SISTEMA NACIONAL DE CULTURA
por Joãozinho Ribeiro*
“Não cabe ao Estado administrar a cultura do povo, em hipótese alguma. Nem dirigir ou administrar. Mas cabe ao administrador público oferecer facilidades para que essa fantástica criatividade popular floresça, se desenvolva, cresça. Se a política pública não previr isso, não atingirá os seus objetivos”.
(Danilo Santos de Miranda**)
Ao iniciar o presente artigo, tenho claro comigo não se tratar de um sentimento isolado, porém de algo que muitos intelectuais, artistas e produtores culturais em geral de nossa cidade gostariam de abordar e, talvez por falta de espaços adequados (na imprensa, fóruns de discussões, etc.), preferem confinar-se na solidão da arte ou nos seus respectivos ofícios de viver e de criar, enquanto o mundo permanece girando vertiginosamente aos seus redores.
Faço-o também por responsabilidade de pessoa sabidamente envolvida com o fazer e com a cidadania cultural no território humano e geográfico da nossa querida São Luís; sem maiores pretensões, a não ser a de contribuir para que o Prefeito Tadeu Palácio passe a se preocupar em construir as ferramentas necessárias e legais para inserir o Município no Sistema Nacional de Cultura, cujos protocolos de intenções já tiveram assinaturas confirmadas por importantes cidades brasileiras, como é o caso de Fortaleza e Cuiabá, no singular momento em que a Emenda Constitucional que cria o Plano Nacional de Cultura já se encontra praticamente aprovada pelo Congresso Nacional.
Para tanto, alguns pré-requisitos precisam ser cumpridos, como contrapartida e como demonstração do compromisso da administração em implantar o Sistema Municipal de Cultura:
1) ter um órgão específico na estrutura da prefeitura, com competência e autonomia para gerir as políticas culturais. Já o temos – a Fundação Municipal de Cultura;
2) um Conselho Municipal de Cultura, que assegure a participação da sociedade, de forma democrática e transparente nas decisões a serem tomadas para o setor. No momento encontra-se desativado, embora legalmente constituído;
3) mecanismos de financiamento da produção artística e cultural – Leis de Incentivo ou Fundos de Cultura. Possuímos os dois, porém encontram-se sem funcionamento; e, finalmente,
4) um Plano de aplicação de recursos, baseado em planejamento que estabeleça, a curto, médio e longo prazo, as metas a serem atingidas, que tenha como principal objetivo a universalização de direitos e serviços culturais.
Pelo exposto até aqui, creio ser o mínimo exigível para uma cidade que ostenta o orgulhoso título de Patrimônio Cultural da Humanidade e que tem a pessoa do Chefe do Executivo assentada na presidência da Organização das Cidades Brasileiras Patrimônio Mundial e, mais ainda: cuja administração tem merecido prêmios e destaques nas áreas da saúde, educação, limpeza urbana, paisagismo, etc.
No entanto, no campo em discussão, pode-se dizer que um verdadeiro cheque cultural em branco foi dado ao Prefeito de São Luís que, até o presente momento, não cuidou de preenchê-lo. Pré-datado ainda em plena campanha eleitoral de 2004, pelo voto de confiança da maioria dos eleitores, não foi alvo de nenhuma definição programática, nem mesmo de algum indicativo durante a propaganda gratuita no rádio e na televisão, não ocupando hoje espaço sequer no site oficial do Governo Municipal na internet. Quem sabe agora seja, já com certo atraso, o momento oportuno e conveniente para saldar esta inadiável dívida cultural.
Dois caminhos não excludentes entre si podem permitir perfeitamente ao Prefeito resolver a questão sem açodamentos e com a serenidade necessária exigida para o caso:
- a) a realização da I Conferência de Cultura da Cidade de São Luís, ainda este ano, principal reivindicação do V Fórum Municipal de Cultura realizado em setembro de 2004;
- b) a discussão de um Plano Diretor para a Cultura como instrumento democrático de preparação da Conferência, com amplo envolvimento de todos os atores e segmentos interessados no assunto.
O Estatuto das Cidades – Lei Federal n° 10.257, de 10.07.2001 – estabelece o prazo de outubro de 2006 para revisão dos Planos Diretores dos municípios brasileiros. Boa parte das cidades, que possuem modelos decentes de financiamento público da cultura, já fez a lição de casa e dedicou capítulos exclusivos para a questão cultural em seus respectivos Planos. Quando esta questão foi levantada no V Fórum Municipal de Cultura, na mesa que discutia justamente o tema “São Luís 400 Anos: Um Plano Diretor para a Cultura da Cidade”, chegou a causar estranheza para os demais debatedores, com alguns deles chegando mesmo a torcer o nariz. E, por incrível que possa parecer, eram, nada mais nada menos, que os próprios gestores das três esferas administrativas da Cultura, do Município, do Estado e do Governo Federal. Só espero que nos dias atuais já tenham atualizado os seus discursos e pensares a respeito do assunto. Até porque o Sistema Nacional de Cultura para ser implantado terá de ter o adequado suporte nas representações administrativas dos três entes federados.
O Governo Federal, representado pelo Ministério da Cultura (Minc), iniciou em março deste ano a celebração de protocolos de intenções com estados e municípios, para a implantação do Sistema Nacional de Cultura – SNC. Quatro estados e 62 municípios já aderiram ao sistema. O primeiro estado a assinar o protocolo foi o Ceará, e Fortaleza, o primeiro município. Assinaram também, com as respectivas capitais, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Acre, além de 53 prefeituras cearenses e sete acreanas.
Os estados e municípios signatários se comprometeram em consolidar e assegurar os planos, conselhos e fundos estaduais e municipais de cultura. Em contrapartida, o Minc criará condições administrativas e técnicas para a implementação do SNC.
Para termos idéia da magnitude do assunto, a Secretaria do Estado de Cultura do Espírito Santo, em parceria com os respectivos municípios, já iniciou a capacitação para o SNC através de oficinas de capacitação de agentes culturais. As oficinas vão até junho nas regiões noroeste, norte, sul, serrana e metropolitana do estado e o direcionamento será na realização de planejamento estratégico dos municípios para o desenvolvimento de projetos culturais e elaboração de Planos Municipais de Cultura para os próximos quatro anos.
No Ceará foi iniciado o processo de preparação de conferências de cultura intermunicipais com vistas também à realização da Conferência Estadual de Cultura e a Conferência Nacional de Cultura até o final de 2005. No dia 20 de maio, O Minc assinou o protocolo de intenções com o Estado de Alagoas.
No Maranhão, mais precisamente em dezembro de 2002, tive a satisfação de integrar a Comissão Estadual de Estudos para Implantação da Legislação Maranhense de Incentivo à Cultura, instituída pelo Governador José Reinaldo Tavares. Esta Comissão foi coordenada pelo presidente da AML, escritor Jomar Moraes, e dela saiu um anteprojeto que propunha a implantação do Sistema Estadual de Cultura, baseado no que existia, àquela época, de mais avançado, em termos de gestão cultural no país. Este documento foi entregue, em sessão solene na AML ao Governador, no mesmo dia em que era empossada a poetisa Laura Amélia. Até hoje este anteprojeto permanece inerte nas gavetas da burocracia estatal.
Creio ser este o momento oportuno para os Chefes dos Executivos Estadual e Municipal, saldarem esta dívida com a Cultura de São Luís e do Maranhão, preparando o terreno para a implantação do SNC e as suas respectivas projeções locais.
Nós, artistas, escritores, agentes e produtores culturais, lideranças comunitárias, professores, estudantes, dirigentes de ONGs e demais instituições culturais agradecemos respeitosamente todas as sinceras atitudes que forem tomadas nesta direção.
* poeta, compositor, professor universitário, coordenador do Fórum Municipal de Cultura, membro da rede mundial Artistas em Aliança por um Mundo Responsável, Plural e Solidário. E-mail: joabrf@bol.com.br
** diretor regional do SESC/SP e presidente do Fórum Cultural Mundial