Alexandra Nicolas trouxe troféu Gonzagão ao Maranhão

A cantora maranhense Alexandra Nicolas foi agraciada com o Troféu Gonzagão, considerado o Oscar do Forró. A artista levou o prêmio na categoria Revelação da Música Nordestina.

Alexandra atualmente integra o Fórum Nacional do Forró, lançou ano passado seu segundo disco de carreira, Feita na pimenta, inteiramente dedicado aos gêneros abrigados sob o guarda-chuva do forró: coco, baião, xote, xaxado, chamego, entre outros.

A premiação aconteceu no último dia 21 de agosto, em Campina Grande/PB. Sobre o feito, ela conversou com exclusividade com Homem de vícios antigos.

Alexandra Nicolas se apresenta durante o Troféu Gonzagão. Foto: divulgação
Alexandra Nicolas se apresenta durante o Troféu Gonzagão. Foto: divulgação

Alexandra, ano passado você esteve no Troféu Gonzagão, considerado o Oscar da Música Nordestina Este ano volta na condição de homenageada. Como você recebeu o convite e qual a sensação?
Na hora que eu recebi o convite eu chorei muito e a sensação era que acima de tudo isso havia um amor muito maior e uma convicção de estar no caminho certo, uma sensação de gratidão e de certeza diante da verdade que eu acredito.

Sua entrada no universo do forró se deu de forma avassaladora. Você dedicou o segundo disco ao gênero e vem colhendo o merecido reconhecimento, de algum modo coroado com a premiação desta quarta-feira [21], em Campina Grande. O que você pretende para o futuro?
Agora mais do que nunca continuar trilhando o mesmo caminho. Quando se tem reconhecimento, o trabalho é dobrado e a responsabilidade com a causa só aumenta. Também compreendi que alinhar o que eu faço com as crianças é uma missão que me toma com um amor profundo e reitero que pra mim, não basta só cantar, é preciso fazer a nova geração ter orgulho de ser nordestino, uma região rica, musical, colorida e multicultural e com criança é assim, eles são os mais puros e apaixonados que podemos ter, e plantar essa semente cedo só reforça as grandes possibilidade de termos mais nordestinos extraordinários.

Neste ano celebra-se o centenário de Jackson do Pandeiro e você trabalhou em projetos para homenageá-lo. Qual a importância dele para sua trajetória?
Toda! Quando ouvi Jackson pela primeira vez eu fui ao delírio, principalmente pela habilidade sagaz na divisão no seu canto, pela irreverência e astúcia de cantar a rima, a malemolência e a brejeirice me tomaram quando o vi na televisão pela primeira vez. A partir daquele momento ele se tornou um desafio, queria saber fazer o que ele fazia, queria cantar como ele cantava, virou uma referência e um objeto de estudo. Mergulhei nas suas canções e nos seus vídeos e mais na sua biografia e visitei a cidade onde ele nasceu e a cidade onde ele cresceu. Achei tão interessante sua história de vida que fiz um projeto para as escolas e foi aceito e quando vi mais de cem crianças cantando a Cantiga do sapo [de Jackson do Pandeiro e Buco do Pandeiro] em uníssono, tinha a certeza que tinha feito um belíssimo trabalho.

Nos bastidores do Troféu Gonzagão,trocando tietagem com Genival Lacerda. Acervo pessoal de Alexandra Nicolas
Nos bastidores do Troféu Gonzagão,trocando tietagem com Genival Lacerda. Acervo pessoal de Alexandra Nicolas

Também em 2019 completam-se os 30 anos do falecimento de Luiz Gonzaga, outro pilar da música nordestina, o primeiro artista pop desta região do país. Qual a importância de Gonzagão e que outros nomes da música nordestina você poderia destacar entre suas principais referências?
Gonzaga me ensinou a louvar o Nordeste, a agradecer e contemplar tudo que ele tem. A comemorar as coisas simples e as mais belas. A chorar de alegria e a fazer das tristezas aprendizado. Outras referências que eu tenho são a Marinês, pela força do seu canto, a Elba Ramalho, pelo bailado e alegria com a qual interpreta os grandes compositores. E minha maior inspiração de força é o nosso João do Vale. Meu próximo trabalho irei dedicar todo a sua obra, que já ganhei material de sobra pra continuar os estudos

Outra coincidência: outro nordestino que completa 30 anos de falecido, justamente neste 21 de agosto em que você recebe a homenagem, é Raul Seixas, em cuja obra fica demonstrada a fusão do rock de Elvis Presley com o baião de Luiz Gonzaga, seus maiores ídolos. Você tem alguma proximidade com a obra de Raul?
Claro, qualquer cantora que se preze se não ouviu Raul ainda não pode se considerar cantora. Raul é a maior referência de irreverência nesse país, alguém que foi pra além das fronteiras do baião, se é que isso existe, mais ele foi além.

Você integra o Fórum Nacional do Forró, que está buscando a titulação do forró como patrimônio cultural imaterial brasileiro. A quantas está o processo? Você acredita que essa premiação colabora para o avanço desse reconhecimento?
Estamos no início da pesquisa e temos até 2020 pra fazer o forró virar patrimônio. Temos ainda muito chão pela frente, diversos estados envolvidos e catalogar tudo será um desafio grande. O Troféu Gonzagão é a maior premiação da música nordestina e com certeza vem a coroar nossa música com toda nobreza que ela carrega. E o Maranhão está presente nesta premiação só reforça que aqui também tem música nordestina de qualidade.

Fale um pouco mais sobre a noite do Troféu Gonzagão.
Mais de 175 artistas que fazem a música nordestina registrados no evento. Essa premiação faz parte de um amor muito maior, o prazer de fazer o que se ama, a entrega ao gênero, assumir e reverenciar minhas origens. Cantar o Hino Nacional com arranjo de forró é avassalador, o coração transborda. Essa festa é puro reconhecimento disso, a gente se encontra, se afina, se entrega e se recicla, troca música, se admira e se refaz. Agradeci o prêmio cantando João do Vale. E fiz no palco o que eu fiz com as crianças, coloquei quase mil adultos pra cantar o refrão da Cantiga do sapo comigo.

Antenado, afiado e político

Hibernar na casa das moças ouvindo rádio. Capa. Reprodução
Hibernar na casa das moças ouvindo rádio. Capa. Reprodução

 

O veterano Odair José foi desde sempre associado à dita música brega, ou antes, cafona. Poucos sabem que foi um dos compositores mais censurados pela ditadura militar que se instalou no Brasil em 1964, tema de Eu não sou cachorro, não – Música popular cafona e ditadura militar (Record, 2002), de Paulo César de Araújo.

Poucos conhecem também a porção roqueira de Odair, cuja ópera rock O filho de José e Maria (1977), hoje cult, foi censurada pelos generais de plantão e pela Igreja Católica.

Em Hibernar na casa das moças ouvindo rádio, de repertório completamente autoral, ele volta ao front. É disco roqueiro e político, o título a junção dos títulos das três primeiras faixas.

Em Hibernar, se propõe uma fuga da realidade, da realidade fabricada destes tristes tempos, em que “o mundo está de ponta-cabeça”. “Tem conspiração na terra do sol”, diz a letra, que continua: “é pão e circo com marmelada/ tem mais um atrito trazendo perigo/ não dá pra saber quem é o inimigo”. E arremata: “tem um falso profeta anunciando/ que pra semana Deus está chegando”.

No blues Na casa das moças, emoldurado pela gaita de Lucas Martini, Odair volta a falar de prostituição, tema que lhe rendeu o hit Vou tirar você desse lugar. A letra fala que “tem uma casa no bairro/ onde moram umas moças”, um lugar em que os homens que ajudam a lavar a louça ganham recompensas. Um jeito bem Odair José de pautar a divisão das tarefas domésticas.

Ouvindo rádio é sobre o universo mágico a que este meio de comunicação, de morte tantas vezes anunciada, ainda nos conduz. O disco é cerzido por vinhetas, a simular uma transmissão radiofônica (com textos e locução de Thunderbird), e esta faixa traz “a música dos Beatles, os dribles do Mané/ nos campos pelo mundo Pelé”.

É um disco que não se furta aos debates atuais. Em Rapaz caipira, por exemplo, a crítica tem endereço certo, as mentiras que elegeram Jair Bolsonaro e pautam seu modo desastroso de governar: “aquilo que era mentira/ passou ser verdade”. E continua: “está vivendo no centro/ de um furacão/ onde a realidade/ é mera ilusão”. O tema volta à pauta em Fora da tela: “quanto mais eu olho/ menos posso ver/ a verdade insiste/ em se esconder”.

“Incrível liquidação de armas de fogo! Você pediu, agora chupa!”, manda Thunderbird na abertura de Chumbo grosso, outro petardo certeiro no discurso beligerante do neofascista que ocupa a presidência da república: “o assunto agora é a cultura da bala/ na falta de argumento a solução é uma vala”. A faixa tem participação especial de Raquel Virginia e Assucena Assucena, do grupo As Bahias e a Cozinha Mineira.

Imigrante mochileiro é outra a trazer um tema quente, o drama mundial da imigração, para o centro do debate promovido pelo som de Odair José. A faixa tem participação do Nação Zumbi Jorge du Peixe (voz e órgão).

Amor e sexo comparecem a Fetiche, Gang bang e Liberado, as três que encerram o disco de 11 faixas. Na última ele canta: “hoje tudo está liberado/ em nome do amor” – assim seja, contra o fascismo reinante.

A vinheta que encerra Pirata urbano sintetiza: “este disco é indicado para estupidez coletiva. Se persistirem os sintomas, procure um psiquiatra”.

Um retrato do Brasil do futuro

Bacurau. Cartaz. Reprodução
Bacurau. Cartaz. Reprodução

 

Kléber Mendonça Filho realizou dois dos mais importantes filmes brasileiros dos últimos 20 anos: O som ao redor (2012) e Aquarius (2016), obras-primas que discutem, a fundo e no calor da hora, graves problemas sociais brasileiros – segurança pública e especulação imobiliária, entre outros. Pelo segundo, vem sendo deliberadamente perseguido pelos governos instalados a partir do golpe que depôs a presidenta Dilma Rousseff (contra o que protestou em Cannes), num caso clássico de aspirantes a ditadores que jogam contra seu próprio país.

Um recado explícito é exibido em tela: Bacurau gerou mais de 800 empregos, o cinema é a imagem de um país e a cultura também é indústria, questões ainda não percebidas pelo projeto de destruição empreendido pelo atual governo federal, através do desmonte do Ministério da Cultura e das ingerências junto à Agência Nacional de Cinema (Ancine).

Seu novo filme, escrito e dirigido com o cineasta Juliano Dornelles, embora gestado antes da tragédia que se abate cotidianamente no país, no governo neofascista de Jair Bolsonaro, é uma distopia que profetiza no que o Brasil pode se transformar muito em breve, se o autoritarismo instalado por aqui não for barrado imediatamente.

Batizado por pássaro de hábitos noturnos, arisco, espécie de coruja, Bacurau é um povoado fictício, cravado no oeste pernambucano, um microcosmo brasileiro – quantos são os Bacuraus espalhados pelo país? Ali, além de energia elétrica, não chegam serviços essenciais. A população vive por sua própria conta e risco.

A nova obra cinematográfica de Juliano Dornelles e Kléber Mendonça Filho, vencedora do prêmio do júri em Cannes este ano, é um misto de policial, faroeste, terror, suspense e ficção científica. Nada muito distante da realidade brasileira sob a égide do bolsonarismo. Há inclusive um político canastrão (Tony Jr., interpretado por Thardelly Lima) que joga contra o lugar. Ele está em campanha pela reeleição e num dos recados sutis (mas nem tanto) do filme, seu número é 150 – outro é a distância, em quilômetros (17), que um caminhão pipa precisa percorrer a partir de determinado ponto até chegar ao povoado.

Bacurau. Frame. Reprodução
Bacurau. Frame. Reprodução

Em meio ao cenário de destruição, com direito a uma gangue de nazistas – o filme se passa no futuro, convém lembrar –, há delicadeza, em homenagens prestadas pelos diretores a grandes artistas em cena: Sônia Braga (protagonista de Aquarius), no papel de Domingas, uma enfermeira alcoólatra, Lia de Itamaracá (no papel da matriarca Carmelita, orgulho do povoado) e Rodger Rogério, nome do Pessoal do Ceará, que interpreta o violeiro Carranca.

Há também uma sutil homenagem a Lampião e seu bando de cangaceiros e seu Lunga (Silvero Pereira) não é um velho mal-humorado de respostas desconcertantes. Num país em que grande parte da população brasileira não costuma frequentar (ou nunca pisou em) cinemas, teatros e museus, outro recado sutil dado pelos diretores é a existência (e a necessidade e o orgulho da população) de um museu histórico no lugar, algo a que parecíamos mais próximos, ao menos em utopia, num passado não muito distante.

Politicamente retrocedemos. Cinematograficamente, Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles propõem uma reflexão e ação sobre este retrocesso. Um filme doloroso, bonito, necessário e urgente.

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Veja o trailer:

Um filme é um filme é um filme

Era uma vez... em Hollywood. Cartaz. Reprodução
Era uma vez… em Hollywood. Cartaz. Reprodução

 

​Quem ainda faz faroestes hoje em dia? Quem gosta de faroestes? A revolta​​ de Rick Dalton, personagem de Leonardo DiCaprio, um ator decadente e alcoólatra, é uma das chaves para entendermos o nono filme de Quentin Tarantino, Era uma vez… em Hollywood [Once upon a time… in Hollywood, drama, Estados Unidos, 2019, 161 min.].

O diretor traça uma espécie de documentário ficcional, um falso documentário, remontando as trajetórias de Dalton e Cliff Booth (Brad Pitt), seu dublê, faz tudo e amigo íntimo. Estamos em 1969 e com vários papeis e alguma glória, Dalton está em vias de cair no ostracismo, quando recebe um conselho-convite para fazer westerns na Itália.

A cena em que ele chora ao relatar o enredo de um livro que lê no intervalo das gravações a uma atriz mirim, revelando o próprio destino (e o futuro que ele lhe prevê, sem que ela entenda) é tocante, ao mesmo tempo que é um dos sarros de Tarantino com a indústria, além, provavelmente, de um sábio conselho a iniciantes (ou, pior, aspirantes a celebridades fast food). A confusão entre os filmes (dentro do filme) e a vida de Dalton é ainda maior (mais real?) quando ele usa um artefato cênico (tarantinesco) para salvar a própria vida, durante o ataque de uma gangue à sua residência.

Filmes dentro do filme, Tarantino expõe as vísceras da indústria, numa grande tiração de onda. Sobra, obviamente, até para a publicidade (não só de cigarros, à moda antiga).

Coalhado de referências (e reverências, ao modo Tarantino), a começar pelo título que evoca os clássicos Era uma vez no Oeste (1969) e Era uma vez na América (1984), ambos de Sergio Leone.

Para além do cinema, estão lá gibis de Kid Colt, um personagem chamado Tex (Austin Butler), discos de Paul Revere (a trilha sonora é um espetáculo à parte), o cineasta Roman Polanski (Rafal Zawierucha) e sua esposa Sharon Tate (brutalmente assassinada quando grávida pela gangue de Charles Manson nos anos 1960, interpretada por Margot Robbie, num episódio reinventado por Tarantino) e Bruce Lee (Mike Moh), tornado um idiota em cena hilariante – não são poucas.

Tarantino é um iconoclasta que remonta a história a seu bel prazer para fazer grande cinema. Licença poética não é fake news, o objetivo aqui é nobre, não deseja, por exemplo, influir em resultados eleitorais, nem mesmo a votação do Oscar. Durante as quase três horas de Era uma vez… em Hollywood é possível esquecer o noticiário e o governo, ao menos os espectadores brasileiros, sem se tratar de anestesia.

No meio de tudo isso há uma cadela, que acaba tendo papel central na trama. “Quanto mais conheço o homem, mais eu gosto do meu cão”, cantaria Ataulfo Alves. “É preciso estar atento e forte”, advertiriam antigos compositores baianos. Em Tarantino, “tudo é maravilhoso”.

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Veja o trailer: