[O Imparcial, 22 de junho de 2014]
A 34ª. edição da Chorografia do Maranhão é misto de entrevista e homenagem. Entrevistamos os Irmãos Gomes, naturais de Rosário, e homenageamos seu pai, o compositor Nuna Gomes, também oriundo da cidade banhada pelo Itapecuru.
TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: MURILO SANTOS
Vem de Rosário o trio de entrevistados da 34ª. edição da série Chorografia do Maranhão. Os Irmãos Gomes, filhos da doméstica e costureira Isabel Pereira da Silva Gomes e de Nionílio Alódio Gomes (1904-1985), barbeiro e músico mais conhecido pela alcunha de Capitão Nuna Gomes, herdaram do pai o gosto e talento pela música.
Desfalcados do fotógrafo titular, Murilo Santos assumiu o posto e clicou no Bar do Léo o depoimento a Ricarte Almeida Santos e Zema Ribeiro de Benedito do Espírito Santo Silva Gomes, o Biné do Cavaco (nascido em 6 de agosto de 1953), José Raimundo Silva Gomes, o Zequinha do Sax (6 de fevereiro de 1940) e Sebastião de Jesus Silva Gomes, o Bastico (14 de setembro de 1948).
Autor de obra pequena – muito se perdeu na própria memória, pela falta de registro – Nuna Gomes é nome fundamental na galeria de compositores de choro do Maranhão. Sua Um sorriso foi registrada em Choros Maranhenses (2005), do Instrumental Pixinguinha, primeiro disco autoral de choro registrado no Maranhão – Biné do Cavaco integrou o grupo em sua formação inicial, no começo da década de 1990.
A conversa foi ilustrada musicalmente por, entre outras, Saxofone, por que choras? (Ratinho) e Siboney (Ernesto Lecuona).
Além de músicos, vocês têm outras profissões?
Biné – Eu tentei ser aeroviário, trabalhei uns 10 anos, trabalhei na Vasp, Transbrasil, mas com o tempo fiz uma empresa pra mim, tentei ser empresário. Resultou agora já há 14 anos abri minha escola de música, já formei dois filhos e acho que vou me aposentar nisso, como professor de música.
Zequinha – Eu fui funcionário público federal, trabalhei muitos anos nos Correios, carteiro, passei 17 anos, quase 18, nos Correios. Aí eu fui redistribuído para a Escola Técnica, na época era Escola Técnica Federal do Maranhão, cheguei lá em 1978 e lá eu me aposentei, trabalhando uma parte como músico, ensinando na banda de música, e outros anos eu trabalhei como supervisor, passei nove anos como supervisor e nove anos como professor na banda de música. Ensinei muita gente lá.
Bastico – Além de músico eu consegui fazer cursos profissionalizantes na Escola Técnica Federal do Maranhão. Consegui fazer as profissões de tornearia, marcenaria, eletricidade, bombeiro hidráulico, solda elétrica e oxigênio, tipografia, e fora outras profissões como xerografia. E algumas com atividades durante algum tempo. Outras já até abolidas, como o caso da tipografia. Algumas exercidas, outras não. Atualmente sou só músico. Continua, essa é padrão.
Biné – Não tem saída: lá em casa a gente encerra com música.
Como era o universo da infância de vocês? Era musical? Como era o clima na casa de vocês?
Zequinha – Lá em casa sempre foi. Ainda em Rosário, aqui. Lá em Rosário a gente era muito novo.
Biné – Eu vim de Rosário com seis anos, sete. Mas lá em casa sempre foi música.
Zequinha – Eu era o mais velho. Lá eu aprendi a tocar o clarinete, com o professor da época, João dos Santos, grande músico. Eu comecei a tocar cabaça coberta com botão de cueca, ia fazer festa pra ganhar dinheiro.
Biné – O músico do interior, na época, tinha três classes. Zequinha entrou na terceira, pra depois ir pra segunda e depois pra primeira. Na terceira entrava cabaça, pandeiro; o cantor já era da segunda, com banjo. Agora o cara do sax, do pistom, já era da primeira.
Zequinha – Eu entrei como cabacista, da terceira. Era como se aquele ganhasse cem reais, o outro 80 e eu ganhava 60. Eu não achava legal, por que eu trabalhava mais, ainda cantava. Moral da história: eu comecei a aprender, fui estudar música, passei uns meses. Depois comecei a tocar clarinete. Aí vim pro quartel, passei um ano, quando eu voltei pra Rosário, seis meses ou um pouco menos, eu ganhei uma nomeação no Correio de São Luís e tive que vir pra cá. Eu não tinha conhecimento nenhum, a não ser o quartel.
Biné – Eu me lembro que papai dizia que a gente só vinha pra São Luís quando Zequinha estivesse empregado.
Zequinha – Aí com poucos meses eu estava empregado, aluguei uma casa e disse para mamãe botar tudo dentro do caminhão que a casa já estava alugada. Aí eles vieram pra cá, ali no Monte Castelo, eu gosto muito do bairro. Tudo o que eu precisava ter eu tive lá. Passei 10 anos lá, durante o tempo de solteiro. Ali eu saía pra tocar.
Além da genética, o fato de o pai de vocês tocar, vocês acham que houve outro fator decisivo para vocês seguirem a carreira de músicos?
Biné – Sobrevivência!
Zequinha – Eu, me ajudou demais. Aqui eu fiz conjuntos, naquela época era conjunto musical, participei de vários. Isso tudo a gente faturava, e bem, na época. Eles já vieram depois. Eu tinha que arrumar um jeito para ajudar na despesa de casa. Nós éramos nove irmãos, mais os dois pais, e alguns amigos que moravam. Tinha que ter dinheiro pra poder segurar, e com a música eu ganhava muito mais do que o próprio salário no Correio. Até hoje.
Bastico, você, filho de Nuna, que tocava bandolim e violino, o que te fez escolher o violão? Eu já te vi tocando seis cordas, sete cordas, guitarra, baixo. O que te levou aos instrumentos de cordas?
Bastico – Esse fator de nosso pai ter sido músico e concentrar em sua volta muitos músicos, a apreciação da arte em si, me chamava a atenção, eu como criança. Apesar de me chamar a atenção não havia em nosso pai uma permissão ou uma preferência para que qualquer um de nós seguisse os dons que ele tinha, que era ser músico ou barbeiro. Ele aspirava, como geralmente todos os pais, alguma coisa melhor que a que ele continha. Mas como esse dom é uma origem que se alastra por toda a família. Chamava-me a atenção, aquela reunião, a forma de meu pai tocar, a forma de meu irmão mais velho, Denisal, tocar, e outros amigos e alunos dele. Mas eu não expunha meu interesse a meu pai nem a ninguém. Eu procurei captar às escondidas. Na ausência dele, na forma mais oculta possível, pegando instrumento dele, sem o conhecimento dele. Isto com pouca idade, meus oito, nove, 10 anos. Até chegar o momento do conhecimento: num determinado momento em que ele necessitava de uma pessoa que tocasse violão para que ele pudesse fazer uma apresentação. E ele, que não sabia que eu já havia captado alguma coisa dele e das outras pessoas que com ele tocavam, foi surpreendido pela minha irmã para poder tomar conhecimento de que eu já tocava as músicas que ele precisaria tocar. A partir desse momento eu fui levado junto com ele para um compromisso, em que ele faria o oferecimento de duas músicas, uma valsa e um chorinho, de autoria dele, eu passei a ser um músico assediado por ele, já. Então eu passei a fazer parte das apresentações, das amizades dele. A partir daí meu desenvolvimento foi baseado no que ele fazia, da forma que ele tocava, na qualidade que ele desenvolvia o instrumento e o meu irmão também. A música é um dom natural de família. A partir daquele instante, já vindo pra cá, houve outras evoluções.
Biné, você está com um violão, mas você tem o nome artístico de Biné do Cavaco.
Biné – Essa é uma história muito interessante. A gente tinha uma banda, Curtisom, inclusive eu fiquei muito satisfeito: todos nós estamos vivos. Encontrei Joaquim [baterista], fazia 10 anos que eu não via, vamos fazer um encontro. A história do cavaco é a seguinte: a gente tinha uma Rural [veículo utilitário]. Nós éramos sete. Imagina, ficávamos cinco lá atrás, dois na frente e o motorista. O motorista nunca ia dormir para vir depois da festa. Aí ele ficava com sono e dizia: “toquem alguma coisa!” E às vezes a gente levava um violão pra brincar, pra fazer um sambinha, numa época em que samba não se tocava em festa. Era inconveniente o violão. Um dia levamos um cavaquinho, peguei a afinação do violão, eu tocava para animar o cara, pra ele não dormir. E eu comecei a tocar cavaquinho naquela afinação. Um dia Zé Hemetério [multi-instrumentista e compositor] chegou pra mim e disse: “Biné, esse cavaquinho tá tocado em afinação errada”. Aí ele me deu a afinação como seria. O que aconteceu? Eu comecei a tocar o cavaquinho, aprender um chorinho aqui. Depois a gente fez um grupinho de brincadeira, a gente ia pra rádio Ribamar. Zequinha, você lembra o 20 Cordas no Choro? Mas a gente não era chorão, então a gente sabia 10, 15, 20 choros. Não dava pra segurar um repertório, a gente tocava em banda. A gente chegava, tocava cinco choros, diziam “está muito bom, voltem na próxima semana”. Na outra semana a gente tocava os outros cinco [risos]. Dava pra tocar umas quatro semanas. Aí chegou a época de roda de samba, o Curtisom saiu na frente, por que tinha um cara tocando cavaquinho: eu.
Quem integrava o Curtisom?
Biné – O Curtisom era formado, inicialmente, por Almir, cantor, Zequinha, eu, Bastico, Joaquim, esse amigo nosso que eu falei, Giovani, violonista, e Pinheiro, Chico Pinheiro, de teclado. Chico Pinheiro foi a coisa mais interessante, por que ele não sabia tocar teclado e nós convidamos ele pra tocar teclado, quando a gente comprasse. “Vai treinando na Escola Técnica no piano, que quando a gente comprar, tu vem ser o nosso tecladista”. E ele veio. Quando comprou, “te vira aí”.
Isso era década de 1970?
Zequinha – 72.
Biné – Dia 2 de julho o Curtisom faria 42 anos.
Vocês tocavam em casas noturnas? Como era isso?
Biné – São Luís era maravilhoso! Não é como agora. Eu fico prestando atenção. Eu passo ali, vejo o Lítero [o Grêmio Lítero Recreativo Português, no Anil] no chão. Em 1972 eu toquei o carnaval ali. Foi a época, quando eu falei com Agnaldo [Sete Cordas, violonista sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 17 de março de 2013], Zequinha foi um dos fundadores dos Fantoches. Nós tínhamos tantos lugares para tocar. Tinha os grupos classe A, uns quatro: Nonato, Fantoches, Som Livre e Curtisom. A gente tocava no mesmo valor. Quando a gente estava cheio de contratos, a gente passava. Tinha um negócio interessante: toda turma fazia duas a três festas para poder fazer as festas do final de ano, dos colégios. Tinha Casino Maranhense, Montese, tantos clubes aqui, as bandas não davam para quem queria.
Mesmo o pai de vocês sendo músico, não era tranquilo o apoio dele a vocês serem músicos também, até pelo preconceito que existia à época. Depois o pai de vocês apoiou essa escolha?
Zequinha – Meu pai sempre me apoiou eu tocando sax. Por que também é o instrumento que eu sei tocar, embora um pouco menos do que os outros, mas dá pra gente ouvir. Canhoto, seria difícil eu tocar um instrumento de cordas, por que eu não tocava numa afinação minha. Ficou difícil eu aprender cavaquinho ou bandolim. Violão eu toco pro gasto. Quando eu fui pro saxofone ele me dava todo apoio.
Biné – Acontece um negócio interessante: com o tempo papai passou a admirar muito a gente, eu não lembro por quê. Quando a gente reunia tinha uma banda tocando: Bastico no violão, eu de cavaquinho, Zequinha de saxofone, alguém fazendo ritmo, não sei quem cantando. Vamos, tá uma banda montada. Quando era banda, era eu guitarrista, Bastico baixista, Zequinha sax, aí já vinha Celso, irmão nosso que faleceu há uns quatro meses, cantava, tocava bateria.
Bastico – Na opinião dele ninguém seria músico, ninguém seria barbeiro. Mas a partir do momento em que cada um abraçou a música, o dom dele, que é o nosso também, e passou a desenvolver, ele passou a apoiar. Passou a apoiar e a usufruir o que se fazia. Estava sempre que possível junto com a gente, sempre perto, e sempre mostrando ou expondo às pessoas o que ele tinha, de família, como músicos iguais a ele ou no ramo dele. Ele fazia questão, ele tinha um prazer, não era a preferência dele. Talvez a preferência dele fosse outras coisas, mas ele apoiava todos nós, sim.
Ele chegou a dar aulas para vocês? A ensinar música?
Bastico – Para mim, no caso, não. Eu acho até que para nenhum dos irmãos. Cada um foi autodidata ou procurou alguma forma de desenvolver a sua cultura. Foi mais fácil uns com os outros e com ele também, embora indiretamente. Mas ele lecionar qualquer coisa pra gente, não. Depois desse desenvolvimento nosso ele poderia sugerir qualquer opinião.
Biné – Eu concordo contigo numa coisa: a primeira ação de papai para os filhos tocarem. Papai tinha muita ideia musical, mas sabia que aquela música que ele fazia não tinha grande futuro. O que ele fez? Pegou nós três irmãos primeiros, mais Denisal, Concita e Nazaré, essa já falecida, e botou com Pedro Gromwell pra poder estudar partitura. Ele ia uma ou duas vezes por semana em Rosário, dar aulas.
Ainda assim, ele não dando aula formalmente, vocês o consideram o seu principal mestre?
Zequinha – Eu o considero. Por que ele, quando a gente fazia coisa errada, brigava. Dava murro nas paredes, na mesa. “Tá errado!” Eu não, por que meu instrumento é solo e ele não sabia tocar [risos], mas ele gostava de ouvir.
Biné – Ele tinha um ouvido magnífico. Não era o que ouvia bem a música: ele ouvia, memorizava e passava para o instrumento.
Zequinha – Ele tinha uma facilidade monstra de aprender as coisas. Ele não lia música, mas tudo ele pegava no ar.
Biné – Papai teve essa visão de botar os filhos para aprender a ler música, na época. Os outros, que não quiseram aprender a ler, ele começou a relaxar um pouco. Papai conhecia perfeitamente os instrumentos que tocava, a ponto de eu pensar que eu já era o craque, artista, cabeludo, de guitarra e tudo mais, e chegar e dizer o seguinte: “papai, eu tou tocando cavaquinho, já sei solar uns choros, vou comprar meu cavaquinho”. E ele dizia: “vá comprar o cavaquinho que eu quero ver se você sabe comprar o instrumento”. Cheguei, procurei o mais bonito, quando eu cheguei ele só fez isso [belisca duas cordas, imitando o gesto do pai]: “vá devolver, que não presta”. Aí eu fui estudar para entender aquele gesto dele. É como eu lembro, comento, as músicas de papai, hoje, que a gente procurou estudar um pouco mais para entender a estrutura, a organização das músicas que ele fez, rapaz, as músicas de papai estão todas dentro do padrão. Eu conversando com meu grande amigo César Jansen [bandolinista], ele me disse que as músicas de choro, cada parte tem 16 compassos. “Foi um estudo feito através de Pixinguinha. Vamos ver os de Capitão”, é como chamam papai. Cumprem rigorosamente as determinações da parte teórica, as músicas dele, as movimentações harmônicas. Ficou mais fácil, estudando, entender a música de papai. É a mesma variação da música de Jacob [do Bandolim], a mesma dos grandes compositores.
Qual o tamanho da obra de Nuna Gomes?
Biné – Nuna não tem uma obra muito grande. Ele deve ter umas 14 músicas – umas quatro valsas, uns 10 choros. Tem umas coisas perdidas, por que não era escrito. O que foi escrito foi por Zé Hemetério, foi o que foi gravado. Tem até músicas com dúvidas quanto aos nomes. Mas aquelas que foram gravadas estão certinhas. Só podia memorizar naquela época através de um gravador. Tu queria ver papai não dar uma nota num instrumento era botar um gravador na frente. Ele se perdia todinho, “tira esse gravador daí!”
Como vocês definiriam o Capitão Nuna Gomes?
Bastico – Eu posso dizer, em particular, que fui priorizado com a preferência dele na forma de meu aprendizado sobre as coisas que ele fazia. Eu procurei aprender da forma que ele tocava, ele e meu irmão, assim satisfazendo a necessidade dele. Por essa razão ele procurou aproximar-se o máximo possível de mim, chegando ao ponto de não satisfazer-se em tocar sem minha presença em determinados momentos. Eu acho que definir meu pai tanto como pai, homem, músico ou como um cidadão, ele para mim foi um modelo, um modelo que a gente cria na mente, um exemplo a seguir.
Zequinha – É um tanto difícil de a gente chegar e dizer a verdade: “ah, por que é filho”. Não: eu sempre dei 10 pra ele. Ele pegava o cavaquinho, tudo o que ele queria ele fazia com aquele cavaquinho. Violão do mesmo jeito, bandolim, esse era o instrumento dele, e o violino. Violão ele pegava depois. [Lacrimejando:] Eu não gosto de falar.
Biné – Eu tentei ser solista. Da família, é como se fosse um time de futebol, eu era o nove. Eu era o solista, com Zequinha, lá na frente da banda. Solista de guitarra, solista de cavaquinho. Aí eu passei a perceber e valorizar Capitão Nuna: ele passava cinco anos sem pegar um instrumento. Quando a gente foi levar Nuna pra gravar o primeiro cd dele, lá onde Anísio, ele disse: “a coisa mais impressionante, eu não vejo seu Nuna errar uma nota”. Ele tinha uma segurança tão grande na escala, que se tornou, devido a tocar muito tempo, conviver muito tempo com o instrumento, o que ele imaginava, ele fazia perfeitamente. Eu tenho certa dificuldade. O músico completo tem que ter muitas coisas, inclusive memória. A escola dele, ele foi autodidata. Aí é que está minha admiração: magnífico nessa parte. Todo instrumento que ele tocava, ele tocava com muita segurança.
A obra de Nuna foi registrada em disco recentemente. Como foi esse processo? Se alguém quiser ter acesso, onde encontra?
Biné – Esse material não se encontra direto ao público. Ele foi registrado por um grande amigo nosso, Hilton Mendes, que mandou fazer uns 400 cds. Isso já se distribuiu para os amigos, deve ter bem poucos [exemplares]. Foi uma obra feita de caráter mais documental, não foi com caráter comercial.
Além desse disco que registrou a obra de Nuna, vocês participaram da gravação de outros discos?
Biné – A gente fez algumas coisas, tem registros de memórias, em fitas lá em casa. Tem Zé Hemetério tocando. Tem Ricarte [risos dos chororrepórteres], um grande violonista, amigo de Zé Hemetério.
Biné, você foi membro do Instrumental Pixinguinha. Quanto tempo você passou no grupo?
Biné – Eu passei 18 meses. Eu estava trabalhando na Transbrasil e na época não queria saber de música, mas Solano [o violonista sete cordas Francisco Solano, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 26 de maio de 2013] me convidou e eu fui. Na época eu não lia música e eles disseram [risos]: “tu tá lascado”. “Mas eu aprendo”. Foi muito importante nessa parte teórica, eu comecei a estudar, gostava do trabalho que estava sendo feito. Fizemos um espetáculo no Teatro Arthur Azevedo em que tocamos a Suíte Retratos [de Radamés Gnattali]. Depois saímos eu, César Jansen, Solano, Paulinho [Oliveira, flautista] e Marcelo [Moreira, violonista]. Ficou só Domingos [Santos, violonista sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 16 de março de 2014]. De lá reuniu, o pessoal trouxe Juca [do Cavaco, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 13 de abril de 2014], Raimundo Luiz [bandolinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 15 de setembro de 2013]. Isso era 1990, esse pessoal [a atual formação] veio depois.
O pai de vocês tinha amizade com Zé Hemetério? Como era isso?
Zequinha – Nós éramos vizinhos. Era aquela amizade louca! Eu toquei demais com Zé Hemetério.
Biné – Zé Hemetério era o seguinte: já envelhecido, ele tinha alguns contratos, mas não tinha parceiros. Ele chegava e perguntava: “vocês vão tocar quinta-feira?” Íamos eu, Bastico e Maneco acompanhando ele, tocamos muito. Ele no violino, tocando festa de 15 anos. Muito depois ele começou a tocar bandolim, mas só pra brincar, não pra ganhar dinheiro.
Vocês já falaram no Curtisom e no Pixinguinha. De que outros grupos musicais vocês participaram?
Biné – Eu e Bastico participamos da Orquestra Maranhense. A Orquestra Maranhense tem uma história que ainda não foi dita por ninguém. O Ataíde, que fez a Orquestra Maranhense, na época era dono do Som Livre, depois extinto. Ele pensou assim: todos os músicos, das bandas da polícia e das bandas do exército, não têm onde tocar depois que se reformam, a não ser em [bumba meu] boi e carnaval. E ele idealizou uma orquestra para poder tocar todo o tempo. Pegou todos os músicos reformados da época e fez a Orquestra Maranhense, lá na casa dele no Ipase. Ele perguntou: “Biné, tu não vai dar uma força pra mim?” Eu fui pra guitarra, Bastico pro baixo, e ele ficava lá no teclado.
Zequinha – Nós criamos aqui o Conjunto Melodia, com Mascote [o violonista e percussionista Antonio Sales Sodré], Ataíde, [o cantor Léo] Spirro, a gente tocava muito. Sabe como é o conjunto: vai, vai e se acaba. Aí nós criamos o Big Nove, com aquela dupla Ponto e Vírgula, Jorge e Othon Santos. Foi chamado Spirro, Bárbara, cantora, naquela época cantava muito bem, eu. Nós éramos nove músicos, por isso Big Nove. Fizemos muita festa, [Clube] Jaguarema. Terminou o Big Nove nós fizemos Os Fantoches. Depois o Curtisom, em 1972 eu saí dos Fantoches. Aí nós fundamos o nosso, um nome criado por Bastico, Curtisom, muito bom. Quando surgiu, surgiu com tudo.
Bastico – Eu fiz parte de muitos, como Big Nove, Ferreira e Seu Conjunto. Depois fui participante do Som Livre, Os Fantoches e do Curtisom. Depois da Orquestra Maranhense. Toco violão há oito anos no bumba meu boi Mocidade de Rosário.
Vocês se consideram chorões?
Bastico – Eu sempre fui. Eu sou muito amante do gênero, e como amante eu gosto sempre de participar como músico. Portanto, tanto quanto como amante, como quanto participante instrumentista, eu sou chorão.
Zequinha – Eu me considero. Por que foi um dos ritmos que eu mais abracei. Na época em que eu tocava o sax alto ele pede que a gente toque choro devido à facilidade na execução. Eu morava no interior e lá eu tinha que aprender a tocar, pra fazer aquelas festas que começavam às nove horas e terminavam às seis da manhã. De madrugada a gente tocava choro e eu me acostumei com aquilo, aprendi, vim pra cá e trouxe o costume pra cá. Abraço todos os gêneros, toco todos os gêneros, mas naquela época eu tocava mais o choro.
Biné – Na visão de músico ou na de musicólogo? Na visão de musicólogo eu adoro o choro; na de músico, eu gosto, porém eu não pratico. Eu fui um dos primeiros a tocar choro aqui dentro de São Luís. Eu procuro ser o máximo eclético. Hoje eu toco mais violão, tenho minhas agendas. Na verdade eu tenho que parar para poder estudar, treinar. Não tem grupo, o choro é fundamental ter o grupo.