NEGOKAAPOR 2006/2010

E os maranhenses continuam inovando: para finalizar seu segundo disco, intitulado @parelha, a banda Negokaapor está vendendo um terceiro: uma coletânea com músicas do primeiro, homônimo, e deste segundo, em vias de finalização.

A quem interessar possa colaborar com a causa da boa música produzida por aqui, o disco custa apenas R$ 6,00 e está à venda na Livraria Poeme-se (Rua João Gualberto, 52, Praia Grande). Na imagem acima, outros contatos da banda, além da lista de músicas, cliquem para ampliar.

BELLE EPOQUE

Eis um dos dias (uma das noites?) mais aguardadas por mim nos últimos anos:

Tenho acompanhado as dores e delícias desse parto. Lembro com especial carinho o dia em que vi a boneca (digamos que tinha um quarto do real tamanho do livro): quase chorei de emoção.

Pegar ontem o resultado final do livro, devorá-lo inteiro em uma lida, logo ao chegar em casa (ainda não ouvi o Quase, o disco anexo). Volto a ele, logo, para em breve dizer algo mais por aqui.

Por enquanto deixo o anúncio e o serviço: o show de lançamento/ noite de autógrafos de Belle Epoque terá poesia, rock (CB e banda) e programações visuais (Lucap) ao vivo no Cine Praia Grande (dia 4 de fevereiro, quinta-feira, 19h). O poeta Celso Borges será acompanhado da banda Restos Inúteis (batizada por um poema do livro-disco): André Grolli (bateria), André Lucap (violão, voz), Bruno Azevedo (contrabaixo) e Reuben da Cunha Rocha (guitarra), que assina o prefácioNÃO de BE.

O espetáculo é grátis!

LOKI (TAMBÉM) NO IMPRESSO

Domingo passado, de novo, não mandei texto novo ao Tribuna do Nordeste. A Tribuna Cultural repetiu, acho (não vi o jornal), este texto sobre este doc:

Domingo que vem a coluna volta à programação (a)normal.

E aqui outro texto sobre o doc, de Pedro Alexandre Sanches. Saiu no dia de meu aniversário no Brasil Econômico, jornal que tem um dos melhores suplementos culturais do país (apesar do nome, Outlook), mas que, desgraças da ilha, ainda não é encontrado pras bancas de cá…

TODA FLÁVIA

[Matéria publicada no número 4 do Vias de Fato, de janeiro de 2010]

A DOMINGUEIRA DE TODO SANTO DIA DE FLÁVIA BITTENCOURT

Cantora maranhense tributa o compositor e sanfoneiro pernambucano Dominguinhos em Todo Domingos, disco que foge de estereótipos.

POR ZEMA RIBEIRO

A participação especial de Dominguinhos na estreia de Flávia Bittencourt [Sentido, 2005] pode ter sido um prenúncio: em 2009, a cantora maranhense lançou seu segundo disco, completamente dedicado à obra do sanfoneiro pernambucano: Todo Domingos – a exceção é Seu Domingos, música dela, em homenagem a ele, como o disco inteiro.


[Todo Domingos. Capa. Reprodução]

A cantora conta como foi o encontro: “Eu o conheci num evento em que eu fui me apresentar. Ele se apresentou depois de mim e me chamou para cantar De volta pro aconchego [Dominguinhos/ Nando Cordel]. Meu pai já tinha conhecido Dominguinhos, salvo engano em Pernambuco, e falou que tinha uma filha que cantava e ele disse que eu podia ligar. Aí, imagina, Dominguinhos nunca me viu na vida e do nada eu vou ligar? Nunca liguei. Quando nos encontramos, contei a história e ele disse que lembrava. Falei “tou gravando um disco, vou te convidar pra participar”, e ele foi numa boa, super atencioso. E a partir disso a gente passou a ter um contato maior, de ligar. Tem uma coisa de alma, você bate mais com umas pessoas que com outras, foi isso que aconteceu com Dominguinhos. Conhecer, eu já conhecia, mas o que todo mundo conhece. Nunca tinha parado para pesquisar os discos dele mais antigos, de conhecer pessoalmente, ouvir histórias. E isso vai instigando a pessoa a querer saber mais. Ele me apoiou, me emprestou os discos todos, ajudou na liberação das músicas. Ele editou música em vários lugares diferentes, o que torna as coisas mais difíceis. O próprio Dominguinhos conta que para gravar um DVD dele mesmo, com composições dele, passou por um processo dificílimo de liberar as próprias músicas. Eu vou agradecer sempre. Seria quase impossível lançar esse disco sem a colaboração dele, demoraria muito mais. Vou agradecer sempre a participação dele ativa nesse processo todo”. Dominguinhos toca sanfona em Diz amiga [Dominguinhos/ Guadalupe].

Entre outros músicos, participaram da gravação Leandro Saramago (violão sete cordas), Dudu Oliveira (flauta), Nicolas Krassik (rabeca), Guto Wirtti (baixo acústico), Alessandro Cardozo (cavaquinho), Silvério Pontes (trompete), Luiz Flávio Alcofra (violão), Charlles da Costa (violão), Rogério Fernandes (baixo elétrico), Alexandre Maionese (flauta), Gerson da Conceição (violões, efeitos), Tiquinho (trombone) e Netinho Albuquerque (percussão), marido da cantora.

Flávia Bittencourt, que aos dois anos e meio de curso abandonou a Faculdade de Farmácia para dedicar-se integralmente à música, escolheu 12 obras do repertório do “afilhado de Gonzagão” buscando justamente fugir desse estereótipo. “Dominguinhos sempre foi muito identificado com a coisa da música nordestina, do forró, e embora esse lado também seja maravilhoso, sempre cobriu muito esse outro lado dele, das melodias lindas que ele tem, o grande melodista que ele é e que a gente ouve nesse trabalho”, explica a cantora, que, se deixou de fora clássicos absolutos como De volta pro aconchego [Dominguinhos/ Nando Cordel] e Gostoso demais [Dominguinhos/ Nando Cordel], gravou temas como Arrebol [Dominguinhos/ Anastácia], Retrato da vida [Dominguinhos/ Djavan] e O babulina [Dominguinhos/ Anastácia], seu único samba, em que homenageia Jorge Ben.

Outro estereótipo evitado pela artista é o que insiste em reproduzir o nordestino como um povo sofredor: “Eu não consegui deixar de gravar o Lamento sertanejo [Dominguinhos/ Gilberto Gil], que é uma música belíssima e já estava no repertório do show do primeiro disco”, diz Flávia, emendando com uma história: “Uma vez ele tava dividindo o palco com o [músico gaúcho Renato] Borghetti. Quando Borghetti cantava apareciam coisas lindas no telão e quando Dominguinhos ia cantar só aparecia seca, o gado morrendo, e ele disse que se incomodou, que reclamou depois com a produção”.

“Eu sempre tenho muito cuidado com os trabalhos. Acho que todo mundo procura fazer sempre o melhor, né?”, Flávia responde se perguntando ao porquê da demora entre Sentido [2005] e Todo Domingos [2009]: “O Sentido foi lançado de verdade em 2005 e eu não caí no mesmo erro com Todo Domingos. Sentido tava mixado e eu mandei as músicas para rádio. As músicas já tocavam desde 2003 e eu fiquei atrás de verba para concluir o disco, que acabou ficando ou parecendo mais velho do que realmente é. Do segundo, não soltei nada antes”, completa, antecipando já ter repertório para um novo trabalho: “Já começamos a pensar o terceiro, que esperamos que demore menos, quem sabe ele chega em 2010, 2011 no mais tardar”, promete.

FAIXA A FAIXA

Flávia Bittencourt comenta, uma por uma, todo Todo Domingos.

Lamento sertanejo [Dominguinhos/ Gilberto Gil]. “As duas do Gil acabaram entrando. São músicas que eu sempre gostei. Lamento sertanejo já fazia parte do show do primeiro disco. Quando a gente resolveu gravar Todo Domingos foi natural que ela entrasse. O arranjo ficou bacana, a gente testando em casa viu que valeria a pena ela fazer parte da gravação”.

Eu só quero um xodó [Dominguinhos/ Anastácia]. “Clássico dos clássicos de Dominguinhos, sua música mais gravada, até em japonês. Pensei que tinha que gravar diferente e gostei muito do resultado, um [compasso] 6×8 que combinou muito com ela”.

Contrato de separação [Dominguinhos/ Anastácia]. “Para mim, é uma das melodias mais lindas dele”.

Sete meninas [Dominguinhos/ Toinho]. “Foi a alegria dessas Sete meninas, que é contagiante. Eu pensei no contexto do repertório, para dar uma balanceada”.

Diz amiga [Dominguinhos/ Guadalupe], com participação especial de Dominguinhos. “Foi um momento emocionante da gravação, pela presença dele no estúdio, pela emoção que ele passa quando tá tocando. Quem esteve lá presente se emocionou muito”.

Arrebol [Dominguinhos/ Anastácia]. “Não parece ser uma música do Dominguinhos. É diferente do que ele costuma compor, harmonia, melodia, isso me chamou muito a atenção e por isso resolvi gravá-la”.

Quem me levará sou eu [Dominguinhos/ Manduka]. “É linda, sou apaixonada por essa música também. Foi gravada pelo Fagner, cujo trabalho também gosto muito. Aí a gente fez um arranjo mais percussivo”.

Retrato da vida [Dominguinhos/ Djavan]. “É a única parceria com Djavan. Apesar de eu não ter gravado, por exemplo, as duas parcerias com Chico Buarque”.

Tenho sede [Dominguinhos/ Anastácia]. “A maioria das músicas são parcerias do Dominguinhos com a Anastácia, este disco é uma homenagem a ela também. E essa eu também não consegui deixar de fora. O Jayme Vignoli fez um arranjo de cordas maravilhoso, uma obra prima”.

São João bonito [Dominguinhos/ Anastácia]. “É uma marchinha, uma quadrilha, no original. Amei a melodia quando ouvi, muito fofa – esse é o melhor adjetivo para defini-la. É uma melodia graciosa e ela também não é muito conhecida pela maioria das pessoas”.

Seu Domingos [Flávia Bittencourt]. “A ideia me veio na pré-produção, um dia em casa lembrando das coisas que ele costuma falar. Ele detesta essa coisa do nordestino sofrido. Uma vez ele tava dividindo o palco com o [músico gaúcho Renato] Borghetti. Quando Borghetti cantava apareciam coisas lindas no telão e quando Dominguinhos ia cantar só aparecia seca, o gado morrendo e ele disse que se incomodou, que reclamou depois com a produção, que o nordestino só era visto de forma estereotipada, e foi pensando nisso que eu fiz Seu Domingos“.

O babulina [Dominguinhos/ Anastácia]. “É o único samba dele, em homenagem a Jorge Ben, e eu queria registrar também isso. Ficamos em dúvida sobre gravar ou não, por que ele homenageia outro cara. Mas é uma música do Dominguinhos, e eu adoro Jorge Ben também”.

Abri a porta [Dominguinhos/ Gilberto Gil]. “O xote e o reggae têm células bem parecidas, mas ninguém nunca tinha gravado reggae, reggae, reggae totalmente. E eu nunca tinha gravado um reggae. As gravações dessa música sempre tiveram essa mescla e eu resolvi assumir como reggae mesmo, chamei o Gerson da Conceição, que arranja pra reggae como ninguém”. (ZR).

HOJE

Meu amigo e parceiro Gildomar Marinho se apresenta hoje no Restaurante Cantinho da Estrela (Rua do Giz, 175, Praia Grande, em frente à Praça Valdelino Cécio), às 19h30min, com participação especial de Lena Machado.

Acima, reprodução do Jornal Pequeno de hoje, página 12, Cultura e diversão. Cliquem para ampliar. E leiam as informações corretas aqui ou aqui.

CAPÍTULO 1

1

Aos 18 anos, pensei ter atingido a sabedoria.

Era baixinha, tinha sardas e tirei-lhe o cabaço na primeira oportunidade.

Não ficou por isso.

A lei falou mais forte. E tive que me casar, prematuro como uma ejaculação precoce.

Nem tudo foram rosas, no princípio.

Nos pulsos ainda me ardem as cicatrizes de três mal sucedidas tentativas de suicídio.

Mas eu não posso ver sangue. Sobretudo, quando meu.

Assim decidi continuar vivo.

Principalmente porque o mundo estava cheio delas.

De Marlenes. De Ivones. De Déboras. De Luísas. De Sônias. De Olgas. De Sandras. De Edites. De Kátias. De Rosas. De Evas. De Anas. De Mônicas. De Helenas. De Rutes. De Raquéis. De Albertos. De Carlos. De Júniors, De… (ihh, acho que acabo de cometer um ato falho). De Joanas. De Veras. De Normas.

2

De Norma, me lembro bem.

Como esquecer com quantas bocas se faz uma daquelas, aquela multidão de abismos em que ela consistia? Aquilo sim é que era uma buceta convicta. Cair ali era como, bem…

3

Com aquela cara de homem fingindo estar interessado no papo de uma mulher apenas porque está com vontade de comê-la, com aquela cara de mulher costurando e bordando pensamentos apenas porque está a fim de ser comida por ele, cheguei, caprichei, relaxei, lembrei tudo que tinha aprendido em Kant e Hegel, repassei toda a teoria dos quanta, a morfologia dos contos de magia de Propp, o vôo do 14-bis, cheguei e não perdoei:

— Tem fogo?

4

O tem fogo saiu meio esquisito. Nem parecia que eu tinha estudado três anos de mecânica celeste, dois de escultura em metal e tinha sido, podem perguntar, um jogador pra lá de razoável na minha equipe.

Não, balido baldio, urro estrangulado, você parecia um tem fogo imbecil qualquer, um tem fogo dito por um corretor de qualquer uma dessas coisas que precisam de correção, a vida emocional dos cangurus, as problemáticas trajetórias de Urano, os particípios passados dos verbos da segunda conjugação.

Apesar de você, jamais vou esquecer, deus nenhum me deixe, o fatal é que cheguei e disse aquilo, aquele palavrão que significava a irremediável intromissão da minha vida na vida daquela figura, gesto cujas conseqüências os presentes vão poder, a seguir, apreciar em suas devidas dimensões.

*

Trecho inicial de Agora é que são elas [Brasiliense, 1984, 163 páginas], de Paulo Leminski, recém comprado (via Estante Virtual) e recebido por este blogueiro. Comecei de imediato a me deliciar, ao tempo em que pensava: só um in(d)ício desse já dá mostras do gênio que é Leminski, poetamaior. Repito: gênio!

*

Dedico este post a Eduardo Júlio, jornalista, poeta e leitor de Leminski, sempre! Ele que hoje completa mais (alg)uma trilha (além). Parabéns, brother!

DOIS BELOS REGISTROS

Aconteceu ontem, com sucesso, a segunda edição do projeto Sinhô Samba e Choro, organizado pelo compositor madredivino Eudes Américo, que homenageia no nome o violonista João Pedro Borges, também conhecido pela alcunha de Sinhô. Se você ainda não saiu de casa às dez da manhã para verouvir o que a turma anda aprontando lá pras bandas da Madre Deus, não deixe passar do próximo domingo. O desfile de instrumentistas e cantores vai até cerca de 15h, quando os blocos do pré-carnaval ilheu começam a passar.

Diversos bambas passaram pelo quiosque do Largo do Caroçudo em frente à Cantina da Madre, local do sarau: Osmar do Trombone, João Neto (flauta), Juca do Cavaco, Madson Peixoto (percussão), Henrique Jr. (violão), Neto Peperi (que cantou, entre outras, a inédita Não vai dar pra ser rei momo, de Cesar Teixeira, atendendo pedido meu), Silvério Boscotô (que também ajuda a organizar o sarau), Eudes Américo (coordenador da iniciativa), Erivaldo Gomes (percussão), Gari do Cavaco, Luiz Jr. (violão), entre muitos outros.

O grande mérito do Sinhô Samba e Choro é a retomada das tradições madredivinas (ou madrilenas, já que Madrilenos é o nome do regional que se formou para acompanhar Eudes Américo quando de sua primeira apresentação fora das canjas no Clube do Choro Recebe, projeto ora em recesso): todos reclamam(os) que a Madre Deus já não é o que era nas décadas de 60 e 70, que o samba e o choro (notadamente de compositores que habita(va)m o lugar) perderam espaço para vocês bem sabem o quê e ninguém faz nada. Ninguém fazia nada: domingo que vem, repito, não percam.

Alô, energúmenos: vamos respeitar a legítima manifestação cultural e, se não der para desligar, vamos ao menos abaixar o volume do som que emana de seus porta-malas? Ou procurar outro lugar para perturbar e beber, nessa ordem. Por favor!

Por lá encontrei ainda Ivo Segura, habitante das redondezas e figura sempre presente onde há boa música. Ele passou-me um dvd com os registros que fez na noite de autógrafos de Samba de Minha Aldeia, segundo disco da cantora Lena Machado, acontecida na última quinta-feira, 14.

Ainda nem entreguei o disco à destinatária mas brindo os poucos-mas-fieis leitores deste modesto blogue com duas imagens.

A primeira dá ideia, embora pequena, de como ficou o Bar do Léo, entupido de gente, com o acontecimento. O estabelecimento de Leonildo Peixoto tinha pelo menos o dobro do que Ivo captou nesta panorâmica em p&b:

Léo aproveitou para ter uma foto de Patativa (de quem Lena Machado gravou Colher de chá) em sua galeria de ilustres: “Tem foto de todo mundo, tem foto de Critóvão [Alô Brasil, compositor]… por que é que não tem uma minha?”, provocou a compositora. Eis o belo e descontraído registro, também de Ivo Segura:

GOVERNO MICARETA

Uma das melhores coisas do Vias de Fato é ter o grande jornalista Cesar Teixeira escrevendo regularmente, dando uma vitaminada na combalida imprensa maranhense. Escrevendo e desenhando: o também poeta e compositor venceu diversos salões de artes plásticas entre o fim da década de 1960 e início da de 70 e tem, a cada edição do jornal mostrado seu talento também como chargista.

Abaixo, texto e charge dele na edição ora nas bancas (nº. 4, janeiro/2010). Em breve posto aqui meu texto publicado na mesma edição.

SAÚDE DO BOI AMEAÇADA POR MICARETA FORA DA LEI
por Cesar Teixeira


[Charge: Cesar Teixeira]

Em 2009, depois tanta pandemia na esfera política, surgiu uma nova tentativa de esterilização da nossa cultura popular: o Bumba Ilha. Promovido pelo Governo do Estado, o espetáculo fora de época ocupou a Av. Litorânea dias 28 e 29 de novembro com toda a parafernália da micareta ali reproduzida desde 1995 pela Marafolia, empresa do grupo Sarney investigada pela Polícia Federal na Operação Boi Barrica.

Na contramão dos trios elétricos, outra atitude oficial buscou a afirmação desse tradicional folguedo de modo diferente. Mal as mutucas da Litorânea haviam curado a ressaca, o Governo Federal, por meio da Lei nº. 12.103 de 1º de dezembro de 2009, instituiu o dia 30 de junho como Dia Nacional do Bumba Meu Boi.

Trata-se do Dia de São Marçal, comemorado desde o final da década de 30 nos “areais do João Paulo”, limite do perímetro urbano de São Luís que as portarias da Chefatura de Polícia impediam ser ultrapassado pelas brincadeiras de boi procedentes do interior da ilha (há registros de que essas proibições remontam o início do séc. XIX).

A Lei que cria o Dia Nacional do Bumba Meu Boi, publicada no Diário Oficial da União de 02/12/2009, teve por base o Projeto de Lei nº. 133/2009 da Câmara Legislativa, de autoria do deputado Carlos Brandão (PSDB/MA), um dos pais-franciscos do Maranhão do Sul.

Conforme o Ministério da Cultura, que deu parecer favorável ao projeto, a iniciativa pretende contribuir para o fortalecimento da diversidade cultural brasileira, engajando-se assim à Convenção da UNESCO sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais.

Essa diversidade cultural, no entanto, parece não ser reconhecida pelo Governo Roseana Sarney, onde gestores querem ser “fazendeiros” de boi, a exemplo do Secretário de Saúde, Ricardo Murad, principal articulador do Bumba Ilha, terceirizado pela Secretaria de Estado do Turismo, de Tadeu Palácio, com a intenção de manter o capim no latifúndio da oligarquia.

Camarilha – Por meio de convênio, a Foundation São Luís Convention & Visitors Bureau, presidida pelo ex-deputado Eleotério Nan Souza, recebeu 1 milhão de reais para produzir o Bumba Ilha. Simultaneamente, a empresa foi contratada por R$ 1.700.000,00 para organizar o I Salão de Turismo do Maranhão. Ninguém ignora os estreitos laços que o empresário mantém com o grupo Sarney.

A festa teve ainda o “apoio” da Liga Independente do Bumba-meu-boi do Maranhão, controlada por Ricardo Murad, acusado de privatizar a saúde pública, desrespeitando a Lei Orgânica do SUS (Art. 24 da Lei nº. 8080). O Secretário, padroeiro de escola de samba, é também ironizado por “privatizar” a Festa da Juçara e a Lagoa da Jansen, só faltando reconhecer firma do Boi e da Litorânea.

O Bumba Ilha reuniu cinco bois (Nina Rodrigues, Morros, Axixá, Maioba e Maracanã) e uma companhia de dança, com o Bicho Barrica (mistura de Boi Barrica com Bicho Terra), que desfilaram pela orla marítima de São Marcos. Substituindo abadás, mais de 15 mil camisas apelidadas “couro de boi” foram distribuídas entre os grupos e admiradores por membros da indigitada Marafolia.

Em sua defesa, os organizadores alegam que o Bumba Ilha não é São João fora de época, mas uma releitura das toadas do boi com o objetivo de criar novos seguidores e “mostrar os nossos ritmos para as pessoas” (sic). A idéia suscitou críticas e foi parar na Internet, invadindo até os blogs miranteanos.

“Sai a Maracutaia da Marafolia e entra a Camarilha do Bumba Ilha. Essa turma não tem jeito mesmo!”, disse um internauta.

Fora a criação do Dia Nacional do Bumba Meu Boi, é bom lembrar que essa manifestação cultural no Maranhão está em processo de registro como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro. Portanto, o governo micareta de Roseana age mal, ameaçando a originalidade e a saúde do bumba-boi em favor de interesses particulares, entre eles as eleições de 2010.

Mas a manipulação da cultura popular e os batizados compulsórios já é coisa antiga.

Puxando pela corda o amestrado Secretário de Cultura, Luís Bulcão, os honoráveis decidiram agora levar para o “seu terreiro” uma brincadeira que tradicionalmente se apresenta em sítios, povoados e arraiais. Querem se apropriar do boi minando suas raízes e convertendo seus personagens em bibelôs da demagogia, certamente para maquiar o desgaste político da família Sarney, que em 2009 atingiu dimensão internacional.

Água e sabão – Sobre o Bumba Ilha, um outro blogueiro questionou se o objetivo não seria “brindar os órfãos da malfadada Marafolia”, e mais: “Será este um ‘piloto’ para que no ano que vem uma nova lavanderia financeira seja inaugurada e substitua a anterior, que sob investigação fechou as portas? É bom o MP e a PF ficarem de olho. E axé-meu-boi!”.

Segundo informações do Carnasite, especializado em micaretas, a Marafolia poderá retornar no carnaval de 2010. Sem nenhum prejuízo, pois a empresa continua funcionando indoor (em recinto fechado) e em espaços públicos, utilizando a máscara institucional, mudando apenas os motes e endereços. Ou seja, as mutucas do Bumba Ilha estarão novamente atrás dos trios elétricos, envoltos em espumas de sabão do Jaracati.

Mas, “de volta ao trabalho”, o governo de Roseana e Ricardo Murad – tutor das águas e esgotos da CAEMA – sabe que o “boi tá seco” e a política de saúde escorrega ladeira abaixo, diante do golpe da privatização do SUS, com o sucateamento da Farmácia de Medicamentos Excepcionais (FEME) e dos laboratórios de análises clínicas da rede pública, estimulando o desemprego no setor. A intenção seria beneficiar compadres e empresas amigas.

Em meados de dezembro, o Centro de Hemoterapia e Hematologia do Maranhão (Hemomar) comprou por R$ 271.800,00 pela República das Malhas um grande lote de camisas. O contrato assinado por Murad e os “couros de boi” distribuídas no Bumba Ilha são mera coincidência. As camisas do Hemomar seriam para a campanha “Faça renascer uma vida. Doe sangue”.

Ao redor da fogueira de vaidades, as políticas do atual governo fazem parte de uma cultura da desmoralização do Estado Democrático de Direito, cuja saúde já vem debilitada pelos sucessivos escândalos da administração pública no País, e em especial no Maranhão. Isso só interessa à oligarquia que está no poder, acostumada ao beija-a-mão dos puxa-sacos em camarotes fora da lei.

SEXTA LOTADA

Sabe aquele viciado nervoso que acende um cigarro no outro?

Quem tem bom gosto vai fazer algo parecido hoje na noite ilheu:

Tássia Campos, Crua, no Cine Praia Grande.

Criolina e DJ Pedro Sobrinho e o carnaval das antigas no Da Gema: a partir de hoje, todas as sextas-feiras de janeiro.

E o revival Nos Tempos da Gênesis, com, entre outros, DJ Salim Lauande.

TRÊS MENINAS DO MARANHÃO, TRÊS MOÇAS IMPERDÍVEIS

Tássia Campos no show Crua.

Lena Machado em audição pública/ noite de autógrafos de seu novo disco, Samba de Minha Aldeia (capa acima; ouça algumas faixas do trabalho em seu myspace).

E Flávia Bittencourt (o show acima pra quem mora no Rio): saiu no Vias de Fato (nº. 4, janeiro/2010, já à venda nas melhores bancas ilhéus, incluindo a do estacionamento da Praia Grande, de meu amigo Dácio), a entrevista que fiz com ela quando de sua passagem pela Ilha para o lançamento de Todo Domingos, seu mais recente trabalho: A domingueira de todo santo dia de Flávia Bittencourt (o texto deste blogueiro) inclui box onde a cantora comenta o disco, faixa a faixa.

RESSACA

Já que ontem foi domingo. E domingo é dia de… Tribuna Cultural!

Notas, antes:

1) Parabéns a Eudes Américo, Boscotô e todos os envolvidos com a organização do Choro na Praça (é mesmo este o nome do projeto?), que reuniu, ontem, na Madre Deus, entre aproximadamente 10h e 15h, diversos grandes nomes do choro e samba maranhenses, com direito a canja de Monarco (que eu não vi). Espero que o projeto tenha vida longa! Quando é a próxima edição, turma?

2) Lena Machado realiza sessão de audição e noite de autógrafos de Samba da Minha Aldeia, seu novo disco, nesta quinta-feira, 14, às 20h, no Bar do Léo (Hortomercado do Vinhais). Notem que não é (ainda) um show de lançamento: a ideia é reunir uma turma boa (ela, seus compositores, eu, os poucos-mas-fieis leitores deste blogue, e quem gostar de boa música, for bom da cabeça e são do pé, entre outros), conversar, beber e ouvir seu disco e outras pérolas do acervo de Leonildo Peixoto. ‘Té lá!

*

PARA LER NO BAR, COM OS AMIGOS

Tulípio – Humor de Botequim reúne em livro as tiradas geniais do bebum mais querido do Brasil.


[Tulípio – Humor de Botequim. Capa. Reprodução]

“Que atire a primeira garrafa quem nunca tomou um porre”. À 207ª. página de Tulípio – Humor de Botequim [Devir, 2009, 207 páginas, R$ 35,00], a provocação certeira, encerrando o livro – garanto que contar isso, aqui, não faz a coisa perder a graça. Como todo o “compêndio filosófico” do bebum mais querido do Brasil.

A cria de Eduardo Rodrigues (texto) e Paulo Stocker (traço) – vencedores do HQ Mix em 2009 – reúne em livro várias das tiradas geniais de Tulípio, publicadas nas sete (o último número na íntegra) edições da revista distribuída gratuitamente em bares paulistas e cariocas – alô, São Luís do Maranhão, já não é hora?

Na apresentação, Deus criou a mulher e a cerveja. E Tulípio vive atrás delas, o poeta e jornalista Ademir Assunção conta como nasceu o personagem: “Marquei um encontro entre Edu e Paulo Stocker. Num bar, claro. Entre porções de calabresa, muitas garrafas de cerveja e generosas doses de cachaça, Tulípio veio ao mundo. Gozado que ele já nasceu adulto e com o cotovelo encostado no balcão. E eu acabei virando padrinho do bebum. O estranho dessa história toda é que Tulípio só tem pai. Dois. É por isso que ele bebe tanto – dizem as más línguas”.

Quem prefacia a obra é Aldir Blanc. E além de todo esse time, já importantíssimo, ainda estão lá nomes como Ignácio de Loyola Brandão, Jaguar, Luís Fernando Veríssimo, Mario Prata, Moacyr Luz, Nei Lopes, Sócrates (filósofo – de botequim – com nome de filósofo), Ziraldo e Xico Sá, entre outros.

Uns contam histórias, outros traçam, digo, desenham. E o bom humor está garantido da primeira à última página. Algumas amostras, suas tiradas ligeiras, cá na coluna sem o charme do traço: “Pra próxima encarnação, vou pedir um estômago de teflon” (p. 142); “Se os Beatles fossem bons mesmo, teriam gravado alguma coisa do Jackson do Pandeiro” (p. 98); “O duro de ser um profissional do copo é que a aposentadoria normalmente é por invalidez” (p. 79); “Pelo princípio da coletividade, estar na fossa é bem pior que estar na merda” (p. 180). E segue por aí, o desfiar do rosário de pérolas da simpatia, salve, salve!

[Tribuna do Nordeste, Tribuna Cultural, ontem]