Uma Céu mais selvagem

O Festival BR-135 acontece entre os próximos dias 28 e 30 de novembro, nas Praças Maria Aragão e Gonçalves Dias, no Centro de São Luís. O evento é realizado desde 2012, com produção do duo Criolina – Alê Muniz e Luciana Simões –, que esteve ontem em São Paulo para a premiação do edital Natura Musical, que selecionou o Conecta Música (braço formativo do festival) como uma das iniciativas contempladas para o ano de 2020.

Mês passado, o festival, em sua versão instrumental, chegou a Imperatriz, com atrações como Bixiga 70, Guitarrada das Manas, Camarones Orquestra Guitarrística e Manoel Cordeiro, entre outros; em 2017 o BR-135 teve pela primeira vez uma versão instrumental e este ano foi a primeira vez que o festival saiu de São Luís.

Um dos destaques entre as atrações da edição deste ano é a cantora Céu, cuja última apresentação em São Luís aconteceu justamente em 2014, no Teatro Arthur Azevedo, na programação do Festival BR-135.

Apká!. Capa. Reprodução
Apká!. Capa. Reprodução

A paulista lançou recentemente seu mais novo disco, Apká! [Urban Jungle/ Slap, 2019] base do repertório do show que apresenta na ilha, dia 30/11, às 23h, na Praça Maria Aragão. No mesmo dia, às 14h30, ela participa da programação do Conecta Música, em bate-papo mediado pela jornalista Andréa Oliveira, sobre “Mulher, criação musical e maternidade”, na Sala Japiaçu (Grand São Luís Hotel, Praça Pedro II, Centro). Toda a programação é gratuita.

Por e-mail, Céu conversou com exclusividade com Homem de vícios antigos.

Retrato: Fábio Audi/ Divulgação
Retrato: Fábio Audi/ Divulgação

Homem de vícios antigos – Qual a expectativa em voltar ao BR-135 em São Luís? Quais as suas lembranças do show anterior e da cidade?
Céu – Muita alegria em voltar pra São Luís, em reviver o festival, em poder dividir com essa terra linda meu som novo. É um lugar de muitas belezas, muita história, muita musicalidade, e que infelizmente eu vou menos do que gostaria.

Apká é uma expressão de surpresa usada por seu filho, mas bem poderia ser um termo indígena. Seu disco foi apontado como político, ao lado dos lançamentos de Chico César [O amor é um ato revolucionário, 2019] e Siba [Coruja muda, 2019]. Parece impossível não ser político no Brasil de 2019, não é? Como você tem acompanhado esse cenário, de avanço da extrema direita e sucessivos golpes, não apenas no Brasil?
E parece que é mesmo, descobri depois de já ter decidido que seria esse o título do meu álbum. Apká foi também apontada como uma palavra tupi, algo como “cadeira sagrada”, mas essa informação não me veio de forma muito segura, não tenho como certificar… Mas achei muito bonito. De qualquer maneira, foi um ano muito intenso, na verdade desde um tempo já as coisas estão caminhando para esse caos. Mas acredito que para acontecer uma revolução profunda, pilares muito estruturais precisam ser rompidos. E portanto o estrondo será enorme. Assistiremos e seremos parte mesmo de uma guerra anunciada, fruto de anos de descaso, corrupção, poder, descuido com tudo, com nós mesmos, com o meio ambiente, enfim. É grave. Mas mesmo assim sou uma otimista, acredito numa geração mais consciente.

O show no festival será baseado no repertório de Apká! ou um passeio por sucessos? O que o público ludovicense pode esperar?
Será um show bem quente, passeando bastante pelo disco novo mas sem deixar de lado canções dos outros também… Devo cantar um reggaezinho a mais… Afinal, né?

Seu disco novo mantém a parceria com Herve Salters [tecladista, compositor, cantor e produtor francês do General Elektriks] e Pupilo [ex-Nação Zumbi, baterista, marido de Céu]. Quais as principais aproximações e distanciamentos você apontaria entre Apká! e Tropix, sendo que aquele não é uma continuação deste?
Aproximação pela equipe mesmo, maravilhosos alquimistas, produtores sagazes e capazes de entender e gerenciar as minhas loucurinhas musicais. Isso não é fácil de achar, essa química… Mas penso que Apká! é um disco menos cerimonioso do que o Tropix, acho que aqui eles já se conheciam bem e sabiam pra quem estavam tocando a bola, sabe? No Tropix eles estavam ainda com mais cerimônia, tem algo mais hi-fi, mais definido, que amo também… Acho o Apká! mais selvagem. E traz referencias de soul e punk ao mesmo tempo.

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Veja o clipe de Coreto:

Ouça Apká!:

Teatro e política

Foto: Teatro Arthur Azevedo. Reprodução
Foto: Teatro Arthur Azevedo. Reprodução

 

Vindos do foyer os atores adentram o palco por uma lateral da plateia. Entram em cena cantando. Estão em busca de Ariano Suassuna (1927-2014), sua estrela guia. Ariano, o cavaleiro sertanejo, da companhia carioca Os Ciclomáticos, foi apresentada no palco do Teatro Arthur Azevedo na última sexta-feira (22), na programação da 14ª. Semana do Teatro no Maranhão, promoção da casa de cultura.

É um espetáculo impecável, que junta o teatro de comédia a canto e dança, com beleza e leveza. O figurino merece destaque. O grupo é feliz ao seguir a pista do homenageado, arquiteto do Movimento Armorial, equilibrando-se com desenvoltura entre o popular e o erudito.

Com seis atores em cena – Carla Meirelles, Fabíola Rodrigues, Getulio Nascimento, Julio Cesar Ferreira, Nívea Nascimento e Renato Neves –, a peça, escrita e dirigida por Ribamar Ribeiro, é dividida em seis partes, seis são as letras que escrevem o nome de Ariano. Como a palavra teatro. O texto passeia entre uma biografia cronológica de Suassuna e citações mais ou menos escancaradas a obras de sua lavra, com destaque para O auto da compadecida e O santo e a porca.

Com 23 anos de história e 12 peças no repertório, os cariocas da Ciclomáticos encarnaram bem o universo nordestino de Ariano Suassuna, afinal de contas, um de seus mais ferrenhos e aguerridos defensores, entre o fazer artístico (em teatro e literatura) e a gestão pública (chegou a ser secretário de Estado da Cultura de Pernambuco).

O componente político também comparece ao texto: quando lembram que o pai de Ariano Suassuna – João Suassuna era então presidente do estado da Paraíba, quando ele nasceu – foi assassinado por razões políticas, completam: “como Chico Mendes, como Marielle Franco”.

Longamente aplaudidos de pé, revelaram estar felizes por voltarem a São Luís – a peça havia sido encenada no próprio TAA no período junino – e tristes pela atual situação do Rio de Janeiro, sob a necropolítica de Wilson Witzel, e do Brasil sob o bolsonarismo.

O grupo vinha do Recife, onde apresentaram Ariano no Festival Recife do Teatro Nacional (dias 16 e 17/11), e de São Sebastião/SP, onde apresentaram Casa Grande e Senzala – Manifesto Musical Brasileiro no Dia da Consciência Negra.

Os Ciclomáticos festejaram a longevidade da Semana do Teatro e desejaram a continuidade do evento. Pela mesma lateral que entraram, saíram, cantando e tocando e recebendo ainda mais aplausos.

Encerramento – A 14ª. Semana do Teatro no Maranhão encerra-se hoje. Às 19h, no Teatro Arthur Azevedo, com encenação de Ensaio sobre a memória, da Pequena Companhia de Teatro (texto e direção de Marcelo Flecha, homenageado desta edição do evento, a partir do conto A outra morte, de Jorge Luis Borges, com Cláudio Marconcine, Jorge Choairy, Tássia Dur e Kátia Lopes), acontece a solenidade de premiação do evento.

O jornalista bolsonarista

No dia seguinte ao AI-5 a genialidade de Alberto Dines (1932-2018), então editor-chefe do Jornal do Brasil, driblou os censores de plantão. Reprodução
No dia seguinte ao AI-5 a genialidade de Alberto Dines (1932-2018), então editor-chefe do Jornal do Brasil, driblou os censores de plantão. Reprodução

 

Jair Bolsonaro sequer sabe que ele existe, mas o jornalista bolsonarista insiste em bajular o presidente, fazendo malabarismos argumentativos para justificar atos desastrados ou falas idem do invasor do Palácio do Planalto.

O jornalista bolsonarista, como de resto qualquer outro profissional bolsonarista (ou bolsonarista profissional), acredita estar acima do bem e do mal. Como seu ídolo (ou “mito”, como prefere/m) se elegeu e governa a partir de uma onda de mentiras – fake news é eufemismo! –, ele acredita que o fato de divulgar “informações” que interessam ao regime lhe dá alguma espécie de cumplicidade ou intimidade com o mandatário e seus asseclas.

Ilude-se o jornalista bolsonarista ao acreditar fazer parte de uma espécie de clube vip – nesse caso, o important da sigla pode ser substituído por idiot.

O jornalista bolsonarista acredita que nada o atingirá. Ele bate palmas para a censura, sem se importar que um dia pode ser ele o amordaçado. Ele aplaude o ataque sistemático à cultura, às artes e ao pensamento. E até mesmo ao jornalismo, em si.

O jornalista bolsonarista nada contra a corrente. Está sozinho, isolado. Os colegas de firma riem de sua cara, diante dele ou em sua ausência. Obviamente o jornalista bolsonarista já percebeu que o governo naufragou, mas aferra-se ao fato de ele ter sido “legitimamente” eleito.

O jornalista bolsonarista chega mesmo ao ridículo de recomendar a colegas identificados como “de esquerda” ou progressistas que guardem seus argumentos, que haverá novas eleições em 2022. Mas disso nem mesmo o jornalista bolsonarista tem certeza.

Na contramão da média, o jornalista bolsonarista parece querer comprovar a tese de Nelson Rodrigues, de que toda unanimidade é burra. Ele é o burro, a confirmar a regra rodrigueana, a livrar a firma da unanimidade.

O jornalista bolsonarista esquece, não sabe, ou finge não saber que o cronista genial só bateu palmas para os generais até o dia em que teve um filho preso e torturado, quando mudou o tom ao opinar sobre aquela outra ditadura brasileira.

O jornalista bolsonarista não sabe escrever sequer em português, mas recorre a termos em latim para dar um ar de sofisticação aos textos que escreve. O que é raro: em geral o jornalista bolsonarista prefere copiar textos prontos.

O jornalista bolsonarista é desonesto: às vezes copia textos alheios sem dar o devido crédito. É desleal mesmo com os que defendem os mesmos ideais que ele.

Talvez por isso os ataques do caudilho ao pensamento não lhe incomodem: ele já não consegue pensar, quanto mais sozinho. O ato de encaminhar mensagens que defendam o governo é automático.

Mas não digo que o jornalista bolsonarista seja uma piada. Ele é parte de uma engrenagem muito maior e nociva, um idiota útil a serviço de um projeto de destruição. Tão útil e tão idiota que cumpre seu papel voluntariamente. E sente-se satisfeito e recompensado por isso.

O jornalista bolsonarista é, como qualquer bolsonarista, um covarde. Um cão que só late por detrás de uma tela de computador ou celular, de onde profere impropérios contra qualquer um que ouse discordar de suas opiniões, mesmo que elas não se baseiem em nada além de convicções frágeis como um dente-de-leão.

Outro dia topei com um jornalista bolsonarista. Ele sequer me deu bom dia, empurrou a porta entreaberta cuja maçaneta eu segurava e passou zunindo, bufando, franzindo o cenho e derramando boa parte do café que trazia, obrigando a moça da limpeza ao serviço extra de limpar sua sujeira, pelo que certamente não lhe agradeceu, afinal de contas, para ele, ela estava apenas fazendo sua obrigação. Segundo sua lógica, ela é quem deveria agradecê-lo, afinal de contas, se ele não sujasse, ela não teria emprego.

Porque o jornalista bolsonarista é orgulhoso de sua própria ignorância e arrogância, que ele confunde com ser inteligente – mas nisso só ele mesmo acredita.

Tanto é que o jornalista bolsonarista é, ele também um, o típico eleitor, defensor e adorador do “mito”, que protestava contra o preço da gasolina a menos de três reais, mas nada diz quando esta custa quase cinco. Tampouco escreverá uma linha contra o anúncio do fim do seguro DPVAT e o consequente efeito sobre o orçamento do SUS. Ou sobre a ideia do mandachuva de fundar um novo partido, o nono ao qual se filiaria ao longo de sua errante trajetória política.

O jornalista bolsonarista não deixa de sair em defesa de seu ídolo nem quando este supostamente o prejudica: o presidente acabou com a necessidade de registro profissional para jornalistas, publicitários e outras categorias, mas para o abjeto objeto desta antiode, obviamente o “mito” agiu certo, afinal de contas, tratava-se apenas de mera burocracia.

Conheço a história de alguns ídolos do rock’n’roll que morreram asfixiados pelo próprio vômito após uma overdose. Parece uma morte mais digna que terminar afogado na própria baba hidrófoba.

Meia dúzia de videoclipes maranhenses

 

Quando ouvi os primeiros segundos de Como me sinto tive a certeza de um hit instantâneo. Com Gisa Franco, entrevistei-o no Balaio Cultural (Rádio Timbira AM) sobre o EP que lançou antes de rumar para São Paulo. Garoto prodígio, Dhean começou a cantar aos três anos na igreja evangélica que sua família frequentava. A música é, por assim dizer, o carro-chefe do trabalho, que traz quatro faixas autorais e uma releitura inspirada de Demais (Tom Jobim e Aloysio de Oliveira), sucesso de Maysa.

 

 

Em 17 de maio passado, sob direção de Marcelo Flecha, Cláudio Lima subiu ao palco da Pequena Companhia de Teatro, em São Luís, onde apresentou o show Com a lira, marcando posição no Dia Internacional de Combate à Homofobia. Desfilou um repertório de temática homoafetiva e/ou assinado por compositores e compositoras idem. O show acabou merecendo bis e o cantor ganhou de presente de Zeca Baleiro a canção Qualhira, para a qual o próprio Cláudio Lima, designer de profissão, realizou o videoclipe de animação. Contra a força bruta, delicadeza e beleza.

 

 

Enquanto uns fecham os olhos e assim legitimam e autorizam o extermínio de indígenas, o duo Yamí celebra os povos originários. Marco Lobo (percussão e eletrônica) e Federico Puppi (violoncelo e eletrônica) se unem a Rita Benneditto (voz e percussão) num canto que celebra a conexão do humano/indígena com o divino/natureza. A música une o candomblé ao bumba meu boi, utilizando instrumentos de percussão típicos da manifestação legitimamente maranhense, como o pandeirão e o tambor-onça.

 

 

O registro ao vivo dá ideia do que foi o show de lançamento de Elementos e hortelã na terra dos eucaliptos, segundo disco do cantor e compositor Vinaa, realizado no último dia 1º/11, na Concha Acústica Reinaldo Faray (Lagoa da Jansen). O álbum está disponível nas principais plataformas digitais e tem também edição física.

 

 

Zeca Baleiro já lançou outro disco, O amor no caos – volume 2, mas soltou recentemente o lyric vídeo de Mais leve, gravada pelo cantor e compositor com a adesão de sua parceira na autoria da faixa Cynthia Luz no volume 1. Ambos os álbuns estão disponíveis em cd e nas plataformas digitais.

 

 

Jornalista de formação, a compositora e cantora Valéria Sotão assina direção e edição de vídeo em Desmanchem, single que acaba de disponibilizar no youtube. Antenada com os novos tempos e as mudanças na forma de consumir música, ela tem lançado faixas de modo esparso e anuncia para breve o lançamento de novo single.

Endosso

 

Não me lembro de, antes, ter conversado tão demoradamente com o cantor Gabriel Melônio. Sábado passado (9) ele foi ao Balaio Cultural, ocasião em que, ao lado da cantora Anna Cláudia, concedeu uma entrevista a Gisa Franco e este que lhes relata o ocorrido.

Raramente recorro a entrevistas feitas no rádio para republicá-las em papel ou internet, por entender que cada veículo tem sua dinâmica e exige um texto adequado ao meio. Se o faço, desta vez, é para endossar algo dito espontaneamente pelo cantor.

A conversa com os artistas era sobre o show que fizeram no mesmo dia, um dos eventos mensais que preparam a celebração do centenário que o compositor Antonio Vieira completaria 9 de maio do ano que vem.

Diante da qualidade de repertório pouco conhecido de Antonio Vieira, priorizado nesta série de apresentações que, desde maio, a cada dia 9, vem promovendo o encontro de duplas no palco, em torno da obra do mestre, Gabriel Melônio revelou, em primeira mão, no programa, a intenção de gravar um disco inteiramente dedicado à obra do autor de Banho cheiroso.

Além de intérprete da Turma do Quinto há 42 anos, Gabriel Melônio também é bastante conhecido por ter vencido o Festival Viva de Música Popular do Maranhão, quando defendeu, com Cláudio Pinheiro, Oração latina, de Cesar Teixeira, em 1985, no apagar das luzes daquela ditadura.

Torcedor sem o hábito de frequentar estádios, Gabriel Melônio aproveitou o espaço para elogiar ao vivo a Rádio Timbira. “Eu quero fazer um registro que eu tenho vontade de fazer há muito tempo. É para a equipe esportiva da Rádio Timbira. A Rádio Timbira descobriu uma coisa que ninguém tinha sacado. No domingo à tarde tem umas pessoas que saem para fazer outros compromissos. Quando a gente sai, que volta e quer saber o resultado de um jogo, todas as emissoras já saíram do ar. E eu descobri outro dia, queria saber o resultado de um jogo do Sampaio Correia, e eu procurando, encontrei uma galera falando de futebol, foi de nove até meia-noite, são três pessoas”, revelou o cantor, referindo-se ao Rolê Esportivo, comandado por Gabriel DCastro, Quécia Carvalho e Sebastian Neto, estagiários que dominam a pauta esportiva com mais propriedade que muito profissional por aí.

Em São Mateus, onde aguardava o início da transmissão de Juventude x Maranhão, Laércio Jr. ouvia a entrevista. Sem saber que estava sendo ouvido por ele, Gabriel também elogiou-o e o locutor entrou ao vivo para agradecer a gentileza do madredivino de cabelos de anjo.

Escrever este texto e compartilhar o vídeo do Balaio Cultural de sábado passado com outro público – que não necessariamente ou/viu o programa – é uma forma de fazer minhas as palavras de Gabriel Melônio. Registre-se meu endosso.

Meio século do Duo Cappareli-Gerling é celebrado em São Luís

O Duo Cappareli-Gerling. Foto: Zema Ribeiro
O Duo Cappareli-Gerling. Foto: Zema Ribeiro

 

Professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Fredi Gerling (violino) e Cristina Cappareli (piano) – o Duo Cappareli-Gerling – subiram ontem (6) ao palco do Teatro Arthur Azevedo (Rua do Sol, Centro) para o primeiro concerto do Encontro de Cordas Friccionadas Leocádio Rayol, que acontece até o dia 8 (sexta-feira), como parte das comemorações pelos 53 anos da Universidade Federal do Maranhão (Ufma), realização do Departamento de Música com apoio do Departamento de Assuntos Culturais.

O Duo Cappareli-Gerling está em atividade há 50 anos e o concerto em São Luís tinha também caráter comemorativo. Eles se conheceram em 1969, durante um curso de férias da Pro-Arte e realizaram naquele ano sua primeira turnê. Mudaram-se para os Estados Unidos, onde estudaram, e casaram-se em 1973; desde então, o duo realiza concertos ininterruptamente.

São dois senhores elegantes. Ele fica mais à frente ao violino, é quem interage com o público e dá informações sobre títulos e autores das peças executadas; ela, mais por detrás, ao piano, sempre atenta aos sinais, com um auxiliar, por vezes atrapalhado, virando a partitura antes da hora – a determinada altura, ela chegou a voltar a página (depois se entenderam e ele não tornou a errar).

Gerling aperta o violino entre a clavícula e uma intermediária de queixo e bochecha e estica a mão esquerda até a coxa, abrindo os dedos e voltando a empunhar o braço do violino, até tocá-lo com o arco – de que em determinada altura da apresentação arrebentou um dos pelos da crina, o que não interferiu na execução das peças seguintes. Como se os instrumentos fossem extensões de seus corpos, demonstram entrega absoluta a cada execução.

O concerto foi aberto com o Desafio, do pernambucano Marlos Nobre (nome lembrado por Turíbio Santos e João Pedro Borges em concertos no Festival Internacional de Violão de São Luís), seguida da 5ª. Sonata de Camargo Guarnieri. “Ele foi professor da Cristina e há 50 anos estava na plateia em nosso primeiro recital; achamos por bem homenageá-lo neste concerto comemorativo”, revelou Gerling.

O próprio Gerling, no início, antecipou tratar-se de um concerto para todas as idades: crianças, jovens e idosos, como a plateia diversa de ontem. Diverso também, e didático, foi o conteúdo do concerto, que durou exatamente uma hora. Antes de terminarem com Clair de lune, de Debussy, executaram uma Valsa de esquina, de Francisco Mignone. Para risos da plateia, ele discorreu, não nessa ordem: “nessa peça Debussy tenta retratar em música o clarão da lua”; e antes: “o Mignone retratou bem aquele ambiente boêmio do Rio, a Cinelândia, é uma música agitada, para mostrar os boêmios com seus chopinhos”.

Terminaram a apresentação aplaudidos de pé – e a plateia não era formada apenas por iniciados. Voltaram para novos aplausos. Sorrindo e sem perder a elegância, ele respondeu ao pedido de “mais uma”: “essas duas já foram o bis”.

O Encontro de Cordas Friccionadas Leocádio Rayol acontece até amanhã (8), com atividades no Casarão Azul/Ufma, Palacete Gentil Braga (Dac/Ufma) e Teatro Arthur Azevedo. A programação é gratuita.

Irmão de Antonio Rayol, Leocádio Rayol era considerado, em 1894, “o maior violinista brasileiro”, conforme o Pe. João Mohana em A grande música do Maranhão, cujo Inventário do Acervo João Mohana registra também, de sua autoria, uma missa a três vozes. A propósito, o Arquivo Público do Maranhão (Apem, Rua de Nazaré, 218, Centro) lança hoje (7), às 16h, o Acervo Digital João Mohana, com o conjunto de partituras colecionadas pelo pesquisador ao longo da vida.

Festival apresentou resultados do projeto “Catadores de Direitos”

Sábado passado (26/10), no Festival Estadual “Nossos Talentos, Nossos Direitos”, crianças e adolescentes mostraram o que aprenderam em projeto realizado pela Cáritas no Maranhão

Foto: Elson Paiva
Foto: Elson Paiva
Foto: Elson Paiva
Foto: Elson Paiva

O time de Buritirana goleou um combinado de vários outros municípios maranhenses por 4×0. A partida durou meia hora. Caíque, de 11 anos, cursando o quinto ano, Luciano Jr., 10, também cursando o quinto ano, e Alan, 8, do terceiro ano, eram só alegria, pela vitória, terminando de gastar as energias que sobraram do amistoso pelos brinquedos e equipamentos de ginástica da Praça do Letrado, no Vinhais, em São Luís. “Sim” foi a resposta em uníssono quando indaguei-lhes se queriam ser atletas profissionais. O mais velho e o mais novo são flamenguistas; o do meio, são-paulino.

O conselho que lhes dei, “não basta ser bom de bola, não pode parar de estudar”, eles devem ouvir repetidamente. O trio integra o conjunto de crianças e adolescentes filhos e filhas de catadores e catadoras de materiais recicláveis ou de famílias de baixa renda atendidos pelo projeto Catadores de Direitos, realizado pela Cáritas Brasileira Regional Maranhão com apoio da Kindermission desde 2012 – e de forma ininterrupta desde 2017.

É uma manhã ensolarada de sábado e estamos no “Festival Estadual Nossos Talentos, Nossos Direitos”, que ocupou a praça pública em São Luís, após ter etapas regionais realizadas nos municípios de atuação do projeto: Bacabal, Balsas, Imperatriz, Lago da Pedra e Loreto. Futebol, roda de capoeira, música, poesia, dança e teatro integraram o cardápio do festival, uma mostra de talentos a demonstrar o que a gurizada aprendeu durante o projeto, que passará por avaliação em novembro, ocasião em que definirá novos municípios de atuação. Também para novembro está previsto o lançamento de um vídeo-documentário sobre o projeto, em fase de finalização.

“Em alguns municípios as equipes estão bem organizadas e continuarão o trabalho. A  Cáritas está aberta a parcerias”, destacou Lucineth Cordeiro, da coordenação colegiada do organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no Maranhão, reforçando o princípio de rotatividade do projeto e das ações da Cáritas.

Luziane Alves é mãe de quatro filhos atendidos pelo projeto Catadores de Direitos. “Percebi que eles melhoraram em casa e no desempenho escolar, são interessados em leitura”, afirma sobre os filhos, que têm entre oito e 13 anos.

Instrutor de capoeira, Onivaldo de Assis, 44, atua há dois no projeto, em Bacabal. “É um longo trabalho de conscientização. É preciso despertar a vontade de querer aprender, valorizando o esporte e a cultura, fazendo essa moçada crescer como pessoas, ser alguém na vida. É um trabalho árduo, que une conhecer direitos com ter saúde”, comenta.

Gleicilene Araújo, 13, conta ter aprendido capoeira, carimbó, futebol e violão – ela foi uma das que se apresentou ao instrumento, cantando uma música sobre o meio ambiente. “É um projeto importante. Conheci pessoas que passaram a ir e conseguiram sair do mundo das drogas”, revela.

O sol a pino não esmorecia os presentes, animados pelo mestre de cerimônias Tedd Mac, que sabe unir bom humor e dicas úteis para a garotada – em perfeita sintonia com os valores ensinados aos beneficiários do projeto. Motivos para sorrir não lhes faltavam: estavam ali a exibir seus talentos e ganhar medalhas, que penduravam no pescoço, orgulhosos, conscientes de seu papel de sujeitos de direitos, mesmo que uns insistam em negar ou dizer o contrário.

“Os meninos e meninas e o povo no poder eu quero ver”, era palavra de ordem, grito de guerra – ou de contra-ataque, com endereço certo. “Criança tendo voz, vez e lugar: esse é o país que a gente quer”, afirmou Lena Machado, secretária executiva da Cáritas no Maranhão. “Eles não precisam de sorte, é de oportunidades que precisam, de respeito a seus direitos, para que cresçam em graça e sabedoria”, finalizou, certa da missão ao mesmo tempo cumprida e em progresso.

(texto originalmente publicado no JP Turismo, Jornal Pequeno de hoje)