzir estes gêneros nem fundi-los com outros, mas encontrar outro jeito de fazer música que dialogue não só com o repertório, mas com o pensamento estético desses mestres, seu jeito de ensaiar, de relacionar a música com a vida.
O Debate – Há quanto tempo esse encontro de mestres acontece, vem se apresentando? Quanto tempo durou a feitura do cd?
Renata Amaral – Formado em 2002, a convite do Festival Wemilere, em Guanabacoa, em Cuba, Ponto BR se apresentou em diversos espaços e festivais em São Paulo, como o Centro Cultural Banco do Brasil, representou o Brasil no Golden Karagöz Folk Dance Festival, na Turquia, e circulou por diversas cidades do interior de São Paulo, selecionado pelo PROAC SP. O processo de gravação resultou de uma imersão do grupo em ensaios e encontros registrados ao vivo em 2009. Os mestres foram para São Paulo e ficamos ensaiando já no estúdio e gravando. Em 2010 finalizamos as edições, mixagens, master, projeto gráfico etc.
O Debate – Como é dividir seu tempo entre A Barca e produções outras?
Renata Amaral – Uma trabalheira danada, mas me move uma paixão muito grande, pelo povo brasileiro e sua cultura, que me emociona todos os dias, e centraliza o foco dessas produções todas.
O Debate – São anunciadas participações especiais, embora não se dê “nome aos bois” no material de divulgação. São surpresa mesmo ou você pode nos adiantar algo sobre?
Renata Amaral – Não divulgamos antes, pois não havíamos conseguido confirmar com todos. O povo da Tenda Sao José, de Pirapemas, por exemplo, que eu gostaria muito que participasse, não poderá vir: estão em festejo. Mas teremos aqui a participação de D. Maria Rosa, caixeira, e D. Anunciação Menezes, caixeira e ebômi da Casa Fanti Ashanti, que participou dos shows em São Paulo também.
O Debate – Por que outras capitais o Ponto BR já passou e/ou vai passar?
Renata Amaral – Recife, Maceió, São Paulo, Belo Horizonte, São Luís e Fortaleza, nesta primeira circulação.
O Debate – De onde surgiu o título Na Eira, do disco?
Renata Amaral – A ‘eira’ aparece em muitas cantigas de terreiro, como um lugar ao mesmo tempo real e metafísico, onde os encantados ‘vêm baiar’. Se relaciona à ideia de estarmos também num espaço onde os limites podem ser diluídos, o espaço da arte, também ao mesmo tempo real e metafísico, alem de ser uma reverência ao sagrado brasileiro, tão diverso, e que invariavelmente fundamenta nossas tradições populares.
O Debate – E o Ponto BR, do grupo? Fale um pouco sobre o grupo.
Renata Amaral – Ponto é o nome dado aos cantos de diversos batuques de nossas manifestações populares, e é arte brasileira de primeira grandeza. Formado por músicos contemporâneos e mestres da cultura tradicional, o Ponto BR propõe o espaço da arte como local de encontro e diálogo possíveis entre vertentes e gerações, onde diferenças estéticas, temporais e sociais são harmonizadas revelando outra via para o fazer artístico. Experimentando saberes e sonoridades destas tradições, suas possibilidades formais, texturas vocais e instrumentais e o raciocínio estético proposto pelos mestres, Na Eira tem como resultado uma sonoridade única e atemporal. Ponto BR é um coletivo que reúne mestres como Humberto de Maracanã, cantador de bumba boi que deu nome ao Prêmio Culturas Populares do MinC, Walter França, do Maracatu Estrela Brilhante, chefe do baque centenário campeão do carnaval de Recife, e Zezé de Iemanjá, ekedi e caixeira do Divino da Casa Fanti Ashanti, em diálogo comigo, o pernambucano Eder “O” Rocha, o suíço Thomas Rohrer e o maranhense Henrique Menezes, músicos sediados em São Paulo, que além de seus projetos solo, trabalham com grupos e artistas diversos como A Barca, DJ Dolores, Ivaldo Bertazzo, Zélia Duncan, Orquestra Popular do Recife, Nação Zumbi, Mestre Ambrósio, Zeca Baleiro e Chico César, entre outros. Esta investigação estética está fundamentada em uma longa convivência com estas comunidades, sua cultura, seus guardiões, em pesquisas que já renderam dezenas de registros em CD e documentários destas manifestações. Toadas de bumba boi, maracatu, pontos de tambor de mina, jurema, cocos, cirandas, carimbós, rojões e vários outros fazem parte do CD Na Eira. Selecionado pelo Programa Petrobras Cultural, o CD conta também com a participação de Seu Nelson da Rabeca, de Alagoas, o babalorixá Euclides Talabyan, as mestras Maria Rosa e Anunciação Menezes, do Maranhão, o Povo Kariri Xocó, também de Alagoas, e a comunidade da Tenda São José de Pirapemas, no Maranhão, e está sendo lançado em circulação por seis estados brasileiros. Ponto BR realiza também oficinas de gêneros populares como bumba boi, divino, jongo e maracatu nação, em propostas de musicalização e arte-educação. Esculpido pela memória de seus mestres, o repertório de nossos gêneros tradicionais alia a absoluta simplicidade a uma surpreendente elaboração estética que a cultura oral filtra qualitativamente através do tempo. Esses pontos são melodias e ritmos matrizes da nossa música urbana, que influenciaram significativamente a formação de gêneros como o samba, o forró e inúmeros outros. Na Eira revela a sofisticação e a contemporaneidade destas manifestações, através das quais o povo brasileiro veicula e harmoniza sua vocação artística, sua corporalidade, sua espiritualidade.
O Ponto BR durante apresentação da turnê de Na Eira. Foto: Simão Salomão.
CONHEÇA OS MESTRES
POR RENATA AMARAL
Mestre Humberto de Maracanã
Homenageado do Prêmio Culturas Populares do MinC em 2008, Mestre Humberto de Maracanã é um ícone da cultura maranhense condecorado com a Ordem dos Timbiras [a mais importante comenda concedida pelo Governo do Estado do Maranhão].
Considerado um dos maiores compositores e cantadores de bumba boi da Ilha de todos os tempos, é líder do centenário Bumba Meu Boi de Maracanã, comunidade do interior da ilha de São Luís. O grupamento conta com mais de mil integrantes, sendo um dos dois maiores e mais conhecidos grupos tradicionais do estado. Mestre Humberto compõe incessantemente vários gêneros de música, e tem experimentado parcerias com artistas como A Barca, Siba, Alcione, Tião Carvalho, Beto Villares e Ubiratã Souza, entre outros, participando de gravações e concertos além de documentários e projetos de registro como: Tambores do Maranhão, Música do Brasil e Turista Aprendiz, além de ser tema de teses e artigos de pesquisadores em todo o Brasil.
Em 2007, com o patrocínio da Petrobras, lançou o DVD documentário Rio do Mirinzá e o CD Estrela Brasileira. Em 2008, o Bumba Meu Boi de Maracanã foi o único grupo do Maranhão selecionado no programa Rumos, do Itaú Cultural, e lançou o CD Lira Brasileira. Nos últimos anos o grupo lançou os CDs 25 anos de toadas do Guriatã no Maracanã (1998), São João Meu Santo Forte (1999), Luz de São João (2000), Boi de Maracanã (2001, duplo) e Humberto de Maracanã – 30 anos de glória (2003), entre outros.
Mestre Walter França
Um dos principais mestres da cultura popular de Pernambuco, é Chefe do Baque e compositor das loas do Maracatu Nação Estrela Brilhante do Recife, grupo centenário fundado em 1906, inúmeras vezes campeão do carnaval de Recife.
Começou na música aos quatro anos de idade ao lado dos 21 irmãos e do pai Zacarias, artista popular fundador da mais tradicional escola de samba do Recife, a Gigantes do Samba, e de outros folguedos como pastoril, caboclinhos e cocos. Mestre de bateria da Gigantes por 10 anos, assumiu em 1986 a chefia do Estrela Brilhante. À frente de centenas de brincantes e dos 120 batuqueiros do maracatu, se apresentou em cidades da Europa como Hannover (Expo 2000), Lisboa (Parque das Nações), Paris, Amsterdã, Colônia e Aechen, além de ter ido à África em 1991. Ministra oficinas e vivências em todo o país tendo fundado diversos grupos de maracatu pelo Brasil.
Zezé Menezes
Caixeira do Divino Espírito Santo e Primeira ekedi da Casa Fanti Ashanti, uma das principais casas de culto afrorreligioso do Maranhão, há mais de 50 anos em atividade, hoje Ponto de Cultura apoiado pelo Ministério da Cultura.
Conhecendo profundamente os vários gêneros realizados na casa como o Tambor de Mina, Tambor de Crioula, Candomblé, Carimbó de Caixa, Pajelança, Baião de Princesas, Canjerê, Samba Angola, Bumba Boi, Festa do Divino e outras, ministra oficinas de Caixa do Divino e Tambor de Crioula em diversos estados brasileiros. Trabalha em projetos de capacitação solidária e arte-educação para crianças e adolescentes da comunidade do Cruzeiro do Anil, bairro da periferia de São Luís.
É mestra do Reis do Oriente, gênero dramático tradicional do ciclo natalino e realiza há 11 anos o Festejo do Divino em São Paulo, na Associação Cachuêra! Gravou os CDs Caixeiras Cantam para o Divino (Itaú Cultural), Baião de Princesas (A Barca/CPC-UMES), Tambor de Mina na Virada Pra Mata, Tambor de Mina Raiz Nagô e Tambor de Crioula de Taboca (A Barca/Petrobras).
Éder “O” Rocha
Formado em percussão pelo Centro Profissionalizante de Criatividade Musical do Recife, tocou nas principais orquestras do Nordeste, como Sinfônica do Recife, Sinfônica do Rio Grande do Norte, de Olinda e Orquestra de Frevo do Maestro Duda.
Percussionista do grupo Mestre Ambrósio, trabalhou com artistas como Herbert Vianna, Zélia Duncan, DJ Dolores e Nação Zumbi, entre outros. Diretor artístico da Cia. Circense Nau de Ícaros e do grupo Olho da Rua. Articulista das revistas Batera e Manguenius, lançou seu disco solo Circo do Rocha e o método de percussão Zabumba Moderno
Henrique Menezes
Nascido na capital maranhense, Henrique Menezes pertence a uma importante família de artistas populares da Casa Fanti-Ashanti, centro religioso que é referência da cultura do estado. Tem ali o cargo de primeiro Ogã (Ogã Alabê Huntó) da Casa.
Trabalhou como percussionista com alguns importantes artistas maranhenses como Ubiratã Souza, Josias Sobrinho, Rosa Reis e Tião Carvalho. Radicado em São Paulo há mais de 15 anos, ministra oficinas de percussão e danças populares em escolas e universidades como ECA-USP, Unicamp, Universidade Estadual de Londrina e Universidade Anhembi-Morumbi, além da Associação Arte Despertar.
No teatro atuou sob a direção de José Celso Martinez nos espetáculos Os Sertões e Bacantes. É membro do grupo Força Tarefa, que há dez anos encena o espetáculo infantil Lampião no Céu, de Eliana Carneiro, e atua ainda no grupo Cia. das Mães, desde 2002.
Atualmente é Diretor Geral do Grupo Pé no Terreiro, que lançou recentemente seu primeiro CD, Cacuriá, e desenvolve também seu trabalho autoral junto à banda Bom Que Dói.
Thomas Rohrer
Suíço radicado no Brasil desde 1995, é formado pela Escola de Jazz de Lucerna. Seu trabalho transita entre a improvisação livre, o jazz contemporâneo, a música regional brasileira e a música medieval.
Em 1999 tocou no Montreux Jazz Festival com Chico César, Rita Ribeiro e Zeca Baleiro. Apresentou-se na Suíça, Itália, Nova Iorque e no Brasil em duo com a percussionista italiana Alessandra Belloni. Em 2002 e 2003 realizou uma turnê pela França, Espanha e Inglaterra com o quinteto de música instrumental de Carlinhos Antunes. Como membro do grupo de música medieval Sendebar, realizou apresentações em Nova Iorque, no Lincoln Center, Metropolitan Museum e na Catedral St. Johns the Divine. Em 2004 participa do projeto de intercâmbio MPB-BPM, integrando a Orchestra Escócia-Brasil. Participou da banda Aparelhagem, do pernambucano DJ Dolores, com apresentações no Brasil e turnês na Europa.
Membro do grupo A Barca, gravou e apresentou-se ainda com Zé Gomes, Ceumar, Tião Carvalho, Paulo Lepetit, Ivaldo Bertazzo, Paulo Freire, John Labarbera, Suzana Salles, Alexandra Montano, Satoshi Takeishi, Steve Gorn, Jamey Haddad, Antonio “Panda” Gianfratti, Marcio Mattos, Phil Minton, Jamie Haddad, Mark Dresser, Nelson da Rabeca, Saadet Türköz, Miguel Barella, Celio Barros, Carlinhos Antunes e Passoca, entre outros.
Serviço
O quê: Show Na Eira, lançamento do cd homônimo.
Quem: o grupo Ponto BR: os mestres Humberto de Maracanã, Zezé Menezes, Henrique Menezes, Walter França, Renata Amaral (contrabaixo), Thomas Rohrer (violino) e Éder “O” Rocha (percussão).
Quando: hoje (19), às 21h.
Onde: Praça Nauro Machado (Praia Grande).
Quanto: Grátis. O cd será vendido na ocasião.
[O Debate, hoje]