A guinada tropixelada de Céu

Tropix. Capa. Reprodução
Tropix. Capa. Reprodução

 

Bastam algumas gotas, ou segundos, de seu Perfume do invisível, faixa de abertura de Tropix, novo disco da cantora Céu, para inebriar os ouvintes: “no dia em que eu me tornei invisível/ passei um café preto ao teu lado/ fumei desajustada um cigarro/ vesti a sua camiseta ao contrário”, revela-se, “para me despir/ e ser quem eu sou”, prossegue, provocativa, inaugurando seu quarto disco de estúdio, o quinto da carreira, com este incontestável hit.

Os tons de cinza do projeto gráfico revelam um disco orgânico, calcado em timbres eletrônicos, em boa parte graças ao tecladista Hervé Salters (General Elektriks), um dos produtores do disco – o outro é o baterista Pupillo (Nação Zumbi). A banda se completa com Pedro Sá (guitarra) e Lucas Martins (contrabaixo). Tropix tem ainda participações especiais de Tulipa Ruiz (vocais em Etílica/Interlúdio) e Rosa Morena (vocais em Varanda suspensa), filha da cantora, a quem Céu dedica A menina e o monstro e o disco.

Arrastarte-ei (sic) é uma espécie de Dorival Caymmi feminino em pleno século XXI, o mar como metáfora para um flerte, um caso de amor. Céu é autora solitária de quase todo o repertório, lírico, noturno, “anunciando a noite néon”, como diz um verso de Varanda suspensa (parceria com Salters). Em Amor pixelado promete: “saiba, meu amor/ cuidarei de nós/ mesmo quando eu for/ em busca de mim”.

Outros parceiros são Lira, na abolerada Sangria, e Fernando Almeida, em Camadas. De Jorge Du Peixe Céu registra A nave vai e recria, do repertório pouco revisitado da oitentista Fellini, Chico Buarque song (Ricardo Salvagni/ Cadão Volpato/ Jair Marcos Vieira/ Thomas Pappon), a única do disco cantada em inglês.

Com bonito videoclipe, disponibilizado na rede antes mesmo do lançamento do disco, a faixa de abertura parece ligar este aos discos anteriores de Céu. Mas a maior parte das 12 faixas de Tropix pode soar um pouco mais difícil a fãs menos acostumados a guinadas. Pois é justamente o que este novo disco representa: uma guinada na carreira da artista, cujo talento incontestável é reafirmado com este tipo de ousadia.

Assista o clipe de Perfume do invisível:

Metaliteratura

O céu de Lima. Capa. Reprodução
O céu de Lima. Capa. Reprodução

 

O céu de Lima [Alfaguara, 2016, 245 p., tradução de Paulina Wacht e Ari Roitiman], romance de estreia do jovem espanhol Juan Gómez Bárcena, é um exercício de metaliteratura, um metarromance. O texto é construído à medida que se constrói a história que conta, embora a mesma se passe no início do século XX.

O romance parte da história real de José Gálvez e Carlos Rodríguez, dois jovens limenhos metidos a poetas que, para conseguir um exemplar de Árias tristes [1903], novo livro do poeta espanhol Juan Ramón Jiménez (Nobel de Literatura em 1956), inventam uma personagem: a senhorita Georgina Hübner, fantasma pelo qual o poeta acaba se apaixonando.

Gálvez e Rodríguez, que tratam Jiménez por mestre, querendo sê-lo e escrever a poesia que escreve, fundem-se na personagem feminina, protagonista de um romance epistolar que durará meses – um mês é o tempo médio que os navios demoravam para levar e trazer as missivas entre Lima (onde mora a dupla de simpáticos e inofensivos embusteiros) e Madri (onde mora o poeta admirado) ou Moguer (sua terra natal).

A aventura passa por comédia, história de amor, tragédia e um poema – para citar as partes em que o autor divide o romance; mas esta última, a poesia, permeia completamente o livro, com todos os clichês que acometem jovens metidos a poetas, seja em Lima, no Peru, em 1904, seja em São Luís do Maranhão, no Brasil, em 2016. Ao contrário de suas personagens, no entanto, Bárcena demonstra maturidade, habilidade e domínio para preencher com ficção trechos da história real sui generis que deliciosamente conta.

O título do romance de estreia de Bárcena – que lançou Los que duermen [contos, 2012] e editou a coletânea Bajo treinta [2013], com jovens autores espanhóis – é, afinal, tirado do poema resultante da correspondência entre o poeta (real) e a musa (imaginária): Carta a Georgina Hübner no céu de Lima, publicado em Labirinto [1913].

Xote 220 volts

Criolina e o Xote Elétrico. Foto: divulgação
Criolina e o Xote Elétrico. Foto: divulgação

 

Sempre escrevo duo ou casal ao me referir ao Criolina, par musical formado por Alê Muniz e Luciana Simões. As denominações não lhes bastam: os parceiros, após temporadas em São Paulo, resolveram fincar pé no Maranhão, produzindo a partir daqui, sem, no entanto, perder a interlocução com outros eixos, configurando-se em uma espécie de catalisador da cena autoral local.

O BR 135, que em pouco tempo configurou-se como um dos mais importantes festivais (não competitivos) do Maranhão é apenas um exemplo disso. Mas as atitudes engajadas do Criolina e a criação musical sempre afiada e interessante, antenada com o mundo ao redor, nunca meramente mirando o próprio umbigo, tampouco sem perder as raízes, demonstram o papel crucial que seu pas de deux para além da música tem cumprido – embora, talvez, eles nem reivindiquem tal lugar e responsabilidade.

Com tantos arraiais oficiais e gratuitos espalhados pela cidade é essa agregação – sonora, inclusive – justamente o que explica valer a pena trocar, por uma noite, justo a de São João (leia-se: hoje), ou ao menos parte dela, por prestigiar o show Criolina e o Xote Elétrico, que Alê Muniz (voz e guitarra) e Luciana Simões (voz) apresentam acompanhados de um time de feras que me pedem antecipar perdões pelo clichê: a atriz Áurea Maranhão (voz), Rui Mário (sanfona), João Paulo (contrabaixo), João Simas (guitarra), Sandoval (sintetizador) e Erivaldo Gomes (percussão).

A noite contará ainda com a discotecagem de Pedro Sobrinho. O repertório orbita em torno de músicas autorais do Criolina e reverências a velhos mestres do cancioneiro nordestino: João do Vale, Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Messias Holanda, Jackson do Pandeiro e João Madson (tio de Alê, recém-falecido), todos passados entre a raiz pé de serra e as antenas rockeiras, regueiras e eletrônicas. Um hit que certamente comparecerá ao repertório é Maguinha do Sá Viana, parceria de Alê Muniz e César Nascimento.

O show acontece na sede do Tambor de Crioula de Mestre Amaral (esquina da Praça D. Pedro II com a rua Montanha Russa, Centro), com produção de Lety’s Go Produções Artísticas. Os ingressos custam R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia).

As metáforas de um velho limpa fossas

Mateus Nachtergaele e Rafael Nicácio em cena de Big jato. Frame. Reprodução
Matheus Nachtergaele e Rafael Nicácio em cena de Big jato. Frame. Reprodução

 

Big jato [Brasil, 2016, drama, 88 min.] é uma metáfora. A ficção autobiográfica de Xico Sá, na qual se baseia o novo filme de Claudio Assis, é um retrato das entranhas do Brasil profundo, sem saneamento básico, apesar de avanços em outras áreas, na qual, afinal, se assenta a obra do cineasta, autor de Amarelo manga, Baixio das bestas e Febre do rato, entre outros.

Francisco (Rafael Nicácio) acompanha o pai homônimo (Matheus Nachtergaele) em suas missões de limpar a merda alheia no caminhão que dá título à obra, um velho “fenemê”. Entrando na puberdade, o menino é admirador confesso de seu tio Nelson (também interpretado por Nachtergaele), locutor de uma rádio local, aspirante a artista, boêmio inveterado e anarquista convicto, que apresentou os Beatles ao pai, sua única diversão além da cachaça, espécie de desinfetante de seu ofício.

Entre a merda que os outros mandam embora e a cachaça que Francisco, o pai, manda pra dentro, não passam de rusgas o convívio com a esposa, vivida por Marcélia Cartaxo em destacada interpretação – é comovente a cena em que ela, revoltada, joga fora um punhado de vinis do velho na fossa de casa, dando origem a outra fossa, curada – ou prolongada – com mais cachaça.

Peixe de Pedra é cidade pacata, de poucas almas viventes – e menos ainda as preocupadas em não virarem fósseis –, de tranquilidade somente interrompida pelo ronco do Big jato, pelos arroubos poéticos do príncipe Ribamar da Beira Fresca, espécie de louco da aldeia interpretado por Jards Macalé, pelos impropérios do locutor de rádio ou pela chegada de Ana Paula, para desespero do coração (de poeta) do menino Xico.

Big jato é outra metáfora. Embora obra de ficção, a autobiografia de Xico revela o menino cearense que foi estudar jornalismo no Recife e dali partiu para São Paulo, Rio de Janeiro e onde mais houver notícia interessante, esta sua trajetória. Hoje comentarista esportivo e cronista de costumes de rosto fácil na tevê, ele já gastou muita sola de sapato atrás de corrupção em Brasília, de homens-gabiru no Nordeste (em premiada matéria para a revista Veja, sobre inanição na região) e da mudança de cenários a partir do Bolsa-Família (o livro-reportagem Nova geografia da fome, dividido com o fotógrafo Ubirajara Dettmar).

Francisco pai diz preferir perder um filho para qualquer coisa na vida que para a poesia. “Concentra na matemática!”, afinal é o que dá dinheiro, e tome bordoadas. Mas o menino está contaminado pelo vírus inoculado pelo tio, inventor de uma interjeição que periga pegar fora da telona: “lerilai”, muito repetida durante a película.

A trilha sonora de DJ Dolores, cantada em uma língua inventada, é mote para a revelação de um segredo inventado: a grande influência do quarteto de Liverpool foram Os Betos – cujo vocalista é interpretado por Lailson de Holanda, lenda viva do udigrudi pernambucano. No filme, a banda se completa com Erasto Vasconcelos (irmão de Naná), Xandinho (do Má Companhia) e Hugo Lins.

Big jato são várias metáforas: grande vencedor do 48º. Festival de Cinema de Brasília (prêmios de melhor filme, ator, atriz, roteiro e trilha sonora), ano passado, serve, no momento, para discutir a necessidade da existência de um Ministério da Cultura e de uma Lei Rouanet, mais uma grande obra do cinema nacional, realizada através de renúncia fiscal. E no desgraçado momento político em que vivemos serve para pensar que embora uns aparentem não “fazer” – o verbo é do menino, no começo do filme, indagando ao pai, na boleia do caminhão, se esta ou aquela personalidade “fazia” –, os atuais mandatários “fazem” bastante, literalmente falando ou não. O perigo é uns voltarem a não “fazer” por não comer.

*

Veja o trailer:

Big jato está em cartaz no Cine Praia Grande. Sessões às 15h (segunda, quarta, quinta e sábado) e 18h30 (todos os dias, exceto quinta e sábado). Ingressos: R$ 14,00 e R$ 7,00 (inteira e meia, respectivamente, de terça a domingo). Às segundas-feiras todos pagam meia.

Catirina e Pai Francisco em quadrinhos – para além do auto do bumba meu boi

Catirina e Pai Francisco. Capa. Reprodução
Catirina e Pai Francisco. Capa. Reprodução

 

O quadrinhista Beto Nicácio volta ao universo da cultura popular do Maranhão em Catirina e Pai Francisco [Dupla Criação, 2016, 40 p.], nova hq que lança hoje, às 19h, na Galeria do Centro de Criatividade Odylo Costa, filho (Praia Grande).

Em preto e branco, optando pela limpeza típica do cartum (também uma linguagem pela qual o autor se aventura), a revista vai além do auto do bumba meu boi, remontando ao ciclo do gado, quando Pai Francisco ainda era criança e seu pai deu a vida para salvar o dono da fazenda, seu patrão.

O que Beto Nicácio faz é uma livre adaptação da lenda, talvez a enriquecendo. Não concentra-se apenas no enredo em que Catirina, grávida, deseja a língua do mimoso, o boi predileto do patrão. Embora não fuja dele.

Caminho natural da publicação seria adentrar o ambiente de escolas públicas e privadas, contribuindo para a difusão da cultura popular do Maranhão, em linguagem acessível para todas as idades. A revista tem a preocupação didática de, ao final, explicar detalhes, propor atividades e o consequente aprofundamento dos leitores em temas abordados na história em quadrinhos.

Autor, entre outros, de A lenda da carruagem encantada de Ana Jansen, sobre outra conhecida lenda destas plagas, o autor já tem outros projetos mixando as tradições do Maranhão e a nona arte. Mas cada coisa a seu tempo e agora é tempo de São João.

A noite de autógrafos será regada a mingau de milho e na ocasião, uma arte original da hq será sorteada entre os presentes. A revista custa R$ 20,00.

Catirina e Pai Francisco em quadrinhos – para além do auto do bumba meu boi

Catirina e Pai Francisco. Capa. Reprodução
Catirina e Pai Francisco. Capa. Reprodução

 

O quadrinhista Beto Nicácio volta ao universo da cultura popular do Maranhão em Catirina e Pai Francisco [Dupla Criação, 2016, 40 p.], nova hq que lança hoje, às 19h, na Galeria do Centro de Criatividade Odylo Costa, filho (Praia Grande).

Em preto e branco, optando pela limpeza típica do cartum (também uma linguagem pela qual o autor se aventura), a revista vai além do auto do bumba meu boi, remontando ao ciclo do gado, quando Pai Francisco ainda era criança e seu pai deu a vida para salvar o dono da fazenda, seu patrão.

O que Beto Nicácio faz é uma livre adaptação da lenda, talvez a enriquecendo. Não concentra-se apenas no enredo em que Catirina, grávida, deseja a língua do mimoso, o boi predileto do patrão. Embora não fuja dele.

Caminho natural da publicação seria adentrar o ambiente de escolas públicas e privadas, contribuindo para a difusão da cultura popular do Maranhão, em linguagem acessível para todas as idades. A revista tem a preocupação didática de, ao final, explicar detalhes, propor atividades e o consequente aprofundamento dos leitores em temas abordados na história em quadrinhos.

Autor, entre outros, de A lenda da carruagem encantada de Ana Jansen, sobre outra conhecida lenda destas plagas, o autor já tem outros projetos mixando as tradições do Maranhão e a nona arte. Mas cada coisa a seu tempo e agora é tempo de São João.

A noite de autógrafos será regada a mingau de milho e na ocasião, uma arte original da hq será sorteada entre os presentes. A revista custa R$ 20,00.

O baile da Banda Mirim

Cena de Sapecado. Foto: Georgia Branco

 

Oito anos depois de sua montagem original, o espetáculo Sapecado, da Banda Mirim, chega à São Luís nesta quarta-feira (15), graças ao apoio da Petrobras – a montagem original foi possível graças ao apoio do Programa de Ação Cultural, da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo.

Em 2008, ano da primeira montagem, Sapecado levou diversos prêmios: Associação Paulista de Críticos de Arte de melhor texto e melhor espetáculo, Femsa de Teatro Infantil e Jovem de melhor trilha sonora original e melhor espetáculo infantil, Cooperativa Paulista de Teatro de melhor espetáculo juvenil e melhor trilha original, Júri Guia da Folha de melhor espetáculo infantil e Revista Veja de melhor espetáculo infantil.

A trilha sonora e direção musical, um espetáculo à parte, são assinadas por Kléber Albuquerque e Tata Fernandes. A trupe é formada por elenco estelar, que mescla atores e músicos, entre os quais nomes que figuram em fichas técnicas de discos e shows de artistas como Ceumar, Chico César, Itamar Assumpção e Zeca Baleiro, todos figuras de destaque na música brasileira, parceiros dos autores da trilha.

Marcelo Romagnoli assina texto e direção do espetáculo. Baseada em São Paulo, a selva de aço e concreto, a Banda Mirim, 12 anos de estrada, cai na estrada com um espetáculo que tem uma estrada por cenário: Assunta Felizarda de Jesus (Claudia Missura) vive sozinha na roça, acompanhada apenas por seu cachorro Rex (Edu Mantovani). Um dia recebe um convite, trazido pelo carteiro Adauto (o excelente cantor Rubi), para ser madrinha do casamento da comadre Dete Mandioca. Juntos, os três cruzam a estrada do Bromongó até a Vila do Sapecado para participar do baile.

Parte dos 70 minutos do musical infantil se passa na viagem até a festa. As lembranças de uma infância vivida no interior forneceram elementos para Romagnoli construir o texto. “Lá a música rodeava tudo. Era dupla que cantava, era baile na igreja, sanfoneiro pelo caminho, rádio AM. Tinha história de mata cerrada, rio, bicho, noite escura, estrada de terra, que nem a estrada do Bromongó, onde a alma é grande e a gente é pouca”, conta o diretor em release distribuído aos meios de comunicação.

Cena de Sapecado. Foto: Andrea Pedro
Cena de Sapecado. Foto: Andrea Pedro

Amizade, fraternidade e respeito são valores que permeiam o espetáculo, no fundo pensado para crianças de qualquer idade. “São temas que para nós, da Banda Mirim, são legados importantes, para dizer às crianças o que nós acreditamos como adultos: que o amor, a amizade e o sublime ainda são possíveis”, continua.

A ida de Assunta, Adauto e Rex ao baile é ilustrada musicalmente por parcerias de Kléber e Tata, entre um fox de trilha sonora para o namoro de vacas e sapos no brejo ou o desafio-repente entre a Benzedeira e o Coisa-Ruim na mata fechada. “Uma das coisas mais prazerosas deste trabalho foi podermos mergulhar musicalmente nesse universo da música caipira, na poesia, no humor, nas danças, nos ritmos deste Brasil profundo, desse lugar que é um outro tempo”, revela Albuquerque.

Com elenco formado por 11 artistas, a apresentação da Banda Mirim acontece nesta quarta-feira (15), às 15h e às 19h, no Teatro Arthur Azevedo (Rua do Sol, Centro), ambas com entrada franca – ingressos devem ser retirados com uma hora de antecedência na bilheteria do teatro.

A primeira sessão é voltada a alunos de escolas públicas e instituições de defesa dos direitos da criança e do adolescente; a segunda, aberta ao público em geral. A trupe realizará ainda em São Luís dois encontros artísticos: um com grupos de teatro, músicos, estudantes de artes cênicas e agentes locais dedicados às artes para crianças e jovens, no espaço Re(o)cupa (Rua Afonso Pena, 20, Centro); outro com crianças, mestres e brincantes do tradicional Bumba Meu Boi de Maracanã, na sede da agremiação, na comunidade homônima.

Na passagem pela Ilha a Banda Mirim fará ainda doações de CDs, livros e revistas a escolas públicas, instituições, associações comunitárias, grupos de teatro e cultura popular participantes dos encontros, artistas, músicos e entidades envolvidas nas atividades realizadas nas cidades da turnê, que passa também por Belo Horizonte, Brasília e Goiania.

Assista clipe do musical:

Ficha Técnica

Texto e direção: Marcelo Romagnoli
Trilha sonora e direção musical: Kléber Albuquerque e Tata Fernandes
Elenco: Claudia Missura, Rubi, Tata Fernandes, Simone Julian, Nina Blauth, Nô Stopa, Foquinha, Olívio Filho, Lelena Anhaia, Edu Mantovani e Alexandre Faria
Figurinos: Verônica Julian
Assistente de figurinos: Maria Cristina Marconi
Cenário e desenho de luz: Marisa Bentivegna
Cenotécnicos e contrarregras: Luiz Cláudio Fumaça, Jean Marcel e Rodrigo Oliveira
Engenheiro de som: Ernani Napolitano
Danças brasileiras: Silvia Lopes
Consciência corporal: Gisele Calazans
Direção de movimento: Cláudia Missura
Produção executiva: Andrea Pedro
Assistente de produção: Bianca Muniz
Apoio: Governo do Estado de São Paulo, Secretaria de Estado da Cultura, Programa de Ação Cultural (PAC) de 2008
Patrocínio Circulação 2016: Petrobras

Serviço

O quê: Musical Infantil Sapecado
Quando: quarta-feira (15), 15h (sessão especial para alunos de escolas públicas e crianças e adolescentes atendidos por instituições de defesa dos direitos da criança e do adolescente) e 19h (sessão aberta ao público). Apresentações com intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras)
Onde: Teatro Arthur Azevedo (Rua do Sol, Centro)
Quanto: entrada franca. Retirada de ingressos na bilheteria uma hora antes do início da apresentação.
Classificação indicativa: livre. Recomendado a partir de cinco anos.
Duração: 70 minutos

O melhor show de Bruno Batista (até aqui)

Bruno Batista em Bagaça. Foto: Márcio Vasconcelos
Bruno Batista em Bagaça. Foto: Márcio Vasconcelos

 

Sobre Bagaça Bruno Batista já declarou ser seu melhor disco. Ontem (10), no Mandamentos Hall (Lagoa), em show concorrido, com ingressos distribuídos gratuitamente, por conta do patrocínio da TVN via Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão, o artista lançou seu quarto álbum.

Os DJs Franklin e Pedro Sobrinho prepararam o terreno – voltariam ao fim da apresentação de Bruno Batista; “quando o show termina a festa não acaba”, dizia uma das peças publicitárias do espetáculo – e a Pedeginja fez por merecer os elogios que o anfitrião lhes faria em seguida. “Essa rapaziada representa uma geração que chega e faz sem pedir licença. Há uma cena maravilhosa aqui em São Luís”, afirmou, após o show de abertura em que passearam entre o repertório de Contos cotidianos, seu disco inaugural (e até aqui único) e temas icônicos da MPB, entre os quais A menina dança (Luiz Galvão e Moraes Moreira) e Canto de Ossanha (Vinicius de Moraes e Baden Powell), com direito a citação do rapper (rótulo que há tempos já não lhe comporta) Criolo. “Fora Temer! Ocupa tudo!”, mandou o vocalista Paulão, seguido por boa parte do público.

Demorou nada para Bruno Batista estabelecer plena comunhão com a plateia e mostrar que sua evolução artística não está restrita ao disco, ao estúdio. Qualquer um que o tenha visto ontem e a seus shows anteriores – por exemplo, os de lançamento de e Eu não sei sofrer em inglês – pode perceber claramente que ele está cantando melhor ao vivo (apesar de alguns problemas técnicos na sonorização ao longo da noite), maior desenvoltura, melhor domínio de palco – “cheguei em casa”, como diz na letra de Batalhão de rosas, o palco agora é também sua morada.

Artista cosmopolita, Bruno Batista é dos raros que se apresentam por estas plagas conseguindo o feito de, mesmo concentrando-se no repertório de um disco lançado recentemente, ter o público como seu backing vocal. Abrindo o espetáculo com a faixa-título do novo trabalho, ele passeou por quase todo o repertório de Bagaça, sem deixar de lembrar canções de seus outros três trabalhos.

Casos de Nossa paz (gravada em dueto com Tulipa Ruiz em Eu não sei sofrer em inglês), Tarantino, meu amor (no mesmo disco), Hilda Regina (idem), Ela vai chegar e (do disco batizado por esta) e Acontecesse (do homônimo Bruno Batista de estreia, regravada por ele com adesão de Zeca Baleiro no segundo).

Flávia Bittencourt cantou Sobre anjos e arraias em andamento mais acelerado e Alê Muniz e Luciana Simões (o casal Criolina) dividiram com Bruno Batista Latino-americano, música do trio lançada em ep do duo; em Bagaça os três assinam Pra ver se ela gosta, que o dono da festa cantou sozinho.

Quando cobrei-lhe A ilha ao cumprimentá-lo após o espetáculo, ele me respondeu, humilde e simpaticamente que ela não funcionaria naquele clima. Senhor da situação, o artista tinha razão: ele cumpriu a promessa de um show para ninguém ficar parado.

Ao fim, chamou os convidados ao palco e, com eles, prestou homenagem ao cantor e percussionista Papete, recém-falecido: o quarteto cantou Dente de ouro (Josias Sobrinho), aproveitando a ocasião para anunciar que um tributo ao Bandeira de aço será apresentado por eles durante a temporada junina na capital maranhense. Homem de vícios antigos certamente voltará ao assunto.

O lugar (acentuadamente pop) de Bruno Batista

Bagaça. Capa. Reprodução
Bagaça. Capa. Reprodução

 

A ilha, faixa que encerra Bagaça [2016, disponível para download no site do artista], quarto disco de Bruno Batista, é uma das mais bonitas declarações de amor a São Luís jamais escritas. O artista foge de clichês ao citar lendas e o cotidiano da cidade. “As barbas de Nauro saem pra passear” e “Montserrat Caballé não entendeu quase nada” estão entre os versos que trazem nativos e turistas que um dia pisaram suas ruas de paralelepípedos.

Nenhum homem é uma ilha e somente em seu quarto disco Bruno Batista abre seu leque de parceiros: Dandara, Demetrius Lulo e Paulo Monarco em Caixa preta, Alê Muniz e Luciana Simões (o casal Criolina) em Pra ver se ela gosta, e Zeca Baleiro em Nigrinha.

Bagaça é seu trabalho mais desbragadamente pop. Nas 11 faixas do álbum é possível perceber a bagagem de influências que moldou o cantor e compositor ao longo destes 12 anos de carreira, se contarmos a partir de sua estreia no mercado fonográfico, com o homônimo Bruno Batista [2004].

Maranhense nascido em Pernambuco, com férias da infância passadas no Piauí, hoje radicado em São Paulo após temporada no Rio de Janeiro, esta geografia afetiva se traduz musicalmente em Batalhão de rosas, toada de bumba meu boi rockificada que lembra a “areia branca” tema do caroço de Tutoia de Dona Elza, de saudosa memória. A faixa batizará o terceiro disco da cantora Lena Machado, a ser lançado este ano. A romântica Caixa preta evoca o Caetano político de Podres poderes.

O tambor de crioula ganha acento pop em Pra ver se ela gosta e Nigrinha tem ares caribenhos, de “amor sincero” em “novela das nove”, em diálogo com o “cinemúsica” de Blockbuster, a sétima arte uma das paixões confessas de Bruno Batista, que em álbuns anteriores já prestou homenagens a Quentin Tarantino [Tarantino, meu amor, de Eu não sei sofrer em inglês] e Michel Gondry [em Rosa dos ventos, de ].

Cerca-se dos mais requisitados instrumentistas da chamada “nova MPB” – rótulo que, como quase todo rótulo, não dá conta da turma – alguns dos quais com quem já tinha trabalhado em discos anteriores: Rovilson Pascoal (guitarra), produtor de Bagaça, Gustavo Ruiz (guitarra), Meno del Picchia (contrabaixo), Felipe Roseno (percussão), Ricardo Prado (contrabaixo e rhodes) e Guilherme Kastrup (bateria e percussão) compõem o núcleo, em disco que conta ainda com participações especiais de Swami Jr. (violão sete cordas no bolero Você não vai me esquecer assim), André Bedurê (vocais em Você não vai me esquecer assim e Guardiã), Marcelo Jeneci (piano em Turmalina) e Felipe Cordeiro (guitarra em Nigrinha).

“O teu lugar, o teu lugar/ é o meu”, derrama-se em Turmalina, feita para sua esposa. Na faixa divide os vocais com Dandara, que compareceu em boa parte de , seu disco anterior. O lugar de Bruno Batista é nos ouvidos de fãs cativos desde a estreia – ali já havia se firmado como um dos mais talentosos artistas de sua geração – e cada vez mais outros, conquistados álbum após álbum.

Confira o videoclipe de Nigrinha (Bruno Batista e Zeca Baleiro):

Serviço

Bruno Batista lança Bagaça em show gratuito hoje (10), às 20h, no Mandamentos Hall. O espetáculo conta com abertura da Pédeginja, discotecagens de Franklin e Pedro Sobrinho e participações especiais de Criolina e Flávia Bittencourt.

Segundo álbum de Tom Zé é relançado

Tom Zé. Capa. Reprodução
Tom Zé. Capa. Reprodução

 

Em Tom Zé ou Quem irá colocar dinamite na cabeça do século [documentário, Brasil, 2000, de Carla Regina Gallo Santos], o compositor baiano, que venceu o Festival da Record de 1968 com São Paulo, meu amor (São São Paulo), revela a frustração com o comentário de Edu Lobo: “a música de Milton Nascimento é música em qualquer lugar”, teria dito o filho de Fernando sobre o preterido.

Tom Zé revela ainda que trabalhou a partir de então para se autossabotar. O mais tropicalista entre os tropicalistas, após a estreia no mesmo ano do disco-manifesto do movimento, lançou, dois anos depois, um álbum intitulado simplesmente Tom Zé [RGE, 1970], onde afirma que “as melhores ideias deste disco devem ser divididas com os meus alunos de composição da SOFISTÍ-BALACOBADO (muito som e pouco papo) e com Augusto de Campos”, grifo dele, em texto reproduzido na contracapa do álbum, que a Som Livre, braço fonográfico das organizações Globo, recoloca no mercado 46 anos após seu lançamento.

Ia na contramão da declaração no documentário, pois o segundo disco ganha em sofisticação e traz algumas de suas músicas mais marcantes. Uma pena o relançamento não trazer, no encarte, informações sobre os instrumentistas que participaram das gravações.

O autor de Dulcinéia Popular Brasileira, Qualquer bobagem (com Os Mutantes), O riso e a faca, Jimmy, renda-se (Jimi renda-se) e Jeitinho dela, para citar apenas faixas deste disco de 1970, deve muito a relançamentos. É por demais conhecida sua redescoberta, a partir do interesse do talking head David Byrne por seus discos, encontrados por ele por acaso em sebos cariocas, na década de 1990, especialmente Estudando o samba [1975], que desencadeou relançamentos nos Estados Unidos pelo selo Luaka Bop – a reboque, no Brasil, pela Trama. Tom Zé deixava o ostracismo por que passou boa parte das décadas de 1980 e 90 para reocupar definitivamente seu devido lugar na MPB, embora a sigla não seja suficiente para comportar-lhe.

De Com defeito de fabricação [1998] para cá, Tom Zé lança discos regularmente, com motes interessantes e sintonizado com a geração (Y) mais jovem, o que faz dele um dos compositores mais interessantes, geniais e joviais do Brasil. Em 2016 completa 80 anos de idade – e nem vou falar aqui de sua vitalidade no palco.

Antes tarde do que nunca, Tom Zé tem três músicas na trilha sonora da novela global Velho Chico – o que não deixa de ser sinônimo de sucesso: Dor e dor, Senhor cidadão e Um oh! e um ah!.

Sobre Tom Zé, o disco ora relançado, restam ainda três curiosidades: a burrice dos censores da ditadura militar brasileira alcançou a segunda faixa, Guindaste a rigor. Tom Zé foi obrigado a gravar “assopro de coca-cola” em vez de “arroto”, como dizia a letra original; a contracapa traz a seguinte cobrança: “aproveito a ocasião para informar que a Prefeitura de São Paulo não me pagou até agora o prêmio de primeiro lugar (São Paulo, meu amor) do Festival da Record de 1968 e até começou a dizer que não assumiu esta obrigação”.

A terceira é a seguinte: procurado por Homem de vícios antigos para uma entrevista sobre o relançamento e sua importância, o compositor afirmou, através de sua produção, não ter sido comunicado sobre o assunto pela Som Livre.

Ouçam Tom Zé em Guindaste a rigor:

Masterpiece

O herói e a lenda. Capa. Reprodução
O herói e a lenda. Capa. Reprodução

Fui alfabetizado por Tex Willer. Explico: tendo aprendido a ler um pouco antes, aos sete anos descobri as coleções de revistas do ranger de meus tios. Devorei um a um os volumes de minha primeira paixão literária. E logo passei a montar a minha própria coleção. Lembro particularmente de um sebista reclamar do “dois por um” normalmente praticado nas operações de escambo: ele achava que duas Turma da Mônica eram muito finas, referindo-se ao número de páginas, para valer um Tex.

Até o início da adolescência cheguei a ter uma razoável coleção com mais de 400 exemplares. Lamentei quando cupins deram cabo em boa parte dela. O que se salvou teve algum sebo como destino: seria muito difícil, numa era pré-internet, conseguir novamente os volumes destruídos. Passei anos sem voltar a ler Tex e fui devolvido ao vício pelo Breganejo Blues, de Bruno Azevêdo: o mito bonelliano era leitura de cabeceira – ou de porta-luvas – do taxista, detetive “de corno” nas horas vagas.

Está nas bancas o belo volume de Tex, O herói e a lenda, de Paolo Eleuteri Serpieri [Mythos Editora, maio/2016, 50 p., R$ 29,90]. “No Oeste, se a lenda se encontra com a realidade, vence a lenda” é o mote – de John Ford, no clássico O homem que matou o facínora – que ancora a história, que o autor dedica a Sergio Bonelli.

Mote que me faz lembrar a ocasião em que Ricardo Calil entrevistou João Gilberto pelo facebook – ou quem quer que assinasse seu perfil na rede social. Realidade ou lenda? Pouco importava: a revista Trip [março/2011] publicou a entrevista –na ocasião já citava o faroeste.

Em 1913, em Nova York, Kit Carson está internado num hospital psiquiátrico, também um asilo para idosos. Recebe a visita de um jovem historiador e, a princípio aparentemente cansado, chega a tratar mal uma enfermeira que ousa despachar a visita, julgando que o velho quisesse ou precisasse dormir. Logo Carson começa uma narrativa lembrando um feito cruel de Tex.

Na aventura colorida, o longevo personagem – publicado em diversos formatos há mais de 70 anos – já veste camisa amarela e calça azul, mas está como eu particularmente nunca o tinha visto antes: cabeludo. Como, em parte, o Carson que narra os feitos a seu interlocutor (guardo o inesperado desfecho para não estragar a surpresa dos leitores), lembrando a bravura e o heroísmo do companheiro de tantas aventuras, que se conheceram durante o episódio que conta, em que Tex vence sozinho uma legião de índios e brancos, liberta uma moça e chega a discutir com autoridades – bem ao estilo que o consagrou.

Ao jovem que ouve Carson e ao diretor do lugar em que ele está internado pode ficar a dúvida sobre Tex ter existido ou não passar de lenda. “Você percebeu que esse homem tem muita fantasia? Ele conta coisas que não aconteceram”, o segundo adverte o primeiro. Lenda ou realidade, importa mais estarmos diante de uma verdadeira obra de arte.