Joãozinho Ribeiro e grande elenco apresentam “Canções de Amor e Paz”

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O poeta e compositor Joãozinho Ribeiro. Foto: divulgação
O poeta e compositor Joãozinho Ribeiro. Foto: divulgação

Espetáculo poético-musical acontece nesta sexta-feira (22), no Teatro Arthur Azevedo

Diariamente somos bombardeados pelo noticiário e pelas redes sociais com notícias desagradáveis. São fartos os casos de desastres (supostamente) naturais, violências de toda ordem e assassinatos, não raro os três se relacionando.

Na contramão disso, temos as artes, para servirem não como alienação, alheamento ou fuga da realidade, mas também para nos ajudar a refletir sobre a quadra histórica que atravessamos.

“O dever do artista é salvar o sonho”, sentenciou o artista plástico italiano Amedeo Modigliani (1884-1920), frase que se tornou um mantra para o poeta e compositor maranhense Joãozinho Ribeiro.

Nesta cruzada quase quixotesca em busca de salvar o sonho, Joãozinho Ribeiro apresenta nesta sexta-feira (22), às 20h, no Teatro Arthur Azevedo (Rua do Sol, Centro), o espetáculo “Canções de Amor e Paz”, reunindo um grande elenco da música e poesia cometidas por estas plagas.

Desfilando um repertório autoral, Joãozinho Ribeiro agrega como convidados/as o Coral Infantil Batucando Esperança, Elisa Lago, Emmanuel Ferraro, Adriana Bosaipo, Anna Cláudia, Fátima Passarinho, Zeca Baleiro – que fará uma participação especial virtual, apresentando uma parceria inédita deles em vídeo –, Ivandro Coelho, Gisele Vasconcelos, Marconi Rezende, Rosa Reis, Leda Nascimento, Elizandra Rocha, Gilson César, Rosa Ewerton, Uimar Junior, Moizes Nobre e Tatiane Soares.

O anfitrião e a constelação que o acompanha terão seus feitos musicais e poéticos emoldurados pelos talentos de Rui Mário (sanfona e direção musical), Arlindo Pipiu (baixo), Hugo Carafunim (trompete), Danilo Santos (saxofone e flauta), Robertinho Chinês (cavaquinho e bandolim), Tiago Fernandes (violão sete cordas) e Marquinhos Carcará (percussão). A produção é de Lena Santos e a direção geral de Joãozinho Ribeiro.

Os ingressos custam R$ 50,00 (R$ 25,00, a meia-entrada para estudantes com carteira e demais casos previstos em lei) e estão à venda na Bilheteria Digital e na bilheteria do Teatro Arthur Azevedo.

Serviço

O quê: show “Canções de Amor e Paz”
Quem: Joãozinho Ribeiro e convidados
Quando: sexta-feira (22), às 20h
Onde: Teatro Arthur Azevedo (Rua do Sol, Centro)
Quanto: R$ 50,00 e 25,00

Dylan e Marley serão homenageados no sarau Vinil e Poesia

Tertúlia é retomada hoje pela dj Vanessa Serra e terá como convidado o poeta Fernando Abreu

Bob Dylan. Foto: Press Association/AP. Reprodução
Bob Marley. Foto: reprodução

Em 1989 o hoje oitentão Gilberto Gil lançou “De Bob Dylan a Bob Marley – um samba-provocação”, um dos tantos libelos antirracistas de sua vasta obra, faixa de “O eterno deus Mu dança”. Diz o baiano no refrão: “Bob Marley morreu/ porque além de negro era judeu/ Michael Jackson ainda resiste/ porque além de branco ficou triste”.

Bob Marley (1945-1981), primeiro artista pop de fama internacional, tornou-se o rei do reggae e tornou o gênero jamaicano um dos mais populares ao redor do mundo. Bob Dylan (1941-), com suas letras épicas quilométricas, levou o Nobel de literatura em 2016, para o qual sua obra musical pesou sobremaneira.

A dj anfitriã do sarau Vinil e Poesia Vanessa Serra. Foto: Marco Salles. Divulgação
O poeta Fernando Abreu em entrevista ao saudoso Radioletra, na Rádio Timbira AM. Foto: Zema Ribeiro

Ambos serão homenageados hoje (21) na retomada do sarau Vinil e Poesia, tertúlia poético-musical-etilírica-afetiva capitaneada pela jornalista e produtora cultural Vanessa Serra, a dj anfitriã. O convidado de hoje é o poeta Fernando Abreu, que tem nos Roberts Nesta e Zimmerman, dois artistas de sua predileção.

O poeta explica a gênese da ideia: “já tem pelo menos uns cinco anos que venho pensando em juntar canções desses dois gigantes em um recital. Contemplamos fases bem diversas dos dois, desde os primeiros discos, com um tratamento que privilegia a poesia das letras, buscando pontos de contato com os poemas. Acho que conseguimos”, aposta.

Em dezembro de 2019 este repórter participou da primeira edição do sarau Vinil e Poesia. Na ocasião, disse alguns poemas de Marcelo Montenegro e Paulo Leminski, dois de meus poetas preferidos. E Vanessa Serra levava livros de sua biblioteca particular, com destaque para autores maranhenses, para estimular a participação do público.

Eram tempos pré-pandêmicos – mas disso não tínhamos como saber, à época. O sarau tomou corpo no Cazumbá Lounge, na Lagoa, à época da primeira administração. Mas a primeira vez que o nome Vinil e Poesia foi usado na divulgação remete ainda à temporada que a dj realizou no restaurante Flor de Vinagreira, na Praia Grande, quando o performer Hélio Martins participou de uma das edições, recitando um poema da maranhense Lúcia Santos.

A interação de artistas da música e da poesia e do público, que passou a se interessar por presenciar o evento semanal, além de eventualmente subir ao palco, consagrou o evento, cujos encontros acabaram migrando para o formato virtual, com o avanço da pandemia de covid-19 e suas consequentes restrições. O Vinil e Poesia passou a acontecer às quartas-feiras, com transmissão pelo canal da dj no instagram – os primeiros convidados foram os cantores e compositores Josias Sobrinho e Jorge Thadeu. Aos domingos pela manhã, a princípio também pelo instagram e, posteriormente, pelo twitch, ela também realizada a Alvorada, do quintal de sua casa, que logo angariou uma audiência fiel.

As adesões de artistas ao projeto e seu formato despojado redundaram no elepê “Vinil e Poesia”, que teve metade da tiragem doada para djs e formadores de opinião. Realizado com recursos da Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural, o disco tem 14 faixas, está disponível também nas plataformas de streaming e é quase um milagre, pelo tempo recorde de produção e a constelação reunida, que inclui nomes como As Brasileirinhas, Betto Pereira, Célia Leite, Celso Borges, César Nascimento, Eloy Melônio, Jorge Passinho, Josias Sobrinho, Lúcia Santos, Mano Borges, Nosly e Zeca Baleiro, entre outros.

“Quando o disco chegou foi aquela felicidade tamanha. Você vê um produto seu que você pode pegar, um sonho que foi realizado de forma tátil, com a adesão de pessoas tão significativas, capa de Betto Pereira. Foi uma coisa muito especial. Até hoje, quando eu paro para pensar, eu digo “meu Deus, como foi que eu consegui?”, e eu só consegui porque eu não fiz nada só. Nós tivemos uma equipe maravilhosa, com a participação fundamental do estúdio Zabumba Records, com a produção executiva de Suzana Fernandes e direção artístico-musical de Luiz Cláudio. A gente conversava, eu dizia como eu queria, como eu pensava, ele me mostrava, e deu super certo. Em um mês nós conseguimos realizar a gravação desse disco. 14 faixas em um mês é uma coisa absurda”, relembra Vanessa Serra, que levou o prêmio Papete na Festa da Música do Maranhão em 2021 com este trabalho.

“Eu costumo receber mensagens de djs, me dizendo que estão tocando o disco, eu ouço o disco na rádio, a alegria maior é ver essa música reverberar, que é o grande propósito de ter feito esse disco, ter essa produção fonográfica do Maranhão, com artistas dessa magnitude em circulação por todo o país”, celebra a dj, que reuniu 22 artistas em 14 faixas, entre poetas, cantores e compositores. Ela pretende lançar um segundo volume em breve.

“Eu e Fernando Abreu sempre conversamos, ele também participou da live, ele me mandou uma música, “Meio Bob, meio Marley”, e eu disse que era boa, e na hora deu pra perceber que era um brasileiro cantando. E era ele. Aí eu fui rever a live, como o papo fluiu, e ele me disse que estava fazendo algumas experimentações. Aí deu a vontade de a gente repetir a dose”, lembra Vanessa.

Autor de “Relatos do escambau” (1998), “O umbigo do mudo” (2003), “Aliado involuntário” (2011), “Manual de pintura rupestre” (2015) e “Contra todo alegado endurecimento do coração” (2019), Fernando Abreu não é um neófito quando o assunto é levar poemas das páginas dos livros para o palco, esteja ele montado numa biblioteca, numa praça ou num bar.

“A curtição de estar no palco vem desde os tempos heróicos da Akademia dos Párias [grupo de estudantes/poetas que agitou a cena literária e boêmia da ilha, em meados da década de 1980], e permanece até hoje. Não vamos fazer um show de música, mas um recital de poesia e música. Sou um cantor apenas na medida em que todo poeta é um cantor, embora minha ligação com a canção popular antiga e profunda, de influência mesmo. Nesse caso, versões livres de canções de Marley e Dylan, ambas em parceria com Celso Borges, dão conta dessa intimidade. Ou seja, a experiência de letrista está ligada à experiência com poesia de uma forma geral”, afirma o poeta, que teve os dois livros mais recentes publicados pela carioca 7Letras, mesma editora por que lançará “Esses são os dias”, ainda este ano – o público presente ao sarau de hoje terá oportunidade de ouvir em primeira mão, alguns poemas deste volume vindouro.

“Estamos todos muitos sofridos, as dores da pandemia se somam ao horror de um governo perverso e genocida. Precisamos de alento, e esse projeto, com a coragem e a vontade de pôr a poesia em cena, é um grande alento e alimento para muita gente. E é com o propósito de contribuir, de oferecer também algum alimento, que estamos participando, eu e Lucas Ferreira [multi-instrumentista e letrista da Babycarpets, sobrinho do poeta], com grande alegria”, convida Fernando Abreu.

O evento muda de palco e hoje reencontrará seu público em formato presencial no Soul Lounge SLZ (Av. Litorânea, Calhau), às 20h – o couvert artístico individual custa R$ 12,00.

Karla Castro lança hoje “Todo o meu sentimento através dos teus olhos”

Livro marca estreia da autora na poesia; noite de autógrafos acontece às 19h, no Reviver Hostel

Todo o meu sentimento através dos teus olhos. Capa. Reprodução

Conheci Karla Castro nas mesas dispostas na calçada da Feira da Tralha, saudoso sebo-bar do casal de amigos comuns Riba e Marly, paisagem afetiva e, infelizmente hoje saudosa (no formato bar presencial; o sebo continua atendendo pelo instagram), em geral escolhida para passar a régua no dia; em algumas noites, este repórter transmutava-se num arremedo de dj e, entre um gole e outro, a amizade se estabeleceu.

Se opto por iniciar este texto com declaração tão pessoal, é apenas para revelar minha surpresa ao descobrir outra faceta da fisioterapeuta cearense e professora universitária radicada no Maranhão há mais de 21 anos: a da poesia, ouro que ela entrega a quem interessar possa, com talento e honestidade em seu livro de estreia, “Todo o meu sentimento através dos teus olhos”, ilustrado por fotografias de Sílvia Estrela, que ela lança hoje (19), às 19h, no Reviver Hostel (Rua de Nazaré, 200, Centro).

Se antes Karla Castro escrevia – publicava, melhor dizendo – apenas artigos acadêmicos em sua área, ela adentra o terreno, ao mesmo tempo sagrado e profano da poesia, sem receios. Sua poesia tem um tom confessional e é marcada por referências: os acúmulos que nos tornam aquilo que somos. Música, fé, o feminino, a boemia, o onírico, lendas e contos de fadas, a própria poesia. Nada é jogo de cena.

No fim das contas, é um livro sobre o amor: o amor realizado, de um casal; o amor platônico; o amor pela poesia em si, traduzidos em títulos como “O engenho das sensações”, “Paixão”, “Até fazer morada”, “A rima, o amor e a poesia” ou “Autorretrato”.

Em “Letras absíntias”, desnuda-se por inteiro: “Porque a profundidade do mergulho,/ para onde suas letras absíntias me arrastam,/ desemboca em cálidos oceanos de lírios de sal/ que me desnudam despudoradamente/ e me fazem mergulhar descabida,/ e, mais profundamente ainda,/ tocando, com os meus pés vorazes,/ lugares do imaginário que,/ nem em sonho,/ tua escrita mais ousada arriscaria penetrar…”.

Desde o título – e da bela fotografia escolhida para capa, em que vimos, numa janela de um casarão em ruínas, um par de bonecos de pano – Karla Castro estabelece uma relação de troca e cumplicidade com o leitor, como se este fosse seu espelho e vice-versa.

Na noite de autógrafos haverá apresentações do Quarteto Ponto de Fuga e da dj Vanessa Serra, além de vários amigos lendo poemas do livro.

A orfandade dos pivetes, dos alcoólatras e dos amigos

Da esquerda para a direita, o blogueiro, o poeta e jornalista Cunha Santos, o poeta-músico ZéMaria Medeiros e o jornalista Gutemberg Bogéa a caminho de Carolina, circa 2004. Foto: acervo ZR

Filho de Durval Cunha Santos e Josefina Medeiros, Jonaval Medeiros da Cunha Santos nasceu em Codó/MA, em 10 de novembro de 1952 e faleceu hoje (20), vitimado por insuficiência respiratória em decorrência de um edema pulmonar, em São Luís, cidade que adotou e por que foi adotado desde antes de seu primeiro aniversário. Era irmão da cantora Didã.

Jornalista, entre poemas e contos publicou livros sob os pseudônimos Cunha Santos Filho e J. M. Cunha Santos: “Meu calendário em pedaços” (1978), “A madrugada dos alcoólatras” (s/d), “Pesadelo” (1993), “Paquito, o anjo doido” (s/d) e “Vozes do hospício” (2008), para citar alguns.

Neste último, dedicou-me o soneto “Motel”, um dos poucos poemas que sei dizer de cabeça, originalmente publicado n“A madrugada dos alcoólatras”, que recitei em muitas noites, em sua companhia ou fazendo sua fama ir além de sua presença: “O mênstruo da aurora em tom vermelho/ repete-me abatido na vidraça/ minha imagem em dó, ré, mi, coalha no espelho/ o sol, lavando o rosto, vê e passa/ É a manhã, rebento do meu sono, afoito/ me mudo para a lâmpada que acesa/ crava minha sombra sobre a mesa/ caneta e eu, poema, eterno coito/ Saudades dela em mim como estrias/ na pele – e como é duro removê-las/ devassos, nós dormimos quando é dia/ porque às noites, como cães lassos de orgia,/ se ela faz suruba com as estrelas/ eu vivo em coito anal com a poesia”.

Dividi muitas mesas e noites com Cunha Santos e pouparei os poucos mas fiéis leitores de histórias que poderiam soar apologia ao alcoolismo. Ele tinha consciência de sua condição e afirmava na terceira capa de “A madrugada dos alcoólatras” que o livro “não tem outra pretensão que não a de tentar descrever, através da poesia, pelo menos uma parte do sofrimento de que são acometidos todos eles”.

Recordo com especial carinho uma noite de sexta-feira que pariu o sábado em que amanhecemos tomando café numa padaria na Rua de São Pantaleão, próximo de onde ele então morava, e dali, com a mesma roupa de ontem, seguimos para assistir uma palestra do brilhante Agostinho Ramalho Marques Neto, que fora seu professor no curso (não concluído) de Direito, na Universidade Federal do Maranhão.

Na orelha de “Odisseia dos pivetes”, o jornalista e ex-deputado Luiz Pedro, falecido em junho passado, escreveu: “Cunha é um dos Santos de minha devoção”. Não exagerava. Além de poeta, foi um dos maiores cronistas políticos que o Maranhão conheceu.

Figura extremamente humana, era capaz de passar a noite distribuindo esmolas a quantos pedintes encostassem na mesa, deixando a conta na pendura – o fiado nas quitandas e bares ou a cumplicidade dos “colegas de copo e de cruz” invariavelmente garantiam-lhe a solidariedade.

Era um homem de esquerda, o que ninguém podia negar, combativo com a arma que tinha: a palavra. Se para muitos poetas e jornalistas o espectro ideológico deve ser omitido em nome de uma inalcançável, portanto falsa, imparcialidade, Cunha Santos nunca deixou de dizer de que lado estava, fosse escrevendo poemas em livros, fosse escrevendo textos em jornais. Combateu com igual fervor, entre a juventude e a melhor idade, a ditadura militar de 1964 e o governo genocida de Jair Bolsonaro – no que também irmanamo-nos: se uma CPI tem medo de dar às coisas o nome que as coisas têm, nós não.

Ia às lágrimas com facilidade, fosse por um poema, uma música, a situação do país, “comovido como o diabo”, como cravou outro poeta de sua predileção, exatamente como o personagem que dá título a um de seus poemas mais conhecidos, “As lágrimas de Seu Nelson”: Seu Nelson chorava todas as manhãs/ não porque estivesse velho ou triste/ não porque lhe deprimisse estar no mundo/ Seu Nelson chorava todas as tardes/ não porque sentisse dor ou soubesse de saudades/ não porque lhe deprimisse não ter muito aonde ir/ Seu Nelson chorava todas as noites/ não porque fosse criança ou tivesse medo do escuro/ não porque lhe restasse na vida um único e antigo amor/ Seu Nelson chorava todas as manhãs/ porque tinha certeza de que jamais/ haveria outra manhã igual àquela/ Seu Nelson chorava todas as tardes/ porque cedo ou tarde todas as tardes acabam/ Seu Nelson chorava todas as noites/ porque sabia que as estrelas/ se repetiriam em outras noites,/ naquela noite nunca mais/ e que sua madrugada só duraria/ até a hora de chorar mais uma vez”.

Talvez Seu Nelson e todos nós choremos por sabermos, agora, que nunca mais Cunha Santos escreverá outro poema, outra crônica. Resta a nós a saudade e relê-lo.

Live celebra 15 anos de “Paisagem feita de tempo”

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Paisagem feita de tempo. Capa. Reprodução

Com a presença de poetas, acadêmicos e jornalistas, evento online celebra os 15 anos do livro de estreia de Joãozinho Ribeiro

Este ano o livro “Paisagem Feita de Tempo”, do poeta maranhense Joãozinho Ribeiro, completa 15 anos de lançamento, realizado em abril de 2006. A primeira edição do livro está completamente esgotada e atualmente o autor está buscando meios de viabilizar uma nova edição.

Objeto de vários estudos acadêmicos, com destaque para os da professora pós-doutora em Teoria Literária Silvana Pantoja (UEMA/UESPI) e do professor doutor Valmir de Souza (USP), a obra poética, com características autobiográficas, é uma verdadeira declaração de afetos pela cidade de São Luís, Patrimônio Cultural da Humanidade, e pelos seus habitantes.

Embora mais conhecido como compositor, Joãozinho Ribeiro tem também uma obra poética consistente, inédita em livro – a citar “Paisagem feita de tempo”, e outras que ainda anseiam por merecidas publicações. Uma curiosidade é que vários trechos da obra viraram música, casos de “Amália”, que homenageia sua mãe, “Rua Grande” (parceria com Zezé Alves), “Anonimato” (musicada por Chico César), em homenagem a seu pai, e o clássico “Milhões de uns”, gravada por Célia Maria.

No próximo dia 24 de setembro, às 19h, será realizada uma live para celebrar a efeméride, com as presenças dos professores Silvana Pantoja e Valmir de Souza; dos premiados poetas Celso Borges (que escreveu a orelha da edição original) e Hamilton Faria (que assinou o prefácio), do jornalista Zema Ribeiro, além do autor Joãozinho Ribeiro.

A transmissão acontecerá pelo canal da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) no youtube.

Divulgação

Serviço

O quê: live Tempo e paisagens: 15 anos de “Paisagem feita de tempo”
Quem: o poeta Joãozinho Ribeiro e convidados
Quando: dia 24 de setembro (sexta-feira), às 19h
Onde: canal da SMDH no youtube
Quanto: grátis

O testamento de Judas 2021

por Cesar Teixeira, jornalista e compositor

Foto: Luiz Barreto

Outra vez sou enforcado
num tribunal ignaro,
mas meu crime prescreveu,
diz um pergaminho raro.
Quem exterminou Jesus
e botou culpa no SUS
foi Messias Bolsonaro.

Quando chegar no Inferno
ele não terá guarida,
pois o Diabo não aceita
gente de língua comprida
com barriga de jumenta,
cabelo de cu na venta
e fama de genocida.

Deixo ao Profeta do Caos
bula do Billy the Kid,
pois, quando bota ministro
na Saúde, há quem duvide:
– Será Marcelo Queiroga
um novo tipo de droga
que vem no Kit-Covid?

O tratamento precoce
é fim que não principia,
mais parece uma garrafa
de aguardente vazia.
Só traz insuficiência
renal e resiliência
da alma em hemorragia.

Deixo pro Ricardo Salles,
que a natureza atazana,
os restos mortais do gado
que acreditou no sacana.
Jogou no abismo a boiada,
que passa, desgovernada,
achando que a Terra é plana.

Para a ministra Damares,
que só trepa em goiabais,
vou deixar o Kama-Sutra
dos traumas celestiais.
Pra massagear o ego
de um pobre Judas cego,
deixo os órgãos genitais.

Deixo na Universidade
o cordel do ABC.
Hoje em dia estudante
só consegue o que dizer
na voz dos mestres Foucault,
Walter Benjamin, Nivô,
Apolônio e Bordieu.

Antes que o Testamento
se torne monografia,
uma camisa-de-força
deixarei para o Messias,
pois agora o rei está nu
entubado pelo cu,
de onde caga ideologia.

Vou deixar uma vacina
de cereais e verduras
pro nosso Mao-Tsé-Tung
não desabar das alturas
ao subir no Sputnik,
depois de um piquenique
com muito doce e gordura.

Para não cair partido
em Rocha capitalista
deixo a foice e o martelo
de cravar nazifascista
e, sem disparar um tiro,
enterrar mais um Vampiro
da corte terraplanista.

Pro ex-ministro Sérgio Moro
da Lawfare se salvar
eu vou deixar o triplex
com sua “conge” em Guarujá.
Pato já virou boneco,
agora é a vez do marreco
cantando Edith Piá.

Deixo para o Presidente,
doutor em Necrofilia,
o cadáver da Amazônia
cujos pulmões esvazia.
E o verde, se despindo,
de luto vai se vestindo,
numa triste asfixia.

Pagar na mesma moeda
em Aurizona eu pretendo,
pois lá a Equinox Gold
o terror vem promovendo.
Leva o ouro pra Gaudéria,
deixa a lama da miséria
em cada cova escorrendo.

É preciso demarcar
nossa herança por inteiro,
interditar o garimpo
e algemar fazendeiro.
A Funai não auxilia,
é pior que epidemia
para o índio brasileiro.

Deixo a Flávio Bolsonaro
a mala de um mascate
para esconder a grana,
sem que Queiroz o delate
por crime de peculato,
lavando dinheiro a jato
em pia de chocolate.

Na Assembleia deixarei
emenda legislativa
que impede o deputado,
em corrupção ativa,
pular cerca da vizinha
pra comer a rachadinha
da amiga Patativa.

Pois cabaço, meus amigos,
hoje é sigilo fiscal
que no Brasil ninguém quebra
se for presidencial,
por isso a mulher do Arruda
vai proteger a Papuda
do governo federal.

Deixo pras Forças Armadas
a batina dos vigários.
Não há generais rebeldes,
pois, muito pelo contrário,
a velada demissão
é a farsa do escorpião
no cangote de otário.

Assumiram Três Patetas,
no cinema um sucesso.
Para o filme “Bolsotralha
e os Três Porquinhos Perversos”
deixo esquadras de papel,
caminhões de carretel
e uma FAB de processos.

Para Kátia Abreu entrego
um cabresto em Testamento
pra botar o ex-chanceler
Ernesto pastando ao vento.
Nos restaurantes da China
carne que tem vitamina
é a carne de jumento.

Bolsonaro é repetente
desde seu Grupo Escolar,
e foi gazeando aula
que se tornou militar.
No quartel só lhe convinha
brincar de explodir bombinha,
e acabou por se queimar.

Na defesa, Braga Netto,
Paulo Guedes, o zagueiro;
no ataque, Bolsonaro,
Augusto Heleno, goleiro.
Com esse time oficial,
que só tem perna-de-pau,
o Brasil tá no atoleiro.

Ele não toma vacina
nem bota anel de tucum.
Na mão de Chico Gonçalves
não terá Direito algum.
Bozo tem medo é de agulha,
da seringa que borbulha
apontando o seu bumbum.

Deixo pro Fernando Cury
um sutiã de mamão
para ficar apalpando
seis meses de suspensão.
Essa pena é pequena,
em respeito a Isa Penna
caberia a cassação.

Para a amiga Rosa Reis
entrego meu borderô,
mantendo o Cacuriá
na UTI do Labô.
Messias pode surtar,
mas temos que vacinar
nosso Jacaré Poiô.

Vou deixar no Laborarte
minha máscara de linho.
No Inferno não tem vírus,
mas o Cão não tá sozinho.
Lá já se espalhou o mito
da língua do Nélson Brito,
herdada pelo Nelsinho.

Deixo para Joãozinho
enfrentar o lockdown
um litro de catuaba
pra de mim não falar mal.
Também deixo um ingresso
pra ele fazer sucesso
dançando no Xirizal.

No Planalto já deixei
a ceia do Capitão:
patê de ivermectina,
azitromicina, pão,
cloroquina e Leite Moça.
Já lavaram até a louça,
que não tem licitação.

Deixo orelhas de burro
nessa ave de rapina,
que negou o Butantan
por causa de uma vacina.
Fez do Brasil um velório
pra vender supositório
de hidroxicloroquina.

Insumos quero deixar
pra ajudar a Fiocruz,
oxigênio em Manaus,
farinha d’água e cuscuz.
Mas, para o mito bandido
deixo um pequi roído
no cocho dos urubus.

O curral não quer tomar
a vacina comunista.
Vitor Hugo e Zambelli
fazem parte dessa lista.
Por isso, deixo a mimosa
vacina de aftosa
pro gado bolsonarista.

A imprensa, que viveu
no AI-5 amordaçada,
por um louco outra vez
está sendo censurada.
Vou botar uma chupeta
com remédio tarja preta
nesse Boca de Privada.

Vou deixar na CCJ
da Câmara Federal
um despacho pra afastar
o atraso, a dor e o mal.
Incentivando motim,
Bia Kicis é pra mim
um verme no lamaçal.

Se há um ministro escroto
é o da Tecnologia,
viu que a Terra é redonda
sem informar a Chefia.
Deixo um foguete da Nasa
pra bem longe desta casa
despachar Jair Messias.

Nas paredes de Alcântara
já colei o personagem,
com o chapéu do Tio Sam
Bolsonaro fez chantagem.
A distribuição de título
foi mais um falso capítulo,
a mais pura maquiagem.

Deixarei a própria corda
que hoje me decide a sorte
de herança aos editores
que publicam minha morte.
Ganhando dinheiro fácil,
me esculhambam no prefácio
sem me dar vale-transporte.

Auxílio Emergencial
deixo até o fim do ano
para os artistas da Feira
que estão se esforçando,
fazendo até hora extra
entre a segunda e a sexta
no bar do Corinthiano.

Em ano de lockdown
e quarentena de Judas
todos querem fazer live,
virou um “deus nos acuda”.
Mire o seu QR Code,
ou então me compre um bode,
no final tudo é ajuda.

Pra acabar com a pandemia
temos que participar
das batalhas contra o golpe
que espalha cepas no ar.
Contra a fome e a impunidade,
o manjar da liberdade
é o Impeachment, Já!

FIM?

Pena capital ao genocida

Em memória dos mais de 255 mil brasileiros vítimas da covid-19 e da irresponsabilidade do presidente genocida de extrema-direita Jair Bolsonaro

“O que é roubar um banco comparado a fundar um banco?”
Bertolt Brecht

“Se números frios não tocam a gente/ espero que nomes consigam tocar”
Bráulio Bessa/ Chico César

Uma estaca cravada no prepúcio
ainda é pouco pra este genocida.
Se a facada não lhe tirou a vida
é preciso tirar-lhe já o poder.
Quantos ainda precisarão morrer
no Brasil, hoje sinônimo de desgraça?
Bolsonaro, vá embora e leve a sua raça!
Meu povo não aguenta mais sofrer.

Uma corda em volta de seu pescoço,
um patíbulo, um grito desumano:
será que ao morrer faria o gesto insano
da arminha e elogio a torturador?
Quero que Bolsonaro saiba o que é dor
pra que enfim, acabe de vez a nossa.
Que o Brasil volte a ser o país da bossa,
do samba, do carnaval e não mais do horror.

Um tiro no meio de sua testa
distanciando seus olhos de facínora
sem empatia, cujo significado ele ignora.
Haverá quem chore por este desgraçado?
Milhares de corações dilacerados
pelas mortes de pais, mães, filhos e avós.
Precisamos, e logo, desatar os nós
da cilada em que nos meteu seu gado.

Cínicos, uns dizem “eu não sabia”.
Não foi falta de aviso, digo e repito.
Todos sabíamos no que daria falso mito
em lugar que deve ser ocupado por gente,
não por falso herói nada eloquente.
Faltará borracha pra apagar tamanho erro
e aqui e acolá ainda se ouve o berro
do gado que aplaude quem fode a gente.

Impeachment é nada e cadeia é pouco:
Bolsonaro merece passagem só de ida
para sofrer por toda eterna vida
em companhia de ídolos como Hitler e Ustra.
Nem no inferno o diabo quer esses filhos da puta
que tanto mal fizeram à humanidade.
Nem na lata de lixo da história lhes cabe.
Contra suas fake news, eis a verdade absoluta.

Morre o último beat

O poeta Lawrence Ferlinghetti era um beat que não se considerava como tal, embora sua livraria/editora, a City Lights, tenha sido imprescindível para a difusão das ideias do movimento que reuniu nomes como Jack Kerouac, Gregory Corso, William Burroughs e, entre outros, Allen Ginsberg – Ferlinghetti chegou a ser preso em 1956 após sua editora publicar “Uivo”, do último, sendo posteriormente absolvido pela corte norte-americana, após provar que o poema não é obsceno.

Não sei se Ferlinghetti, homem de esquerda, chegou a tomar conhecimento de Jair Bolsonaro e do desastre que o genocida representa não apenas para o Brasil e penso nisso ao reler uma entrevista do poeta ao colega de ofício brasileiro Rodrigo Garcia Lopes. Na conversa, publicada no volume “Vozes e visões: panorama da arte e cultura norte-americanas hoje” (Iluminuras, 1996), ele não usa eufemismos ao se referir aos presidentes americanos Ronald Reagan (“um zero em matéria de ecologia”), Richard Nixon (“o que Nixon fez ultrapassou a mais paranóica das imaginações”) e George Bush (“de uma completa ignorância e estupidez. É um idiota”).

Na mesma entrevista, Ferlinghetti diz achar “que neste século a biografia, assim como a entrevista, acabou virando uma nova forma de arte”, e, referindo-se à própria biografia, escrita por Barry Silesky: “essa biografia é pura ficção. Biografia virou ficção”.

Pacifista convicto, Ferlinghetti serviu à marinha americana na segunda guerra mundial, tendo estado na invasão da Normandia e visitado Nagasaki uma semana após a explosão da bomba atômica. “Era como um par de quilômetros quadrados cobertos de nada, mas com cabelo humano e ossos saindo, algo horrível de se ver”, afirmou em depoimento ao Public Broadcasting Service (PBS), em 2002.

Em 2012, coerente com suas convicções, o poeta recusou um prêmio húngaro de mais de 64 mil dólares, o Prêmio Internacional de Poesia Janus Pannonius; à época, ele disse que “se o prêmio é em parte financiado pelo governo húngaro, e as políticas de direita deste regime tendem ao autoritarismo e o consequente cercear das liberdades de expressão e civis, penso ser impossível, para mim, aceitá-lo”, conforme matéria de Carolyn Kellogg, dos Los Angeles Times Books, traduzida por este repórter na ocasião.

Seu “Poesia como arte insurgente” (2007) – uma de suas obras mais recentes, no prelo pela Editora 34, em tradução de Fabiano Calixto – foi escrito e reescrito por mais de 60 anos e é uma coleção de aforismos ferinos, pílulas de dicas para poetas e escritores, mas não só. “Se você quer ser um poeta, crie obras capazes de responder aos desafios dos tempos apocalípticos, mesmo se isso soar apocalíptico”, recomenda (aqui em tradução de Léo Gonçalves), no livro.

Na mesma obra é também certeiro: “A guerra contra a imaginação não é a única guerra. Usando o desastre das torres gêmeas do onze de setembro como desculpa, os Estados Unidos iniciaram a terceira guerra mundial, que é a guerra contra o terceiro mundo” (idem). E finalmente: “Resista mais, obedeça menos” (ibidem).

Reuben da Cunha Rocha, que também traduziu alguns destes poemas curtíssimos, classificou o livro de Ferlinghetti como um “exercício desbragado de contradição, como toda definição do que seja poesia”.

Ainda no livro e na tradução de Reuben, algumas definições de poesia, por Ferlinghetti: “a ficção suprema”; “graffiti eterno no coração de cada um”; “gíria de anjos e diabos”; “a anarquia dos sentidos fazendo sentido”; “o perfume da resistência” e “o poeta um batedor de carteiras da realidade”; em suma, “poesia não vale nada e por isso não tem preço”.

No Brasil, Ferlinghetti foi traduzido também por nomes como Paulo Leminski, Nelson Ascher, Eduardo Bueno e o recém-oitentão Leonardo Fróes.

Sua crítica ao capitalismo, incompatível com a democracia, segundo ele, comparece a poemas como, por exemplo, “Autobiografia” (de “Um parque de diversões na cabeça”, originalmente publicado em 1958): “li as Seleções de Reader’s Digest/ de cabo a rabo/ e notei a perfeita identificação/ entre os Estados Unidos e a terra prometida/ já que em todas as moedas está impresso/ confiamos em Deus/ mas nas notas de dólar não há inscrição alguma/ porque são deuses elas próprias” (tradução de Eduardo Bueno, L&PM, 2007).

“Lawrence Ferlinghetti nasceu em Nova York a 24 de março de 1919. Filho de um imigrante italiano, foi criado por uma tia francesa. Passou seus primeiros cinco anos de vida em Strasburg, França; outro bilíngue na beat. Antes de servir no exército, foi jornalista esportivo e pescador; já publicava contos”, anota Claudio Willer em “San Francisco” (in: “Geração Beat”, L&PM, 2009).

Continua o “beat”ólogo: “com uma bolsa para veteranos de guerra, graduou-se e fez mestrado em Columbia e doutorou-se em literatura na Sorbonne, antes de estabelecer-se em San Francisco em 1953, atuou como ponte entre a literatura americana e a francesa, surrealismo inclusive. Tanto é que entre os primeiros títulos da City Lights estavam coletâneas de textos de Antonin Artaud e Jacques Prévert. É autor de “A coney island of the mind (Um parque de diversões na cabeça)”, outro livro de poesia que já vendeu milhões de exemplares; a reunião de poesias “Endless life (Vida sem fim)”; “The secret meaning of things (O significado secreto das coisas)”; a prosa poética de “Her (Dela)”, textos políticos como “Tirannus Nix?” e tantos outros. Também é pintor. Sempre esteve presente no front político, incluindo suas viagens a Cuba em 1960, à Nicarágua sandinista nos anos 1980 e, mais recentemente, em apoio aos zapatistas mexicanos”.

Lawrence Ferlinghetti, o último poeta beat, faleceu hoje, aos 101 anos. Seu filho Lorenzo confirmou a informação ao Washington Post, atribuindo a uma doença pulmonar a causa da morte.

*

Leia também a entrevista de Lawrence Ferlinghetti a Jotabê Medeiros, reproduzida pelo Farofafá.

Do bar ao vinil

[release]

Ao longo de um ano de “Vinil & Poesia”, a dj Vanessa Serra reuniu a nata da música e poesia produzidas no Maranhão; o resultado pode ser conferido no elepê que leva o nome do projeto

Vinil & Poesia. Capa. Reprodução

Em dezembro do ano passado, em casa de nome mais que apropriado, o Cazumbá Lounge, na Lagoa, a dj Vanessa Serra estreou seu projeto “Vinil & Poesia”, aliando duas paixões.

Já era uma dj consagrada, apesar do pouco tempo de estrada. Jornalista de formação e produtora de profissão, só começou a levar a discotecagem a sério em 2016. Sem firulas, como escrevi em seu release oficial, que tive a honra de escrever a pedido.

Não me peçam impessoalidade: fui o primeiro a subir àquele palco, recitando Paulo Leminski e Marcelo Montenegro, dois poetas de minha predileção, e é impossível não lembrar disso com emoção.

Além dos vinis de seu ofício, Vanessa Serra havia levado uns livros, priorizando autores e autoras maranhenses, instigando o público a participar. O que no início tinha jeito de brincadeira, tomou ares sérios, mas não ficou algo careta. Às quartas-feiras, a tertúlia semanal começou a receber poetas e músicos como convidados, para canjas ao vivo, durante o set da dj.

Aí veio a pandemia. O isolamento social. O lockdown. As inúmeras lives que foram/fomos inventando e reinventando para suportar a saudade da vida social, de ir ao bar, de jogar conversa fora, de ouvir boa música nas companhias de amores e amigos. Entre elas o “Vinil & Poesia”, que Vanessa Serra nunca deixou de fazer, mesmo quando foi obrigada ao formato online.

Somente recentemente, com a liberação de eventos de pequeno porte, observadas as normas de segurança sanitária vigentes, ela voltou a realizar o evento ao vivo, a partir do Cazumbá Lounge.

O projeto já era vitorioso ao estimular o diálogo entre música de qualidade e tirar a poesia do lugar solene da página do livro e levá-la ao bar, para ser dita e ouvida por gente atenta, curiosa e esperta. Gente antenada, enfim. Mas uma vitória de um a zero é menos gostosa que uma goleada e Vanessa Serra marca mais um golaço: 14 participações de artistas nas noites do “Vinil & Poesia” estão registradas em um disco de vinil. É luxo só, como diria o poeta.

“Vinil & Poesia” é uma realização de VS Comunicação e Cultura, com patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma), com recursos da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc. Gravado no estúdio Zabumba Records, reúne uma constelação de primeira grandeza da música e poesia produzidas em terras maranhenses.

Na ordem de aparição, Lúcia Santos diz seu poema “No umbigo da noite insana”; Célia Leite zabumba em “Pedras de cantaria” (parceria dela com Jorge Passinho, que faz participação especial na faixa); Mano Borges evoca os ares oitentistas da intensa produção musical maranhense daquela década em “Duas ruas desertas”, de sua autoria; “De São Marcos a São José” nos conduz, pelo sotaque, ao Vale do Pindaré, na parceria de Eloy Melônio e Josias Sobrinho, cantada por este; “Esse tu” é mais uma delicada amostra da parceria profícua de Celso Borges e Nosly, que a interpreta; “Tanto fogo” (Jorge Passinho/ Inaldo Lisboa/ Maninho Quadros), interpretada por Dicy, com participação especial de Santacruz, mete o dedo em ferida atualíssima da tragédia brasileira; César Nascimento cantando o xote “João do Vale, minha homenagem”, de sua autoria, fecha o lado A do disco.

O lado B abre com a voz de Celso Borges em seu poema/toada hi-tech “Tambor de crioula”; “Chovia no canavial”, com que Zeca Baleiro presenteou o projeto, ganha interpretação especial do grupo As Brasileirinhas; o multifacetado Jorge Thadeu comparece com “Guajajara”, de sua autoria; “Ventre livre”, de Luís Du Rosário, é a bela estreia em disco de um artista que não encarou a música como profissão, apesar do imenso talento; Gerude relê o clássico “Jamaica São Luís”, parceria sua com Cyba Carvalho; Betto Pereira comparece ao disco para além da embalagem: canta o reggae “Nação vibration”, parceria sua com o jornalista Gilberto Mineiro; e Tutuca Viana fecha o álbum com a balada “Luz de neon”, que escreveu em parceria com João Marques.

A riqueza deste álbum está no atrito entre poesia e música, para além da leitura de poemas com fundo musical e da pergunta mofada “letra de música é poesia?”, num diálogo estimulante entre gêneros, gerações e a diversidade da cultura popular do Maranhão, ao mesmo tempo plural (pela variedade) e singular (certas coisas só existem por aqui).

“Aqui conseguimos reunir um belo roteiro de canções… Acordes e versos, palavras e tons, memórias profundas, alimento para a alma da gente… “Vinil & Poesia”, de fato, é uma imensidão de sentimentos… É coletividade, pertencimento, entrega e amor”, sintetiza a jornalista, dj e produtora Vanessa Serra em texto na contracapa do elepê.

Ela assina a concepção do projeto e direção geral, que tem direção técnica de Maurício Capella (companheiro de arte e vida), direção artística de Luiz Cláudio, direção musical de João Simas, produção executiva de Suzana Fernandes e produção técnica de Joaquim Zion (seu padrinho no ofício da discotecagem). As artes de capa, contracapa e encarte são de Betto Pereira e o projeto gráfico é de Eric Félix. O álbum é dedicado “à memória, vida e obra de Raimundo Nonato Rodrigues de Araújo (Maestro Nonato), Nonato Buzar, Papete e Gérson da Conceição”.

Muita gente procura o bar para espairecer e vai ao lugar certo. Outros afogam mágoas e também não estão no lugar errado. Alguns, no dia seguinte, querem esquecer o que fizeram. Vanessa Serra eterniza um momento bonito e importante, de um projeto frequentado por “gente fina, elegante e sincera”. Agora, mesmo quem não sai à noite, não frequenta bares ou não curte um drinque, pode levar “Vinil & Poesia” para casa. A inscrição “volume 1”, que lemos na capa do disco, já nos leva a responder, como naquele velho rock: mais uma dose? É claro que eu tô a fim.

Serviço – A live de lançamento de “Vinil & Poesia”, com a presença dos artistas que participam do álbum, será realizada dia 16 de dezembro (quarta-feira), às 20h, com transmissão simultânea pelos perfis da dj Vanessa Serra no instagram e youtube. O projeto é uma realização de VS Comunicação e Cultura, com patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma), com recursos da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc.

Dissecando Joãozinho

Ricarte Almeida Santos, Joãozinho Ribeiro e o blogueiro, em alguma edição do Clube do Choro Recebe. Autor desconhecido.

Daqui a pouco, às 16h, participo do “Café com Direitos Humanos – Lives em tempos de pandemia”, atividade semanal que a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) inventou para não deixar cair a peteca dos debates acerca do tema, diante da impossibilidade dos encontros presenciais, em razão do isolamento imposto pela crise sanitária causada pela covid-19.

O tema de hoje é “Cultura e resistência: obra e arte de Joãozinho Ribeiro” e além daquele cujo engenho criativo será dissecado na cerca de hora e meia de programação, estará comigo o sociólogo e radialista Ricarte Almeida Santos; ou seja, estou em casa, em vários aspectos: numa live realizada por uma entidade que assessorei e presidi, ao lado de dois amigos de copo e de cruz.

Vida, obra e militância em Joãozinho Ribeiro são praticamente uma coisa só: poeta, compositor, gestor cultural e funcionário público aposentado, seu livro (Paisagem feita de tempo, de 2006, há tempos merecendo uma reedição), seu disco (Milhões de uns – vol. 1, de 2013, há tempos merecendo um segundo volume) e seus poemas e canções (registradas por inúmeras vozes ao longo destes mais de 40 anos de carreira) não raro trazem preocupações e questionamentos políticos e sociais, embora, obviamente, não se limite a estes temas.

A foto que abre-ilustra este post, cuja autoria me foge à memória, é de alguma edição do saudoso Clube do Choro Recebe, que Ricarte Almeida Santos produziu entre 2007 e 2010 no Restaurante Chico Canhoto, de saudosa memória, projeto que assessorei, continuando trajetória iniciada justamente com Joãozinho Ribeiro: meu primeiro trabalho remunerado, como assessor de comunicação, foi justamente seu projeto Samba da Minha Terra (2002-3), que levou o samba e o choro – talvez os “departamentos” mais inspirados de sua música – a diversas comunidades da ilha, com vários convidados especiais a cada edição. Merecidamente vencedor de diversas categorias do também saudoso Prêmio Universidade FM.

Por falar em convidados especiais, arremato com um deles: certo dia, ao fim do expediente, encontrei-o na banca de revistas de Dácio, no estacionamento da Praia Grande. Paisagem feita de tempo, então recém-lançado e ainda encontrável nas melhores casas do ramo, figurava nas prateleiras. O compositor Antonio Vieira, referendando a qualidade da obra poética de Joãozinho, abriu o livro numa página, recitou uma quadra – “Debaixo da ponte há um mundo/ feito de gente esquecida/ crianças sonhando infâncias/ infâncias queixando a vida” – e arrematou: “é poeta!”.

A transmissão da live acontece pela página da SMDH no facebook. Até lá!

Serviço:

Divulgação

Um machado afiado contra o autoritarismo

O único legado de Jair Bolsonaro, em 30 anos de vida pública, será tão somente a distribuição gratuita de violência. Muitos se assustam agora com a vontade do presidente de extrema-direita em “encher a tua boca com uma porrada”, dita a um jornalista que indagou-lhe sobre os 89 mil reais recebidos em depósito na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro, não à toa apelidada Micheque.

Bolsonaro é violento por natureza e pelo ethos militar de sua formação. Tão violentas foram declarações suas ao longo de seus mandatos de deputado federal e em campanha para a presidência, em 2018 – quando como bom covarde fugiu de qualquer debate e contou com a mão amiga de Sérgio Moro et caterva para tirar do tabuleiro eleitoral seu principal adversário e até então líder nas pesquisas de intenção de voto em qualquer cenário.

Fosse catá-las, um post seria pouco, uma página de jornal seria pouco, um jornal, uma revista, um livro seriam poucos. Mas Bolsonaro disse à deputada Maria do Rosário que “não te estupro por que você não merece, você é muito feia!”, que “num governo meu índio não vai ter um centímetro de terra”, que, numa comunidade quilombola, o habitante mais leve “pesava sete arrobas”, “vamos fuzilar a petralhada”, e que era “favorável à tortura” e preciso “morrer uns 30 mil, a começar pelo Fernando Henrique [Cardoso, então presidente da república]”, meta mais que triplicada, com a colaboração de sua irresponsabilidade diante da maior crise sanitária dos últimos 100 anos. Sem falar na dedicatória de seu voto, favorável à abertura do processo de impeachment contra Dilma Rousseff, ao notório torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, ídolo de Bolsonaro.

Se Bolsonaro faz do gesto de arminha com as mãos quase um persignar-se e afrouxa a legislação sobre armas no Brasil, os artistas têm voltado suas armas contra ele. As armas das artes, obviamente. “Letras e músicas, todas as músicas que ainda hei de ouvir”.

Recentemente o paraibano Chico César foi alvo de uma moção de repúdio da Câmara Municipal de João Pessoa/PB, por conta de uma música em que o ex-secretário de Cultura daquela cidade e do estado da Paraíba afirma: “bolsominions são demônios/ que saíram do inferninho/ direto do culto/ pra brincar de amigo oculto/ com satã num condomínio”.

A Banda Borralheira foi alvo de ataques de ódio nas redes sociais quando lançou a primeira faixa da Trilogia dos Palhaços, em que fazem críticas diretas a Jair Bolsonaro, a seus eleitores e aos que insistem em apoiá-lo, mesmo passados 20 meses de um governo que tem por modus operandi as fake news, a perseguição a direitos e a proteção a família – os zeros à esquerda, filhos do presidente, é claro! O conteúdo dos haters acabou dando gás à produção da banda curitibana.

Os poetas Celso Borges e Fernando Abreu durante sessão de gravação de "Machado afiado". Foto: divulgação
Os poetas Celso Borges e Fernando Abreu durante sessão de gravação de “Machado afiado”. Foto: divulgação

Os poetas Celso Borges e Fernando Abreu foram os únicos maranhenses a figurarem em meio à centena de vozes presentes em Lula livre Lula livro, publicado em 2018 como forma de protesto contra a prisão política do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva – o que, junto com as citadas fake news, acabou por pavimentar a estrada (no meio do caminho tinha uma facada, até hoje muito mal explicada) que levou Bolsonaro ao Planalto.

Em plena pandemia do novo coronavírus os dois fizeram uma versão livre de Small axe, de Bob Marley e, mesmo não sendo cantores, gravaram a canção. Com todos os cuidados, o que inclui o uso de máscaras, o distanciamento social e camisas com a efígie do ídolo jamaicano, gravaram também um videoclipe, que será lançado neste sábado (29).

A versão foi gravada no Zabumba Records, do percussionista Luiz Cláudio, que assina a direção musical e toca na faixa, gravada, mixada e masterizada por Jailton Sodré. A banda que acompanha as vozes e os versos de Celso Borges e Fernando Abreu se completa com o próprio Fernando Abreu (violão), Jesiel Bives (teclados e baixo), George Gomes (bateria). Após o registro em estúdio, o videoclipe foi gravado por Inácio Araújo (Carabina Filmes), com a participação especial do artista plástico e capoeirista Edson Mondego tocando berimbau.

Não é um recado direto a Bolsonaro, como se pode perceber na letra – seu péssimo governo não tem sequer o panis et circenses –, mas a governantes autoritários em geral (o que obviamente o inclui).

Conheça a letra:

MACHADO AFIADO
(Versão livre de Fernando Abreu e Celso Borges para a música Small axe, de Bob Marley)

Se é tarde eu não sei
Resistimos
Somos Davi
Se você é Golias

A gente vai pra cima de ti
É inútil fugir
Tua queda é pra já
Cadê tua coragem?

Você me dá pão e circo
Querendo se dar bem
Mas o pau que dá em Chico
Dá em Francisco também

Você cavou sua cova
Se envenenou com seu ódio
Eu já disse e vou repetir
Sai fora, man
Sai fora
É capoeira pra cima de ti
Não corre, man
Não corre

Você me dá pão e circo
Querendo se dar bem
Mas o pau que dá em Chico
Dá em Francisco também

“Botei todos os fracassos nas paradas de sucesso”

Durante o período de isolamento social imposto pela pandemia da covid-19 participei de dois editais/concursos: o de minicontos do Itaú Cultural, cujo texto com que concorri já compartilhei por aqui com os poucos mas fiéis leitores; e o 8º. concurso de poemas das farmácias Pague Menos.

Não ganhei nem um nem outro (neste último nem algum prêmio em dinheiro para os cinco primeiros lugares, nem a participação na coletânea para os 100 primeiros); mas roubo o verso de Caetano Veloso, de uma de minhas faixas prediletas [Épico] de um de meus discos prediletos [Araçá azul, de 1972] do velho baiano, para mostrar-lhes o poema com que concorri, já que não escrevo nada para gavetas, sejam poemas, letras de música, matérias, reportagens ou entrevistas, não necessariamente nessa ordem.

O poema é, obviamente, dedicado a Guta Amabile, com amor, e o título decorre do tema da edição do concurso este ano, “Viva plenamente”.

AMOR PLENO

Andar pela calçada,
nós dois de mãos dadas
sentindo os pingos da chuva
molharem as lentes.
Beijo-te e tudo embaça
e no banco molhado da praça
sinto-me vivendo plenamente.

A vida só faz sentido
se vivida com intensidade.
De você, quero amor,
passado ficou na saudade.
Dor se cura com remédio,
aventura cura tédio,
mas ficção não cura realidade.

Por isso digo agora
o que quero para sempre.
Quero o teu amor
para poder viver plenamente.
Nada adianta pelo meio:
você, minha metade, me faz cheio.
Contigo eu quero ser eternamente.

This is true

Retrato: Zema Ribeiro
Retrato: Zema Ribeiro

Há alguns dias saímos em missões por shoppings e Rua Grande para fazer uns “mandados” da mãe dela, cumprindo rigorosamente o isolamento social imposto pela pandemia de covid-19.

Entramos em diversas lojas e, munidos das especificações, procurávamos roupas para a sogra, com a vida à distância, como requer o momento, facilitada pela comunicação via aplicativos de bate-papo.

Numa delas saquei o celular e fotografei o vestido colocado em frente ao corpo, por cima da roupa mesmo, espécie de meio-manequim vivo. Encaminhei a foto à sogra e comentei com a filha: tua cara tá ótima! Rimos.

Só depois me toquei que no vestido está escrito “isto é verdade” em inglês, mais uma dessas coincidências (Deus ou acaso, chamem/os como queiram/os) com que a vida tem nos presenteado desde que a vi pela primeira vez.

Minha modelo predileta surgiu assim para mim naquela tarde quente de domingo cuja história já devo ter contado muitas vezes para amigos íntimos e outras tantas aos poucos mas fiéis leitores. Aliviava o calor com uma cerveja gelada quando ela passou na calçada defronte o Botequim da Tralha, os paralelepípedos da Godofredo Viana transformados em passarela. Não era concurso de miss por que em meu coração ela é hors concours.

O faro detetivesco que de algum modo me deu o jornalismo se responsabilizou pelo resto: perguntar quem era, tão linda, e correr atrás e contar com um pouco de sorte. A vida é gangorra ou montanha russa, com seus altos e baixos – tê-la ao lado torna os obstáculos mais fáceis de transpor, apesar do sedentarismo mútuo, entre horas vendo séries, arrumando (e vendouvindo) livros e discos, cuidando de plantas, botando água para garantir a visita diária e colorida dos passarinhos com seu barulhinho bom, não necessariamente nessa ordem, nesse quase um ano.

Ambos tomamos café sem açúcar e o fim da xícara guarda a porção mais amarga, dada a proximidade com a borra. Esse texto, intencionalmente mais doce que guaraná Jesus, poderia aumentar as taxas de glicose dos leitores, ainda mais os ressacados numa manhã de sábado – como misteriosamente não está o autor.

Na falta de fecho adequado, aproveito para mostrar um poema que escrevi para ela há um tempo, que o parceiro Gildomar Marinho me deu a honra de musicar – está em seu novo disco, Estradar, a (quase) inédita Amor ateu (é a terceira música do vídeo, começa aos 6’17”; tentei programar, mas o youtube está me pregando alguma peça; peço que pulem aí manualmente, mas quem quiser ouvir as três, está valendo também).

Artesania poética

Celso Borges na Virada Cultural em São Paulo. A camisa tem estampa de Cláudio Lima. Foto: Fernanda Castello Branco

De Celso Borges já disse o poeta Marcelo Montenegro: “faz os livros mais bonitos que já vi”. O paulista não exagera: para além da beleza dos poemas, cada objeto-livro que lança é único, a começar pela trilogia de livros-cds que lançou entre 2000 e 2010: XXI, Música e Belle Epoque.

Mal lançou a segunda edição de O futuro tem o coração antigo [Pitomba!, 2019], o maranhense já inventa outro artesanato: a caixinha Carimbocarinho [Ed. do autor, 2019], em que os 15 poemas, curtos, minutos, haicais, chistes, são acondicionados em uma caixinha e carimbados página a página.

“No meio do caminho tinha um carimbocarinho”, brinca com o Drummond num dos poemas do volume. “Tambor batendo/ tambor/ fazendo meu/ coração/ tambor tremendo”, diz outro, em possível diálogo com a Balada do amor em chamas, parceria gravada por Zeca Baleiro em O amor no caos – volume 1, recém-lançado novo disco do cantor e compositor. “Com esse sol maior que se acendeu/ um tambor dentro de mim bateu/ e o desejo de viver em mim aflora”, diz a letra.

Uma das páginas de Carimbocarinho. Reprodução

Os poemas de Celso Borges são emoldurados pelo projeto gráfico e ilustrações de Cláudio Lima, numa espécie de publicidade afetiva: é como se ele traduzisse em ícones o conteúdo dos poemas.

“Cláudio além de ser um grande cantor, é um grande parceiro, um grande amigo, uma pessoa que percebe algumas coisas da forma como eu percebo. Tem uma delicadeza. A gente tem uma cumplicidade musical e a começamos a trabalhar juntos no livro-cd Música, de 2006, ele fez um projeto gráfico lindo, naquela época. Ele gravou algumas canções minhas, Boi da tarja preta, parceria com Alê Muniz, e São Luís, baseada naquela abertura do [programa de rádio] Reggae Point [Shaperville, de Michael Rilley], e faz uns projetos gráficos fantásticos. Ele tem uma facilidade muito grande em pegar tua ideia, teu verso, teu conceito poético e transformar aquilo numa coisa gráfica, desde a escolha da fonte. Ele tem o olhar muito cuidadoso, tem a velocidade dele, fica amadurecendo na cabeça aquelas ideias, ouve muito o que a gente fala, eu também o escuto muito. Estou tendo a felicidade de fazer esse projeto com ele, já fiz O muro, já fiz Ponta d’Areia é Ponta d’Areia, vamos fazer agora O drible, sobre o Garrincha, com ilustrações de Fernando Mendonça, vamos fazer o lançamento em breve também. É um parceirão e se identifica muito com essa série da poética afetiva. Até o final do ano lançaremos outras coisas e outras parcerias virão”, declarou o poeta sobre a parceria.

Celso Borges atualmente prepara um livro em que conta a história por trás de mais de 100 composições musicais que têm a capital maranhense como tema ou paisagem. Enquanto este livro de maior fôlego não fica pronto, diverte-se fazendo livrinhos artesanais, de tiragens pequenas, exercitando o ofício de poeta e enveredando pelo de contista – caso do citado O muro, em que conta a resistência da mãe diante da violência urbana e da insistência dos filhos em subir um muro ao redor de sua casa e, em nome da segurança, perder a visão do bairro e da vizinhança. Um ato de rebeldia. E poesia.

Serviço

A noite de autógrafos de Carimbocarinho acontece sábado (1º. de junho), às 17h, no Café Guará/ Chico Discos (Rua de São João, 289-A, esquina com Afogados, Centro).

Dose dupla de poesia

Foto: Letycia Amorim

 

Fui surpreendido positivamente com o ótimo público que lotou o Buriteco Café, ontem (14), para ver dois espetáculos de poesia, algo raro mesmo para espetáculos musicais, não só na casa.

A noite integrava a programação do 12º. Sesc Amazônia das Artes e apresentou os recitais Mormaço, de Elizeu Braga, poeta rondoniense, e Miolo de pote: da cacimba de beber, da maranhense Lília Diniz.

Mormaço é o nome dado ao clima abafadiço no que a São Luís de hoje se parece muito com Porto Velho. “Aqui vocês também chamam mormaço?”, perguntou o poeta à plateia, após descer as escadas, as luzes da casa todas apagadas, empunhando uma lamparina acesa enquanto recitava uma lenda indígena sobre a morte.

Seu repertório é contundente, sua poesia diz muito sobre o atual estado de coisas brasileiro. “Paulo Freire me ensinou/ eu aprendi na boca de um professor/ agora eu sei a diferença/ entre oprimido e opressor”, ensina um poema em ritmo de embolada.

O poeta Celso Borges fez uma ligeira participação especial recitando seu clássico Matadouro (musicado por Lourival Tavares), enquanto Elizeu manuseava uma máscara de bumba meu boi que depois viria a usar.

O poeta simula um diálogo, algo como um pai Francisco com o dono da fazenda, a atualizar o auto do bumba meu boi em tempos de relações trabalhistas cada vez mais esfaceladas, o tal do “negociar com o patrão”.

Depois, Elizeu, rosto coberto com a máscara, faz de uma bandeira do Movimento dos Sem Terra o couro de si mesmo tornado bumba meu boi, dançando, com o percussionista Totó Sampaio simulando uma zabumba em uma caixa. Não é só o mormaço que une o poeta a São Luís e seu povo.

Lília Diniz é conhecida dos maranhenses. Faz uma poesia brejeira, com a simplicidade do povo maranhense, exalando a força das mulheres: lavadeiras, lavradoras, quebradeiras de coco, Cecília Meireles, Cora Coralina – todas sua inspiração.

Sua poesia também debate temas tornados mais urgentes no Brasil que quer legalizar o desmatamento e a exploração predatória de recursos naturais não renováveis, o que ela equilibra com sua ginga sensual, entre poesia e música, sobretudo o coco – durante a apresentação, canta e toca pandeiro, acompanhada por Chico Nô (seu conterrâneo, de Imperatriz, ao violão) e Totó Sampaio (percussão).

Lília é leve até ao pedir para trocarem seu microfone, fez isso divertindo o público, que diante de tanta graciosidade cantou junto e bateu palmas.

A programação do Sesc Amazônia das Artes segue até 18 de maio em diversos pontos da cidade.