Proscritos no Dia do Quadrinho Nacional

Certamente intencional a escolha da data de hoje para Beto Nicácio lançar seu mais novo álbum. Proscritos chega ao mercado logo mais às 19h, na Galeria do SESC Deodoro, quando o autor distribuirá sorrisos e autógrafos e discutirá O quadrinho no Brasil: produção e mercado, tema da mesa que precede o lançamento em si, que ele dividirá com Bruno Azevêdo, Iramir Araújo, Rôm Freire e Zilson “Zeck”, nomes sempre lembrados em se tratando de uma cena local de HQs.

No lançamento o livro será vendido por 30 reais e haverá ainda coquetel e sorteio da promoção realizada no blogue de Proscritos.

Abaixo, a homenagem de André Dahmer à classe.

Onde o reggae era a lei

Prefácio do livro Onde o reggae é a lei [Edufma/ Pitomba, 2013], de Karla Freire.

OTÁVIO RODRIGUES

Conheci São Luís e o Maranhão por causa do reggae, em 1988. Era uma reportagem pra revista Trip, mas acabei participando de um seminário sobre o tema e vivendo situações que bem dariam um filme. Eu era fã há algum tempo, visitara a Jamaica, escrevia sempre a respeito, mantinha uma coluna com novidades da músi­ca negra nas páginas da Somtrês. Acho que, assim como a maioria dos poucos que cultuavam o gênero no Brasil, eu sabia direitinho quem era Gregory Isaacs, I Jah Man, John Holt e Augustus Pablo, mas nunca tinha ouvido falar de Clancy Eccles, Jackie Brown, Keith Poppin e Jimmy London. E eram artistas excelentes, música de pri­meiríssima qualidade!

Durante alguns dias, zanzei nas festas das grandes radiolas e também nas das mais toscas. Estive com radialistas e djs, dança­rinos e colecionadores, entre outros personagens de um fenômeno cultural tão rico e inverossímil quanto o original. Lembrava o es­quema jamaicano do meio dos 1970, mas com um toque brasileiro, nordestino e nortista, caboclo. Não era uma cópia. Nos táxis, nas ruas, no som das lojas de eletrodomésticos, no rádio da cozinheira e até no vento, vindo de um não sei onde e ecoando apenas os super­graves, tudo era reggae. Os ônibus tinham rádio e os motoristas su­biam o volume quando os programas começavam. Nos salões havia casais naquela estica – oshomens de calça social, sapato e camisa de manga comprida, as mulheres de vestido no joelho.

Até então, eu não sabia que São Luís também era uma ilha – apenas uma de várias coincidências com sua prima caribenha. Como não observar, por exemplo, a cumplicidade rítmica do tam­bor de crioula com o nyahbinghi, batuque dos rastas? Ou que a Casa Fanti-Ashanti, terreiro histórico e influente, trazia essa peculiar re­ferência à nação Ashanti, uma das principais provedoras da alma caribenha? Enfim, na minha cabeça as esculturas do Palácio dos Leões deslizavam sobre as cores do Sampaio Correia, compondo um diorama da bandeira da Etiópia.

Estou prospectando a terra dura da memória atrás da essên­cia desse primeiro encontro, já que alguns episódios me colocaram em delírio, desconfiado de estar vivendo uma experiência supra­dimensional. Ungido pelas baixas frequências e exposto demais ao sol, cheguei mesmo a pensar que tinha aberto um portal ou mer­gulhado num túnel fantástico, absorvido num vórtice do tempo. Como um Jurassic Park ou uma aventura de Júlio Verne, me vi ali, no meio dos dinossauros e atravessando a lava dos vulcões, perdido nos horizontes de uma Jamaica já extinta.

Pois estávamos no final dos anos 1980, quando o reggae ain­da era meio cult em São Paulo e no Rio, restrito a alguns círculos do movimento negro e entre os surfistas, que voltavam de viagens internacionais com as mochilas derramando discos e fitas. Tirando a Bahia, o grande público achava que a coisa se resumia a Bob Mar­ley, Jimmy Cliff, Peter Tosh, Gilberto Gil e pronto – e quase sempre associada à ideia de verão e praia, esse lugar comum e equivocado. Ora, dava até tontura descobrir que o hit parade do Maranhão igno­rava a cobertura nacional de rádio e tv e, mais ainda, que também fora da Jamaica o reggae podia ser coisa dos mais pobres e dos mais pretos, e não apenas um lance legal dos entendidos e da juventude bronzeada.

Mil novecentos e tape-deck

Naquela ocasião, infelizmente, não haviam sido ainda conce­bidos este trabalho de Karla Freire nem o que dignamente lhe pre­cede e referencia, Da Terra das Primaveras à Ilha do Amor, do pro­fessor Carlos Benedito Rodrigues da Silva. Juntas, essas obras são o ponto de partida para qualquer estudo, reportagem ou tentativa de se compreender ou explicar o reggae no Maranhão – se é que isso é mesmo possível.

Com dedicação, talento e um gosto chamativo pelo objeto de sua pesquisa, Karla puxa a história do começo e faz sobrevoos inéditos nos acontecimentos dos últimos vinte anos, comprovando o contínuo processo de mudanças. Demonstra que, do esforço ou participação de todos os envolvidos – incluindo o público, natural­mente –, resulta algo original e único que não corresponde ao ideal de qualquer um em particular. Parece ser esse o bicho vivo do qual estamos falando, a tal Jamaica Brasileira, uma entidade que se reno­va a cada temporada, pra não dizer diariamente.

Como é comum nas epopeias, há controvérsias sobre a gê­nese. Foram as ondas de rádio trazendo músicas do Caribe? A si­milaridade com os ritmos dançantes da ilha? Alguém que tinha os discos e começou a tocar? Ou uma combinação de tudo isso? Se­gundo o cantor Jackie Brown, no meio dos anos de 1970 a produtora jamaicana Sonia Pottinger (1931-2010) – uma das raríssimas representantes femininas no ofício – colocava seus lançamentos nas mãos de marinheiros, convicta de que alcançariam outras praias. Teriam alguns desses pacotes de bolachinhas chegado à costa norte brasileira? O fato é que Riba Macedo, tido como um dos pioneiros do Maranhão – para muitos, o próprio Adão –, comprou seu pri­meiro disco de reggae no comércio informal das calçadas de Belém do Pará, um dos portos brasileiros de maior comunicação com o Caribe. É um ponto que ainda merece pesquisa e, de pronto, suscita uma pergunta: por que a moda pegou primeiro no Maranhão e, só mais tarde e por tabela, no Pará?

Mas, além de possuir discos exclusivos e insistir em tocá-los nas festas, o radioleiro Riba parece ter se envolvido ainda em outro acontecimento crucial: o primeiro tape-deck, em 1975. Com esse equipamento, podia copiar os discos para fitas cassete e partilhar as músicas com os amigos, vários deles radioleiros também. Ele con­ta ter surpreendido muita gente com a novidade: “Uma vez, numa vesperal lá no Filipinho, veio um moço forte, falou: ‘Tu é que é Riba Macedo? Ô, rapaz, o que você tem de novo aí, diz que tem um jogo de luz, um tal de trepideque…’ Não, rapaz, é tape-deck! ‘Como é que é isso?’ Peguei uma fita e botei pra funcionar. Comprei em Belém. Ninguém tinha.” Como se sabe – e a pesquisa de Karla não deixa es­capar –, o cassete reinou nas festas e programas de rádio ao longo da década de 1980, até a chegada do mini disc (MD). Guarnecida por uma cápsula plástica que lhe protegia do pó dos terreiros e quintais da periferia de São Luís, executada por um sistema imune a solavan­cos e quedas de energia, a fita foi o meio físico da consolidação do reggae no Maranhão.

A era do breggae

Outro advento técnico importante é o da radiola de mesa, que colocou os djs de frente para o público e lhes abriu caminho para performances mais entusiasmadas ao microfone, inclusive com alguma participação sobre as músicas. A cena reggae do Maranhão virou do avesso. O primeiro a abandonar o móvel vertical foi Natty Nayfson, em meados de 1995. Infelizmente, um dos talentos mais explosivos dessa nova configuração, Antônio José Pinheiro Silva, o “Lobo”, morreu em 1996, não tendo tempo de desenvolver técnicas mais elaboradas e, quem sabe, deixar um legado mais contundente. O fato é que, a despeito de seu papel revolucionário, a radiola de mesa não produziu djs como os do estilo jamaicano, que dominam o microfone e têm realmente o que dizer, a ponto de se tornarem grandes artistas e lançarem discos como intérpretes.

Antonio José, o "Lobo" em ação
Antonio José, o “Lobo” em ação

O privilégio estava reservado a cantores como Dub Brown, Toty, Rosy Valença, Ronnie Green e outros dessa geração, que ir­rompeu no século 21 em mais uma onda de mudanças patrocinada por um equipamento: o computador. Ora, em pequenos estúdios adaptados na garagem ou no quarto dos fundos, com o auxílio de um teclado, um microfone e um violão – afora algum talento –, dá pra fazer melôs parecidas às dos gringos. Parecidas mesmo, porque esse novo cancioneiro flutua em um mar de referências, fisgando linhas melódicas que remetem aos clássicos das radiolas e arranjos que o aproximam do brega. Apesar dos mimetismos, não há similar no mundo: esse “breggae” feito hoje no Maranhão é mesmo uma coisa de louco.

Mas é possível contar tudo isso de outro jeito, retomando o episódio de Riba Macedo nas calçadas de Belém e, daí, as aventuras de afamados djs e colecionadores como ele. Porque a lavra dessas pedras é uma ciência e possui, também, sua arqueologia – as levas de discos compradas no Rio e em São Paulo, as que eram trazidas ou enviadas da Europa, a garimpagem nos baús de velhas lojas e estú­dios de Kingston. Dá pra percorrer a linha do tempo observando a evolução na maneira de dançar ou no modo de vestir e, de novo aí, resgatar os acontecimentos e personagens que fizeram essa história. A obra de Karla Freire, nesse sentido, é um tesouro. Certamente, vai inspirar muitos outros estudos sobre o tema.

&

Otávio Rodrigues foi o apresentador do primeiro programa de reggae no rádio brasileiro. É uma enciclopédia ambulante do assunto e um dos jornalistas que inspiram este blogue (pena o Bumba Beat nunca mais ter sido atualizado).

Onde o reggae é a lei é a adaptação da dissertação que Karla Freire apresentou ao Mestrado em Ciências Sociais da UFMA, onde já havia se formado jornalista e se especializado em Jornalismo Cultural. O nome da editora Pitomba, de seu marido Bruno Azevêdo, aparece lá em cima por que são dele a edição, pesquisa de imagens e projeto gráfico.

O livro terá mini-turnê de lançamento em São Luís entre amanhã (25) e segunda-feira (28). As noites de autógrafos em outras capitais já estão sendo armadas. Confira a programação na Ilha:

Divulgação

Intervalo comercial

A vizinhamiga Danyella Gomes produziu um vídeo para um trabalho escolar (está no 3º. ano, no Colun). No “anúncio de telefone” aparecem minhas sobrinhas Mariana (10), Manuela (6) e Maria Clara (3). Ok, são sobrinhas de minha esposa, minhas por tabela, portanto, mas isso não diminui o orgulho que tenho destas talentosas atrizes mirins.

Artistas, eu diria!: elas cantam, imitam, escrevem, desenham… e a gente se diverte.

Carnaval de passarela: uma decisão que pode apontar novos rumos para a Cultura de São Luís

A certamente difícil decisão de não realizar o carnaval de passarela em São Luís é a primeira prova de fogo do presidente da Fundação Municipal de Cultura (Func) Chico Gonçalves e sua equipe. O órgão publicou hoje uma nota comunicando-a.

As opiniões certamente se dividirão, uns poucos apoiando a decisão, outros, a grande maioria, acreditamos, contrários a ela.

A Func não tomou a decisão sozinha: antes, as associações de blocos e união de escolas de samba resolveram que seus grupos filiados não participarão do desfile após o anúncio do não pagamento de cachês pelo poder público municipal, diante da terra arrasada deixada pela gestão de João Castelo (PSDB).

Ainda que não propositalmente, a suspensão do carnaval de passarela pode ser o primeiro passo para que se rediscuta o modelo de financiamento das manifestações culturais destas plagas, não só no carnaval, desejo expresso na nota hodierna.

Alguns exemplos e questionamentos. As cervejarias estão entre as empresas que mais lucram com a festa de momo, inclusive com bastante participação deste blogueiro, mas investem pouco ou quase nada. Que escola de samba ou bloco carnavalesco, em qualquer grupo e/ou categoria, tem se preocupado com a sustentabilidade para além dos cachês recebidos anualmente no período? O fomento à cultura é dever do Estado, mas deve ser promovido de acordo com os princípios da administração pública.

O fato é que há muito, grupos políticos têm se apropriado de manifestações culturais, inclusive inventando-as, em prol da legitimação deste ou daquele político, quando esta avaliação cabe às urnas, de preferência sem a maquiagem de “amigo da cultura (popular)” que tão bem lhes cai nas caras de pau (esta não é uma metáfora para as máscaras comumente usadas pelos fofões em nosso carnaval).

Seria precipitado dizer que a não realização do carnaval de passarela é uma decisão acertada ou um engano. Ela é fruto da atual conjuntura e certamente pega a todos de surpresa: gestores públicos, agremiações carnavalescas e principalmente a população. O cancelamento da passarela em cima da hora mostra também que aquele pedaço do carnaval é feito no improviso, a grande maioria dos grupos esperando pingar o troco do poder público para adquirir fantasias e preparar os carros alegóricos, alguns ficando prontos apenas na concentração. Vejamos quantos blocos e escolas de samba realizarão desfiles, bailes, festas em suas próprias comunidades, frutos dos esforços de seus dirigentes, brincantes e simpatizantes.

A decisão pode parecer radical, mas havia a possibilidade real de, mesmo com cachês garantidos, blocos e escolas não irem à avenida, ao menos alguns: com vistas à reeleição, o ex-prefeito João Castelo inflacionou cachês de agremiações em 2012. O resultado nocivo percebemos agora. Superá-lo pode deflagar outra política cultural.

Música maranhense: silêncio da/na Rádio Universidade FM

Quando li este texto no blogue do jornalista Henrique Bóis, fui tomado de imediato por um misto de raiva e nojo. Imediatamente resolvi reagir e vomitei alguns parágrafos em que me mostrava indignado com a transformação, de uns tempos pra cá, da Rádio Universidade FM em apenas mais uma rádio comercial entre as outras do dial. Que a Radiun, como é carinhosamente chamada pelos que a fazem, deveria ter um papel de laboratório, de vanguarda, sem preocupações primordiais com lucros etc. Que seria contraditório o confinamento da música maranhense aos horários do diário Santo de Casa (apresentado por Gisa Franco, de segunda a sexta, das 11h ao meio dia) e do semanal Chorinhos e Chorões (aos domingos, das 9h às 10h, por RicarteAlmeida Santos), cujo apresentador cheguei a ouvir para escrever um texto cujo rascunho, jogado direto no wordpress e não esboçado em word, como de costume, não foi salvo. Por que liguei para Paulo Pellegrini e este negou a veracidade das afirmações de Bóis e as aspas de suas falas no texto, embora o tenha feito de maneira muito tranquila, em minha opinião.

Cheguei ao texto de Bóis através do compartilhamento do mesmo pelo cineastamigo Murilo Santos, em seu perfil no Facebook. Em resposta, nos comentários, marquei Murilo, Paulo Pellegrini e Henrique Bóis, após o telefonema ao segundo. Só o primeiro respondeu, dizendo aguardar um pronunciamento oficial da Rádio Universidade FM.

Ontem (só li hoje) recebi por e-mail o texto abaixo, do compositor e jornalista Cesar Teixeira, sobre o mesmo fato.

Este blogue continua aguardando manifestação da Rádio Universidade FM sobre o assunto.

SANTO DE CASA NÃO FAZ MILAGRE

CESAR TEIXEIRA

Fiz parte de uma geração de estudantes e professores que lutou pela criação de uma gráfica e uma rádio dentro da UFMA, no início dos anos 80. Exatamente para implodir o modelo autoritário que impedia a universidade de cumprir o seu papel social, interagindo e contribuindo com a comunidade para garantir a cidadania e o direito constitucional à informação.

É triste hoje constatar que a Rádio Universidade FM, gerenciada pela Fundação Souzândrade, está querendo jogar fora o seu script ético, passando a discriminar os artistas maranhenses que mais têm contribuído para o sucesso da nossa música. Isso outros canais de comunicação já fazem no Maranhão. Será que o jabá ideológico também se apropriou da emissora?

Tive informação de que ingressos oferecidos pela produtora de um show do compositor Josias Sobrinho não poderiam ser divulgados nos programas jovens da emissora, conforme teria determinado o coordenador geral, Paulo Pellegrini, ficando limitados aos programas Santo de Casa e Chorinhos e Chorões.

Não deixa de ser esquisito excluir os jovens, excluindo o artista. Pior ainda. Segundo o blog do jornalista Henrique Bóis, o diretor afirma que se o público da rádio “acaso fosse a um show de músico maranhense teria uma péssima impressão, principalmente de alguns (…) compositores que se aventuram a cantar”.

Que público será esse que teria má impressão da nossa música, que a própria rádio tanto se empenhava em divulgar? Não faz sentido. Parece até uma tentativa de ressuscitar a antiga censura prévia em uma emissora pública, cujos projetos também dependem de empresas como a Vale e a Alumar, de interesses culturais duvidosos.

Como lembra o jornalista, eles utilizam “a mesma música que rejeitam para convencer os patrocinadores” do Prêmio Universidade FM, que distribui anualmente troféus para artistas e produções culturais que mais se destacaram.

A verdade é que Santo de Casa não faz milagre. Ou faz?

Para todos os efeitos, é lamentável que a direção da rádio tenha transformado a música maranhense em merda, e agora esteja pisando nela.

Sobre o assassinato de “Piauí”: uma reflexão necessária

O coro dos contentes foi quase uníssono, com sentenças como “esse aí não rouba mais ninguém!” e “bandido tem mesmo é que morrer!”, além de a mulher ter sido alçada pela mídia e pela população por ela influenciada à condição de mais nova heroína, pela “bravura” de seu ato. Ouvi por aí até lembranças de Kate Mahoney, personagem de Jamie Rose nA dama de ouro de meados dos 1980…

O juiz Aureliano Neto fez, nO Estado do Maranhão de ontem (13, acesso exclusivo para assinantes com senha), uma interessante e corajosa reflexão, leitura necessária. Grifos nossos. Agradecimentos à amiga Cinthia Urbano, pela dica.

SEREI ADVOGADO DO DIABO, MAS SEREI

AURELIANO NETO*

O fato mais recente e muito comentado pelas páginas e noticiários policiais é a morte do assaltante Auclines de Menezes Costa, cuja alcunha no mundo da criminalidade é Piauí. As notícias até agora divulgadas pela mídia local dão conta de que Auclines Costa, o Piauí, de 39 anos idade, na manhã de terça-feira, dia 7 deste ano, na porta da agência do banco Bradesco, após ter realizado um assalto (ao que tudo indica, roubo, pois o praticou de mão armada), foi morto com dois tiros de pistola, calibre ponto 40, cujos disparos lhe atingiram a cabeça. Até a elaboração deste texto, consta que se trata de uma atiradora, segundo afirmam, exímia atiradora, que abateu a agora vítima com dois certeiros tiros na cabeça. Também diz o noticiário que foi identificado o veículo que era conduzido pela mulher-exímia-atiradora. O noticiário chega a afirmar que se trata de uma mulher com extrema habilidade no manuseio de uma arma de fogo, havendo dúvida se é policial ou não, ou alguém que exerça atividade na área de segurança privada. São dúvidas, uma vez que as investigações estão sendo realizadas para que se possa chegar aos fatos concretos. O certo é que alguém matou alguém. Conduta típica prevista no artigo 121 do Código Penal, qual seja: crime de homicídio. Se a vítima era assaltante ou não, isso pouca relevância tem na caracterização do delito na sua tipicidade. O que pode haver, na apuração dos fatos, ao exame das provas, é concluir-se, mediante o devido processo legal, pela exclusão da ilicitude (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito), se for o caso, ou ainda pelo privilegiamento da conduta (homicídio privilegiado), e mais a redução da pena, em face do exame da culpabilidade do agente da prática delitiva.

Nada obstante tudo isso, a voz corrente é que a mulher, autora dos disparos e da morte do assaltante, é uma nova heroína de nossos noticiários. Ou seja: agiu como deveria ter agido, matando o assaltante, que horas antes, ao apontar-lhe uma arma, lhe subtraíra a bolsa, não se sabendo se cheia de dinheiro ou contendo apenas documentos. As informações a esse respeito são escassas, até porque as investigações, creio eu, com a abertura do inquérito policial, estão em fase de processamento inicial. Todavia, a materialidade do crime, ou do fato (caso venha a se concluir por excludente de criminalidade), está devidamente comprovada. Há um morto, cuja vida lhe foi tirada mediante o uso de arma de fogo, com dois tiros na cabeça. Numa rápida conclusão: quem atirou (mulher, delegada ou não, mas exímia atiradora), não pretendia apenas lesionar a vítima. Ao contrário, o fez com o animus necandi, como dizem os criminalistas, ferindo-a mortalmente na cabeça, quando já não representava nenhum perigo. A subtração, mediante ameaça de arma, já havia se concretizado, e a vítima fugia do local do crime.

A esse respeito, o noticiário da mídia (jornal O Estado do Maranhão, Polícia, p. 6, 09/01/201) informa que “uma testemunha afirma que a mulher esperou que o assaltante se afastasse, empunhou a arma e atirou contra o homem de forma certeira. Essa mesma testemunha conta que o bandido caminhava em direção a um homem que o aguardava ali em frente, em uma moto, quanto foi morto; e que a atiradora ainda desceu do veículo, pegou sua bolsa de volta, e deixou o local antes mesmo que o motoqueiro fugisse”. Se esse testemunho for ratificado, na polícia (no inquérito) e em juízo (na ação penal), e outras provas o corroborarem, é quase impossível admitir-se a configuração de excludente de ilicitude. O crime de homicídio, o fato delituoso em si, está perfeitamente caracterizado, porquanto, como colocado nesse relato, se trata de brutal execução de um ser humano, ainda que assaltante perigoso e contumaz, como afirmam os noticiários policiais e os dados sobre a sua vida pregressa, registrados na polícia. A não ser em casos excepcionais, previstos na lei penal, a ninguém é dado o direito de matar o seu semelhante.

Os fatos devem ser apurados com isenção de ânimo. Delegada ou não, pouco interessa. Do mesmo, sendo a vítima dos disparos, assaltante (nego-me a usar a expressão bandido; considero-a midiática e indigna) ou não, trata-se de uma pessoa que foi morta, quando sua vida, até mesmo em face do patrimônio subtraído (uma bolsa, e aqui entra o sopesamento da razoabilidade dos bens jurídicos), deveria ser preservada.

Assim, os fatos devidamente apurados e processados, é que devem levar, em face do exame das provas, à conclusão se houve excludente de ilicitude, ou privilegiamento do homicídio, ou, ainda, redução da pena a ser imposta, em face da circunstância que moveu a autora a matar dolosamente o assaltante. O que não se pode é ficar com a ideia (diga-se medieval) de que o que foi feito, foi bem feito; era um assaltante (ou bandido, como o alcunha o noticiário) e, por isso mesmo, deveria morrer. O Ministério Público estadual deveria estar (e creio que está) acompanhando as investigações, para que a emoção de fatos tão relevantes não encubra o fato real, a ser esclarecido ante as provas. Do mesmo, a OAB, através da sua ativa comissão de direitos humanos.

Fiz questão de rotular o título acima, porque sei que há um ânimo (equivocado) de entender que a morte de Piauí, como é conhecido no mundo do crime, foi um assassinato necessário. Essa pode ser uma verdade, porém não é bem essa a verdade, sobretudo quando as pessoas, se seguirem esse exemplo, começarem a fazer justiça pelas próprias mãos. Voltamos a viver a barbárie da vingança privada, há muito já enterrada na história do homem e do Direito Penal.

*Aureliano Neto é membro da Academia Imperatrizense de Letras e juiz de Direito em São Luís/MA. Seu e-mail é aureliano_neto@zipmail.com.br

Tempo de Pitomba!

Joacy James

Há quem não goste de pitomba, a fruta, pelo excessivo trabalho, haja paciência, que ela dá para ser apreciada: tirada a casca, rói-se até o caroço, um quase nada azedinho de prazer.

Há quem não goste da revista com nome de fruta, vai entender, talvez por razões opostas. A Pitomba chega ao quinto número, fruto dos esforços de um pequeno time de talentosos teimosos: Bruno Azevêdo, Celso Borges e Reuben da Cunha Rocha, todos por demais conhecidos dos poucos mas fieis leitores deste blogue.

Não merecesse apreciação por nada, a revista por si só já estaria escrita entre nossas grandes revistas de artes por alguns motivos. E eu não tou falando de nosso quintal-Maranhão.

Juntar estas três cabeças pensantes em um projeto, o primeiro, escritor hoje reconhecido nacionalmente, o segundo, um poetaço, teimoso que já fazia revistas antes mesmo dos outros pares terem nascido (saibam: não é fácil manter acesa essa chama), o terceiro, hoje morando em São Paulo, talentoso poeta, competente tradutor.

Fazer uma revista bonita, a baixo custo, mapeando talentos, mesclando artes visuais, poesia, sacanagem, literatura, hq, bom humor.

Meter as mãos nos bolsos, quando o patrocínio e as vendas em bancas não cobrem os custos (o que sempre acontece!).

Louvem-se a livraria Poeme-se e o bar Chico Discos: nossas multinacionais culturais locais não são megaempresas, mas têm colaborado um bocado ao longo dos últimos anos para iniciativas inteligentes, interessantes. São as duas únicas logomarcas que aparecem nas páginas da revista, oxalá sirvam de exemplo a outros pequenos, médios, grandes empresários.

Abre este post um cartum bomba inédito do saudoso Joacy James, uma das artes nas páginas desta Pitomba number five. Há ainda fotos de André Lucap (a capa é dele também), traduções de Samarone Marinho (de poetas argentinos) e Reuben da Cunha Rocha (e. e. cummings), poemas de Celso Borges, contos do pernambucano Fabiano Calixto, quadrinhos de Bruno Azevêdo, Rafael Rosa e Ricardo Sanches.

O lançamento é hoje às 19h, no Chico Discos.

De obituários

São ridículos os obituários do apresentador Jairzinho da Silva, morto na última sexta-feira (4), vítima de um ataque cardíaco. Das três, uma: ou o homem não tinha qualidades que merecessem registro e/ou destaque ou ninguém o conhecia e/ou admirava tanto a ponto de realizar um belo texto. Ou simplesmente a incompetência para a redação de um obituário decente reflete o atual cenário jornalístico do Maranhão.

Como sempre por aqui, optou-se pela santificação que faria corar o próprio defunto, se isto fosse possível. Na Sarneylândia a morte apaga quaisquer defeitos, basta lembrar do recente caso Décio Sá. Ou, antes, de Walter Rodrigues, para nos determos a jornalistas.

De uma hora para outra, baboseiras como “excelente vereador por três mandatos” e “referência na Comunicação do Maranhão” surgiram em textos paupérrimos, incluindo notas de pesar da Câmara Municipal e do Governo do Maranhão. Uns ainda lembraram sua condição de vice-prefeito quando a municipalidade foi comandada por Gardênia Gonçalves, esposa de João Castelo, recém-destituído. O tucano fez de tudo para superá-la em má-gestão, andando perto de conseguir, mas o título permanece com ela. Esse mês de atraso no salário dos barnabés é fichinha perto do que aprontou a ex-primeira dama quando prefeita. É claro que há aí, não neguemos, um quê de elegância e dignidade, de não dar conotação política à morte, muito embora o próprio Jairzinho, em vida, não tenha se preocupado muito com isso.

O apresentador era engraçado (para quem gostava), dizia alguns bordões, criou um boneco e a gíria “migué”, o nome do boneco, sinônimo de enrolação, golpe, hoje incorporada no “maranhês” que se fala por aqui. E só.

Imparcialidade jornalística não existe. Uma notícia sempre será a interpretação de um fato, um ponto de vista sobre determinado fato, nunca o fato em si. O problema é quando a “opinião” emitida por um jornalista não se resume às suas convicções e à interpretação do mesmo sobre determinado fato. Quando entram outros interesses, em geral escusos, no jogo, o que, infelizmente, movimenta a maior parte de nossa mídia, da tevê à blogosfera, passando por rádios e jornais, não sem um grau de irresponsabilidade.

Para ilustrar, lembro um recente episódio “dois em um”: o nome do cantor e compositor Zeca Baleiro foi proposto pela classe artística para assumir a presidência da Fundação Municipal de Cultura de São Luís na gestão de Edivaldo Holanda Jr., antes, é claro, deste assumir a prefeitura. Sabedor da repercussão da campanha sobretudo em redes sociais e do endosso de diversos artistas, Jairzinho não poupou preconceito ao supostamente alertar o então futuro prefeito de que se o mesmo fosse atrás de artistas, “a turma do fumacê”, estes iriam “queimar” o dinheiro do povo, numa clara alusão à tão maranhense diamba (maconha, traduzindo para os poucos mas fieis leitores de fora).

Depois, por isso chamo de episódio dois em um, Jairzinho chegou a afirmar em seu O povo com a palavra, programa que apresentou na TV Guará até falecer, que a gravação de Milhões de uns, disco de estreia de Joãozinho Ribeiro, em show ao vivo no Teatro Arthur Azevedo em novembro passado, seria um ato pró-Zeca Baleiro na Fundação Municipal de Cultura. E mais: que eles e Chico César integravam uma “esquadrilha da fumaça”, que tinham no repertório uma música chamada Mato verde (na verdade é Erva santa, de Joãozinho Ribeiro, já gravada por nomes como Papete e Fauzy Beidoun), e que os três estariam se juntando para exportar a boa maconha do Maranhão.

Este é apenas um pequeno exemplo do jornalismo cometido por Jairzinho, mas infelizmente não apenas por ele, para tentar esclarecer um pouco as coisas num ambiente de falsas lágrimas e elogios baratos.

Jairzinho, requiescat in pace.

Blablablá

Uma vez, a gente bebendo lá em Imperatriz, o Cuenca me disse que eu era “a cara do Pratinha”. Já não sei: do encontro com o autor de O único final feliz para uma história de amor é um acidente pra cá, ganhei peso mais do que devia. Outro dia uma queridamiga, que não sabia do que já havia me dito o escritor, disse a mesma coisa. É, talvez eu pareça um pouco, não sei… ao menos o Antonio Prata é engraçado, coisa que eu tento ser sempre, mesmo quando a maré não tá pra peixe.

Abaixo o cronista entrevistado por Ronaldo Bressane, na estreia do Blablablá, mês passado: