Habemus Cultura

A fachada do Engenho Central no fim da tarde…
… e à noite, durante o video mapping, já com a chaminé anunciando a inauguração.
O governador Flávio Dino, o secretário de Estado de Cultura e Turismo Diego Galdino, o prefeito de Pindaré-Mirim Henrique Salgado e a diretora do Engenho Central Amélia Cunha cortam faixa inaugurando o equipamento. Fotos: Zema Ribeiro

 

Foi concorrida a solenidade de inauguração do Engenho Central de Pindaré-Mirim, sexta-feira passada (25), no centro da cidade, às margens do rio que lhe batiza. Artistas locais se apresentaram no palco que aguardava as presenças do governador Flávio Dino, do secretário de Estado da Cultura e Turismo Diego Galdino, do prefeito de Pindaré-Mirim Henrique Salgado e da diretora deste novo equipamento cultural maranhense Amélia Cunha, entre outras autoridades.

À medida em que as cadeiras iam sendo ocupadas por quem desejava guardar o lugar para prestigiar o espetáculo Pão com Ovo, da Cia. Santa Ignorância, um grupo de capoeira se apresentava na calçada do Engenho e uma turma de samba – cujos brincantes dizem “vamos fazer um maracatu” ao se referirem ao próprio som – animava à praça em frente.

A estrutura física do Engenho Central foi mantida. É um galpão enorme, com biblioteca, cineteatro e pavilhão de exposições – a inaugural é composta por fotos de Catarino Fotógrafo, como ficou conhecido Manoel Catarino de Andrade (29/11/1920-8/12/1993), “pioneiro da fotografia no Vale do Pindaré”, conforme sinaliza o texto de apresentação da exposição, entre retratos da gente do lugar, da construção de ruas, do próprio Engenho Central e da estrada, então de areia, que liga Pindaré a Santa Inês.

“Construído a margem direita do rio Pindaré, em terras pertencentes à extinta colônia de São Pedro, habitada por índios Guajajaras, o Engenho Central de Pindaré-Mirim ou companhia Progresso Agrícola, foi criado no início do século XIX. Todo maquinário e aparelhagem necessários à sua instalação foram importados da Inglaterra pela quantia de 28$000 réis e executado pelo técnico Robert Collond, da firma inglesa Fawcet Preston & Cia.

O Engenho Central, um dos melhores do Brasil, possuía 500 carros de boi, 35 carroças, cerca de 50 casas de madeira, três léguas de terra apta à lavoura e 10 km de via férrea. Hoje este secular monumento, com sua tradicional chaminé, seus paredões em alvenaria, seu teto laminado sobre custosa estrutura de ferro é um dos últimos representantes do sistema de engenhos centrais instalados no Brasil durante o Império”, diz o texto que li na porta de vidro da biblioteca.

Por ocasião da inauguração do equipamento cultural de multiuso que atenderá a população do município e adjacências, o reitor do Iema [Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão] Jonathan Almada assinou um edital para o oferecimento de curso de inglês com 80 vagas, para adolescentes a partir de 13 anos, cujas aulas acontecerão no local.

Após os discursos das autoridades e uma grandiosa queima de fogos, uma fumaça multicolorida passou a sair da chaminé sinalizando estar oficialmente inaugurado o Engenho Central. O cerimonialista não hesitou e vibrou: “habemus arte, habemus cultura!”.

O vídeo mapping exibido na fachada da construção contou a história do Engenho Central, passeando por manifestações culturais do Maranhão. Foi difícil conter as lágrimas ao ver projetado um bumba-meu-boi ao som da toada Urro do Boi, de Coxinho, eterno amo do Boi de Pindaré.

O Maranhão está na contramão do Brasil. E pela primeira vez os maranhenses dizemos isto com orgulho. Enquanto em Brasília se fecha o Ministério da Cultura e no Rio de Janeiro se incendeia museu, aqui equipamentos culturais são reformados e inaugurados.

Melhores de 2018

Pelo terceiro ano consecutivo tenho a alegria de figurar entre os votantes dos melhores do ano do site Scream&Yell, capitaneado pelo querido Marcelo Costa.

É sempre uma dificuldade. Um exercício e tanto. Minhas listas, por exemplo, raramente têm obras incluídas na lista final, após a tabulação do site. Entre os melhores de 2018, por exemplo, só uma música nacional na qual votei figurou no top 7 final.

Uma curiosidade que percebo em meus votos, comparando-os à lista final, é certa observação da cena regional, indicando não um bairrismo ou coisa que o valha, mas a necessidade de os artistas maranhenses irem a outras praças.

A lista completa dos melhores de 2018, com todos os detalhes (e votantes) pode ser conferida no Scream&Yell. A seguir, apresento minha modesta (e falha) contribuição.

MELHOR DISCO NACIONAL

  1. Camapu, Cesar Teixeira
  1. Feita na pimenta, Alexandra Nicolas
  1. Batalhão de rosas, Lena Machado
  1. Titane canta Elomar – Na estrada das areias de ouro, Titane
  1. Viola perfumosa, Viola perfumosa (Lui Coimbra, Ceumar e Paulo Freire)

MELHOR SHOW NACIONAL

  1. João Donato, 10º. Lençóis Jazz & Blues Festival, São Luís/MA
    2. Hamilton de Holanda, 10º. Lençóis Jazz & Blues Festival, São Luís/MA
    3. Cesar Teixeira, lançamento do cd Camapu, Teatro Arthur Azevedo, São Luís/MA
    4. Elomar e João Omar, Muntano o mondengo, Teatro Arthur Azevedo, São Luís/MA
    5. Cláudio Lima, Luiz Cláudio e Rubens Salles, Cada mesa é um palco, Buriteco Café, São Luís/MA

MELHOR FILME INTERNACIONAL

  1. O outro lado do vento, Orson Welles
    2. Serei amado quando morrer, Morgan Neville
    3. Severina, Felipe Hirsch
    4. Me chame pelo seu nome, Luca Guadagnino

MELHOR FILME NACIONAL

  1. Tungstênio, Heitor Dhalia
    2. O beijo no asfalto, Murilo Benício
    3. Paraíso perdido, Monique Gardenberg
    4. A vida extra-ordinária de Tarso de Castro, Léo Garcia e Zeca Brito
    5. Guriatã, Renata Amaral

MELHOR LIVRO

  1. A cobrança, Mário Rodrigues (Record)
    2. Forte apache, Marcelo Montenegro (Companhia das Letras)
    3. Raphael Rabello: o violão em erupção, Lucas Nobile (34)
    4. A revolução dos bichos, George Orwell (adaptação em quadrinhos: Odyr) (Companhia das Letras)
    5. Wander Piroli: uma manada de búfalos dentro do peito, Fabrício Marques (Conceito)

O MELHOR DA TV

  1. Cultura Livre, Roberta Martinelli, TV Cultura
    2. Brasil toca choro, TV Cultura
    3. Elis: viver é melhor que sonhar, Rede Globo

MELHOR MÚSICA NACIONAL

  1. Juçara (Cesar Teixeira), com Cesar Teixeira
    2. Preta Chica (Paulo César Pinheiro/ Roque Ferreira), com Alexandra Nicolas

  1. Exu nas escolas (Kiko Dinucci/ Edgar), com Elza Soares feat. Edgar

  1. Os Novos Baianos sapateiam na garoa dos Sex Pistols (Tatá Aeroplano/ Malu Maria), com Tatá Aeroplano e Malu Maria

  1. Dos dois (Juliano Gauche), com Juliano Gauche

Um brasileiro

 

O personagem de Cláudio Marconcine já está sentado, num canto, numa das quatro malas com que divide a cena em Extrato de nós, quando o público adentra a sala de espetáculos da Pequena Companhia de Teatro.

Quando a peça se inicia, ele, espécie de palhaço, demonstra impaciência, batendo o pé, depois tamborilando os dedos contra a bagagem, acompanhando o ritmo do tic tac frenético de um relógio que anuncia a chegada do trem.

O monólogo, teatro quase mudo, foi idealizado e encenado há alguns anos, mas como a melhor arte, tem algo de assustadoramente premonitório, a se concretizar no Brasil de 2019, sob a égide de uma nova ditadura, desta feita deflagrada pelo voto popular.

Os que compartilharem a impaciência inicial do personagem poderão enganar-se, ao fazer comparações com clássicos televisivos como Chaves e Os Trapalhões, com seu humor em parte inocente, de quedas e tropeços que despertam gargalhadas no público.

Boa parte do tempo de Extrato de nós se passa nesse vai e vem, na correria de alguém que tem medo de perder o trem, que foge da chuva, fuma, sente fome e tenta ler uma revista a matar o tempo. O brasileiro comum. Ameaçado pelo próprio Brasil. Com suas cores sequestradas e sua alegria idem. Em que mais que o aeroporto, a morte parece ser a única saída. Infelizmente não de causas naturais, nem a cumprir a expectativa de vida, que deve diminuir muito em breve.

Cláudio Marconcine interage com a plateia, mas sem a vulgaridade típica das comédias que buscam o constrangimento alheio diante do vazio de um humorismo que nem mereceria assim ser chamado. Ele tem elegância e tato: sente o clima e o público.

É um dos maiores atores que já vi em cena na vida. Até o aparentemente mais simples esgar, nele é minuciosamente estudado e ensaiado. Qualquer gesto seu é milimetricamente calculado e tudo aparenta naturalidade. Não à toa integra uma das maiores companhias de teatro do Brasil, a despeito do nome – que faz referência ao número pequeno de integrantes.

Extrato de nós traduz o Brasil – e os brasileiros – que insiste/m em rir, mesmo com a tragédia batendo a porta e a desgraça invadindo a casa. A nação.

Ria se/quem puder, chore quem quiser, aplauda e peça bis. O ator em cena e sua Pequena Companhia fazem jus.

Serviço

Extrato de nós terá outras duas apresentações hoje (25) e amanhã (26), às 19h, na sede da Pequena Companhia de Teatro (Rua do Giz, 295, Praia Grande). Os ingressos custam R$ 30,00 (casadinha: R$ 40,00; estudantes e nomes na lista amiga pelas redes sociais da companhia pagam meia).

Alma e sentimentos

Uma irmã. Capa. Reprodução

 

Uma irmã [Une soeur; tradução: Fernando Scheibe; Nemo, 2018, 212 p.; R$ 55,00; leia um trecho] é uma metáfora para falar de amizade e das descobertas da adolescência. O francês Bastien Vivès conta a história de Antoine e Hélène, que se encontram durante um período de férias e passam a fazer tudo juntos – apesar de Titi, irmão mais novo dele.

É um período de grandes curiosidades e descobertas, em que álcool e fumos (no plural) se juntam ao desejo de desobediência aos pais, aventuras em que o par de protagonistas mergulha junto, com mais ou menos experiência.

Antoine e Hélène são, um para o outro, o grande achado daqueles dias, iniciados com uma tragédia e encerrados com outra. Entre os dois adolescentes, lições de companheirismo, confiança e cumplicidade.

Belo e delicado, o traço de Vivès tem um quê de abstrato, como se o autor quisesse captar e passar aos leitores a alma e as sensações de seus personagens – no que atinge seu objetivo. É uma graphic novel bastante sensual, nunca vulgar.

Os sentimentos que povoam os personagens de Vivès são absorvidos por seus leitores, comovidos cúmplices.

Documentário joga luz sobre vida e obra de Henfil, necessário e atual como nunca

Henfil. Cartaz. Reprodução

 

“Chamar Henfil de cartunista é reduzi-lo. Ele foi multimídia, atuou em jornal, televisão, cinema, teatro, literatura, fez tudo o que existia na época”, nos alerta Tárik de Souza, um dos entrevistados de Henfil [Brasil, 2018, 75 minutos], documentário de Angela Zoé, lançado no fim do ano passado, quando se completaram 30 anos de seu falecimento.

“Na verdade, Henfil, Chico Mário e Betinho [o sociólogo Herbert de Souza] foram assassinados pelo Brasil”, completa Tárik, um dos maiores críticos musicais brasileiros em atividade, seu colega dos tempos de Pasquim, referindo-se à falta de fiscalização nos bancos de sangue brasileiros à época: os três irmãos eram hemofílicos e tornaram-se soropositivos em transfusões de sangue.

O mote do documentário leva em conta uma reunião de cartunistas (entre os quais o grande Aroeira), em fins de 2016, admiradores do trabalho de Henrique Souza Filho, o Henfil, que manifestaram o desejo de realizar uma animação utilizando personagens que se confundem com a própria história do Brasil, e particularmente, da luta contra a ditadura militar e a campanha pelas Diretas Já!, nomes como a Turma da Caatinga, entre os quais a Graúna, Zeferino e o Bode Orelana, os fradinhos, o Caboco Mamadô, entre muitos outros.

Imagens de Henfil em super8, depoimentos seus a programas de tevê e suas aparições na TV Homem (quadro que apresentou dentro da atração global TV Mulher) dão conta de retratar a importância do artista para o humor e a redemocratização do país – embora esta frágil, curta e já descartada.

Há um permanente exercício de imaginação no ar: 30 anos depois, o que Henfil estaria fazendo se estivesse vivo? Certamente se valendo das tecnologias (e facilidades) proporcionadas pela internet e contra esse estado de coisas em que se transformou o Brasil, golpe após golpe.

Henfil tinha um traço rústico e certeiro, sem firulas. Jaguar, outro colega de Pasquim, revela que ele mesmo nunca conseguiu imitá-lo, o que parece ser um dos maiores elogios possíveis a um artista de seu naipe.

Henfil soube tocar em nervos expostos, captando e ajudando a entender e explicar um momento crucial da história do Brasil. É conhecido o episódio em que não poupou a cantora Elis Regina por ter cantado nas olimpíadas do exército – o que ninguém sabia à época é que ela fora obrigada. Depois fizeram as pazes e mais tarde a gaúcha imortalizaria os versos “e sonha com a volta do irmão do Henfil/ com tanta gente que partiu num rabo de foguete”, da dupla Aldir Blanc e João Bosco em O bêbado e a equilibrista.

Em livros como Cartas da mãe (reunindo colunas publicadas na revista Isto É), Henfil na China e Diário de um cucaracha, tirava onda com a síndrome de vira-latas rodrigueana: as coisas no Brasil podem ser boas como forem, mas a gente só dá valor se sair no The New York Times – que acabaria publicando seu obituário –, brincalhona obsessão que intitulou sua incursão pelo cinema: Henfil dirigiu Tanga – Deu no New York Times, que Jaguar considera ruim mesmo para os padrões do cinema brasileiro da época. “A única coisa que presta em teu filme é minha atuação”, chegou a tirar onda, tudo entre amigos.

O mote do filme passa pelo jornal americano: em uma ilha imaginária o ditador de plantão acabou com a imprensa, mas continua a receber exemplares do NYT, queimados logo após a leitura, pois quem detém informação detém o poder. Apesar do fracasso, Tanga tem música do conterrâneo Wagner Tiso e presenças do próprio Henfil, Chico Anysio, Elke Maravilha, Jaguar e Tom Jobim no elenco.

Henfil tinha urgência de viver e criar, pois sentia desde cedo a doença que o vitimou pisando-lhe os calcanhares, ela personagem secundária no documentário, que se equilibra entre o bom humor e a genialidade de seu retratado, que nele se confundem, e sua disposição em lutar por um Brasil justo e livre de qualquer tipo de censura.

“A esperança somos nós” é o recado sutil, dado na animação dos créditos. Infelizmente, Henfil nunca foi tão necessário e atual.

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Veja o trailer:

Amores e mistérios

O seu amor de volta (Mesmo que ele não queira). Cartaz. Reprodução

 

O seu amor de volta (mesmo que ele não queira) [documentário, Brasil, 2018, 82 minutos], de Bertrand Lira, estreou em dezembro passado, durante o 13º. Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro, um dos mais importantes festivais de cinema da Paraíba, terra do cineasta, realizado na capital João Pessoa. O catálogo do festival adverte: “esta produção é “Hors-concours Première Parahyba” – não participa da mostra competitiva”. Caso concorresse, as chances de prêmio seriam grandes, aposta Homem de vícios antigos.

Em sua atmosfera vermelha, remetendo a salas de cartomantes, cabarés e pés-sujos, o novo filme de Bertrand Lira é um documentário que o espectador pensa que é ficção, sobretudo pela presença de histórias reais de gente ligada ao cinema e ao teatro. Em geral, búzios e cartas são buscados diante de desilusões amorosas, embora esta opinião seja mera especulação, já que desconhecemos estatísticas de institutos de pesquisa sobre o assunto.

Dados à parte, é no amor, em suas idas e vindas, e na confiança na magia para trazê-lo de volta e mantê-lo ao lado, que foca o documentário, desde o bem-humorado título.

Se “a vida imita o vídeo”, como cantaram os Engenheiros do Hawaii, ou “a arte existe por que a vida não basta”, como sentenciou Ferreira Gullar, é na dúvida entre se as histórias são reais ou ficção, se os personagens estão interpretando ou não, na astúcia do diretor e roteirista Bertrand Lira, que residem alguns dos trunfos de Seu amor de volta (mesmo que ele não queira), ao adentrar um universo que desperta paixão e ódio, entre quem acredita no poder do mistério e quem acha que tudo não passa de bobagem, quando não charlatanismo.

Há histórias dolorosas, em que a rima mais clichê, amor e dor, segue aparecendo, em ambientes enfumaçados e movidos a álcool, das salas em que videntes e cartomantes atendem aos bares, e há quem ria da própria dor, como a senhora que canta versos hilariantes e bebe uísque direto na boca da garrafa.

Professor doutor do Departamento de Comunicação em Mídias Digitais e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGC) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Bertrand Lira realiza documentários desde 1981. Ele conversou com exclusividade com o blogue.

Retrato: Rodrigo Barbosa

 

O seu amor de volta (Mesmo que ele não queira) aparece com a tarja de documentário no catálogo do 13º. Fest Aruanda, de João Pessoa/PB, onde ele estreou em dezembro passado, sem competir. Todas aquelas histórias são reais?
Meu filme é indexado como um documentário porque ele trabalha personagens reais contando suas histórias de desilusões amorosas. A pesquisa envolveu mais personagens, inclusive cinco prostitutas que na edição definitiva ficaram de fora. De certa forma, foi uma coincidência que no corte final ficaram quatro personagens que trabalham com cinema e teatro: um ator e maquiador, uma professora e atriz travesti, e duas atrizes de renome nacional, Zezita Matos e Marcélia Cartaxo. Claro que tem momentos do filme que a fronteira entre ficção e não ficção está nebulosa, mas o que tem de ficção é a carga de subjetividade e imaginário desses atores sociais que o documentário representa em cenas criadas para ilustrar sentimentos, emoções etc.

Qual a sua relação anterior com cartas, búzios e esse universo mágico em geral anunciados em papéis colados em postes?
Para a pesquisa ainda muito embrionária de O seu amor de volta eu procurei uma cartomante para conhecer o universo retratado, mas ela não aceitou participar do filme. Os personagens que aceitaram participar (dois pais de santo e uma cartomante) eu os encontrei apenas duas vezes, a primeira para explicar o projeto e a segunda já nas gravações.

Histórias trágicas e uma diversidade incrível de personagens: como foi chegar a este recorte? Quanto de pesquisa e quanto de sorte, feito a bola que procura o craque?
A realização deste filme foi fruto de duas ideias: uma a partir do filme de Woody Allen Você vai conhecer o homem dos seus sonhos (2010), que me levou a pensar um documentário sobre cartomantes, videntes etc. E a outra foi do personagem Williams Muniz, ator, maquiador e figurinista de teatro e de cinema, que nas horas vagas escreve crônicas sob [o pseudônimo] Laura de Jezebel, seu alter ego. Williams é o fio condutor desta narrativa.

As presenças das atrizes paraibanas Marcélia Cartaxo e Zezita Matos despistam a atenção do espectador: são atrizes e parecem interpretar. Como foi a descoberta de suas histórias e encaixá-las no roteiro do filme?
A atriz Marcélia Cartaxo já estava no projeto desde a sua origem, pois a conheço desde a infância vivida na rua onde nascemos, a Higino Rolim, em Cajazeiras, interior da Paraíba, e tenho acompanhado sua trajetória pessoal e profissional. A atriz Zezita Matos foi incorporada ao projeto por acaso. A presença de duas atrizes forçosamente leva as pessoas a imaginar que tudo é ficção.

Você tem uma vasta carreira no cinema, é professor universitário e também autor de livros sobre a sétima arte. Na sua opinião, esse currículo todo aumenta a responsabilidade na hora de realizar?
Como professor e pesquisador investigamos o cinema documental durante quatro anos no grupo de pesquisa que coordeno na UFPB, o Gecine (Grupo de Pesquisa em Cinema e Audiovisual). Isso me levou a conhecer a trajetória do gênero desde a sua origem. Claro, a responsabilidade só aumenta. As pessoas acham que os acadêmicos são apenas teóricos. Eu faço documentário desde 1981, a partir dos estágios de cinema dos ateliês Varan da França, criados pelo renomado etnógrafo e cineasta Jean Rouch em diversos países do mundo. Tive a chance de me especializar duas vezes na Association Varan de Paris.

Gildomar Marinho faz duas apresentações em São Luís

Cantor e compositor se apresenta hoje (9) no Talkin’ Blues (Cohajap) e sexta (11) no Buriteco Café (Praia Grande)

 

Gildomar Marinho e Luiz Cláudio durante ensaio. Foto: Otávio Costa/ A discoteca do veterinário

 

Maranhense radicado em Fortaleza/CE, Gildomar Marinho aproveita uma passagem pela ilha para fazer duas apresentações, reencontrando-se com o público conterrâneo. Com três discos lançados – Olho de boi (2009), Pedra de cantaria (2010) e Tocantes (2013) – o artista tem outros dois gravados, desde 2015, e ainda não lançados: Porta sentidos e Mar do Gil. “Vendi um carro para fazê-los”, revelou-me, bem humorado, numa conversa ainda àquele ano.

Gildomar Marinho (voz e violão) será acompanhado pelo percussionista Luiz Cláudio. O repertório passeará pela obra autoral de Gildomar Marinho, de temas assinados solitariamente a parcerias com nomes como os poetas Ely Cruz e Samara Volpony (dela ele musicou Contramaré, que dá título ao livro de estreia da arariense), o radialista Ricarte Almeida Santos e o jornalista Zema Ribeiro (que tem parcerias gravadas nos cinco discos de Gildomar). Ele também deve revisitar nomes como Erasmo Dibell (de quem gravou Navegante em Tocantes) e figuras da mpb como Belchior, Carlinhos Brown, Gilberto Gil e Noel Rosa.

“Serão apresentações descontraídas, em clima de confraternização”, promete. Hoje (9), às 21h, no Talkin’ Blues (Rua Auxiliar II, quadra 9, nº. 16, Cohajap), ele sobe ao palco às 21h, e terá como convidados Tutuca e Elizeu Cardoso; na sexta-feira (11), às 20h, no Buriteco Café (Rua Portugal, 188, Praia Grande), Gildomar terá como convidados, além de Tutuca e Elizeu Cardoso, Marconi Rezende, Chico Neis e Gabriela Flor. Em ambas as apresentações o couvert artístico individual custa R$ 10,00.

Uma rara oportunidade de prestigiar o talento de Gildomar por estas bandas. Após as apresentações em São Luís ele volta à Fortaleza, onde tem comandado a temporada pré-carnavalesca do bloco Hospício Cultural, no bairro do Benfica – o equivalente à nossa Madre Deus –, que tem reunido cerca de 10 mil foliões a cada ensaio, aos domingos. A música que puxa o bloco é dele e versa de maneira bem humorada sobre os desmandos da vida política nacional.