DE MAIAKÓVISK A DRUMEMBÊIS, UM CANTOR POPULAR (*)
por Diego Janatã (**)
Tarde de sol e chuvisco em São Luís, em algum ponto da Ilha Maravilha, aquele que “nasceu danado pra prender vida com clips, ver a lua além do eclipse”, recebe a equipe da Folha do Maranhão para trocar uma idéia, falar de projetos e outras “coisitas mais”. Num papo sucinto, Zeca Baleiro prova porque, de fato, mesmo falando de Maiakóvisk à Drumembêis, é um cantor popular.
“Deus me deixa ser o guru dessa galera”
“Essa coisa do alcance do trabalho de cada artista é meio imponderável. Você nunca sabe aonde vai dar, eu não acredito muito em quem faz planos. Ah, eu vou alcançar o “Público A”, o “Público B, o “Público C”. Eu nunca pensei sobre isso. Com as referências que eu tinha em mãos, que são minhas, que são verdadeiras, são sinceras e deu no que deu. Hoje eu tenho essa coisa do que me orgulho, esse alcance que de universitário e gente simples curtem o meu trabalho, lógico que eu não sou unanimidade, tem uma abrangência que me deixa feliz”, revela.
Zeca Baleiro diz que não quer fazer música somente para um gueto de inteligentes. “Eu quero falar para o mundo. E se o maior número de pessoas ouvir, sem prejuízo do que eu estou fazendo, ótimo”, afirma.
Para ele, a música é um modo de expressão popular que atinge, pela própria natureza. “A música é uma coisa onipresente, a gente ouve em todo lugar”, filosofa o cantador. Segundo ele, o músico deve conseguir captar o máximo esse poder de alcance de poder dizer para as pessoas, coisas, nas quais você acredita, contaminar as pessoas com suas idéias é um poder e tanto”, acredita.
Baleiro afirma que qualquer obra é meio instantânea de um momento. “Quem faz o mesmo trabalho sempre ou é limitado, definitivamente, ou é preso demais a uma estrutura de mercado. Eu não me sinto nem uma coisa nem outra. Então, me permito delirar um pouco e viajar nas possibilidades criativas que há na música popular”.
“Vô imbolá”
Zeca Baleiro consegue mostrar sua grande marca, pelo fato de conseguir fazer uma mistura musical, essa fusão de ritmos. Seu terceiro CD, “Líricas”, foge um pouco (ou quase que completamente à este modelo). Ele comenta: “Sempre tive muito apreço por essa forma da canção trovadoresca. Se eu fizesse o meu primeiro disco assim, talvez ficasse muito marcado. O primeiro disco ele consolida uma imagem, e não dava pra fazer. No “Líricas”, eu tava naturalmente num momento de mais introspecção, um pouco mais melancólico, e tirei aquelas coisas do baú. E muita gente desconfiou que a minha carreira ali, iria por água abaixo. E só veio provar que quando você faz as coisas com verdade, algum destino bacana se vai ter”, lembra.
Zeca Baleiro revela que tem projetos em fazer um disco mais uniforme no que diz respeito ao estilo musical. “Projetos eu tenho vários. Estou com um projeto com o samba que cancelei temporariamente, porque não ta dando pra levar. Estou fazendo algumas experiências, um “troço” mais dançante, outras “canções”, revela. “Enfim, tem um repertório. E ai, às vezes, rola uma ansiedade em mostrar tudo isso. Não se sabe quanto tempo a gente vai viver, né ?!”, comenta entre risos.
Mesmo assim, ele se diz muito minucioso e, não admite entregar para o publico, um CD de qualquer jeito. “Não estou com pressa de fazer disco agora, essa é a verdade”, afirma.
“Saravá, mundo cão”
Morando em São Paulo há mais de uma década, desde 1991, assim mesmo se percebe na música de Zeca Baleiro, uma forte ligação com São Luís, com o Maranhão. Ele comenta um pouco sobre a nostalgia que bate, quando está compondo algo que fale de sua terra. “Eu sempre tive uma relação de muito amor pela cultura popular daqui. Quando eu morava em São Luís, isso era até mais difícil de ficar claro, porque tinha um confronto muito grande com o pensamento vigente, sempre fui muito do contra. Se a coisa era Bumba-meu-boi, então eu ia fazer rock. O fato de eu ter me distanciado e envelhecido, evidentemente, trouxe uma compreensão mais clara mais lúcida, dessa relação, minha com as coisas do Maranhão”.
Por muito tempo no Maranhão, criou-se uma receita infalível para o sucesso, um quite revolucionário que mostraria para o Brasil a música feita no Maranhão, o que foi chamado de MPM. Zeca Baleiro, “sem papas na língua” comenta: “Eu nunca gostei desse rótulo, eu já não gosto de MPB que é uma coisa mais abrangente, eu desdenho disso. Ficar se taxando num gueto. Por quê? Se eu quiser fazer um blues em inglês isso não é música maranhense?” Se pergunta. “Música popular, especialmente, é universo muito vasto, eu não tenho porque me prender num gênero. Tem que usar as ferramentas que estão ai, usa quem pode, quem sabe e quem quer”, dispara.
Para ele, não é válido se tentar criar esse apelo. “Se não sai das ruas, se não é verdadeiro, não rola. No dia que acontecer uma coisa que sair das ruas, pode ir para outros terreiros e ganhar o mundo. Se for uma coisa forjada, nos bastidores, não adianta, o povo não legitima”, pondera.
A respeito de suas últimas apresentações em São Luís, seguindo o estilo Vip, com cadeiras ocupando boa parte do espaço, o que (teimosamente) os produtores culturais insistem em fazer, Zeca Baleiro diz: “Eu detesto essa cultura. Não gosto de me sentir Vip em nenhuma
situação. Não gosto desse formato que é excludente”. Tocar no Maranhão tem suas peculiaridades. “Se alguma coisa dá errada teu irmão liga, teu primo liga. Na verdade, tem até uma cobrança maior para que a performance saia mais bacana, eu fico um pouco mais tenso talvez. Por outro lado é um prazer que não tem em nenhum outro lugar. É uma alegria única, é um encontro com o público, muita gente que viu o trabalho nascer, tem um caráter especial”, diz.
Ele diz que a homenagem à Maria Aragão é mais do que justa e merecida. “Quando me falaram que a razão do show era essa, fiquei mais animado ainda”.
Para Zeca Baleiro, existe no Maranhão uma cultura de clientelismo cultural que atrapalha muito. “Sempre estão esperando que o Governo faça, que a secretaria de cultura faça, e nunca se cria um mercado consumidor, para que o artista seja mais independente”. Ele concorda que a cultura não pode ser institucionalizada. “Se a pessoas partirem, elas próprias para fazerem suas coisas, vai uma hora se abrir uma fenda e para se consolidar um mercado consumidor”, profetiza. Ele afirma que, hoje, isso é bem mais fácil de se consolidar, do que há quinze anos atrás, quando ainda estava em terras maranhense. “Acho até que o governo tem que ter responsabilidade com a cultura mas, isso não tem que ser a única possibilidade de se fazer alguma coisa”.
“Jamais abolerar o acaso”
“Eu ouvi muito rádio, e atribuo a ele o fato de ter criado um gosto pela música muito livre, sem preconceito, ouvia de tudo: brega a música pop. Música regional: Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro. Meus pais ouviam muita música. Acho que uso essas referências de
algum modo no meu trabalho”.
Segundo o “poeta infame dessa multidão”, não é só a música que influência a música. Um filme que você vê, um livro, a própria vida. “O cinema é uma coisa que me inspira muito. Sou fissurado. É algo que sempre abre mais um pouco a cabeça”.
Zeca Baleiro tem um carisma muito grande, inclusive, com a rapaziada de um estilo musical ainda muito marginalizado. “O rap é uma coisa que quando eu ouvi pela primeira vez, fiquei muito impressionado. Primeiro, porque eu já tinha muita admiração pela linguagem do embolado, do repente, que é o nosso rap. Presenciei emboladores na minha cidade e isso me marcou muito. A velocidade do raciocínio, a manha que a partir de um mote improvisar. E na origem, o rap é isso”.
Muito consciente ele afirma: “Eu não sou um rapper, mas nada me impede de fazer rap. Ideologicamente também tenho afinidade com aquilo. Ainda é uma força de expressão muito grande e uma ferramenta dos excluídos”.
De acordo com o “poeta beat”, música é entretenimento e também, veículo de formação crítica. Tudo junto num mesmo papel trançado. “São as duas coisas, não pode perder de vista a diversão, porque senão, vira uma tese de Sociologia”.
Para ele, música pode ser feita para diversão, mas, entretanto, se pode aguçar o senso crítico do público. “A música que eu faço é isso”, resume.
“Malandro vai pro norte, enquanto os patos vão pro sul”
Zeca comenta sobre sua chega no eixo Rio-São Paulo. “Eu estava mais pra pato do que pra malandro. Foi difícil como todo começo, na verdade eu nem sabia o que eu queria. Não era tão seguro do que eu fazia. Não sabia que, o que eu fazia, tinha valor para mais pessoas’. Ele destaca que sempre foi muito perseverante, inclusive, foi assistente de estúdio para pegar o “approach” tecnológico. “Sempre tive interesse em aprender, em fazer as coisas”. Ele comenta que, neste instante ganhou espaço, primeiramente os “alternativos” e ai, deu no que deu. “Encontrei outras pessoas, a Rita Ribeiro, o Chico César, foi-se formando ali, um grupo que acabou sendo um movimento (não deliberado). Era gente com alguma afinidade de pensamento e isso ganhou força diante do mercado”, lembra.
Zeca concorda que seria interessante, se manter um núcleo de resistência cultural nas cidades de origem. “Acho importante que tenha. Tem gente segurando a onda: Tem Josias Sobrinho, César Teixeira, Joãozinho Ribeiro, Chico Saldanha, muita gente boa segurando a
peteca. Eu não tenho planos de voltar para cá, embora goste sempre de estar aqui. Quero culturalmente me aproximar cada vez mais. Tenho muitos projetos para desenvolver, ainda não tive calma e tempo”.
A respeito do Fórum Municipal de Cultura, majestosamente organizado por Joãozinho Ribeiro e uma rapaziada, ele diz: “Acho que a grande tendência, uma vez que faliram os poderes constituídos, na sua missão, de salvar o mundo”, entre risos, comenta. “É um caminho, é por aí que se vai deslumbrar uma novo jeito de se fazer, porque os velhos faliram. A sociedade civil se acha muito responsável por isso”.
“A mídia é igualzinha a língua da vizinha”
Zeca Baleiro chamou muito a atenção do público, em seu penúltimo show na ilha (Multicenter Sebrae) quando citou esta frase do grupo “Novos Baianos”. “É uma música que eu gosto muito, porque brinca com essa coisa de como as coisas se dão. A mídia esta ai, é uma entidade, você pode usar beneficamente ou não”.
Ele lembra que nunca foi pedir para colocarem sua música na trilha da novela. “O caminho é esse fazer com que ela venha até você”. Ele lembra que não vai a lugares, a programas que se exponha. “Vou onde eu possa mostrar a minha música. Vou no Faustão, na Hebe. Agora se for para pagar mico eu não vou, não me interessa”, explica.
Zeca Baleiro acha normal que algumas das pessoas que admiram o seu trabalho, ficassem decepcionados por ele ter ido no programa do Faustão. “É normal. Eu também ficaria decepcionado com algumas pessoas, caso fossem. Mas, é o meu trabalho, aquele é um espaço que você está ocupando que poderia ser de um idiota. Como eu não me considero idiota, eu fui”.
“Morena, se eu pudesse eu te dava a minha língua e meu coração, se eu fosse o dono do mar, dono do Maranhão”
“Eu tenho uma postura que é muito clara quanto à situação política no Estado. Eu não tendo para lado nenhum. Minha política é fazer música, não acredito em salvação pelas vias políticas, não tenho nenhuma ilusão à respeito”, falou o Baleiro.
(*) publicado originalmente na Folha do Maranhão
(*) Acadêmico de Jornalismo e História, músico, seguidor de trihas do Universo Paralelo sem um único verso