Música brasileira: terra fértil

Pitanga em pé de amora, bela estreia de quinteto paulista em disco homônimo

Tão fértil é a música brasileira que até Pitanga em pé de amora (2011) é capaz de nascer. Com formação mais ou menos chorística, o quinteto não se prende, no entanto, a um único gênero. Passeia com desenvoltura por diversas brasilidades, a partir da urbaníssima São Paulo.

Angelo Ursini (clarinete, flauta, saxofone), Daniel Altman (voz, violão sete cordas), Diego Casas (voz, violão), Flora Poppovic (voz, percussão) e Gabriel Setúbal (trompete) – com todos se revezando, aqui e ali, nas percussões – vão de choro, xote, frevo e mais, às vezes com o devido gênero batizando a faixa a ele dedicada. Recém-adultos, os moços e a moça do quinteto esbanjam talento e versatilidade. Se é moderno pé de amora dar pitangas, amoreiras e pitangueiras têm raízes e dessas o quinteto não abre mão.

O disco homônimo de estreia do grupo está disponível na íntegra para download em seu site – lá é possível baixar também algumas faixas gravadas ao vivo. Amostra grátis, vale a pena ouvir antes e comprar depois, belo projeto gráfico embalando as composições do Pitanga em pé de amora, todas autorais – Diego Casas assina todas as faixas sempre em parceria com alguém do grupo, só Flora Poppovic não compõe, e nem precisa, cantando como canta.

Pitanga em pé de amora é grupo que já nasce maduro, pronto para a fruição. Ouvidos de bom gosto, brindai! Tenham pressa, embora não haja risco nenhum destes frutos apodrecerem.

Chorinhos e chorões – Edito agora (15h20min) o post para trazer para cá um aviso deixado por Ricarte Almeida Santos na caixa de comentários deste modesto blogue: em seu Chorinhos e Chorões de domingo (5), às 9h, o sociólogo-radialista apresentará aos ouvintes o disco sobre o que acabamos de escrever um pouco aos poucos mas fieis leitores deste humilde blogue.

A lambança coroada de Natalino Salgado

FLÁVIO REIS*

Natalino Salgado assumiu a reitoria da UFMA em 2007, após dez anos à frente do Hospital Universitário, que expandiu e ao mesmo tempo enredou numa série de práticas clientelistas. Logo no início de sua gestão, pressionado pelo MEC e com atraso em relação à maioria das outras universidades federais, impôs a aceitação das regras do projeto de expansão do governo federal (Reuni) sem maiores discussões. E se assim começou, assim continuou. Era preciso não perder o bonde das verbas e promover as melhorias de que a universidade necessitava. Na verdade, estava dado o sinal para a sucessão de trapalhadas que culminaria numa reportagem do Jornal da Globo exibida nesta semana, integrando uma série especial sobre o ensino superior no país e cujo tema eram exemplos de abandono de instalações.

A cena é impagável, o repórter Rodrigo Alvarez está diante do Laboratório de Tecnologia Farmacêutica (LTF), completamente abandonado, devidamente fechado e não podendo ser aberto à reportagem senão com a autorização do reitor. Contactado pelo celular, ele responde de forma quase inaudível que não acha necessário autorizar a entrada, agradece e desliga o telefone com o repórter ainda na linha. Este se dirige em seguida ao prédio da faculdade de Farmácia, no centro da cidade, prédio tombado que está caindo aos pedaços (a exemplo de outro, mais exuberante e importante, onde funcionava o departamento de assuntos culturais) e vai ao Laboratório de Bioquímica Clínica, que encontra desativado. Instada a explicar a situação, a chefe do departamento fala que são sete laboratórios com um orçamento anual de R$ 10 mil! Ao final, vemos a palavra do reitor Natalino Salgado, o homem que, na intuição certeira do repórter, detém as chaves da Universidade Federal do Maranhão. Diz exatamente tratar-se de um prédio abandonado há quinze anos, com equipamentos enferrujados e que não havia necessidade de filmar nada lá, principalmente quando existiriam tantos “projetos estruturantes” nesta universidade que estava passando por “grandes transformações”. Perguntado se não achava que a falta dos laboratórios prejudicava a formação dos alunos, saiu com esta pérola: “eu não tenho nenhum estudo para avaliar as atividades dos nossos alunos depois de formados”. É de espantar, pois estamos falando de laboratórios para cursos de farmácia e bioquímica… poderiam não ser essenciais? E o reitor Natalino Salgado é médico, goza de bom conceito como urologista. A explicação para tal disparate parece estar no seu tão propalado “modelo de gestão”.

Natalino Salgado não deixou passar oportunidade de angariar recursos através da aceitação sem controle dos programas de expansão do MEC, prometendo dobrar o número de alunos da UFMA num prazo muito curto. Tratando das reformas patrimoniais, centralizou as importantes decisões da esfera acadêmica na Pró-Reitoria de Ensino, que passou a distribuir determinações, muitas vezes por cima de suas atribuições estatutárias, lá colocando um professor alheio aos quadros desta ou de outra universidade, no melhor estilo “cargo de confiança”. Paralelamente foram se esvaziando os conselhos universitários, de maneira que decisões de suma importância como a definição dos horários e do planejamento acadêmico quase foram alterados drasticamente de uma canetada, este último implicando em grande perda para as atividades de pesquisa. Já vimos este filme inúmeras vezes, um círculo restrito de professores burocratas transforma tudo em números e gráficos, trata a universidade como se fosse uma coisa só, desconhece seus problemas e nem quer ouvir as unidades, acha que tem um modelo ideal, que, no caso, é apenas tentar se ajustar de qualquer forma às metas acordadas com o MEC.

Nestes anos, tornou-se visível que muitas verbas apareceram. Os recursos captados vão a mais de 200 milhões. Sem saber de detalhes dos números, os olhos não param de perguntar como eles foram utilizados, quando vemos várias obras interminadas, algumas se arrastando há dois anos e outras claramente escandalosas, compreensíveis apenas dentro de uma visão da instituição como empresa, onde, como diz o velho ditado, a propaganda é a alma do negócio.

No final de 2008, ano em que os recursos do Reuni começaram a chegar, estava na abertura do Encontro Humanístico, naquela ocasião com a presença do professor Paulo Arantes, quando ouvimos estupefatos o magnífico reitor anunciar em seu discurso uma reforma dos banheiros do CCH, para aplauso da galera. Parecia um político em palanque de interior anunciando obras. Aquela cena dizia muito sobre o estilo em questão. A tal reforma atravessaria mais de um ano em execução e este seria o padrão comum. Elenco apenas aquelas com que deparo no cotidiano: a construção de um prédio pequeno destinado à pós-graduação das ciências humanas se arrastou durante anos; a reforma de banheiros do CCSo, já entrando no terceiro semestre; a incrível obra de antiengenharia que é a construção das rampas de acessibilidade no mesmo prédio, que também já está pelo terceiro semestre, e torna o prédio ainda mais quente quando talvez fosse mais barato instalar um elevador exclusivamente para este fim; a obra do pórtico de entrada, licitada no valor de 400 e poucos mil para entrega em três meses, já estando com pelo menos o dobro, além de todo o plano viário, pois parece que saíram arrebentando tudo ao mesmo tempo sem nenhum planejamento. Algo de importância óbvia para o funcionamento diário de uma instituição onde se movimentam milhares de pessoas é tratado com um simples “desculpem os transtornos” e pelo visto vai atravessar o semestre. O prédio Paulo Freire, foi “inaugurado”, com festa e presença do ministro, mas ainda está daquele jeito. Prédio que, diga-se, é a expressão da devastação ambiental promovida sem pena pela Prefeitura de Campus nestes anos. É coisa feita sem nenhuma perspectiva ambiental mais ampla, e que só fica bem mesmo nas imagens caprichadas das maquetes. O centro de convenções, a TV universitária, a concha acústica, a nova biblioteca central, a biblioteca setorial do CCH, o auditório central, a fábrica Santa Amélia, todas são obras que caminham muito fora dos prazos. Longe de ser um bom administrador, Natalino Salgado parece ser um mau gerenciador de recursos. A gastança, promovida principalmente através da Fundação Josué Montelo, com certeza não resiste a uma auditoria.

Atento ao que interessa nestes tempos de propaganda e espetáculo, o reitor tratou logo de ampliar a assessoria de comunicação da universidade, a ASCOM, transformando-a em autêntica agência de publicidade de sua gestão. E passamos a receber um jornal com vinte páginas, de que ele se orgulha da tiragem aos milhares, cheio de matérias falando de maravilhas, projetos em andamento e do mundo novo a vir, repleto também de fotos do reitor em setores e ocasiões diferentes. Existia ali clara obsessão com a construção de uma imagem de inovação e empreendedorismo. Recebemos mesmo um kit com dvd mostrando a Ufma como verdadeira potência rumo à excelência, um delírio só. Nos números, jogados em comparações soltas, parece interessante, mas na realidade cotidiana é outra coisa. Aí as instalações são inadequadas, os professores insuficientes, a biblioteca é muito ruim, as salas de aula quentes e desconfortáveis, as salas de projeção foram desativadas, laboratórios sucateados ou fechados, os terminais de computadores seguem insuficientes, não há espaços de convívio, tudo continua feio e destruído. Exemplos de compras mal feitas e desperdício existem aos montes, mas vou ficar com as centenas de bebedouros recentemente adquiridos com a voltagem imprópria.

Academicamente, a expansão à toque de caixa vem criando problemas e gargalos nos cursos, muitas vezes surpreendidos com decisões tomadas à revelia dos colegiados pela poderosa Proen, tendo que operar malabarismos, já cada vez mais difíceis de disfarçar, quando o número de disciplinas sem oferta aumenta e logo vai estourar. No departamento de sociologia e antropologia, por exemplo, que atende a toda universidade, foram cerca de trinta disciplinas sem condições de oferta no semestre em curso. Em dois ou três semestres a situação ficará insustentável. Os Centros continuaram anêmicos e quase sem função, como quer a reitoria e parecem concordar os respectivos diretores, que agem como se não tivessem sido eleitos e sim nomeados pelo reitor. Concordam com tudo e mais alguma coisa, não articulam os cursos e vão apenas tocando o expediente. A investida final é sobre os departamentos, que perderão qualquer autonomia na definição de suas atividades, ou deixarão mesmo de existir, o que já está em vias de ser sacramentado. A expansão da pós-graduação, por sua vez, é feita aos trancos, sem acomodações, com estrutura improvisada e, principalmente, de forma muito isolada, é cada qual por si. Em vez de tentar modificar nossas arcaicas instâncias de decisões no sentido de abrir para a própria comunidade a gestão da universidade, tomou-se decididamente o rumo inverso de concentrar decisões, esvaziar colegiados, uniformizar procedimentos, desconhecendo a realidade efetiva dos diferentes centros. Neste sentido, o “novo marco legal” de que falam desenha uma centralização ainda maior e totalmente contrária aos requisitos de diversificação, autonomia e participação, tornadas apenas palavras constantes nos outdoors.

Por fim, para deixar claro que não convive bem com crítica e opiniões incômodas, o reitor tratou de cooptar o Diretório Central dos Estudantes, com pleno êxito, sendo triste ver um antigo espaço de lutas servindo de agência da reitoria, e chegou a articular uma chapa para tomar a diretoria da Associação de Professores, quase obtendo sucesso na empreitada. Foi por inciativa desta última, aliás, através de ação junto ao ministério público, que finalmente tivemos no início deste semestre as eleições para diretores de centro e chefes de departamento, adiadas sem justificativa há quase um ano. Agiu de forma contrária, célere, quanto à consulta para reitor, processo atropelado com prazo exíguo para registro de candidaturas e poucos dias para campanha. Acima de tudo, era preciso impedir qualquer discussão. Assim, Natalino Salgado seguia em céu de brigadeiro, atropelando tudo, distribuindo em mala direta um luxuoso folder de sua candidatura, papel couche com várias fotos (tudo do que ainda será…) e gráficos, com a propaganda da “gestão de qualidade comprovada”, até a citada reportagem que o pegou no contrapé.

Enquanto se propõe a gastar meio milhão num pórtico de entrada, construir um centro de convenções com auditório de quatro mil lugares e outras prioridades, a reitoria deixa laboratórios e bibliotecas, departamentos e centros à mingua. Se o repórter fosse olhar as tais obras estruturantes encontraria a situação descrita de várias obras inconclusas e sempre com poucos trabalhadores à vista. Tudo fruto de uma forma de gestão que é a própria irracionalidade administrativa. Tal como os políticos, o reitor gosta de atender a pedidos, não trabalha com descentralização de decisões e de recursos, agindo efetivamente como “o homem que detém as chaves da UFMA”.

Duas candidaturas oposicionistas se apresentaram contra essa situação. A professora Cláudia Durans, do departamento de Serviço Social, e a professora Sirliane, do departamento de Enfermagem. O nome da professora Sirliane foi uma surpresa agradável, pelo acerto das bandeiras de campanha Gestão Pública, Democrática e Transparente, exatamente tudo o que Natalino Salgado não faz, e por sinalizar novamente, apesar do tempo exíguo e da articulação menor, algo que a candidatura do professor Chico Gonçalves há quatro anos trouxe, a esperança de que os professores, alunos e funcionários desta universidade percebam um dia que podem caminhar fora da canga imposta por círculos que vivem anos a fio trancados nas esferas da administração superior e pouco sabem do dia a dia da universidade, das pessoas que a compõem, de suas dificuldades e necessidades. Esses senhores de casaca vivem vendendo o faz-de-conta e para isto precisam mesmo de muita propaganda, entretanto, chega uma hora que algo de revelador escapa e a realidade fura o engodo publicitário. Foi o que aconteceu no caso dos laboratórios do curso de farmácia na reportagem do Jornal da Globo, que, num lance, pôs a nu a real qualidade da gestão do reitor Natalino Salgado.

*Flávio Reis é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFMA. Publicou Cenas marginais (2005) e Grupos políticos e estrutura oligárquica no Maranhão (2007).

O legado de Judas

(…)

Ao presidente do Senado
nosso “grande” Zé Bigode
deixarei atos secretos
pois comigo ninguém pode.
Pra misturar com a gororoba
deixo óleo de peroba
pois com ele o Maranhão se fode.

(…)

“O melhor governo de minha vida”
diz o slogan inflamado.
Se este é o melhor governo
calcule agora os passados.
Por isso que o Maranhão
é nesta Federação
um dos piores estados.

Deixo pro aeroporto
da capital do Maranhão
uma nova estrutura
pra Roseana fazer a inauguração
e enganar o povo,
puxa saco e baba ovo
que gosta de esculhambação.

Para o doutor Macaxeira,
nosso vice-governador,
deixarei como herança
um prato cheio de cocô,
para comer com Monteiro,
seu fiel “cumpanheiro”,
que é do PT um traidor.

(…)

“Agora vai”, diz Castelo,
só ninguém sabe pra onde.
Que o trânsito está um caos,
isso ninguém mais esconde.
Vai pra puta que pariu,
cada rua vira um rio
e o povo que faça a ponte.

(…)

E dou para o Jackson Lago
já na hora da partida
os pêsames que Roseana
lhe trouxe na despedida.
É o abraço do carrasco
pois lhe tomaram o mandato,
a sua maior conquista.

Na verdade esse é o abraço
dado pela sucuri,
que machuca sua presa
para depois engolir.
Deixo uma dúzia de lenço
e um minuto de silêncio
para o povo refletir

(…)

Trechos d’O Testamento de Judas (Laborarte, 2011), de autoria de Camila Reis, Moizés Nobre, Samuel Barreto e Zeca Tocantins.

São Luís e o Maranhão estão desgovernados. Os problemas se acumulam ante a inércia dos gestores públicos. Os versos acima são versão bem humorada de parte destes problemas: seria cômico se não fosse trágico. Artistas cumprem seu papel; governantes, não. Onde vão parar estes trens descarrilados?

Céu alcantarense

O lançamento de O céu sem eternidade em São Luís acontece dia 1º. de junho (quarta-feira), às 19h, no Cine Praia Grande (no cartaz acima, o restante da agenda).

O filme foi rodado em Alcântara, e contou com alguns estudantes/bolsistas da UFMA em sua realização. Por falar em UFMA, o pedaço ilheu da programação integra a programação de sua 11ª. Semana de Comunicação (o que me leva a crer que não será cobrado ingresso).

Após a exibição do mesmo haverá um debate, que incluirá questões como a base espacial de Alcântara e a vida de suas comunidades tradicionais, entre outras, com atores do filme, membros da equipe de produção e sua diretora Eliane Caffé. Pra quem não tá ligado, ela dirigiu o ótimo Narradores de Javé.

São Luís em quadrinhos

Ao contrário do que parte da imprensa ilhéu noticiou, ainda na semana passada, não são Osgemeos que vêm à São Luís: são os gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá.

Os primeiros, Gustavo e Otávio Pandolfo, internacionalmente famosos por diversas intervenções urbanas espalhadas around the world, assinam o projeto gráfico do excelente Toda vez que eu dou um passo o mundo sai do lugar (2007), que o ex-Mestre Ambrósio Siba gravou com a Fuloresta do Samba, capa aí à esquerda; os segundos, também internacionalmente famosos, trazem na bagagem um Jabuti e um Eisner (a mais importante premiação de HQs nos Estados Unidos).

As duas figuras da foto aí à direita, Moon e Bá já estão na Ilha, de onde levarão nas memórias, as suas, as das máquinas fotográficas, em rascunhos, imagens da capital maranhense, que usarão para ilustrar mais um volume da série Cidades ilustradas, da editora carioca Casa 21. Os volumes já lançados, com outras cidades, estão disponíveis para download gratuito e legal no site Quadrinho.com. O volume dedicado à São Luís será lançado em 2012, quando a cidade completa 400 anos.

Os quadrinistas ficam em São Luís por todo o resto de maio. Nesta quinta (26), eles participam do Papoético, em debate-papo que terá mediação de Bruno Azevêdo. Acontece às 19h, no Chico Discos (Rua de São João, 389-A, Centro; esquina com Afogados – a do semáforo, sobre o Banco Bonsucesso), com entrada franca. Presentes pagam apenas o consumo.

Obituário: Ana Rodrigues

Bom te ver (2005), documentário de Francisco Colombo que abre este post, é o melhor e mais profundo retrato de Ana Rodrigues, atriz e artista plástica falecida na noite de ontem (20), após lutas contra câncer e tumor no cérebro.

Tinha 66 anos. Apesar de aparições em filmes e novelas da TV Globo (lista alguns no curta), além de algumas exposições no currículo, muitos a viam apenas como mais uma “porra-louca”, andarilha ilheu, mais uma na multidão.

Não era. Desbocada, e eis o grande trunfo do filme: deixá-la à vontade, tinha classe, categoria. Era, antes de tudo, autêntica. Não chegava a ser seu amigo, embora a conhecesse. Encontramo-nos algumas vezes no sebo Papiros do Egito, que visito com frequência.

Deixa saudades e uma lacuna enorme nas artes do Maranhão, mais uma vez enlutadas.

(Pior que a en)comenda

Um não encomendado texto longo para falar de solenidade idem e cansativa. Solidário ao evento e a alguns de seus convidados/homenageados, nada diz.

Solenidade marcada para as 19h, o repórter adentrou o recinto com quarenta minutos de atraso. “Já começou?”, perguntou, fingindo-se preocupado com a própria demora, a uma das garotas do cerimonial, que ocupavam-se em anotar os nomes de todos os que chegavam, saber quem ia receber comenda, representando que entidade, enfim.

A tardança do repórter deveu-se também, em grande parte, à dificuldade para encontrar estacionamento. O do hotel, completamente lotado, bem como os arredores de um lado e outro da avenida. Chegando ao salão que abrigaria o evento, um dos do Rio Poty Hotel (Ponta d’Areia), o disco de Luiz Jr. era o muzak do ambiente.

Com uma única caneta bic no bolso, o repórter consegue uma emprestada com uma amiga, de tinta azul, com as cores da bandeira do Brasil – pelo que os leitores já podem imaginá-lo também desarmado de máquina fotográfica e por isso este texto, quiçá tão cansativo quanto a cerimônia, não dispor de ilustração. O ambiente era barulhento, o burburinho de convidados mesclando-se ao corre-corre das meninas do cerimonial e equipes de tevês com câmeras, microfones e refletores, que colaboravam para a ineficácia do ar-condicionado.

Somente às 20h25min chega o vice-governador do estado, com burburinho e movimentação próximos ao palco aumentando. Três minutos depois o som é interrompido e um burburinho absoluto toma conta do salão. Uma criança chora. Às 20h33min tem início a fala do cerimonial. O tradicional pedido para que as pessoas deixem seus celulares desligados ou no silencioso e o anúncio da solenidade de entrega da comenda Ordem do Mérito da Defensoria Pública do Estado do Maranhão – que ontem (19), completava 10 anos.

A comenda foi instituída pela resolução número 2, de 3 de maio passado. Seria atribuída a pessoas físicas e jurídicas e instituições – juro que não entendi a diferença entre as duas últimas – que trabalharam ao longo da última década – e antes, no caso de algumas entidades, sobretudo da sociedade civil, que lutaram por sua implantação – pelo fortalecimento da DP e na defesa dos direitos humanos.

Ao som de música instrumental – volta o disco de Luiz Jr., com a faixa Urrou do boi (Coxinho), Aldy Melo de Araújo Filho, defensor público geral e demais membros do Conselho Superior da DP adentram o recinto.

O cerimonial compõe a mesa: Aldy Melo de Araújo Filho; Washington Luiz de Oliveira, vice governador do Maranhão; Antonio Arnaldo Alves de Melo, presidente da Assembleia Legislativa; Antonio Fernando Bayma Araújo, desembargador do Tribunal de Justiça; Luiz Fernando Moura da Silva, secretário chefe da Casa Civil; Fábio Gondim Pereira da Costa, secretário de estado de Planejamento, Orçamento e Gestão; Miguel de Almeida Lima, Chefe da DP da União no Maranhão; Helena Maria Cavalcante Haickel, Procuradora Geral do Estado; Maria de Fátima Rodrigues Travassos Cordeiro, Procuradora Geral de Justiça; Sérgio Vitor Tamer, secretário de Estado de Justiça e Administração Penitenciária; Denise Miranda Dantas, subdefensora geral da Defensoria Pública do Maranhão; Fabíola Almeida Barros, corregedora do órgão; Antonio Peterson Barros Rego Leal, presidente da Associação dos Defensores Públicos do Estado do Maranhão; Claudete de Jesus Ribeiro, secretária extraordinária de Estado da Igualdade Racial; Catarina Nunes Bacelar, secretária de Estado da Mulher; Luiza de Fátima Amorim Oliveira, secretária de Estado de Direitos Humanos e Cidadania; José Stélio Nunes Muniz, desembargador do Tribunal de Justiça; Ivanete da Silva Sousa, representante da sociedade civil; Pedro Freire, diretor presidente do jornal O Imparcial; e Aldir Dantas, diretor de jornalismo da TV Cidade.

Poupo os poucos mas fieis leitores dos qualificativos com que cada um/a foi apresentado/a. Seria tomar tempo demais de vocês. Na sequência – e aqui tento manter a ordem cronológica dos fatos – o Hino Nacional brasileiro foi executado por Alessandro Batista (voz), Rui Mário (acordeom) e Henrique Dualibe (piano). Os trabalhos foram decretados abertos por Aldy Melo. A mesma formação executou o Hino do Maranhão.

Não transcrevo o pronunciamento do defensor público geral, mas ele, em uma espécie de reprise do cerimonial cumprimentou a todos e todas da mesa, repetindo-lhes os nomes e cargos – tomando o tempo dos presentes como não quero tomar aqui o dos caros leitores. Sem mais, o trio interpretou Louvação a São Luís, de Bandeira Tribuzzi. Às 21h06min, brevíssima queda de energia interrompeu sua execução, sendo o Hino da capital maranhense retomado logo em seguida, do exato ponto em que foram obrigados a parar. A pequena microfonia que se sucedeu não o interrompeu novamente.

Em seguida, passou-se à entrega das comendas, mas a plateia não viu os homenageados, tantos eram os cameramen a cobrir o evento. Receberam-na a governadora Roseana Sarney, representada pelo vice; o próprio vice, Washington Luiz de Oliveira; Luiz Fernando Moura da Silva – e aqui passo a não repetir os cargos, que vocês já leram quando da composição da mesa –; Fábio Gondim Pereira da Costa; Luiza de Fátima Amorim Oliveira; Claudete de Jesus Ribeiro; Sérgio Vitor Tamer; Catarina Nunes Bacelar; Jamil de Miranda Gedeon Neto, presidente do Tribunal de Justiça, representado por Antonio Fernando Bayma Araújo, que recebeu também sua própria comenda, além da de Jorge Rachid Mubarack Maluf. Camila Guerreiro recebeu a de Antonio Guerreiro Jr., corregedor geral do Tribunal de Justiça. Mais comendas: para Antonio Arnaldo Alves de Melo; Maria de Fátima Rodrigues Travassos Cordeiro; Helena Maria Cavalcante Haickel; Miguel de Almeida Lima; Ana Flávia Melo Vidigal Sampaio, defensora pública geral do Maranhão (2006-2010).

Terminado o primeiro bloco de comendas (sim, caros leitores, mais virão), pronunciou-se o vice-governador. Para justificar o não ter o que dizer, saiu-se com esta, que ele pescou de alguém cujo nome o repórter não anotou e já não lembra: “discurso é que nem saia de mulher: não pode ser muito comprido para não entristecer, nem muito curto para não assustar”. As palmas, ensaiadas e constrangedoras, pareciam ter sido encomendadas antecipadamente.

O secretário chefe da Casa Civil teceu loas a si mesmo, lembrando de um serviço que implantou quando prefeito de São José de Ribamar, uma espécie de DP municipal, ainda ativo, mesmo com a implantação de núcleo da DP naquele município da ilha.

Outros agraciados também tiveram fala. A de Helena Maria Cavalcante Haickel, lida por ela, era recheada de citações: um “nenhum dever é mais importante que a gratidão” (Cícero) juntava-se a frases de juristas, historiadores e até mesmo santos, com direito a “abre aspas” e “fecha aspas” quando convinha.

Ainda havia comendas a serem entregues e homenageados para recebê-las: José Stélio Nunes Muniz; a Ordem dos Advogados do Brasil – seccional Maranhão, representada pelos ex-presidentes José Caldas Góes (2004-2009) e Raimundo Ferreira Marques (1995-2003); a ex-corregedora da DP Rosimar Salgueiro, representada por Lauro Salgueiro; Ruy Eduardo da Silva Almada Lima, ex-procurador do Estado.

Às 21h55min a mesa é desfeita, permanecendo Aldy Melo Filho e demais conselheiros. Algumas autoridades vão embora, entre elas o vice-governador. Baba-ovos e quetais retiram-se juntos e o salão é esvaziado, não completa, mas consideravalmente.

Mais comendas são entregues: à Cáritas Brasileira Regional Maranhão, representada por seu secretário executivo Ricarte Almeida Santos; Centro de Defesa Pe. Marcos Passerine, por Maria Ribeiro da Conceição; Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA, por Luis Antonio Câmara Pedrosa; Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz de São Luís, por Rosa Maria Pinheiro; Comissão Pastoral da Terra, por Pe. Inaldo Serejo; Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Idoso do Maranhão, por Marcos Passinho; Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailância, por Ivanete da Silva Sousa; Pedro Freire; Estevam Almeida, diretor do jornal A Tarde; José Ribamar Rocha Gomes, diretor do jornal Tribuna do Nordeste, representado por Celso Lemos Nunes; Gildo Moraes, diretor do jornal Correio de Notícias; Roberto Prado, diretor de jornalismo da TV Mirante, representado por Olívia Franse; Marília Sffeir, diretora de jornalismo da TV Difusora, representou Paulinha Lobão, chamada pelo cerimonial, sem diminutivo, de Paula Lobão; Kátia Ribeiro, vice-presidente da TV Maranhense; Zildeni Falcão, presidente da Rádio-TV do Maranhão; José Arnold da Serra Costa Filho, diretor executivo da Rádio Universidade FM; Luiz Augusto Nascimento, diretor da rádio comunitária Bacanga FM; Aldir Dantas, além da dele, recebeu também a comenda de Marco Antonio Vieira da Silva, superintendente da TV Cidade.

O repórter, já de calo no dedo, parou de anotar nomes. Mas a partir daí seriam entregues comendas a defensores públicos e servidores da DP. Entre estes e os acima listados, foram mais de cem comendas – faltaram coerência e critério para distribuí-las. O cerimonial pediu a servidores que porventura não tivessem sido chamados que se identificassem para recebê-las. Constrangedor. Precaução ou desorganização, ainda sobraram comendas – alguém aí quer uma?

O defensor geral declarou a sessão encerrada às 22h50min. O cerimonial convidou para um coquetel, que seria servido em um salão contíguo. O repórter, apesar do estresse e da fome, mandou ver apenas um copo de Fanta laranja antes de se mandar. Duas perguntas ecoavam-lhe na cachola: quando seria a próxima distribuição de comendas da DP? (não que ele queira ir à cerimônia ou ganhar uma, longe disso), e quando acontecer, ainda haverá a quem homenagear?

Expressões da questão social

Curta-metragem de Francisco Colombo, Reverso, filme que abre este post, integrou a brevíssima programação da minimostra que o batiza (ao post), dentro da programação do 32º. Encontro de Assistentes Sociais do Estado do Maranhão, na manhã de hoje (o encontro continua amanhã (19) e depois, no Quality Grand São Luís Hotel, quando será encerrado com a festa Dancing Days, capitaneada pelo DJ Salim Lauande, no Armazém da Estrela, Praia Grande, para os participantes do encontro).

Os outros dois curtas que integraram a minimostra foram O incompreendido, também de Colombo, e Aperreio, de Doty Luz e Humberto Capucci, já exibido neste blogue. As ficções de Colombo e o documentário da dupla Café Cuxá Filmes retratam diversos temas cujos debates do encontro dos profissionais do Serviço Social abordarão: direitos humanos, ética, violência urbana e meio ambiente, entre outros.

A seleção da minimostra Expressões da questão social ficou a cargo deste que vos tecla. Os filmes foram escolhidos por sua relação com as temáticas que serão debatidas ao longo do encontro, como já disse. Mas cumpriu também a função de divulgar algumas das boas realizações recentes da sétima arte no Maranhão.

O vinil vive

DJs ainda usam os bolachões para embalar os que se aventuram nas pistas de dança. Brasil tem a única fábrica da América Latina

ZEMA RIBEIRO
ESPECIAL PARA O IMPARCIAL

Falecido no último dia 27 de março, o multiartista pernambucano Lula Côrtes deixou em seu legado o mais raro e mais caro vinil do Brasil: Paêbirú, disco duplo com duplo acento que dividiu com o paraibano Zé Ramalho em 1975. A gravadora Rozenblit, de Recife, responsável pelo lançamento da obra-prima que inauguraria a psicodelia brasileira, ficava às margens do Capibaribe e naquele ano uma enchente levou a maioria das cópias: sobraram apenas cerca de 300, hoje disputadas a tapas e a preço de ouro em sebos Brasil e mundo afora – chega a custar 5 mil reais.

Uma edição em cd chegou a ser lançada por um obscuro selo alemão, sem o mesmo charme. O disco duplo tem seus lados representados por elementos da natureza: terra, água, fogo, ar. É facilmente encontrado para download na internet. Mas o bom e velho vinil ainda exerce fascínio – e isso não é privilégio de Paêbirú.

Vinis de valor – Há vários discos bem valorizados, em lojas físicas ou virtuais, além de colecionadores que comercializam os velhos bolachões. “Entre os brasileiros eu citaria o Racional, de Tim Maia, e os discos de Dom Salvador. Os mais caros que comprei foram de Willie Lindo e de um baixista jamaicano chamado Loyd Parks. Custaram cerca de 300 reais, cada”, afrma o DJ Joaquim Ferreira, da Rádio Zion.

Joaquim, 47, coleciona vinis desde os 16 anos, um hobby que virou “profissão”: ele discoteca há 18 anos.

“A minha opção pelo vinil é a paixão pela música antiga produzida no Brasil e no mundo. De velhos nomes da música popular brasileira temos dificuldade em conseguir bons discos em CD. Em geral as gravadoras não têm mais interesse em lançar este material”, continua.

As agulhas são, para ele, um material de trabalho precioso: Joaquim não usa CDs em suas discotecagens – nem ninguém da Rádio Zion, coletivo de DJs integrado por ele, Marcus Vinicius e outros.

Franklin Santos usa CDs. Mas só quando não encontra vinis. “É uma dificuldade encontrar tudo que se quer em vinil, às vezes é preciso recorrer ao CD. Mas quando tenho o material em vinil, ele é a prioridade. Vinil sempre!”, entusiasma-se. Sua paixão é tanta que carrega tatuado em si um toca-discos.

Jornalista, professor universitário e DJ, Pedro Sobrinho usa CDs mais comumente: “Mas usar os vinis de vez em quando é trabalhar com um artigo de luxo”.

Ele e Franklin concordam em relação às vantagens do CD: a portabilidade, o peso reduzido e a possibilidade de gravação de compilações específicas, para serem usadas em determinadas ocasiões. “Por outro lado, o som do vinil, quando tocado em um equipamento decente é infinitamente melhor que o CD. Além das capas e encartes, maiores e mais bem trabalhados”, comenta Franklin.

Coleções – “A última vez que eu contei, tinha cerca de 4 mil vinis, entre LPs, EPs e compactos. Mas só tenho coisas que me interessam, nenhum disco está ali só para ocupar espaço”, Joaquim Ferreira contabiliza sua coleção. A de Franklin é menor, mas nada desprezível: cerca de 1.500 vinis. Da coleção de Pedro Sobrinho o mais raro é o disco do Bumba meu boi de Pindaré, com a toada Urrou do boi, de Coxinho, que depois seria alçada à condição de “Hino do Folclore do Maranhão” por lei estadual. “Existe obra prima mais rara na música popular brasileira?”, indaga-se, acerca da controversa faixa – Bartolomeu dos Santos, o Coxinho, falecido há 20 anos, nunca recebeu um centavo de direitos autorais.

Onde comprar – Eles dão o caminho das pedras para outros colecionadores: compram tanto em sebos em São Luís quanto fora, em viagens ou pela internet. “Hoje ligo para meus fornecedores, que se tornaram amigos”, conta Franklin. Joaquim recomenda sites como o nacional Mercado Livre e os estrangeiros ebreggae, vpreggae e reggae record. “Apesar do reggae dos nomes dos sites, é possível encontrar discos de funk, soul, jazz, rock e até mesmo música brasileira”, afirma.

Em São Luís os pontos de “pescaria de pérolas” são comuns: a banca do Adriano (João Paulo), a de Seu Domingos (Praça Deodoro) e os sebos Poeme-se (Praia Grande), Chico Discos (Afogados, Centro) e Papiros do Egito (Sete de Setembro, Centro).

Francisco de Assis, o Chiquinho, proprietário do Chico Discos, não consegue contabilizar a quantidade de vinis vendidos: “Não há uma média. Há dias em que não se vende nada, mas tem dias que um colecionador chega aqui e sai com 20, 30 vinis debaixo do braço. Varia muito”.

“Não chega a 80 por semana”, Moema Alvim faz a mesma conta. A professora universitária aposentada abriu o Papiros do Egito como um hobby há mais de 20 anos. Por lá os vinis mais caros são os de reggae e merengue, com preços semelhantes aos de uma raridade como um vinil de Violeta Parra, autora de Gracias a la vida, que pode ser levado por 30 reais.

A fábrica – Sediada em Belford Roxo, no Rio de Janeiro, a Polysom é a única fábrica de vinil da América Latina. A empresa iniciou suas atividades em maio de 1999. Depois fechou as portas, por conta de uma série de dificuldades – pouca demanda, cancelamentos de pedidos, dívidas – sendo reaberta em 2008, após ser adquirida e reformulada por sócios da Deckdisc, seus atuais proprietários.

“Quando topamos entrar nessa verdadeira cruzada que foi a reativação da Polysom, não tínhamos muita ideia do quanto o vinil ainda era cultuado. Agora, a sensação é que o formato acordou de repente. Todo mundo fala em vinil e, ao que tudo indica, todo mundo quer vinil”, arrisca João Augusto, um de seus fundadores.

A Polysom pode ser conhecida em seu site e interessados podem ficar por dentro de suas novidades nas atualizações do twitter. Os vinis fabricados por ela podem ser adquiridos na loja virtual Sete Polegadas, alusão a uma das medidas dos discos (LPs têm 12 polegadas). Lá são encontrados nomes como Secos & Molhados, Chico Science & Nação Zumbi, Tom Zé, Ultraje a Rigor, Titãs, Rita Lee, Jorge Ben, Fernanda Takai, Pitty e Cachorro Grande. Mesmo com o frete grátis, o preço é, ainda, salgado: os compactos custam, em média, 30 reais; LPs podem chegar a 85.

O leque deverá ser ampliado: algumas gravadoras têm demonstrado interesse em relançar em vinil títulos de seus catálogos. “Estamos falando de um catálogo infindável de discos inesquecíveis”, afirma João Augusto. E arremata: “Vou me emocionar muito no dia em que a Polysom produzir os discos do Rei, Roberto Carlos”.

Fora do Brasil nomes como White Stripes, Arctic Monkeys, Radiohead, Foo Fighters e Beach Boys recentemente lançaram trabalhos em vinil.

Pérolas e esmeraldas – Alguns vinis têm a sorte de ganhar reedição em cd. Tornam-se conhecidos da meninada mais nova, antenada. Mas logo voltam ao ostracismo, as tiragens, em geral, pequenas. No começo dos anos 2000 o então baterista dos Titãs Charles Gavin deu início a um árduo trabalho de pesquisa que recolocou diversos títulos brasileiros de primeira importância nas prateleiras das lojas de discos país afora. Raridades como Todos os olhos e Se o caso é chorar, de Tom Zé, Revólver e Ou não, de Walter Franco, Novos Baianos F. C., dos Novos Baianos, além de títulos de Carlos Daffé, Belchior, Guilherme Arantes e muitos outros. Dois vinis em um cd, com reproduções dos encartes e textos de críticos, contextualizando os trabalhos.

Outros discos não têm a mesma sorte, caso da passagem do compositor Chico Maranhão pela gravadora Marcus Pereira, que lançou, entre outros, nomes como Cartola, Papete, Diana Pequeno e Canhoto da Paraíba. De Maranhão, discos como Gabriela (1974), Lances de agora (1978) e Fonte nova (1980), além da estreia dividida com Renato Teixeira, em 1969, ainda anseiam chegar à era digital.

Jorge Benjor irá refazer, ao vivo, o disco Tábua de esmeraldas (1974). Tido por muitos como o melhor disco de sua carreira, é o último em que Benjor – à época apenas Ben – se acompanha tocando violão, instrumento que trocaria pela guitarra. A ideia de regravá-lo em show partiu de um fã, que criou um perfil no site de relacionamentos Facebook pedindo por isso. Ganhou em pouco tempo mais de cinco mil seguidores e convenceu o autor de Os alquimistas estão chegando os alquimistas à empreitada. Não se sabe ainda se o registro ao vivo será lançado em vinil, CD ou em ambos.

Mais

Em busca do vinil
Onde encontrar vinis em São Luís

Banca do Adriano (João Paulo).
Banca do Seu Domingos (Praça Deodoro, ao lado da Biblioteca Pública Benedito Leite).
Poeme-se (Rua João Gualberto, 52, Praia Grande – (98) 3232-4068)
Papiros do Egito (Rua Sete de Setembro, Centro – (98) 3231-0910).
Chico Discos (Rua dos Afogados, 384-A, altos, Centro – (98) 8812-3433).
 
Raros
Um pouco mais sobre alguns discos raros citados ao longo da matéria

Paêbirú (1975) – Zé Ramalho e Lula Côrtes: Experiência psicodélica nordestina em disco duplo. Tornou-se raridade após uma enchente em Recife levar quase toda a tiragem embora. Sobraram apenas cerca de 300 exemplares – nascia o mito.

Racional (1975; um segundo volume foi laçado no ano seguinte) – Tim Maia: Disco renegado em vida por seu autor, Racional fez a cabeça de muito músico brasileiro. Tim descobriu-se alvo de picaretagem (pelo líder da seita Racional Superior) e até falecer, em 1998, não autorizou reedições do disco. Relançado pela Trama, trouxe CD extra que imitava os chiados do vinil. Atualmente 15 discos do “síndico” são vendidos em coleção que chegará semanalmente às bancas de revistas. O brinde é um inédito Racional Volume 3 para quem comprar a coleção completa.

Lances de agora (1978) – Chico Maranhão: Gravado em quatro dias na sacristia da Igreja do Desterro, no Centro Histórico de São Luís. Como os outros títulos do compositor maranhense na gravadora Marcus Pereira, Lances de agora amarga o ineditismo em formato digital.

[O Imparcial, 5/5/2011]

Paródia é coisa séria

Com um terceiro CD no forno, Alberto Trabulsi concedeu entrevista a O Imparcial. Falou de seus trabalhos e abordou assuntos espinhosos.

ZEMA RIBEIRO
ESPECIAL PARA O IMPARCIAL

À redação de O Imparcial chegou o boato: Alberto Trabulsi (foto) estava com o baú cheio de novas paródias. Era preciso conferir. Sinal dos tempos, via Facebook, pegamos o seu contato de Messenger, por onde ele concedeu entrevista ao jornal. O boato não se confirmava, mas não íamos interromper a entrevista.

Cantor e compositor formado em Educação Física – e atualmente também acadêmico do 5º. período de Direito – Trabulsi completa 40 anos neste maio. Por cerca de uma hora e meia ele conversou com O Imparcial sobre arte, políticas públicas, gestão cultural e… paródias.

Paródias – “Eu faço todo ano, duas ou três, em média, para o bloco [Herdeiros do Aldemir] desfilar no carnaval. Mas só nesse momento. Tudo ficou mais conhecido depois do sucesso nacional de Wilson Vai [versão dele para I Will survive]. O público em geral não conhece. Só os integrantes do bloco. Tem pelo menos umas 20 que são desconhecidas de todos. São paródias de músicas conhecidas. Só troco a letra e às vezes dou um toque mais animado pra gente poder desfilar e dançar no carnaval, mas conservo o mais original possível.

Por exemplo: Você tinha…, em cima de Burguesinha, e Biba do cunovíneo, em cima de Mina do condomínio, de Seu Jorge fizeram sucesso, pois estavam em voga ano passado. São sempre músicas que estão fazendo sucesso, principalmente na TV, ou clássicos da música brasileira. Mas é preciso perceber uma coisa: todas têm duplo sentido porque a gente sai travestido sempre de mulheres. Outra que fez sucesso esse ano foi Eu quero é mostrar meu bofe na rua, em cima do clássico Eu quero é botar meu bloco na rua [do capixaba Sérgio Sampaio]”.

Trabalho sério – “As paródias são meu lado folião irreverente… que só funciona quando o carnaval se aproxima. O resto do ano faço minhas canções. São dois discos lançados [Antes que a poesia acabe, de 1998, e O silêncio, de 2002] e um no forno, precisando ser lançado”.

Maranhão: carnaval e São João – “Esses eventos [os períodos carnavalesco e junino] se transformaram numa corrida ao ouro. Há pessoas que se alimentam exclusivamente desses períodos e passam o ano inteiro reclusas, sem produzir nada de interessante em benefício da música e das pessoas que ainda querem a música como um alento prazeroso da vida.

Eu ando triste em pensar no destino dos artistas autorais do Maranhão, que se resumem apenas ao Maranhão, pois essa nem de longe é a mais viável via para o tão almejado sucesso”.

Os artistas e os poderes públicos – “O que acontece é que se vive na expectativa de o poder público fazer tudo pelo artista, mas o poder público deve estar em beneficio da população como um todo e apenas inserir a música, a arte, em um projeto maior. Não ficar apadrinhando uns e outros, porque isso exclui tanto o artista que está por vir, como o público que anseia por diversidades. Penso, utopicamente, num momento em que depois de tantas reviravoltas, a gente vai poder voltar às rádios, às praças, aos teatros”.

Uma paródia aos gestores, pelos 400 anos da Ilha – “Eu teria que fazer uma paródia de Geni e o zepelim [de Chico Buarque]ou mesmo de Faroeste Caboclo [da Legião Urbana, cita referindo-se ao tamanho das letras das músicas] para citar tudo que quero. Mas estou num projeto maior e mais audacioso, participando de um livro de fotografias de Meireles Jr., que irá retratar a cidade sobre todos os ângulos merecidos através de fotos e textos”.

Os 8 milhões da Beija-Flor – “Essa grana poderia ser aplicada em vários projetos, separadamente, com muito mais resultado social, que um dia de desfile. Mas o que acontece, e assim até concordo, é que se quisermos ser homenageados, temos que pagar. O carnaval é a festa mais popular do Brasil, logo é o maior outdoor também. Nós merecemos várias outras homenagens. Se parar por essa aí, vai ser um fiasco”.

[O Imparcial, 6/5/2011]

Letras mortas

Ensino de história e cultura afrobrasileira e indígena e música nas escolas são leis que nunca saíram do papel.

A data de 13 de maio é “vendida” em calendários oficiais e comemorações idem como dia da abolição da escravatura. A ela o Movimento Negro refere-se como “falsa abolição”. “O Movimento Negro Unificado, a partir de 1978, instituiu a data como Dia Nacional de Denúncia Contra o Racismo, para desconstruir o heroísmo da princesa bondosa”, afirma Maurício Paixão, Assessor de Direitos Étnicos, Povos e Comunidades Tradicionais do Centro de Cultura Negra do Maranhão. A princesa bondosa a que ele se refere é a princesa Isabel, filha do imperador D. Pedro II, tida como “a mão que assinou a Lei Áurea”.

Para o assessor do CCN, “a classe dominante brasileira da época escondeu que às vésperas da abolição apenas 5,6% da população negra ainda era escravizada. A grande maioria dos negros já tinha efetivamente detonado o escravismo, através de várias formas de luta, entre as quais fugas massivas, insurreições e o quilombismo”. Para ele uma estratégia para calar e apagar quaisquer resquícios de resistência e luta da história de um povo.

“Mais de 500 anos depois da descoberta do Brasil o povo negro ainda busca reconstruir sua dignidade e conquistar sua própria liberdade”, continua.

Não é recente a obrigatoriedade do ensino de cultura e história afrobrasileira e indígena nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio. Sancionada pelo presidente Lula, a Lei 11.645, de 10 de março de 2008, diz: “Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”.

Mas a quantas anda, de fato, o cumprimento das leis que a asseguram, principalmente no Maranhão? “Algumas escolas têm incorporado os assuntos em disciplinas como História e Artes. Mas ainda é um número pequeno e menor ainda na rede pública, onde em geral este ensino depende da boa vontade de professores, de forma isolada. Outros inserem o conteúdo em projetos, apresentados em vários momentos ao longo do ano letivo”, afirmou a professora Joana D’Arc Martins, do Colégio São Marcos.

No quesito descumprimento, aliás, à Lei 11.645 soma-se a 11.769, de 18 de agosto do mesmo ano: esta devolve à música o status de conteúdo obrigatório do currículo escolar – a expressão artística já havia figurado entre as disciplinas obrigatórias entre 1932 e 1971. Seu retorno a este rol foi proposta da então senadora Roseana Sarney (PMDB). No entanto, a legislação permanece apenas no papel e, se ainda não vemos “músicos em formação” – papel que nem teria o ensino obrigatório da música – tampouco tempos estudantes mais sensíveis, ou com gosto mais apurado.

O dia da Consciência Negra (20) – este sim, celebrado pelo movimento negro – e o de Santa Cecília (22), padroeira da música, estão em novembro. Seis meses até lá para se elevarem preces aos céus para que na terra as leis dos homens (e mulheres) sejam cumpridas. Procurada para comentar os assuntos a Secretaria de Estado da Educação (Seduc) não se pronunciou até o fechamento desta matéria – espera-se que estivesse ocupada tratando da greve dos professores, que já conta cerca de dois meses de idade. Aliás, cabem orações aí também.