FLÁVIO REIS
Conheci Zema Ribeiro no final de 2009, ao mesmo tempo em que travava contato com Emílio Azevedo. O motivo era justamente adensar a articulação em torno do Vias de Fato, o jornal mensal que havia surgido, puxado por Emílio e Cesar Teixeira, em conjunto com Alice Pires e Altemar Moraes. Era uma atitude quase de guerrilha, ação corajosa de um pequeno núcleo decidido a criar uma fresta que fosse no paredão quase monolítico do jornalismo local, dominado pelo poderoso Sistema Mirante, porta-voz do grupo oligárquico capitaneado pelo clã Sarney. Era o início de uma experiência ímpar de jornalismo combativo, próximo a movimentos sociais e sindicatos e, sobretudo, aberto à colaboração de professores, ativistas sociais, sindicalistas, artistas e qualquer um que tivesse algo a dizer numa perspectiva contrária à barbárie social e política em que vivemos, emoldurada pela utilização mercantil da cultura popular como fonte de legitimação.
O papel de Zema seria tocar a seção cultural do jornal, a “penúltima página”, onde teria liberdade de comentar, entrevistar, agendar, enfim, dar uma ideia do que acontecia em diversas áreas do cenário das artes e da cultura. Nada mais acertado, pois ele já fazia isso no blog, onde se apresenta como “um homem de vícios antigos”, que “ainda compra livros, discos e jornais”.
O material reunido aqui remete a essa página vibrante que pulsou no Vias de Fato entre os anos de 2009 e 2016. Era um outro momento, em relação ao obscurantismo galopante de nossos dias, e por lá desfilaram nomes diversos, em geral uma rapaziada mais próxima do experimental antes do comercial, do escracho e não da reverência, do combate e não da submissão. Zema escreve bem, tem lastro de leituras, agilidade e curiosidade para encarar as dificuldades de fazer jornalismo cultural numa terra pouco afeita a debates e críticas.
O livro inicia com a entrevista de Paulão, jornalista, poeta e articulador cultural, então às voltas com a experiência do Papoético, uma roda de conversas com convidados diversificados, que acontecia no Chico Discos, local de reunião de alguns boêmios inveterados da cidade. A partir daí, temos uma sucessão de figuras variadas da música (Gildomar Marinho, Bruno Batista, Marcos Magah, Henrique Menezes), do cinema (Frederico Machado, Mavi Simão, Francisco Colombo, Paulo Blitos), do teatro (Lauande Ayres), das letras não acadêmicas (Bruno Azevedo, Celso Borges e Reuben, então editores da revista Pitomba!), nomes da militância sindical ou dos direitos humanos (Novarck Oliveira, Ricarte Almeida Santos) e as cantoras Flávia Bittencourt, Lena Machado e Patativa. Um sarapatel da melhor qualidade, feito com os ingredientes do Maranhão, mas aberto a acolher visitantes e temperos de outras plagas. Para arrematar, dois pequenos textos, sobre os 30 anos do disco Fulejo, de Dércio Marques, o lançamento de Baratão 66, um quadrinho anárquico de Bruno Azevêdo e Luciano Irrthum, e uma enquete, feita com onze pessoas ligadas ao meio musical, sobre os 12 discos mais importantes da música maranhense, realizada em 2013, quando se comemoravam os 35 anos do lançamento de dois discos fundamentais, Bandeira de Aço, de Papete, e Lances de Agora, de Chico Maranhão.
A ideia da reunião desse material em um volume liga-se à comemoração dos dez anos do Vias de Fato, que tornou-se uma referência de crítica contundente e ácida de quem não tem medo de chutar o pau da barraca. O jornal deixou de circular, mas a marca ficou e a ação de Emílio se dirigiu para uma rádio web, a Agência Tambor, em conjunto com a jornalista Flávia Regina e o jornalista Ed Wilson, onde a verve do Vias de Fato se mantém viva em entrevistas e enfoques na contracorrente dos discursos oficiais.
Para completar a armação e efetivar essa saudação ao Vias de Fato, Isis Rost abraçou a ideia com entusiasmo, elaborou o projeto gráfico, reuniu material fotográfico e abrigou o livro no selo Passagens, sua pequena editora, que tem o hábito salutar de disponibilizar gratuitamente as versões em e-book. A Equatorial arcou com a maior parte dos custos de publicação e o resto foi levantado entre amigos. Tudo bem ao estilo livre e comunitário do Vias de Fato. As entrevistas aqui reunidas são um registro vivo das perspectivas e impasses que marcaram a cultura maranhense nesta década. Os entrevistados em sua totalidade são figuras da criação, gente inquieta, e Zema consegue mergulhar em cada universo, revelado de maneira direta ao leitor. É jornalismo de qualidade, feito fora dos grandes holofotes, mas no olho do furacão.
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Acima, prefácio de Penúltima página, assinado pelo querido Flávio Reis, professor do departamento de Sociologia e Antropologia da UFMA. Por whatsapp a editora Isis Rost me mandou as fotos que ilustram o texto, anunciando que a edição impressa já saiu da gráfica e está a caminho. Entre o tempo de transporte e o carnaval, logo, logo anunciaremos a data do lançamento. Fiquem ligados!