As 10 coisas que meu pai deveria ter ouvido antes de ter ido para a guerra: última sessão hoje

Divulgação

 

Perturbador é um bom adjetivo para definir As 10 coisas que meu pai deveria ter ouvido antes de ir para a guerra, de Ivy Faladeli (texto, concepção e direção) que vi ontem na Sala Drao (Rua do Ribeirão, 259, Centro), o ingresso, apenas um real por cada coisa que o pai deveria ter ouvido antes de ir para a guerra.

Três homens (André Dahmas, Felipe Correa e João Cosme) interpretam três mulheres e suas existências beiram o absurdo, embora saibamos que, apesar de tratar-se de obra de ficção, é bem possível que as personagens tenham existido num dos cenários de horror de qualquer guerra, em qualquer tempo, em qualquer lugar do mundo.

Apesar de homens interpretarem personagens femininas, não há ali espaço para piada ou galhofa. Há um drama profundo, com as deficiências de Marie e Merlin, as filhas, levando-nos a refletir sobre as deficiências humanas – elas próprias, as meninas com deficiência, frutos dessa insanidade (humana, demasiado humana) que é qualquer guerra.

Há castigos, tortura, loucura, mas há também doçura, por trás dessa casca grossa, sempre sobra uma ponta de carinho no coração de uma mãe – mesmo que lide sozinha com as maiores dificuldades, além de saudades e incertezas.

A última sessão de As 10 coisas que meu pai deveria ter ouvido antes de ir para a guerra acontece hoje, às 19h, na sala Drao.

Chorografia do Maranhão: Vandico

[O Imparcial, 2 de março de 2014]

Seu apelido emprestou o nome a uma das mais famosas turmas de samba de São Luís. O percussionista Vandico é o 27º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Era uma segunda-feira à noite e Vandico abriu a pesada porta de um velho casarão na Rua do Giz, Praia Grande, para receber a chororreportagem: adentramos o Samba Sem Telhado, palco da Turma do Vandico há quase uma década – pelo vão entre as paredes é possível olhar o céu.

Os chororrepórteres ajudaram o entrevistado a compor o cenário, arrastando bonecos de típicos malandros, boêmios, além de uma espécie de “boneco de Olinda” representando o entrevistado. E é claro, as sombrinhas, estandarte da Turma do Vandico, uma das mais populares e tradicionais do Maranhão.

O percussionista Evandro José Araújo Lima é funcionário público, repetindo uma dobradinha que já esteve muito em voga nas artes nacionais. Nasceu em 29 de maio de 1965, na Rua de Nazaré, “com parteira”, filho de Olga Silva de Araújo, “dona de casa, boa de cozinha, doceira já com uma empresa há 35 anos, a Mãe Olga Doces e Salgados”, e do político Evandro Bessa de Lima, “vereador por três mandatos, chegou a ser prefeito de São Luís por cerca de três meses. Ele faleceu em 1977, eu tinha 12 anos. Quem ficou sendo pai e mãe foi a Mãe Olga”.

Vandico é casado com Ana Paula Martins Rodrigues. Sua turma de samba, por onde já passaram muitos bambas, começou a se reunir em 1986, na casa em que nasceu. Há nove anos mudou de endereço, para o Samba Sem Telhado em que deu seu depoimento à Chorografia do Maranhão. Talvez para fazer valer a máxima do baiano Tom Zé: “na vida quem perde o telhado/ em troca recebe as estrelas”.

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

Você já nasceu onde fazia o samba? Sim, onde foi criado o movimento da Turma do Vandico, em 1986.

Essa tua influência para a música, para o carnaval, vem de quem? Como surgiu isso? Eu acredito que você nascendo na ilha, você já nasce com o rufar dos tambores. Principalmente onde eu nasci, no Centro Histórico, na Praia Grande, o movimento que já existia na época, bumba meu boi, tambor de crioula. E ouvindo. Eu tinha como vizinho o Sindicato dos Estivadores, onde faziam festas memoráveis. A padroeira deles é Nossa Senhora da Vitória [padroeira de São Luís]. Nas festas só se entrava de terno e as mulheres de longo. Lá eu conheci, sempre estava atento, guri, não podia entrar, eu tive o prazer de ouvir Nonato e Seu Conjunto, não a Tribo de Jah, era outro nome antes da Tribo de Jah, que eram só eles, deficientes [refere-se à deficiência visual dos instrumentistas da banda, numa época em que a formação ainda não contava com o vocalista Fauzy Beidoun], o reggae. Os festejos de Nossa Senhora da Vitória tinham ladainhas, tudo. Acabou! Infelizmente acabou.

E em tua casa? O que se ouvia? O que teus pais gostavam? Minha mãe gostava muito de boleros e meu pai gostava de samba. Mas ele quase não tinha tempo. Dentro de casa mesmo eu já começava a construir os próprios instrumentos. Eu lembro do bloco de sujo, a gente criava latinhas pra fazer o bloco. Eu tinha vizinhos que, aos domingos, aquela calma na rua, colocavam muito instrumental, aquelas orquestras americanas, muita música clássica. Isso se ouvia demais. O próprio vinil de Nonato e Seu Conjunto, sambas, Martinho da Vila, Paulinho da Viola. Tinha na época, até no repertório das emissoras, uma música bem mais agradável. Isso aí tudo fazia parte, eu sempre ouvindo, atento, os próprios sambas-enredos. Lembro, eu guri, indo pro Araçagy, não tinha nada, na Kombi de um padrinho, a gente fazia uma batucada e cantava todos os sambas-enredos. Hoje, pra eu saber uma letra de um samba-enredo, é difícil!

Você é membro de uma família tradicional, e jovem manifestou interesse pela música, pela percussão. Como foi a reação da família quando você escolheu este universo? Houve alguma resistência? Não, não. Eu acho que foi bem tranquila. Inclusive eu tinha um grande sonho, papai ainda vivo, eu sempre fui invocado com percussão, principalmente com bateria. E nós saímos para a Rua da Paz, antiga Casa São Jorge, para comprar uma bateria. Aquela empolgação e tal. Nesse primeiro momento eu não consegui a bateria, não foi possível. Com isso eu sempre criando, comprando outros instrumentos e montando uma bateria. Já com 18 anos de idade, meu primeiro salário, funcionário do município, eu comprei uma timba na Casa São Jorge, com vassourinha. Foi meu primeiro instrumento profissional. Pela sonoridade eu já comecei a me apaixonar. O som grave me atrai, eu já tinha visto os amigos [tocando]. Eu sempre fui empolgado com isso, a nossa cultura popular.

Essa relação tua com a música tem alguma coisa de espiritual? Não exatamente. É interessante isso. Na verdade a minha [relação] seria a paixão pelo ritmo. E curiosidade: de todas as manifestações, que na verdade é o que me atrai, são as batidas. As pessoas me veem com colar e pensam “pô, Vandico é pai de santo” [risos dos chororrepórteres], muita gente pensa isso. Eu tava num aniversário e um cara falando: “Vandico, eu me amarro nesse teu jeito de vestir, eu não tinha coragem de andar desse jeito”. A Helena, minha filha, de seis aninhos, me vê falando com os amigos, um dia ela indagou, a gente vinha de carro, e eu falei com um amigo meu, médico, de terno, e ela: “papai, por que o senhor não se veste desse jeito? Seus amigos se vestem bem” [risos dos chororrepórteres]. E eu disse: “minha filha, eu sou artista”. Ela estava se formando no ABC [concluindo o jardim de infância] e eu disse: “olha, tudo bem, na sua formatura eu vou”, aí eu fui com uma calça de linho e uma camisa branca, não fui de terno, não.

A partir de quantos anos você começou a batucar, a se interessar por música e dizer que isso ia fazer parte da tua vida? Olha, meu grande brinquedo foi bola. Bola era um negócio que me fascinava. Eu ia para uma escolinha no Rio, meu pai faleceu e eu fiquei por aqui. Cheguei a jogar nos times maranhenses. Mas a questão do instrumento, a percussão, acho que com sete anos de idade eu já comecei a me interessar. Já é diferente meu filhão, de um ano e oito meses, ele já pega o repique, direitinho, senta na cadeirinha dele e bate. É uma diferença!

Além de músico você tem outra profissão? Sou funcionário público municipal há 25 anos, assalariado. Sou assistente administrativo, hoje estou na Secretaria de Urbanismo. Eu tive momentos assim, com a música, no próprio colégio [Santa Teresa], participando de bandas. Eu tive um grupo chamado Jam 4, que era um instrumental regional. Tive uma época no Tonga Trio, com Léo Spirro e Oberdan [Oliveira], tudo isso foi uma escola. Entrei no lugar de Zé Carlos [percussionista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 10 de novembro de 2013].

Você começou a tocar profissionalmente com que idade? 18 anos.

Timba? Timba. Foi a época em que eu entrei no Hibiscos [extinto restaurante, localizado na Vila Palmeira, onde o Tonga Trio apresentou-se por várias temporadas], eu passei um ano e seis meses. O último contrato deles lá no Hibiscos eu participei. Acompanhar grandes artistas foi um aprendizado para mim. Tive um primeiro momento na Escola de Música [do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo], passei uma temporada lá, parei, depois voltei.

Quem foram teus professores? Pixixita, professor Zé Carlos [o músico José Carlos Martins, o Pixixita], a parte de fundamentos. Na época a escola era [de formação musical] erudita.

Quem é tua grande inspiração na percussão? Eu vou te ser sincero: quando eu comecei a tocar timba e tive essa paixão por ela, tinha uns caras aqui, que eram Jeca, Carbrasa. Eram uns caras que já faziam esse trabalho, depois foi muito rápida a amizade, essa troca de informação, de instrumentos. Foi muito interessante.

Como surgiu a ideia do samba que você manteve durante muito tempo na Rua de Nazaré? A padaria ainda funciona? Houve uma época em que já estava ficando insuportável de cheio. A loja continua, a Mãe Olga Doces e Salgados. Na verdade, com esse movimento, e essa minha paixão também pelo futebol, a gente começou, nos nossos encontros de bola, sempre as reuniões tinham um bate papo e um bom sambinha. Cada um levava seu instrumento e batia um sambinha. Aí eu tive a ideia de convidá-los para a loja, a loja é a mesma casa. Onde era o quarto do velho [seu falecido pai] hoje é a loja. A gente se reunia, ia pra lá fazer o sambinha. Num certo momento, numa sexta-feira, na roda, tivemos a ideia de sair em cortejo pela Praia Grande. Naquele primeiro momento, todo mundo concordando com a ideia, animação, me veio a ideia de ter algo para puxar esse grupo. Eu peguei a sombrinha da minha mãe e saímos dançando pela Praia Grande. Quando a sombrinha voltou, não era um guarda-chuva, voltou só os talos, por conta do vento. Aí começamos, nessa época, a fazer estes encontros. Botamos o nome Turma do Vandico, depois veio o Grupo Magia. Com isso foram 19 anos, esse movimento na Rua de Nazaré, sempre às sextas-feiras.

Foi de quando a quando? Começou em 1986 e há oito anos estamos aqui [no Samba Sem Telhado].

Você falou em uma turma de bola, mas quem eram os músicos? Havia músicos hoje reconhecidos? Tem. Tinha Isaac Barros, Tadeu, a turma de Nonatinho, Luizinho, Inhu, é Mário, hoje ele é segurança, da PM, a gente esquece nomes, Marcílio, Nivaldo [Santos] esteve depois. Depois veio Cacá [do Banjo], Neto Peperi, depois, na formação de um grupo, nós fizemos Vandico, Carbrasa, fizemos um momento lá no Caminho da Boiada, com Chico Chinês, Neto Peperi, Costa Neto, Álex, mineiro…

Então, de certa forma, o movimento da Rua de Nazaré serviu de embrião para grupos como o Magia e o Espinha de Bacalhau? O Espinha de Bacalhau já era antes, já tinha a formação. Depois que formou a Turma do Vandico eles andaram se apresentando, fizemos Bailes do Bigorrilho aqui na Casa da Fésta [no Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho, na Praia Grande]. Como o Estação, que não era Estação, era com a turma, aí criaram o grupo. É mais ou menos isso.

Dá pra viver de música? Você ganha algo com música ou só gasta? Não. Música, não. A música é uma paixão. Eu não posso viver sem ela, ela desopila, é uma coisa que você gosta de fazer. Hoje eu tento nivelar, empatar. A própria Turma do Vandico sempre foi mais pra se divertir. Hoje eu procuro não gastar com ela. Pego recursos pra que empate, na própria venda da cerveja. A Turma do Vandico é feita por amigos, que vêm de bom coração. É um movimento que você tem uma referência da tradição da música maranhense, da boa música. Na verdade você consegue realmente agradar, o próprio instrumentista vem e consegue estar bem no local. Tem essa energia maravilhosa.

Não dá para classificar a Turma do Vandico como uma banda. Ela é mais um movimento pelo qual passam músicos, sem uma formação fixa. Você já citou alguns, mas eu queria que você lembrasse algumas personalidades da música do Maranhão que já passaram pela Turma do Vandico, isto é, os ambientes da Rua de Nazaré e do Samba Sem Telhado. Isso! Exatamente! Neto Peperi, Chico Chinês, Nivaldo, Cacá, Valdinar, Jó, Dinho, esses meninos que estão fazendo sucesso agora, o [grupo] Argumento, eu tenho uma foto lá. Eu diria que muitos beberam dessa fonte. Estivemos participando de um festival que teve na Vila Palmeira, apresentando uma música de Oberdan, nós ficamos em terceiro lugar, onde eu estive com Dona Ivone Lara, Zeca Pagodinho, aquela turma toda. Quem mais? Álex, às vezes você perde os nomes, não é? João Neto [flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 2 de fevereiro de 2014]! Juca do Cavaco, hoje é um dos nossos maestros da Turma do Vandico, Chico Nô. Sávio Araújo esteve por lá, Josias Sobrinho, Joãozinho Ribeiro, Cesar Teixeira, César Nascimento, Célia Leite, a última agora que deu uma palhinha com a gente, Patativa. Léo Spirro, Domingos Santos, Privado.

Vandico e o choro: a partir de quando essa relação começa? O choro, eu participando ativamente do choro, acho que tem uns 15 anos. Eu já ouvia muito. Dilermando Reis [violonista], eu tinha um vinil de Dilermando Reis. O choro, o pandeiro é um instrumento importantíssimo, e difícil de ser executado. Pretendo ainda ser um grande pandeirista.

Com quem, primeiro, você começou a tocar? O Feitiço da Ilha já tem oito anos, mais ou menos isso, quase 10. [Comecei] Nos encontros, Biné do Cavaco, Paulo Trabulsi [cavaquinhista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 22 de dezembro de 2013], Solano [Francisco Solano, violonista sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 26 de maio de 2013], Agnaldo [Sete Cordas, violonista sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 17 de março de 2013], Serrinha [o flautista Serra de Almeida, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 3 de março de 2013]. Aí vem Osmar do Trombone [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 23 de junho de 2013], eu tive o prazer de estar em rodas de choro com… [demora a lembrar do nome e exclama alto:] Zé Hemetério [multi-instrumentista]! Às vezes você perde o nome, cara, das figuras. Eu acredito que o percussionista tem que estar nessas variações, conhecendo os artistas, tocando com eles. Essa é a universidade musical, a vida que você tem nos bares, nas ruas, fazendo serenatas, saraus. Eu era do Santa Tereza ainda, fazia sarau com Djalma [Chaves, cantor e compositor]. Outra figura também interessante que eu vi muito ainda jovem foi Gilberto, Gilberto que foi do Peso [Banda O Peso], Fantoches.

De uns anos para cá, 2009 mais precisamente, o Feitiço da Ilha tem andado mais articulado, tocado com mais regularidade. A que você credita isso? A uma valorização do choro em São Luís, a uma organização da cena, ou a quê? Eu acredito que, na verdade, até a própria vontade do artista em querer fazer esse grande trabalho. Choro foi a nossa primeira música, estilo, instrumental. Com as figuras mais jovens também, a própria Escola Lilah Lisboa, ela te prepara para esses estilos. O Feitiço da Ilha, com Juca, Domingos Santos [violão sete cordas] fez parte, maravilhoso, e Chico Nô, começamos na calçada da Rua do Giz, em frente ao Restaurante da Dadá [o Cantinho da Estrela], a boa música condizia com o cartão postal que é a Praia Grande. É o que falta. De lá partimos para a calçada do [antigo] Hotel Central [na Praça D. Pedro II], chegamos a ser citados na revista da TAM por Zeca Baleiro.

Por lá passaram alguns grandes nomes do cenário nacional tocando com vocês, não é? Zé Barbeiro [violonista sete cordas], Hélcio Brenha [saxofonista], Celsinho Silva [pandeirista]. Teve um rodão depois, que não foi lá na calçada. Acredito que além da resistência e de você colocar para fora esse movimento do choro, da música instrumental, e você pegar os pontos que realmente seriam um atrativo do próprio espaço para essa boa música, eu acredito que há público para isso, inclusive sente-se muita falta disso, o próprio Clube do Choro [Recebe, projeto sediado no Bar e Restaurante Chico Canhoto entre 2007 e 2010] faz uma falta, tem que ser reativado, com certeza. Eu tive conhecimento de uma roda de choro na [praça] Gonçalves Dias. São movimentos que o público maranhense precisa.

E um cd da Turma do Vandico? Nós temos músicas, um repertório para gravar esse ano, inclusive com nossos compositores.

Quem são os nossos compositores? Zé Paulo, Chico Nô, Isaac [Barros], Neto Peperi, Quirino, Serrinha [do grupo Serrinha e Cia.] ficou de fazer uma, o próprio Oberdan já fez uma, Joãozinho [Ribeiro] me disse que tem duas.

Um momento importante de tua carreira foi o show Rosa Secular [Noel, Rosa secular teve duas edições, a primeira também com Cesar Teixeira], que veio a ganhar Prêmio Universidade. O que significou para você estar ali junto de [os compositores] Joãozinho [Ribeiro], Josias [Sobrinho], [Chico] Saldanha, seus convidados especiais e aquela banda enorme e supertalentosa? Na verdade eu me sinto muito feliz em estar com estes monstros da música brasileira. E o [show em homenagem a] Noel Rosa fez com que a gente tivesse mais contatos, o músico, os compositores, os artistas, num movimento que foi muito importante para a cidade. Eu sempre aprendo nesses movimentos que sou convidado, participo, com essas pessoas maravilhosas. Tanto com os músicos quanto com os compositores que estiveram nesse show. Foi uma celebração da música maranhense junto com um público maravilhoso. Foi um espetáculo, um show que eu diria que se a gente voltasse atrás, eu sempre digo para os amigos que eu nasci numa época errada, eu queria ter nascido no século 18, 19. Aquele show do Noel Rosa lembrou até o Teatro de Revista. Foi uma celebração maravilhosa, isso para meu currículo, de artista, de produtor cultural, de percussionista, ritmista, foi muito interessante.

Qual a importância do choro na cena brasileira? Eu acredito que é o ABC de todo músico, de todo artista, está com ele, na sua cartilha, o choro. Além de proporcionar viagens maravilhosas, aonde você chegar você é muito bem recebido. Eu, particularmente, vivo um momento muito gostoso de minha vida fazendo parte do Feitiço da Ilha, mostrando nos cantos da cidade o choro. ABC não no sentido de ser fácil de fazer: os grandes chorões eram escolados maestros.

Como você avalia o choro que se faz hoje no Maranhão? Nós temos um movimento maravilhoso, instrumentistas fabulosos. Tem muita rapaziada nova já inserida, saindo da Escola [de Música] e se interessando pelo choro.

Você é um cara muito ligado, valoriza demais a cultura popular maranhense. Você acha que ela pode ser misturada ao choro? Sim, claro. Deve. Com certeza! Eu crio em cima do choro a minha performance musical. Em cima, não tirando, mas acrescentando, a musicalidade em cima do instrumental de choro. Eu acho interessantíssimo, isso vem de dentro. Por que não? De repente a Bela mocidade [toada de bumba meu boi de autoria do recém-falecido Donato Alves] vira um clássico do choro, não procede?

O que significa o carnaval para Vandico? É minha alegria! Meu dia a dia. É fazer as pessoas felizes, compartilhar momentos maravilhosos. Eu acho que o carnaval, não só na sua época, mas em todo momento que eu participo dos movimentos culturais, até propriamente dentro de casa, você tem que ser alegre. A Turma do Vandico, o próprio Vandico, é uma alegria e com muito prazer de se resgatar o nosso grande carnaval de São Luís do Maranhão. Já estive em momentos maravilhosos em carnavais em interiores, que infelizmente acabaram por influência de musicalidades que realmente não têm a ver com nossa cultura, com nosso carnaval, que eu particularmente sou do carnaval de rua, essa é a cara do Maranhão.

Que tipo de sentimento te ocorre quando você pega sua sombrinha, sai em cortejo e vê todo aquele povo te seguindo? A minha missão na Turma do Vandico é fazer esses cortejos. A cada cortejo que é feito, todas essas pessoas amigas, que acompanham a Turma, são simpatizantes, isso me deixa muito feliz. São 28 anos de atividades, de movimento, e você não vê uma briga. A gente consegue manter essa tradição junto com nosso estandarte, nosso guarda-chuva, tocando nosso apito.

Sambista e carnavalesco eu sei que a resposta seria sim, mas você se considera um chorão? Eu estou a cada vez mais me botando essa camisa, pela afinidade e pelas parcerias, os companheiros dessa área. Eu vejo que hoje é a musicalidade que me deixa muito bem.

Você tem uma cara que é como se fosse a cara do carnaval, ao mesmo tempo em que a Turma do Vandico tem um slogan, “é só alegria”. O que deixa Vandico triste? O que me deixa triste é o desrespeito ao artista maranhense. Nós temos uma batucada ímpar, bloco tradicional, tambor de crioula, a batucada do [bloco] Fuzileiros da Fuzarca, inconfundível. Nós temos tudo isso, onde os compositores e artistas maranhenses se prestam a fazer um grande carnaval, mas não são valorizados pelos nossos gestores.

Como você observa o abandono da Praia Grande? É o cartão postal da cidade. A Praia Grande precisa ser revigorada em todos os aspectos. Falta capacidade, competência para que você faça um grande trabalho, invista. Isso aqui é um lugar belíssimo. Do jeito que está você vê o turista vindo, batendo foto. Ela vive um momento muito cruel, a poluição sonora, o descaso no seu entorno todo. É preciso que se veja com bons olhos esse momento que o Centro Histórico está vivendo. Nós estamos praticamente nos momentos políticos de eleições, que se pense realmente em quem vai dirigir futuramente o estado e veja isso com o maior carinho. E convido-os [os candidatos] a passearem na Praia Grande, só assim veremos os problemas que a Praia Grande tem.

O que você achou da exclusão arbitrária de Chico Maranhão e Cesar Teixeira da programação carnavalesca oficial do Governo do Maranhão? São dois grandes compositores, têm tudo a ver com o carnaval, fico também triste por isso, por que se eles não estão com suas apresentações no palco, as músicas deles estão sendo tocadas por aí. A bandeira do artista bate em todos os sentidos e pra todos os lados, ela não pode ser rotulada: “você não pode, você não deve, aquele não pode”, assim não funciona. Eu fico triste com esta situação.

[nota do blogue: era domingo de carnaval; o jornal cortou a última pergunta]

Alguns dias com Patativa

No retorno do Vias de Fato, nosso repórter de cultura relembra Ninguém é melhor do que eu, show de lançamento do disco de estreia da compositora Patativa, que ele teve a honra de assessorar

Talentosa, contente e faceira: a compositora Patativa ladeada pelo séquito de admiradores com quem trabalhou para o sucesso de "Ninguém é melhor do que eu", o disco e o show. Foto: Maristela Sena
Talentosa, contente e faceira: a compositora Patativa ladeada pelo séquito de admiradores com quem trabalhou para o sucesso de “Ninguém é melhor do que eu”, o disco e o show. Foto: Maristela Sena

 

Nem pestanejei ao receber o convite para assumir a assessoria de comunicação do show de lançamento de Ninguém é melhor do que eu, disco de estreia de Patativa, que aconteceu em São Luís, no Porto da Gabi, na última quarta-feira (19).

Já era admirador de longa data de seu trabalho e sabia cantar alguns sambas seus de cor, apesar da quase inexistência de registros de músicas suas até ali. As exceções eram Rosinha, gravada por Fátima Passarinho no único disco do grupo Fuzarca (integrado ainda por Cláudio Pinheiro, Inácio Pinheiro, Roberto Brandão e Rosa Reis), e Colher de chá, por Lena Machado em Samba de minha aldeia (2009), com participação especial de Zé da Velha e Silvério Pontes.

O aprender fácil, a própria Maria do Socorro Silva, seu nome de pia, 77 anos, explica: “samba de cachaça! A letra é curtinha pra não esquecer”. E dá um exemplo, cantarolando a letra de Quebrei meu tamborim: “deixei de beber/ e quebrei meu tamborim/ eu não vou, eu não vou/ na porta daquele botequim/ vai, vai, vai/ eu não quero mais você pra mim”.

Nas rodas boêmias entre a Praia Grande e a Madre Deus, Xiri meu é hit absoluto. Durante os dias em que a acompanhei por diversos veículos de comunicação numa maratona de entrevistas prévias ao lançamento, senti-me personagem do documentário curta-metragem de Tairo Lisboa, que toma emprestado no título sua música mais famosa. Ela ia cumprimentando conhecidos por onde passava, distribuindo seus “beijinhos furta-cor”. Pura simpatia!

Não poucas vezes ouvi-a dizer, em conversas ou respondendo a perguntas de repórteres, que “quem espera por Deus não cansa”, referindo-se ao fato de somente agora lançar o primeiro disco da carreira. “Eu queria mais cedo, quando estava mais nova e a voz, mais bonita. Mas foi agora que Deus quis”, também a vi conformando-se algumas vezes. Ninguém é melhor do que eu sai pelo selo Saravá Discos, de Zeca Baleiro, diretor artístico do disco, que tem produção musical de Luiz Jr.

O álbum traz um apanhado de 12 sambas e o cacuriá malicioso, já velho conhecido dos ludovicenses, sobretudo os frequentadores das citadas rodas boêmias, e conta com as participações especiais de Simone, em Saudades do meu bem querer, e Zeca Pagodinho, na faixa-título, além do próprio Zeca Baleiro, em Santo guerreiro.

Patativa já está com outro disco na gaveta, Patativa canta sua história, que deve ser lançado antes do carnaval, segundo o produtor Luiz Jr., financiado por edital da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão.

Mas é de Ninguém é melhor do que eu que nos cabe falar, por enquanto. O lançamento foi uma linda noite de festa, em que Patativa foi reverenciada por fãs, amigos, admiradores, conhecidos e todos os frequentadores, assíduos ou não, do Porto da Gabi, cuja proprietária e o marido, Gabriela e Josemar, são personagens de uma das músicas do disco: o Samba dos seis.

Joaquim Zion e Marcos Vinicius, djs residentes da casa na já tradicional Sexta do Vinil, três anos recém-completados, fizeram o povo gingar misturando reggae, merengue e música brasileira, antes das apresentações do grupo Samba na Fonte – de cujas apresentações na Fonte do Ribeirão que lhes batiza Patativa vez por outra participa – e da exibição do filme de Tairo Lisboa.

Depois era a vez dela. Inseparáveis, o chapéu e o galho de arruda na orelha esquerda compunham o figurino com que Patativa subiu ao palco, acompanhada de Luiz Jr. (violão sete cordas e direção musical), Robertinho Chinês (cavaquinho), Davi (contrabaixo), Oliveira Neto (bateria), Lambauzinho (percussão), Wanderson (percussão), Elton (sax e flauta), Philippe Israel (vocais) e Lena Machado (vocais) – esta subiria ao palco a partir de sua participação especial em Colher de chá.

Patativa abriu o show com a mina No pé da minha roseira (“No pé da minha roseira/ em cada galho é uma flor”). Cantou quase todo o disco e mais cinco inéditas, incluindo esta primeira. Zeca Baleiro dividiu o microfone com ela em Santo guerreiro e em Ninguém é melhor do que eu. Antes, brincou: “vai ser difícil fazer as vezes do xará”, referindo-se a Zeca Pagodinho, que canta a faixa-título no disco.

O público lotou o Porto da Gabi em plena quarta-feira. O clima de cumplicidade entre artistas e público, raras vezes visto com tanta intensidade, garantiu que tudo corresse bem. Agora Patativa era uma estrela – como sempre foi – mas continuava se comportando como se cantasse na Fonte do Ribeirão, na Feira da Praia Grande ou na janela da sala de sua casa – onde a vi batucando um samba, talvez compondo, enquanto esperávamos a hora de um novo compromisso de divulgação do show. Ou seja: Patativa continuava se comportando como a Patativa que sempre foi, desde que Justo Santeiro colocou-lhe o apelido, com o que de início se zangou, o que certamente colaborou para que o nome artístico pegasse. “E tu, que é uma Patativa, que só vive cantando pela Madre Deus?”, revidou à comparação com o Amigo da Onça numa cachaçada, como ela mesma conta.

Passados tantos anos, Patativa, hoje, é sinônimo de alegria e boa música – mesmo quando os temas são tristes, como as saudades e as dores de amor. Que seu compor e seu canto alcem cada vez mais altos voos, pousando em cabeças, corações e ouvidos abertos e interessados.

[Vias de Fato, dezembro de 2014]

Chorografia do Maranhão: João Eudes

[O Imparcial, 16 de fevereiro de 2014]

Com trânsito livre entre o choro e gêneros da cultura popular maranhense, o violonista sete cordas é o 26º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão

Foto: Rivanio Almeida Santos


TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Para a sexta-feira (24 de janeiro) em que João Eudes deu seu depoimento à Chorografia do Maranhão estava anunciado o lançamento de Cinco Gerações, disco de estreia de Osmar do Trombone [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 23 de junho de 2013] com o filho Osmar Jr. [saxofonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 5 de janeiro de 2014]. A chuva que caía entre o fim de tarde e começo da noite em São Luís desencorajava qualquer chorão a sair de casa – depois São Pedro deu uma trégua e o show aconteceu, com a presença da chororreportagem, que seguiu da entrevista para o Barulhinho Bom [bar na Lagoa da Jansen].

João Eudes Martins Júnior nasceu em São Luís – mais precisamente na Maternidade Marly Sarney, na Cohab – em 26 de janeiro de 1980, filho do mecânico João Eudes Martins e da funcionária pública Clarice da Silva. No braço direito, tatuado, o nome de Ana Carolina, 5, sua filha.

Da infância, ele traz a lembrança de festas em casa, regadas a muita música, de onde pinçou o gosto pela música instrumental, embora essa não fosse predominante na trilha sonora nem na coleção de discos de seu pai.

Um dos mais respeitados violonistas sete cordas na cena choro do Maranhão na atualidade, João Eudes é figura fácil em rodas de choro e samba e é um dos músicos preferidos de figurões que visitam a Ilha em shows. Passeia com desenvoltura pela música instrumental, particularmente o choro, e por ritmos da cultura popular do Maranhão – depois do choro, seu gênero predileto é a batida do bloco tradicional.

O músico concedeu a entrevista na Quitanda Rede Mandioca (Rua do Alecrim, 343, Centro, ao lado da Cáritas Brasileira Regional Maranhão), novo point gastronômico-cultural da cidade, e foi regado a croquetes de queijo e coxinhas de frango, ambos a base de massa de mandioca e fritos no azeite de coco babaçu.

Foto: Rivanio Almeida Santos

 

Você tem outra profissão além de músico? Não. Já tive. Fui professor de informática, professor particular. Hoje [sou] só músico.

E o ambiente musical em tua casa? Em tua vivência doméstica, familiar, o que te motivou a estudar, a fazer música? A questão musical foi através de meu pai. É uma pessoa que gosta muito de festas, hoje nem tanto, já está com mais de 70 anos. Sempre convidava os amigos para ir lá para casa e colocava várias músicas. Engraçado é que a música instrumental não rolava muito lá em casa, mas foi uma música que chamou muito a minha atenção quando eu era criança ainda. Rolava na minha casa mais era carimbó, sirimbó, samba, [as cantoras] Clara Nunes, Elis Regina, lambadão.

Ele tocava ou só ouvia? Ele era um grande comprador de discos? Só ouvia. Sim, lá em casa sempre teve muitos discos. Mais do meio dele, tipo, o Pinduca [cantor e compositor paraense] lançava um disco e ele já estava comprando.

Desde quando você começou a se interessar por música? Com 11, 12 anos eu queria estudar, mas meus pais não deixaram. Diziam: “esse negócio de música, é melhor seguir outra profissão”. Aí eu fui estudar já com 20 anos.

E o violão? Era esse o instrumento que sempre te chamava a atenção? Sim, sempre. O violão, a música instrumental, principalmente o choro, eu escuto isso desde criança, pela [rádio] Universidade, pela 106 [106,9MHz, a frequência da FM]. Eu me lembro, eu com nove anos, eu já gravava fitas e guardava pra escutar, eram músicas que me chamavam a atenção, o choro, [os compositores] Chico Buarque, Vinicius [de Moraes], João Bosco. Mas eu não tinha a convivência com este gênero na minha casa.

Então o rádio foi um grande incentivador? Sim, o rádio foi um grande incentivador para eu gostar desse estilo de música.

Você consegue fazer um paralelo entre o rádio que você ouvia na infância, com 10, 11 anos, e o rádio que você ouve hoje? Percebe alguma diferença? Eu acho que a qualidade caiu um pouco. Em geral. A [rádio] Universidade caiu, pode ser a questão da evolução da tecnologia, tudo isso tem influência. As outras rádios, que tocam músicas mais comuns, caíram bastante.

Quando você decidiu estudar música, já caiu direto no sete cordas? Não. Eu comecei a estudar música no violão seis cordas, como todo mundo começa, aquele negócio, pega o violão do amigo, compra uma revistinha na banca. Naquela época, 1999, 2000, não tinha tanta informação quanto hoje. Não era fácil você comprar um livro de música, hoje em dia você entra na internet e baixa, já tem um vídeo de um cara que gravou alguma coisa, já te ensina algo. Na minha época não existia isso, então eu tive que aprender com os amigos, as revistinhas. Eu tive uma facilidade, em um ano eu já tocava uma porrada de músicas, mas tinha os empregos paralelos, então eu não me dedicava tanto.

Você estudou informática na juventude? Estudei, fiz faculdade até o quinto período, no Ceuma, Sistema de Informação.

Quando foi que você percebeu que a música é que era o negócio e você resolveu largar tudo? Foi nessa época aí que eu fazia faculdade. Por que lá eu já fazia alguns eventos e já tocava música instrumental. O professor já falava assim: “rapaz, vai ter um evento aí, tu não quer tocar umas quatrozinhas só pra…”, e eu “rapaz, na hora”. Eu me preparava, ia lá, tocava. Eu já estava começando a tocar na noite, acompanhando um, acompanhando outro, festa, aniversário, já estava começando a ganhar um dinheiro. Aí eu comecei a tocar mesmo, já com outras pessoas, mais profissionais, acabei largando a faculdade e ingressando no mundo da música.

Dá para dizer que o rádio foi o teu primeiro professor e a noite a segunda? Claro! O gosto da música, na verdade, veio por causa de meu pai, que sempre gostou. Eu, na barriga da minha mãe, já escutava música, meu pai já gostava. Mas esse gosto pelo gênero [o choro], que eu tenho, com certeza a influência maior foi do rádio.

Depois dos 20 anos, quando você se decidiu mesmo pela música, você passou a receber apoio dos pais, ou eles continuaram resistindo? Não. Ainda teve muita resistência, brigas, lições de moral. Aquela coisa: “rapaz, vai ficar nesse negócio, só beber cachaça!”, sabe como é que é, né? Eu nunca tive [incentivo] assim. Meu pai é um cara que não é formado, não tem tanta instrução. Então o negócio dele é trabalhar mesmo, mas ele não consegue enxergar na música algo que possa ser encarado como profissão. Mas hoje mudou muito. Hoje eu vivo totalmente da música, então hoje ele me respeita, tem o maior carinho por mim.

Você hoje vive apenas de música? Só de música. Como que eu vivo só de música? Deixa eu explicar: além de tocar música instrumental, também toco os gêneros regionais. Eu toco em blocos tradicionais, sou arranjador de blocos tradicionais desde 2007, toco no Boi Pirilampo já há sete anos, comando a parte musical, arranjos, a maioria dos arranjos é meu, toco em escolas de samba. A gente sabe que em São Luís a produção musical é pequena, em termos financeiros, não de composições, de letras. A questão que é pequena é a produção para gerar a grana, no caso.

Teve o rádio e a noite, mas houve uma hora em que você sentiu necessidade de estudar música. Quando você entrou pra Escola [de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo]? Eu entrei de 2005 pra 2006, por aí. Fiz todas as percepções, falta um recital e duas disciplinas para receber o diploma lá.

Você está na universidade? Sim, sexto período, na UFMA, Licenciatura em Música.

Além do rádio e da noite, quem foram outros mestres decisivos na tua orientação violonística? O principal foi João Pedro Borges [violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 14 de abril de 2013], esse foi o maior incentivador. Eu tenho um amigo, também, chamado Tom, um grande violonista, tenho o maior carinho, fez uma grande diferença quando eu me dediquei aos estudos. O nome dele é Elton.

João Pedro foi teu professor na Escola? Não, foi meu professor particular. Na verdade foi assim: ele me olhou tocando no Clube do Choro Recebe e perguntou “rapaz, tu não quer pegar umas aulas só pra consertar essa mão aí?”, e eu: “rapaz, na hora!”. Aí eu fui assistir aula com ele, sem problema nenhum. Com o maior prazer. Na verdade, ele foi meu professor mesmo de violão. E tive na Escola de Música também o Antonio de Jesus.

E no sete cordas teve alguém? Não, no sete cordas ninguém. O sete cordas, na verdade, quando eu ouvia o choro, eu sabia que tinha um violão diferente. E eu via as pessoas tocando seis cordas e não era aquilo. Que instrumento doido é esse? Aí um dia Costa Neto [violonista sete cordas] chegou num barzinho, eu estava com um amigo, começando a tocar, ele chegou com o violão sete cordas. Rapaz, eu fiquei doido, “esse é que é o violão do choro”. Eu nem queria mais tocar meu violão, queria só ouvi-lo tocando. Depois eu conversei com ele: “rapaz, tu não quer me emprestar teu violão?”. O meu seis cordas estava novinho, mas eu não estava nem aí. Eu já o conhecia há algum tempo, mas não sabia que ele tocava sete cordas. Ele me emprestou um mês o violão. Foi um mês que eu estudei. Nessa época eu estava desempregado, estudava 10, 12 horas direto esse violão. Daí eu nunca mais larguei. Ele me emprestou, e eu fiquei ainda um tempo tocando seis cordas. Quando começou o Clube do Choro [Recebe], o Chorando Calado, eu tocava seis cordas. Às vezes afinava como sete cordas, ficava tocando assim e treinando: era uma forma de eu aprender.

Quem é o sete cordas, daqui ou de fora, vivo ou morto, que mais te inspira? O maior, que todo mundo sabe, é o Dino [Horondino José da Silva], que ele foi o criador, o mentor desse negócio todo, mas o Raphael Rabello foi o maior violonista de todos os tempos. Acho que ele é inspiração para todo violonista que queira tocar legal. Aos 16 anos ele já foi considerado um dos melhores sete cordas do mundo.

E dessa geração nova? O Félix Jr. e o Rogério Caetano são dois violonistas sete cordas muito bons. Na linha do sete cordas, por que o Yamandu [Costa] toca sete cordas, mas é solista, e quando a gente fala em sete cordas, fala em acompanhamento. Solista, acho que não tem ninguém igual a ele.

Voltando à coleção de discos de teu pai: você falou que era predominantemente música de festa e, pelo meio, havia coisas de música instrumental. Daquela época você lembra de algum nome que te tenha chamado a atenção, que tenha se destacado? Ah, lembro: Vieira e seu Conjunto era um disco instrumental que meu pai escutava. Taí! Era só guitarrada. Eu gostava demais daquilo ali.

Algum outro? Sim. Baden Powell [violonista] era um preferido meu. Baden Powell tocava na rádio também. Mais do que qualquer outro instrumentista. Por que além de ele fazer música instrumental, também tinha música cantada, os afrossambas, e tinha como adquirir o disco dele. Não era fácil adquirir discos de choro. Mas de música instrumental, primeiro foram as guitarradas de seu Vieira [dedilha algo do ritmo no sete cordas], escutei muito na minha vida, carimbó de Pinduca, sirimbó, na doideira [risos].

Você fez uma distinção entre o acompanhante e o solista. Você é um reconhecido acompanhador na cena musical de São Luís. Você tem alguma pretensão de passar a solista? Tenho uma grande pretensão de passar a solista [a pedido da chororreportagem executa Sons de Carrilhões, de João Pernambuco, posando para fotos].

A gente observa que quando os grandes nomes do samba, do cenário nacional, vêm à São Luís, eles [os produtores] recorrem a você para tocar com eles. Isso é importante. Que tipo de sentimento te traz, além da grana no bolso? É legal você ter uma experiência, uma relação. A relação é sempre boa, nunca houve problemas. A relação é musical, não de amizade, mas é legal por que você compartilha de trabalhos diferentes.

Cite alguns nomes do cenário nacional com quem você já tocou. Moacyr Luz, Toninho Geraes, Monarco, Marquinho Satã, o show passado de Zé da Velha e Silvério Pontes, Nicolas Krassik, toquei aqui e toquei com ele no Rio, Moyséis Marques, Mariana Bernardes, Thaís Macedo, Julieta Brandão, Nina Wirtz, Elisa D’Or, Edu Krieger, gente boa, é um cara com quem eu tenho amizade.

E o Chorando Calado? Acho que foi um grupo muito importante para a época. Acho que a gente incentivou muitos músicos da nossa geração. Por que todo mundo tratava o choro como se fosse música de velho. Quando viram a gente tocando, com alegria, com a pegada… eu tenho saudade, foi uma época em que a gente aprendeu muita coisa.

O que significou o grupo para você? Foi um grupo que teve uma grande importância nessa música instrumental do Maranhão. Todo mundo viu a gente jovem, tocando, estudando pra caramba pra poder tocar. Foi um dos grupos muito importantes para a minha base musical.

Vocês já pensaram em reeditar o grupo ou acabou? Já, já pensamos. A gente sabe que essas coisas nunca acabam. Na verdade o que aconteceu é que cada um seguiu uma coisa, cada um teve uma oportunidade e [o grupo] foi se dispersando. Ano passado, no começo do ano, a gente sentou, até no estúdio, pra reformular o grupo, gravamos o vídeo de uma música, um arranjo que a gente fez para Boi de Lágrimas [toada de Raimundo Makarra]. Começamos a engatinhar e começaram a aparecer trabalhos para um e para outro, viagem não sei pra onde.

Com as mesmas pessoas ou com alguma novidade? Com algumas novidades, o Lee [Fan, flautista e cavaquinhista] e o Henrique [Jr., violonista].

Além do Chorando Calado e do Boi Pirilampo, de que outros grupos você já fez parte? Como membro do grupo? Os blocos tradicionais Os Feras, Os Vigaristas, Os Tradicionais do Ritimo. Eu sou muito desse meio, de bloco tradicional. Eu participei de vários blocos. Eu participei de três bumba bois, o Pirilampo foi o em que durei mais. Participei do Boi Brilho da Comunidade, está terminando de gravar o cd, esse ano sai, no São João, e do Boi de Palha, que é um boi bem mais antigo que o Pirilampo. Participei, viajei, toquei em vários lugares com ele.

De que discos você já participou da gravação? Eu participei agora de um que Zeca Baleiro produziu [A palavra acesa de José Chagas, produzido por Zeca Baleiro e Celso Borges], de poemas de José Chagas, na faixa de Cesar Teixeira [Campoema, poema de José Chagas musicado por Cesar Teixeira]. De bloco tradicional eu participei de praticamente todos. De bumba boi eu toquei em discos do Pirilampo. No samba: Isaac Barros, Feijoada Completa, está para sair, Madrilenus, está para sair, Turma do Cafuné, eu estou produzindo, está para sair, é um grupo da Cidade Operária. Fiz agora uma gravação num projeto do Ronald Pinheiro [compositor] com Augusto Bastos [músico], gravamos eu e Wendell [Cosme, bandolinista e cavaquinhista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 24 de novembro de 2013] duas faixas no cd.

O que significou para você ser chamado por Cesar para participar da gravação? Significou muito. Além de serem os poemas de José Chagas, que já é importante, foi um convite de Cesar. Eu fiquei até surpreso. Eu já tinha tocado em shows dele, é um dos maiores compositores de todos os tempos. Eu fiquei altamente honrado.

Você acha que há uma relação entre o choro e os ritmos da cultura popular do Maranhão? Você, que transita com desenvoltura em ambos, que tipo de informações leva de um a outro? Eu acho que há várias cabeças para pensar isso. Tem gente que tem grupo de samba e não gosta de colocar a regionalidade, e tem grupos que gostam. Eu acho muito importante ter. Não adianta fazer o samba do jeito que o cara do Rio toca, por que para eles vai ser a mesma coisa, não tem diferença. O que faz a gente ser diferente é tu ter uma marca, ter uma identidade. Qual é a nossa identidade? É bumba boi, é bloco tradicional, é tambor de crioula. São os estilos, os gêneros que são caracterizados de São Luís, do Maranhão. Todo mundo deveria explorar isso. Isso não quer dizer que você vai tocar uma música e vai tocar o tempo todo só o boi ou o tambor de crioula. Não. Pega um samba, mistura um pouquinho aqui e ali.

Você compõe? Componho. Eu tenho algumas coisas instrumentais que eu faço. Tem coisas na minha cabeça que eu nunca escrevi. Tem coisas que eu gravo no celular, outras eu já anoto num programa de computador, em partitura. Uma coisa que estou estudando bastante agora é essa questão de arranjos e direção musical. São Luís ainda está precisando melhorar muito essa questão, de profissionalismo. A gente não pode comparar com São Paulo, há o tamanho da cidade, a população, mas quanto mais profissional, melhor.

O que é o choro para você? Qual a importância dessa música? A importância dessa música é a base musical para todo o Brasil. Tudo o que você imaginar, que você analisar, vem do choro. A bossa nova, o samba. Se você pegar os choros antigos, até hoje, muita gente ainda faz as melodias muito parecidas com o choro.

Você se considera um chorão? Não. Eu me considero um apreciador do choro. O cara quando se considera um chorão tem que ter uma base de choro bem violenta, tem que estar muito envolvido com isso.

Mas você não acha a expressão “chorão” reducionista? Não, eu não vejo dessa forma. É uma coisa boa para o músico, dizer que é chorão. Eu não me considero chorão, mas é uma linguagem que eu escuto muito, diariamente. Depois do choro é o bloco tradicional, depois vem o bumba boi.

Minha homenagem a Humberto de Maracanã

Foto: Murilo Santos
Foto: Murilo Santos

 

Conheci mais de perto Humberto de Maracanã no início da década de 1970, quando eu integrava o grupo Laborarte. Nesse período percorremos várias comunidades do interior da ilha de São Luís apresentando o espetáculo João Paneiro, escrito por Tácito Borralho e Josias Sobrinho. A peça, encomendada pelas Irmãs de Notre Dame de Namur, Barbara e Anne Caroline, que atuavam na área, iniciou a discussão sobre a implantação dos grandes projetos que atingiram as comunidades.

Humberto foi uma das lideranças importantes nesse debate. Algum tempo depois, em 1982, fui convidado pelas mesmas Irmãs de Notre Dame de Namur, para documentar as ações da Associação de Lavradores do interior da ilha de São Luís, onde Humberto exercia forte militância. Nesse período não faltaram oportunidades de acompanhar o Humberto compositor e cantador.

A foto registra meu candidato a vereador pelo PT nas eleições de 1982. O grande cantador de boi Humberto de Maracanã reuniu em torno de seu veículo de campanha, esposa e filhos. Humberto não se elegeu. Entretanto, a campanha rendeu uma bonita toada.

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Texto e foto roubados do perfil de Murilo Santos no facebook.

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Humberto Barbosa Mendes (2 de novembro de 1939 – 19 de janeiro de 2015), o Humberto de Maracanã, faleceu na tarde de ontem, aos 75 anos, vítima de falência múltipla dos órgãos. Havia sido internado dias antes, por conta de diabetes, tendo chegado a amputar uma perna.

Em 2008 foi o homenageado do Prêmio Culturas Populares do Ministério da Cultura. Autor da antológica toada Maranhão, meu tesouro, meu torrão, além de liderar o centenário grupo de bumba meu boi que lhe deu sobrenome artístico, integrava o coletivo Ponto BR, ao lado de outros mestres e bambas (Éder “O” Rocha, Henrique Menezes, Renata Amaral, Thomas Rhorer, Walter França e Zezé Menezes), considerado melhor grupo regional no Prêmio da Música Brasileira de 2012.

Chorografia do Maranhão: João Neto

[O Imparcial, 2 de fevereiro de 2014]

Tendo integrado praticamente todos os grupos de choro de São Luís, o flautista João Neto é o 25º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Um chuvisco anunciava a noite em São Luís do Maranhão. A tradicional e pacata quitanda de Seu João, na Rua do Ribeirão, já abrigara, aquele dia, um ensaio fotográfico da cantora Alexandra Nicolas – o casarão lhe serviu de cenário ao encarte de Festejos, disco de estreia lançado ano passado. Ao fim dos trabalhos, ela degustava uma cerveja gelada por ali, na companhia da amiga e designer Raquel Noronha.

Era mais uma feliz coincidência das tantas que a Chorografia do Maranhão já proporcionou aos chororrepórteres que logo se juntariam a elas, mais próximos do balcão. O entrevistado da ocasião era o flautista João Neto, de passagem pela Ilha para curtir as férias de virada de ano – atualmente o músico mora em Belo Horizonte/MG, onde cursa mestrado em Música na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Alexandra Nicolas preparava a primeira edição da temporada de Festejos na Praça, show que apresentou 18 de janeiro no coreto da Praça Gonçalves Dias. João Neto deu uma canja na abertura, compondo o grupo Cantinho do Choro, que tem ocupado aquele logradouro em fins de tardes de sábado.

Raimundo João Matos Costa Neto nasceu em São Luís em 3 de julho de 1978, ano em que seu tio Josias Sobrinho [compositor] teve gravadas suas quatro primeiras músicas por Papete, no antológico Bandeira de Aço, lançado pela Discos Marcus Pereira. Ainda criança João Neto engatinhava entre instrumentos musicais na casa da avó Ingrácia, onde aconteciam os ensaios do grupo Rabo de Vaca, formado por Josias e outros bambas.

Ao tio Josias ele afirma dever as maiores influências, desde antes de ter se decidido pela flauta – passou por violão e toca também flautim, pífano, clarinete, cavaquinho e percussão. É filho do dentista Francisco Carlos Guterres Costa e da dona de casa Francisca Tereza Morais Silva.

Ano passado graduou-se no curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) com a monografia Um panorama histórico-cultural sobre vida e obra de compositores de Choro da Baixada maranhense: breve análise musical de obras já editadas.

A entrevista que ele concedeu à Chorografia do Maranhão foi musicalmente ilustrada por Língua de preto (Honorino Lopes), André de sapato novo (André Victor Correia) e Rosa (Pixinguinha/ Otávio de Souza), que começou com a voz de Alexandra Nicolas e terminou com um coral formado por todos os presentes à quitanda, que aquela noite teve o expediente aumentado.

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

Como era o ambiente musical em tua casa, na tua infância? Minha infância, de zero aos seis, sete anos, ela foi meio assim, dinâmica, em relação à casa em que eu estava. Eu ficava um tempo na casa da avó, um tempo na casa da outra avó. Uma dessas avós é dona Ingrácia, mãe de Josias. E lá rolavam os ensaios do Rabo de Vaca. Então eu já estava ali com dois anos, fui conhecido por Zezé [Alves, flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013], por Beto Pereira [cantor e compositor], desde criança eu estava ali naquela história. A família, muito musical, além de Josias, meu tio Armando tocava clarinete, meu tio Paulo toca violão, nada profissionalmente. Só quem seguiu profissionalmente foi Josias, compositor. Mas sempre em casa teve música, desde a infância até hoje, as festas são regadas a muita música. Sempre teve esse contato, em casa, minha mãe escutando Elis Regina, Chico Buarque.

Quando foi que você percebeu que iria encarar a música profissionalmente? Foi em Campina Grande. Fui morar em Campina Grande e lá tem um cara que hoje está nascendo aqui, o Madian [cantor e compositor], estudava lá. Eu fui pra lá, sabia que ele morava lá, morei numa república, pra fazer vestibular pra João Pessoa, um vestibular mais ou menos, na malandragem, já tocando violão. Eu fui pra Campina Grande pra tentar o vestibular para Odontologia em João Pessoa, meu pai é dentista e eu queria ser igual papai. Ele não queria. Eu cheguei e comecei a tocar violão pra caramba, Djavan, Chico Buarque, e foi uma escola muito legal. Foi a primeira vez que eu ganhei dinheiro tocando, foi com Madian e uma ex-mulher dele, uma grande cantora, de uma família de músicos lá da Paraíba. Eu tocava um tempo e Madian tocava outro tempo. Eu falei: “pô, dá pra ganhar dinheiro!”, tomando uísque, puta churrascaria lá, buffetzão. “Eu quero é isso pra mim!” Fiz vestibular, não passei, voltei pra cá, depois de seis meses em Campina Grande, vi o surgimento do [grupo] Cabruêra, um movimento musical muito forte.

Aí você voltou para São Luís. Veio fazer o quê? Eu tinha que estudar alguma coisa, acabei entrando no Ceuma, fiz dois anos de Direito. E paralelo, depois de um ano de Direito, passei em Filosofia na UFMA, e ao mesmo tempo tocando violão.

Você concluiu Filosofia? Que nada! Nenhum dos dois. Abandonei e fui para São Paulo, essa época já tocando flauta.

Significa dizer que tua profissão mesmo é a música? Não tem outra profissão? Não. Ter, tem outras coisas, meu pai tem uma clínica, eu trabalhei na parte administrativa coisa de cinco, seis meses, só. É difícil falar em profissão músico, pra mim, principalmente. Eu nunca toquei pra ganhar dinheiro. O dinheiro vem em consequência de minha arte. Eu vejo minha carreira como uma coisa da minha vida. Se eu for displicente com minha carreira eu estou sendo displicente com minha vida.

Mas cada vez mais você é cobrado para tocar profissionalmente. Isso! É uma consequência.

Não dá para dizer que você não é músico profissional. Não dá. Eu vivo da música.

Quando você fez essas outras tentativas. Odontologia, chegou a fazer vestibular, depois Direito, depois Filosofia. Elas eram, de algum modo, uma imposição da família? Eram. Eu tinha que corresponder a alguma coisa, eu não podia ficar ali. A gente deve uma satisfação. Músico é [visto como] vagabundo, né, cara? Principalmente flauta, flauta é luxo, entre aspas. O grupo tem violão, o grupo tem baixo, tem bateria, cavaquinho, mas a flauta vem muito depois. E depois que eu conheci flauta, eu larguei violão assim de uma forma. Virou meu amigo, parceiro, vez ou outra eu falo com ele.

Quando e como é que se deu a passagem do violão para a flauta? Há 12 anos, quando eu peguei a flauta transversal.

O que te motivou? Quem foi a pessoa que fez com que você se decidisse a tocar flauta? Foi um cara chamado Fabiano, que já tá lá com papai do céu já. Morreu muito novo, um cara que eu conheci em Campina Grande, era de Maceió. Era um cara surpreendente, tocava violão, baixo, teclado, bateria, trabalhava com tudo isso, e flauta também. Certa vez a gente na casa dele, eu e Madian, tocando lá, Djavan, um monte de música, ele pegou a flauta, começou a destruir, tocando um monte de coisas, tinha várias flautas doces na casa dele. Eu fiquei encantado e falei: “pô, Fabiano, como é que a gente faz aqui?” Ele falou: “não tem segredo, é só ouvido”. Eu fiquei mais encucado ainda, meio com raiva dele. Eu pensei: “esse cara toca pra caramba, não quer ensinar, dar um toque pros amigos”. Quando eu peguei a primeira flauta doce, que eu fui entender o que ele quis dizer lá atrás. Esse cara, esse encontro, esse dia foi que [interrompe-se]. Depois disso eu cheguei, fui pesquisar os flautistas, fui ajudado por muita gente.

Quem são os mestres que você considera essenciais? Na música, em primeiro lugar, para mim é Josias. Quando viu que eu estava tocando já chegou, me abraçou, eu tava tocando violão, me botou no palco, num show dele, eu já toquei violão com Josias, quando viu a flauta a mesma coisa. Musicalmente foi um cara que eu devo até hoje, até hoje é um parâmetro que eu tenho. Em relação à flauta o primeiro foi Zezé.

A família sempre te apoiou na decisão de buscar a música como caminho? A família da minha mãe sim. É muito musical, minha avó, que é um lance matriarcal forte pra caramba na família, meu avô morreu muito novo, com cinquenta e poucos anos, ela que segurou a onda toda. Lê muito, 86 anos, não assiste novela, passa o dia lendo, fazendo crochê. Escreve, no aniversário de 80 anos ela deu um presente à família, fez um livro de poemas. Toda uma espiritualidade muito forte. Tenho tios que me apoiam financeiramente, compram instrumentos, dão força, “taí, pega essa grana”, não é só “ah, é lindo!”, apoiam, investem. Tem incentivo da família.

Você falou de uma fase violão que rolava muito Djavan, Chico Buarque. Como é que foi a aproximação com os grupos de rock, principalmente a Mandorová? A Mandorová nem é um rock, a gente tocava rock. Tinha umas músicas que eram rock, mas a gente misturava, bumba boi, Josias, muita música nossa. A gente misturava isso por causa das influências de todo mundo. Veio uma galera de Campinas, Madian fez parte um tempo. Ela começou meio que um monte de gente, a gente conseguiu gravar umas coisas, eu já não tocava violão, já tocava flauta, pífano e percussão. Violão eu não tinha como meu instrumento, eu tinha como meu amigo. Eu gostava de cantar, mas essa voz, só nariz [risos]. Tudo que eu tocava eu cantava. Teve uma época que eu tinha o songbook de Chico Buarque, eu tocava mais de 60 músicas do Chico Buarque, aquelas melodias empenadas, ficava em casa, estudava. Mas a flauta veio e chegou e “peraí”, ela que me capturou, eu não escolhi.

Como é que foi a tua chegada ao universo do choro? Logo depois da flauta transversal, que eu comecei a tocar, Zezé pirou. Eu morei ali na época do Rabo de Vaca, ele “pô, sobrinho de Josias, tocando flauta!”. Não, vem aqui, vem aqui, me botou na Escola de Música [do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo], eu nem tinha feito prova, fiz Escola de Música, todas as percepções, ele me dava aula, “traz a flauta aqui”, me dava aula. Teve um tempo que se passava um ano e meio pra pegar em instrumento, só tendo aula de teoria, era algo meio maçante, o cara doido pra pegar no instrumento, hoje mudou isso. Então, Zezé foi um cara fundamental, até hoje é.

A música pra você é uma importante fonte de renda? Dá pra viver de música? O viver de música, viver de tocar. Eu não penso mais num futuro artístico pra mim. Eu penso num futuro acadêmico, que é uma coisa que vai me segurar, eu vou poder escolher o que quero tocar.

O professor pagando as contas do músico. Mais ou menos isso, mas pra mim é muito difícil separar o professor do músico. Tem gente que é um puta músico e não sabe ser professor, tem gente que é um puta professor e não toca porra nenhuma. Essas duas coisas são muito ligadas, eu amo ensinar, um projeto do Sesc que eu fazia parte, eu me coço todinho lá em casa, sem poder ensinar pra garotada, eu olho as fotos, aquilo era muito importante, 10 alunos tocando flauta. Minha vontade de estar lá é tão grande quanto minha vontade de voltar para cá e ir dar aulas na UFMA, na UEMA, crescer. Essa coisa da educação musical é uma coisa fundamental pra gente, pra definir um gosto musical. É tão grande essa nossa riqueza cultural, ao mesmo tempo a gente se submete a outras culturas impostas. Chega pra juventude, ninguém sabe quem é Coxinho, Mestre Felipe, Dona Teté [mestres da cultura popular, representantes, respectivamente, do bumba meu boi, tambor de crioula e cacuriá]. Isso é uma coisa que eu tenho como objetivo, além da vida artística, que é um sonho, uma coisa utópica, viver, ter filho, só tocando como flautista. O professor é um pé no chão, uma coisa palpável pra caramba, é uma coisa que eu estou construindo e com o choro, choro no Maranhão, na Baixada maranhense.

Houve um tempo aqui em que você tocava em 11 dos 10 grupos de choro que existiam. Teve um período em que o choro estava na crista da onda. Como é que você avalia o mercado de trabalho para o músico instrumentista em São Luís e em Belo Horizonte, se é que é possível algum tipo de comparação? Teve uma época que, por conta de uma efervescência do ritmo, ou uma influência do que estava acontecendo no Rio de Janeiro, do choro na Lapa, essa coisa de eu estar em vários grupos aconteceu exatamente concomitantemente com o projeto Clube do Choro Recebe, que propiciou a formação de outros grupos, além dos bares, cerca de cinco anos atrás, tinha o Por Acaso que tinha choro toda terça, o Antigamente toda segunda, o Feijão de Corda, na Ponta d’Areia, sexta-feira tinha no Tropical Shopping Center, o Clube do Choro Recebe todo sábado, vários lugares tinham choro. O fato de eu tocar com um monte de gente, quando eu estava chegando do Rio de Janeiro, Zezé fez um viaduto de safena, três pontes, ele falou, “ó, te vira aí”. Eu já fiquei no lugar dele no [Instrumental] Pixinguinha, na Escola de Música dando aulas no lugar dele, na Escola Municipal, e com o Xaxados e Perdidos.

Você está onde quer, fazendo mestrado hoje em Minas. Dá pra falar em saudade dessa cena de São Luís? Lógico! Faz com que surja os grupos, o movimento. Hoje, onde é que a gente tem choro? Só no Brisamar [hotel]. Fixo, só no Brisamar, pra reunir o pessoal que toca choro. Se não tem movimento, não tem avanço, não tem jeito. A efervescência desse movimento em São Luís fez surgir o Choro Pungado, Os Cinco Companheiros, os Madrilenus, que foi formado para acompanhar seu Eudes [Américo, compositor]. Em relação a Belo Horizonte, lá tem choro todo dia. Todo dia tem lugar onde tem choro, de segunda a segunda. O dia em que eu cheguei foi uma segunda-feira que eu fui pro Salomão [bar]. Nesse mesmo dia ele falou: “ó, toda segunda-feira vem pra cá!”, a galera na roda. Lá são dois dias, segunda e quinta. Toda segunda eu tenho ido. Pedra Azul [o cantor e compositor mineiro Paulinho Pedra Azul] tá toda segunda lá com a gente, já levou Fabiana Cozza [cantora], Silvério [Pontes, trompetista]… é um bar que a galera vai mesmo.

Além do Mandorová e do Choro Pungado de que outros grupos musicais você já participou, de choro ou não? Mandorová, Xaxados e Perdidos. Artistas que já toquei: Josias, toco até hoje, Rosa Reis, Cacuriá de Dona Teté, Omar Cutrim, Carlinhos Veloz, Alexandra Nicolas… De choro, o grupo Um a Zero, toco no [Instrumental] Pixinguinha, estou de férias nessa temporada, Tira-Teima, uma temporada, de reserva, de substituto, Choro Pungado, Urubu Malandro, Quartetaço, Os Cinco Companheiros eu fiz uma participação, o Não Chora que eu Choro, que era meu, Azeite Brasil.

E discos que têm tua flauta? Tem alguns. Que eu lembre assim, tem a Lena Machado [Samba de Minha Aldeia, 2010], Rosa Reis [Brincos, 2009], agora o que saiu do Osmar [do Trombone, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 23 de junho de 2013; Cinco Gerações, 2013], Gildomar Marinho [Olho de Boi, 2009]. Tem algumas produções de bumba meu boi daqui, muita coisa, “pô, vem gravar uma faixa”, às vezes sai, os caras nem me dão o disco. Grupo de samba tem o Vamu di Samba, que eu gravei os dois dvds dele, tem algumas produções que eu já fiz parte. O cd do Cláudio Leite, não sei se já saiu.

Há um grupo no cenário chorístico que deu o que falar, tanto do ponto de vista estético quanto das relações internas. O que significou para você o Choro Pungado? Não significou: significa. O Choro Pungado é mais ou menos assim um ideal. Eu acho que tanto pra mim quanto pra maioria dos que participavam, eu levo a sério mesmo. A gente conseguiu, assim de uma forma legal, descontraída, conseguimos compor, brincar com a música maranhense e choro, fundidos, de uma forma legal, livre, pelos integrantes terem uma desenvoltura musical muito avançada, eu acho, as coisas ficam mais fáceis, fluem mais rápido. Tanto que em pouco tempo de grupo a gente já tinha conseguido, pela crítica, vocês, Ubiratan Sousa [multi-instrumentista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 12 de maio de 2013] falou da gente, conseguimos vários elogios. Mas como você falou das relações, dentro do grupo, acontece, foi uma coisa muito rápida, o grupo teve uma vida curta, fatores extramusicais, agenda, por exemplo, Rui Mário [sanfoneiro, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 7 de julho de 2013], trabalha muito em estúdio, Luiz Jr. [violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 4 de agosto de 2013] toca com todo mundo, eu também toco com muita gente, então foi assim desgastando a história dos compromissos. Mas eu acredito que musicalmente falando foi um passo à frente nesse cenário musical do choro no Maranhão. Foi uma experiência muito válida em relação à inovação, à fusão, à hibridação, tentar misturar essas coisas que estão muito dentro da gente. Pra mim é uma pena ter acabado, ter terminado cedo assim. A gente podia construir mais coisa, avançar muito mais. Teve meio que uma pressa em fazer sucesso, faltou uma perseverança, faltou mais trabalho, mais sentar e conversar, não querer logo fazer um dvd, por exemplo. Foi uma coisa legal, mas não foi legal, em relação a produto. O amadurecimento já estava vindo justamente nas nossas composições, sentados, ensaiando, e compondo.

Hoje em dia você participa de algum grupo? Lá em Minas você está só nas rodas? Não. É muito prematura minha chegada em Minas. É muito difícil você chegar e já conquistar um espaço. Eu cheguei há quatro meses e vou ficar só mais quatro. Tem muitos flautistas bons, os caras tocam pra caramba. Você chegar e já pegar um espaço, se inserir no mercado, é muito difícil, tem que ser extraordinário.

Como é que você tem conciliado a atividade acadêmica com a atividade musical? Tá sendo muito difícil. É uma transição bem peculiar. A parte acadêmica exige muito tempo, parar para ler, lá na UFMG não brincam, os professores são alto nível, minha orientadora é formada em Sorbonne, tem doutorado em Sorbonne. Eu suei a camisa pra conseguir conciliar.

Qual a discussão da tua dissertação? Eu vou tentar fazer uma mescla da musicologia histórica com a etnomusicologia. Isso da etnomusicologia eu fiz agora, numa cadeira que eu fiz, fiz etnografias da III Semana Seu Geraldo [de Música], em São Paulo, do Bandão [da Escola Portátil de Música], lá no Rio, eu fiquei meio que apaixonado por etnomusicologia.

Fala um pouco de tuas pesquisas, tanto na graduação como no mestrado. O que você fez e o que vai fazer? Na graduação, no trabalho de conclusão, eu tentei mostrar que na Baixada maranhense tem compositores de choro. Peguei alguns compositores de choro, o Josias, o Osmar, um cara que eu descobri, que ninguém conhece, que eu descobri lá em Guimarães, seu Moisés Ferreira, um cara que era teatrólogo. Esse cara é que foi assim a válvula, o estopim, de dizer, “pô, tem!”. Eu estava meio em dúvida sobre o que fazer. Eu pensei também nessa fusão do choro com a música maranhense, nos arranjos de Ubiratan no disco do Biné do Banjo [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 31 de março de 2013; Visitação, 2011], que ficaram muito interessantes, eu pensei em falar deles. Eu percebi que a dimensão do choro, dos compositores de choro na Baixada maranhense é muito maior que um trabalho focado. É um trabalho que eu posso levar, posso pesquisar a minha vida toda. No meu TCC eu peguei o escopo de que existe, uma comprovação, fiz entrevistas com Osmar, Josias, seu Raimundo Abreu, lá de Cajari, um grande professor de música de lá. Tive como suporte teórico, suporte de pesquisa, a obra de João Mohana [padre, médico e escritor], aquele livro A grande música do Maranhão. Ele começou em Viana. É o único registro que a gente tem escrito disso. Joaquim Santos [violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 8 de dezembro de 2013] colaborou. Osmar, o avô dele, seu Macico [Marcelino Fernandes Furtado, flautista] foi um puta mestre de banda, fez arranjos de choro, foi um cara que recebia as partituras e fazia arranjos. Essa parte do mestrado eu quero justamente fazer isso, além da continuação do que eu fiz no TCC eu quero pegar material, do acervo João Mohana também.

Além de multi-instrumentista você desenvolve outras habilidades no campo da música? Arranjos, composição? Eu tenho composições. Na Mandorová a gente tocava umas duas, no Choro Pungado a gente gravou uma, um baião chamado Vim de lá, pá-pá-ri-ra-ri-pá-rá-rá [cantarola o ritmo], que eu fiz no pífano, depois a gente adequou para a flauta.

A Mandorová foi uma experiência boa? Foi fundamental. Com ela eu fui para São Paulo, passamos dois anos tocando, abrimos shows, saímos em jornal, passamos em matéria nacional do Jornal Hoje [da Rede Globo de Televisão], fizemos coisa de 10 interiores em São Paulo. Tocamos muito aqui no Canto do Tonico [extinto bar, na Rua Portugal, Praia Grande].

Pra você, o que é o choro? Se a gente vir pela história do choro, ele já começa importante. Começa como uma maneira de tocar, uma coisa que foi trazida, aquele amálgama da brasilidade no século XIX, meio que fez surgir aquela história toda de uma forma brasileira de tocar, depois virou dança, depois virou maxixe, depois virou tudo isso. Eu encaro isso como uma identidade brasileira, musical, mas além, social: uma identidade social, o choro. Se você leu O Choro [O Choro – Reminiscências dos Chorões Antigos], do Alexandre Gonçalves [Pinto], que fez o primeiro registro, em 1936, ele falou dos caras que tocavam, que faziam parte daquela história, que estavam na roda. Pra mim o choro é essa identidade brasileira, que por mais que mude a moda, que venha dessa transição de uma coisa pra outra, do violão pra isso, da jovem guarda pr’aquilo, o choro está sempre ali de alicerce. Desde a sua gênese, de sua aparição, seu apogeu, 1920, 1930, desde ali, ele pode ter caído mercadologicamente, financeiramente, tudo, esse campo artístico em volta do choro, mas ele nunca deixou de ser produzido. Se a gente falar na década de 1980, o rock’n roll, os melhores discos de Raphael Rabello [violonista sete cordas] foram lançados na década de 80, Baden Powell [violonista], Camerata Carioca.

Há quem ache que o choro é uma coisa estática, estagnada. Você acha que o choro é uma música fechada ou uma música aberta? A música em si é aberta. O que fecha é a cabeça das pessoas. Eu posso chegar numa roda de choro falando de choro, tocando do jeito que eu gosto, a galera pode não gostar. Yamandu Costa [violonista sete cordas], Hamilton de Holanda [bandolinista], Pixinguinha [Alfredo da Rocha Viana Filho, compositor e multi-instrumentista], na época dele, “esse cara é doido!”.

Você se considera um chorão? Não. Eu amo o choro, amo tocar choro, mas eu não me enquadro numa especificidade, num estereótipo. Mesmo dentro do choro, da linguagem choro, do gênero, você vê o ritmo baião, maxixe, tango, flamenco, é um universo. Como é que se vai dizer que é só uma coisa? É o mesmo que dizer “eu sou roqueiro”, eu acho que limita. Eu sou músico!

Obituário: Neném Bragança

“Meu Deus, me deixe ficar mais uns dias/ dias que digo alguns anos/ anos assim não mais que uns 26”. As preces que Neném Bragança [Bragança/PA, 19 de março de 1960 – Imperatriz/MA, 15 de janeiro de 2015] cantou em Os milagres (Erasmo Dibell) não foram atendidas: vítima de um câncer de palato contra o qual lutava há cerca de um ano, o cantor faleceu nesta madrugada.

Os milagres abre o recém-lançado cd/dvd de Neném Bragança, segundo volume da série Som do Mará, produzido por Chiquinho França, que inaugurou-a. O câncer de Neném, aliás, foi descoberto quando o artista se preparava para entrar em estúdio e foi submetido a um tratamento dentário.

O trabalho é um apanhado de sucessos colecionados por Neném Bragança ao longo dos anos, composições autorais e clássicos da música do Maranhão, como Prisma (Carlinhos Veloz), Bela Mocidade (Donato), Agosto (Nando Cruz), Grades (Zeca Tocantins), Plenitude das palavras (Neném Bragança) e Ilha magnética (César Nascimento), entre outras. Ave de arribação (Javier dy Mar-y-abá) seu maior sucesso, encaixa-se nas três categorias – no fim das contas a música é também de Neném, será dele a interpretação para sempre lembrada.

Há poucos dias, em uma roda de amigos, comentávamos a situação da saúde de Neném e a torcida coletiva por sua pronta recuperação, enquanto ouvíamos um exemplar em vinil do festival Tribo (1989), que reunia nomes como Zeca Baleiro, Nosly, Renata Nascimento, Luis Carlos Dias, Neném Bragança e Tutuca, entre outros. Foi o último quem comentou: “Pra mim a música que ganhou é essa aqui [aponta para Ave de arribação na capa do vinil]: foi a única que tocou em rádio”, declarou. Na mesma ocasião, ganhei de presente, do amigo e fiel leitor Otávio Costa, o volume dedicado ao cantor da série Som do Mará.

Neném Bragança ficou conhecido como “papa festivais” entre os amigos, tantos os troféus acumulados em certames país afora, em especial no entorno da região que o acolheu. Artista iluminado, trazia a luz no sobrenome de batismo, Raimundo Nunes da Luz Ferreira. Tinha 54 anos. Sua Plenitude das palavras pode lhe servir de epitáfio: “quero a plenitude das palavras/ chegará a hora da verdade/ e aí? O que vai ser de mim e de você?”. Ou Ave de arribação: “o certo é que acaba, como todas as folias/ o certo é que passa, como passa uma euforia/ (…)/ não, não vou deixar meu coração perder a luz”.

Reverenciando grandes mestres do gênero, Divino Espírito Samba marca volta de Lena Machado aos palcos

[release]

Show gratuito acontece na Praia Grande e terá participações de Patativa, Zé Pivó e Luzian Filho

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

No melhor espírito “eu quero é botar meu bloco na rua”, a cantora Lena Machado volta aos palcos com o show Divino Espírito Samba. A apresentação, gratuita, acontece no Anfiteatro Beto Bittencourt (Ágora do Centro de Criatividade Odylo Costa, filho), na Praia Grande, no próximo dia 15 de janeiro (quinta-feira), às 20h. A produção é da Negro Axé.

Recentemente Lena Machado participou do show de lançamento de Ninguém é melhor do que eu, disco de estreia da compositora Patativa, do réveillon, como convidada do grupo Afrôs, e da posse do governador Flávio Dino, mas há algum tempo o fã clube vinha reclamando um show completamente seu.

“O show é uma espécie de antologia com o melhor do samba brasileiro, o que inclui autores locais, que não devemos nada a ninguém”, exalta a cantora, que volta aos palcos em grande estilo. Nenhum dos 18 sambas do repertório já foi gravado por Lena nos dois discos que lançou: Canção de vida (2006) e Samba de minha aldeia (2009). Com Quem roubou minha aquarela?, de Cesar Teixeira, ela participou da Exposamba, concurso voltado ao gênero em nível nacional. “O repertório não deixa de ser também uma espécie de teste para o que estamos pensando para o próximo disco”, revela, ainda sem previsão de lançamento.

Além de Cesar Teixeira, fornecem obras primas para sua privilegiada voz Antonio Vieira, Batatinha, Benito di Paula, Bruno Batista, Candeia, Chico Buarque, Ismael Silva, Luzian Filho, Paletó, Patativa, Paulo César Pinheiro, Roge Fernandes e Roque Ferreira.

A cantora contará ainda com as participações especiais de Patativa (em cujo disco fez vocais e de quem gravou Colher de chá em seu segundo trabalho), Luzian Filho (do grupo Feijoada Completa) e Zé Pivó (compositor da Turma de Mangueira, escola de samba do bairro do João Paulo, e do bloco carnavalesco madredivino Fuzileiros da Fuzarca).

“Para mim é uma honra, eu, aprendiz, dividir o palco com estes mestres. É beber na fonte de nosso samba genuíno, legítimo, autêntico”, derrete-se a artista. Sobre o nome do show ela conta: “é impossível negar o samba como uma das autênticas expressões de nossa cultura popular, essa nossa batida diferente. O nome une dois aspectos de nossa tradição, e dessa fusão de duas tradições surge algo moderno, daí Divino Espírito Samba”. Além de tudo, soa bem. Como um bom samba.

Lena Machado será acompanhada por Andrezinho (percussão), Fofo (bateria), João Eudes (violão sete cordas), João Paulo Seixas (percussão), Lee Fan (flauta), Rafael Bruno (contrabaixo), Rui Mário (sanfona), Wanderson Silva (percussão) e Wendell Cosme (bandolim, cavaquinho e direção musical). Uma constelação de craques para ninguém botar defeito.

Serviço

O quê: show Divino Espírito Samba.
Quem: a cantora Lena Machado, com participações especiais de Patativa, Zé Pivó e Luzian Filho.
Quando: dia 15 de janeiro (quinta-feira), às 20h.
Onde: Anfiteatro Beto Bittencourt (Ágora do Centro de Criatividade Odylo Costa, filho), Praia Grande.
Quanto: grátis.
Maiores informações: (98) 981920200 e 981220009.

Memórias de quem está em todas

De novo-baiano a tribalista: personagem fundamental da música brasileira, Dadi lança livro em que relembra sua participação em momentos marcantes nos últimos 40 anos

Meu caminho é chão é céu. Capa. Reprodução
Meu caminho é chão é céu. Capa. Reprodução

 

Eduardo Carvalho nunca foi conhecido por seu nome de batismo, apelidado desde a infância, mesmo em casa, de Dadi. Mais que testemunha, o baixista é personagem privilegiado de momentos marcantes da música brasileira nos últimos 40 anos. Ele próprio adverte não ser um escritor, mas “um músico que teve a sorte de participar de alguns momentos maneiros da música brasileira”.

Meu caminho é chão é céu [Record, 2014, 175 p.], seu livro de memórias, recém-lançado, é um agradável rememorar de fatos e causos de sua “trajetória-vida”, como escreveu o parceiro Arnaldo Antunes numa das diversas notas introdutórias ao livro, espécies de “bilhetes de recomendação”. Com o ex-Titãs avalizam a obra Marisa Monte, Roberto de Carvalho, André Midani, Jorge Ben Jor, Heloísa Carvalho Tapajós (a Losinha, sua irmã, que escreve o texto de apresentação e a quem o livro é dedicado), Caetano Veloso, Rita Lee e Moraes Moreira. A orelha é assinada pelo jornalista e crítico musical Antonio Carlos Miguel.

Estes nomes dão ideia da importância de Dadi para a música que se fez/faz no Brasil desde que os Novos Baianos a reinventaram com o antológico Acabou chorare [1972] – ele estava lá e de lá para cá, num momento ou outro, trabalhou com todos os citados.

“Éramos músicos melhores no palco que em disco”, diz, a certa altura, sobre A Cor do Som, de que foi membro por 10 anos – fora o período em que o grupo existiu “dentro” dos Novos Baianos. Dadi refere-se ao fato de gostarem de improvisar e seu livro pode ser lido assim: como sucessivas linhas de baixo numa apresentação ao vivo, as lembranças do músico parecem papo em mesa de bar, pela descontração, de improviso, já que o autor se deixa levar pelas próprias emoções – algumas vezes pede licença ao leitor para se adiantar num ou noutro ponto para contar uma boa história sobre determinado personagem. Como se não quisesse perder o fio da meada ou a oportunidade. Casos e causos emendam-se uns aos outros quando Dadi resolveu atender aos inúmeros pedidos: com tantas histórias colecionadas em tantos anos de carreira, ele tinha que escrever um livro.

Personagem da música O leãozinho [1977], de Caetano Veloso, Dadi revela que foi a audição de Samba esquema novo [1963], de Jorge Ben, que o fez decidir que queria ser músico. Tinha então 11 anos e com uma vassoura imitava acompanhar o mestre, com quem viria a tocar depois em discos igualmente antológicos.

Não faltam histórias do mítico Sitio do Vovô, espécie de comunidade hippie onde viveram os Novos Baianos e onde foram gestados discos fundamentais do grupo, de como foi chamado a integrar o time, de viagens dentro e fora do Brasil, de ônibus e aviões perdidos, de aventuras em terras estranhas, das decisões que o destino tomou para ele, de passagens meteóricas por grupos como Barão Vermelho e Tigres de Bengala. Sobre os bastidores que rememora, Dadi também adverte: “com certeza, deixei de contar outras várias maravilhosas histórias”.

A discografia ao fim do livro lista títulos básicos a quem quiser ouvir o instrumentista. Estão lá seus discos solo – Dadi [2005] e Bem aqui [2008] – e títulos seus com os Novos Baianos, Jorge Ben Jor, A Cor do Som, Tigres de Bengala, Barão Vermelho, Caetano Veloso, Marisa Monte, Tribalistas e Rita Lee. Faltam Otto, Zé Ramalho, Walter Franco, Maria Gadú, Péricles Cavalcanti e Nando Reis, fora discos em que ele toca outros instrumentos que não o contrabaixo.

[O Imparcial, ontem]

Programa Contratado! oportuniza (re)colocação no mercado de trabalho

[release]

Metodologia aplicada pelo economista e empresário canadense Martin Messier tem se mostrado bastante eficiente

Economista e empresário, Martin Messier ensinará metodologia a quem busca se (re)posicionar no mercado de trabalho. Foto: divulgação

O ano novo começou e traz consigo uma carga de desafios. Qual o seu? Cumprir as metas e promessas feitas no apagar das luzes do ano passado? Pagar as contas? Conseguir ou mudar de emprego? Ser promovido?

O empresário Martin Messier, economista de formação, com vasta experiência em treinamento, ministrará para uma turma (vagas limitadas) o programa Contratado!, que ajudará interessados/as em uma (re)colocação no mercado de trabalho, aqueles/as que responderam sim ao menos às duas últimas interrogações do primeiro parágrafo.

O treinamento consiste em diversas etapas que abordam a psicologia dos contratantes, o processo de busca de emprego e estratégias concretas para elaboração de currículo, conduzir a entrevista e negociar salário.

Aos treinandos, Martin ensinará ainda como ser promovido rapidamente em qualquer empresa. Ele mesmo foi promovido três vezes em menos de um ano quando conseguiu seu primeiro emprego – em apenas 12 minutos – nos Estados Unidos, onde estudou e se formou. Ele já percorreu mais de 45 países, tendo residido em sete. Está no Brasil há mais de 10 anos.

As façanhas – que ele garante: podem ser realizadas por qualquer pessoa focada em seus objetivos – ele conta em uma série de vídeos que antecedem o treinamento, que ele vem publicando em seu site.

O primeiro vídeo aborda erros graves que os candidatos sempre cometem na fase de seleção e dá dicas de como evitá-los. No segundo ele conta a fórmula do emprego em 12 minutos, ilustrando-a com seu próprio exemplo. O que as empresas buscam é o tema do terceiro vídeo, em que um homem, indicado a Martin por um amigo, conta como conseguiu, aplicando o método, um novo emprego em menos de um mês, após três anos de desemprego. O quarto vídeo aborda “o seu futuro profissional”.

O programa Contratado! será ministrado por Martin Messier, no Hotel Luzeiros, dia 17 de janeiro (sábado), das 8h às 17h. As inscrições estão abertas até o dia 15 de janeiro, exclusivamente no site do programa, e custam R$ 345,00, parceláveis em até três vezes. As vagas são limitadas e os currículos dos candidatos ao programa serão analisados como critério de inscrição.

Tairo Lisboa, a cena e o cinema

Tairo Lisboa é um dos nomes que tem ajudado a movimentar a cena criativa de São Luís de ao menos dois anos para cá. Foi através dele que ouvi falar pela primeira vez em Phil Veras e Tiago Máci, por exemplo.

Do primeiro produziu shows no Chico Discos. Do segundo, organizou uma exposição de caricaturas, no mesmo lugar – minha geladeira ostenta um ímã com Cesar Teixeira, que viria a ser personagem de música sua tempos depois, mas esta é outra história. O nome do produtor figura no encarte do recém-lançado Mete o amor, forte, EP do segundo.

Há algum tempo Tairo Lisboa foi selecionado em um concurso para o qual inscreveu um roteiro – ou a ideia – de um documentário sobre Patativa. Tempos depois fui convidado a prestar meu depoimento sobre a madredivina dama.

Xiri meu ficou pronto e foi exibido em sessões superconcorridas no Cine Praia Grande, ocasião em que o público pode conhecer todos os curtas-metragens que resultaram do projeto São Luís nos 4 Cantos, idealizado por Mavi Simão, responsável também por Cinerama e Maranhão na Tela.

Lembro que eu mesmo não consegui assistir ao doc de Tairo, contentando-me, aquela noite, com um cachorro-quente do Souza, a volta para casa e um “fica para a próxima”. O público na porta do cinema era tanto que houve, na mesma noite, uma segunda sessão – mas disso só soube depois, já tinha ido embora.

Discípulo – voluntário ou não – de Murilo Santos, cineasta e fotógrafo que sempre volta aos lugares para “prestar contas” do que andou captando com suas lentes, Tairo Lisboa realizou uma sessão de exibição de Xiri meu na Feira da Praia Grande, um dos habitats naturais da autora de Colher de chá. Por um motivo ou outro acabei perdendo também.

Só fui ver o filme na noite em que Patativa lançava Ninguém é melhor do que eu, seu disco de estreia, em show no Porto da Gabi – bar que ficou famoso pelo reggae semanal realizado às sextas-feiras há três anos, cuja proprietária é personagem de um dos sambas – o Samba dos seis – gravados no disco, outra paisagem frequentada por Maria do Socorro Silva, nome de pia de Patativa.

Mas o filme que vi era diferente – eu não aparecia (isso era o de menos). Tairo andou mexendo em coisa e outra para participar de um ou outro festival – em alguns, mais conservadores, teve que trocar inclusive o título, já que não pegava bem, ter em suas programações, um dos nomes pelo qual é conhecido, no Maranhão, o órgão sexual feminino, como indica uma nota no encarte do disco de estreia de Patativa.

Recentemente Tairo Lisboa disponibilizou a íntegra da versão, digamos, original de Xiri meu no Youtube. A protagonista está em franca divulgação de seu primeiro disco. Vejam o filme e divirtam-se enquanto o diretor nos conta o que está tramando para 2015.

Obituário: Omar Cutrim

Faleceu nesta madrugada o músico Omar Cutrim (30 de junho de 1958 – 6 de janeiro de 2015), vítima de um câncer de próstata – o velório acontece na Pax União (Rua Grande, Centro, próximo à caixa d’água).

Conheci-o há alguns anos, provavelmente no saudoso Bar de Seu Adalberto, onde começou A Vida é uma Festa, evento semanal capitaneado pelo poeta-músico ZéMaria Medeiros, do qual Omar era habitué. Em uma rede social o colega lamentou a perda: “Triste com o falecimento do companheiro […]. A música está triste”, declarou o guitarrista e saxofonista.

Admirava-me de sua simplicidade, ele autor, entre outras, de Fé no santo (parceria com Costa Neto), gravada por Betto Pereira, e Tempo de guarnicê (parceria com Gerude e Ronald Pinheiro), também gravada por Betto, além de Alcione, entre outros. É dele ainda o choro Candiru (parceria com Zezé Alves, seu companheiro de Rabo de Vaca), gravada pelo Instrumental Pixinguinha em Choros Maranhenses. Só estas três já lhe valeriam lugar na galeria dos grandes.

Cumprimentamo-nos algumas vezes, a última numa manhã de sábado, quando ambos devorávamos um delicioso caldo de ovos em uma lanchonete do Mercado Central. Depois ainda o veria tocar na Companhia Circense de Teatro de Bonecos, na Praia Grande, há algum tempo palco dA Vida é uma Festa.

Confiram Omar Cutrim em ação em Remelexo (de sua autoria) no Carnaval de 2009: