THE LAST, THE BEST

The last post of the year, the best disc of the year. E perdoem-me o pobre inglês.

Texto, entrevista e retratos por Zema Ribeiro

De cara, sem meias palavras: Emaranhado foi o disco mais injustiçado de 2008. O silêncio midiático que pairou sobre o mais novo lançamento de Chico Saldanha, quase dez anos após Celebração, causou-me certo estranhamento, embora nem mesmo o compositor se assuste.

Gravado entre São Paulo (Estúdios Saravá e Estúdio do Tuco [Marcondes, da banda de Zeca Baleiro]) e São Luís (Estúdios Bagasound e Sotaque), a bolachinha produzida por Saldanha teve direção musical de Zeca Baleiro, Luiz Jr. e Cao Alves. O belíssimo projeto gráfico é de Andrea Pedro, que depois faria o dos dois volumes d’O coração do homem bomba.

No Prêmio Universidade, o trabalho concorreu a poucas das vinte categorias, este ano. Quem levou a de Disco do Ano foi Balançou no congá, póstumo do compositor Lopes Bogéa, cuja produção executiva Saldanha divide com Rossana Decelso, Samme Sraya e Zeca Baleiro (também produtor). Do mesmo álbum, o compositor de Itamirim divide a co-produção com Leonardo Nakabayashi.

A obra de Chico Saldanha é constante: todos os seus discos – Chico Saldanha (1988), Celebração (1998) e Emaranhado (2007) – têm muitos acertos: boas letras e melodias, arranjos inspirados, times de músicos de primeiríssima linha. Somente a toada Itamirim, hoje um clássico da música maranhense, já lhe valeria vaga na galeria de grandes compositores brasileiros. Mas Saldanha, nascido em Rosário, em 1945, tem muito mais. Um emaranhado de boa música, embora ele não se considere um perfeccionista.

A distância entre os trabalhos é justificada pela paciência que o artista tem, tempo necessário para juntar uns trocados e fazer discos independentes. Assim ele tem tocado sua carreira, dividido entre os ofícios da música e da advocacia, suas profissões, a segunda sustentando a primeira.

Este blogue também silenciou, é verdade, sobre o, aos olhos e ouvidos do blogueiro, disco do ano. Injustificadamente, reconheço. Marcamos bobeira esperando espaço na mídia tradicional – que não vem se ele não saímos à cava –, na certeza de que um texto sobre o novo disco de Chico Saldanha – por si só, um acontecimento digno de notas e notas, matérias e matérias – mereceria tratamento gráfico à altura (em falta na maioria absoluta do excesso de jornais em São Luís), fotos, reprodução da capa do disco (que acaba não saindo aqui) etc. Só em novembro o blogueiro voltaria a assinar coluna em jornal local – a Tribuna Cultural, aos domingos, no Tribuna do Nordeste – espaço insuficiente para o que pretendíamos (e tentamos fazer agora).

Abaixo, por vezes defasado (entre outros exemplos, o Prêmio Universidade FM já passou e o “disco do Chico” – assim se referiu a Emaranhado certo colunista social local – não levou – o compositor diz não se importar), melhores momentos de conversa que tive com ele – Chico Saldanha, não o colunista social, é válido frisar – numa tarde quente de setembro, regada a cerveja, na Feira da Praia Grande.




[A la Playboy, três momentos de Saldanha durante a entrevista]

ENTREVISTA: CHICO SALDANHA

Saldanha, vamos começar por tua infância. Você nasceu em Rosário…
Eu nasci lá e mais ou menos com oito anos meu pai, por força dos filhos estudarem, somos seis irmãos, ele não queria que fôssemos pescadores, a gente veio pra cá estudar, desde o primário.

Aí já foi morar naquele circuito de São Pantaleão, Madre Deus…
Já, já passei direto pra lá, São Pantaleão, ali naquela quadra, Santiago… desde 1954, 55 fomos morar ali.

É a partir daí que a música entra de forma mais séria na tua vida?
O pessoal lá em casa era muito musical, minha mãe tinha estudado piano, apesar de não ter piano em casa. E tinha uma tia nossa que era pianista da Rádio Timbira, e às vezes ela nos levava para assistir aqueles programas de auditório. E na casa dela iam grandes cantores que vinham se apresentar e a gente olhava. Alcides Gerardi, Cauby Peixoto, Ângela Maria. Isso nos leva inconscientemente… olhávamos, sempre gostando de participar daquilo.

Mas não teve um marco? Quando foi que você se decidiu a seguir uma carreira?
Teve sim. Eu era uma pessoa que sabia tudo quanto era música. Bastava ouvir uma, duas vezes, no rádio. Meu irmão tinha muito disco. Ele era maníaco por comprar discos. De jazz, Luiz Gonzaga… era compulsivo. Ele comprava tanto disco que, num sábado, ele levava dez para ouvir, e eu ficava com dois, três, todo sábado isso. Naquele tempo eu escutava muita música, não tinha outra coisa pra fazer ali na São Pantaleão. E escutando também, olhando, Turma do Quinto, o Fuzileiros [da Fuzarca, bloco carnavalesco da Madre Deus que recém-completou 73 anos de fundação] passar, escutando os tambores da Casa das Minas, Casa de Nagô no fundo lá de casa. E definitivamente fui para a música quando Ubiratan Sousa, nosso famoso Ubiratan, foi morar do lado lá de casa. Tínhamos 13, 14 anos, mas ele já tocava. Os irmãos dele tocavam também. Um dia eu ia passando e ele tava tocando, ele disse: “rapaz, vem cá, eu escutei, tu canta direitinho. Canta uma música aqui”. Eu, todo encabulado, não queria cantar. Cantei e fui aprovado. Por que para entrar na turma deles, não era fácil. Aí ele me convidou logo pra uma seresta, e eu “rapaz, papai não deixa e tal”. Aí eu fugi e passei a fazer parte. Disso, nós criamos um grupo, no Liceu [Maranhense, onde Saldanha estudava], dos Beatles. Era eu, meu irmão, Chico Linhares, o pessoal que estudava lá.

De teus irmãos algum seguiu a carreira da música?
Até um certo tempo meu irmão que é médico, o Nena Saldanha. Aí, nós fizemos, e não tinha violão para tocar. Ubiratan, a princípio, não quis apostar. Ele já tocava músicas mais sofisticadas e a gente ia tocar Beatles. Mas ele disse que conhecia um cara que tocava, que eu já conhecia também, que era João Pedro Borges. Aí a gente fez esse conjunto. Sinhô [João Pedro Borges] foi, gostou, se identificou muito com aquela música dos Beatles. Ele achava que tinha uma tessitura de música erudita, embora não no começo. Dali a gente fez, cantou e foi sucesso. Eu e Nena no vocal, João Pedro no violão e Chico Linhares. Passou um tempo e aquilo não satisfez mais a gente. Aí Ubiratan resolveu entrar na história e já mudamos, passamos a cantar bossa nova, sofisticou, saíram alguns. Ficamos eu, Ubiratan e o Chico. Sinhô, às vezes participava, mas viajou, foi pro Rio.

Isso era que ano?
1970. Aí já começou a época dos festivais aqui. Em 1972 eu já participei. Inclusive ganhei, com uma música chamada Dom Quixote. O júri era composto por caras como Fagner, Macalé.

Mesmo tu tendo vencido um festival no começo da década de 70, só foi estrear em disco lá pelo final da década de 80…
Quando eu participei desse festival e ganhei, ficou a história da cobrança. Eu tinha feito aquelas músicas tão sem pretensão nenhuma. Fiz três para o festival e me assustei. Eu era muito perfeccionista, só queria fazer música com a harmonia muito quebrada, sofisticada.

Aliás, tu continua assim, não?
Não. Na verdade, era uma falta de maturidade. Pensava: tenho que fazer isso aqui bonito, tem que ter uma harmonia “empenada”. Nesse tempo, que eu tava nesse hiato, o pessoal perguntava: cadê as músicas?, aquela música era bonita e tal… mas cadê as músicas? [risos]

E tem que ter muito pé no chão, né? Um jovem ganhando um festival, a tendência é se achar o máximo, pensar “então eu vou gravar um disco”… tu fizeste o caminho contrário.
É. Pensei: para, que não é isso! Tenho que achar uma outra saída. Eu tive assim uma sorte. Passei a encontrar mais Cesar Teixeira. Cesar é mais novo que eu, eu já conhecia, fazia música, já tinha feito música com Cesar, ali na São Pantaleão, depois desse festival. Passei a sair com Cesar. Eu já conhecia bem samba, meu irmão tinha muito disco, como eu te falei. Sambas de Noel [Rosa], Wilson Batista, Jackson do Pandeiro. Aí eu encontrei Cesar e nessa época aparecia Josias Sobrinho, ‘tava surgindo. Começamos a sair, cantar, aí eu disse: pronto, é aqui que eu vou me reciclar na maneira de compor.

Entre outros, são pessoas a quem tu agradeces no encarte do Emaranhado
Tem uma pessoa que eu coloquei aí, que eu estudava com ele no Liceu, chamado Ribamar Sousa, nunca mais vi, foi pro Rio de Janeiro, não sei se ‘tá vivo, mas foi um cara que também me motivou muito pra música, conversava sobre música 24 horas por dia, era alucinado, não tocava nada, era um cara que gostava por gostar. Essa época eu saia com Chato [apelido do falecido compositor maranhense Antonio Carlos Maranhão], Cesar, Josias, Carlos Henrique, que é um compositor de Belém. Aí eu fui ver outra maneira de compor, de encarar a música.

Mas o tempo todo morando em São Luís…
Morando lá na São Pantaleão…

Estudando direito…
Estudando direito, e quando passa esse período, em 76, por aí, fui pro Rio, passei quase um ano lá, só ali, sacando as coisas, aí voltei. No final de 79, 80, fui pra São Paulo, morar. Aí passei uns 20 anos. Meu primeiro disco foi feito lá. Quando cheguei lá só encontrei Papete. Depois chegaram [o compositor maranhense Giordano] Mochel, Ubiratan, Manoel [Pacífico, percussionista maranhense], Erivaldo [Gomes, percussionista maranhense]. Aí eu travalhava num escritório de advocacia e com a chegada deles, eu me empolguei e larguei. O pessoal fazia muita música. Toda hora alguém chegava: “vamos fazer uma música!” e o cara tinha que mostrar. Aí eu fui compondo, até por ser uma coisa mais tranqüila, lá, não tinha tanto compromisso.

Aí é que surge o primeiro disco…
Aí teve essa oportunidade. Um empresário ouviu, mostrei umas músicas, ele gostou, e disse que patrocinaria. Aí eu parti. E foi aquela velha história: vou pegar músicos bons…

Tanto é que estão lá Giordano, Erivaldo, Klecius…
O Ney [Marques], Toninho Ferragutti… Tião [Carvalho] cantando Itamirim

Hoje clássico da música maranhense, mas já nasceu ali no primeiro trabalho…
Eu acho que fez mais esse sucesso por causa da interpretação de Tião, que eu acho muito marcante. Era uma música que eu coloquei em último lugar [é a última faixa do lado a do vinil], ela nem ia entrar. Era uma toada muito complicada, ainda tinha resquício daquela época, de quebrar a música, ela é quebradona, tanto que muita gente já teve vontade de cantar…

Aí só dez anos depois vem Celebração
Aí já era uma outra fase da minha música.

Tu ainda estavas em São Paulo?
‘Tava. Conheci Zeca [Baleiro], Chico César, Rita [Ribeiro]… era outra coisa. Minha música mudou, aprendi muito com eles.

É por isso que eu falo em perfeccionismo: o intervalo médio de dez anos entre um disco e outro que tu tens mantido. Em 1988, a estréia [o homônimo Chico Saldanha]; em 98, Celebração; quase em 2008, Emaranhado [show em 12 de dezembro de 2007, nos jardins do Museu Histórico e Artístico do Maranhão marcou o pré-lançamento do disco]. Tem o lance de tu não te dedicar integralmente à música…
[interrompendo] Eu não digo nem me dedicar integralmente, eu me dedico mais à música, a estar sempre no ofício de música, de gostar de música, antes de qualquer coisa. Tanto que quando eu vou trabalhar em outra coisa, pois preciso me manter, já tenho filho, já tenho até neto agora [risos], Eu, sempre que a pessoa me convida para um trabalho, eu já aviso que se pintar qualquer coisa, a coisa que eu gosto, que eu tenho interesse acima de tudo, é música. Não é que eu não me dedique, eu não me dedico é a fazer shows, a fazer disco. Música eu tenho. Quando eu acabo de fazer um disco, se quiser eu faço outro amanhã. Mas gosto de fazer bem feito, com condições. Não gosto de depender muito, guardo um dinheiro e vou juntando, separo. Esse disco agora demorou bem uns três anos, lembra que eu te falei que ia lançar?

Sim, lembro. Sempre que eu te encontrava eu perguntava [risos]
Aí às vezes eu não faço também muito show. Há um problema de público aqui. Você faz show e vai pouco público. Talvez eu não tenha vocação para o lance do marketing.

Penso que isso seja um problema geral, o pessoal não valoriza o que ‘tá aqui. Por exemplo, nomes como Zeca e Rita, se estivessem aqui estariam tocando em barzinho, embora eu não tenha nada contra barzinho.
É, eu não ‘tou mais para ficar tocando e o cara ‘tá comendo, ‘tá de costa pro artista. Sábado eu fui assistir ao show dum amigo nosso, até dei canja, mas tinha pouquíssimo público, o cara bom, música bonita. Talvez seja uma falha nossa, não acharmos o caminho. Mas eu também não me preocupo em procurar. Por exemplo, esse disco meu, a divulgação é zero, como foram os outros. Eu pensei em fazer alguma coisa, mas acabei me perdendo, ‘tou me perdendo de novo.

Eu tava comentando com Flávia [Bittencourt, cantora maranhense radicada no Rio de Janeiro], sobre nosso encontro. E eu dizia que vou aproveitar uma coisa ruim, que foi o silêncio midiático, apesar de tu ter feito um show de pré-lançamento, que reuniu uma pá de gente boa, de fazedores de música de qualidade no Maranhão…
[interrompendo] Foi um acontecimento aquilo ali.

Sim, um acontecimento. E apesar disso e do disco ser realmente muito bom, musical e plasticamente, há um silêncio inexplicável…
[interrompendo novamente] Eu vou te contestar: eu acho que para o Maranhão não foi um disco bom.

Será?
Às vezes eu fico me questionando. Acho que não gostaram. Mostrei pra todo mundo, houve um silêncio tumular. É muito fácil você fazer uma propaganda antes, é fácil mandar release. Mas é difícil comentar o disco. Acho que as pessoas não gostaram e como aqui todo mundo se conhece, não quiseram falar mal. Agora, ao mesmo tempo, eu vejo que disco de ninguém é comentado.

Não é que eventualmente o disco não tenha agradado a crítica. É que a crítica não existe no Maranhão.
Pode ser isso que eu disse. Pode não ser. Eu não tenho certeza.

Mas ninguém tem certeza, nem eu, nem tu. Tu, principalmente, como fazedor, não vai achar teu disco ruim.
É, não acho. Quando eu soltei, ele já tinha passado por muito crivo, muita peneira, auto-crítica…

Eu também não acho. Eu acho que Emaranhado tem tudo para ser o grande acontecimento do ano, por exemplo, no Prêmio Universidade FM 2008. O que aconteceu na indústria do disco do Maranhão, se é que a gente pode falar assim? Eu ‘tou dando o exemplo do Prêmio Universidade, por ser a maior referência de premiação da música no Estado. Para o bem ou para o mal, é.
Bom, eu pelo menos achava que a capa de meu disco podia concorrer, mas já soube que, por ter sido feita por uma paulista [Andrea Pedro, a mesma artista que faria, depois, o projeto gráfico dos dois volumes d’O coração do homem bomba, de Zeca Baleiro], já não vai concorrer. E ela se inteirou das coisas, procurou. Mas bom, a Universidade ainda é a única rádio que toca.

[Referindo-me ao programa Santo de Casa, das 11h ao meio-dia, de segunda a sexta-feira] Embora seja uma hora…
Não! Antigamente eu dizia isso, mas eu já ouvi Babalu fora do Santo de Casa [risos].

Como é que é fazer Emaranhado cercado de tanta gente boa. Tanto com a turma do Maranhão como com a turma de Sampa. Faz aqui com Luiz Jr., lá com Tuco Marcondes; aqui com o Rui Mário, lá com o Ferragutti, o Magoo…
Com todos eu me dou muito bem, eles sempre fazem com satisfação.

São excelentes músicos…
Sim, excelentes músicos. Por exemplo, tem uma música minha, chamada Sol, que é do primeiro disco, que eu coloquei no segundo. Era uma música que eu tinha feito, já tava tudo definido, e uma semana antes, ou já na gravação do disco, resolvi botar. Aí dei pro Ney Marques, que disse que ia fazer um arranjo, por que tem isso também, eu dou muita liberdade pra músico. E ele modificou muito, o andamento, o arranjo, criou uma introdução, e até hoje eu acho que é uma das minhas músicas mais bonitas. Está entre as três melhores músicas que eu fiz.

E quais seriam as outras duas?
Ah, Itamirim, que eu acabei sentindo que era, pois houve uma receptividade muito grande. Quando eu lancei esse disco, em 1988, vim para São Luís, passei dez dias, deixei os discos aí, vinilzão… passados dois anos, eu volto aqui, as pessoas sabiam a música. Uns nem sabiam que a música é minha, tem gente que até hoje não sabe [risos]. E nessa música eu não acreditava. Eu sempre gostei dela, mas não acreditava.

É teu maior sucesso, do ponto de vista comercial?
Sim, comercial e sentimental também. Ela toca muito o povo de Rosário. É uma música que foi feita em cima duma coisa que passou na minha infância. O boi vinha daquele lado de Axixá, e meu pai gostava muito de boi de orquestra, e me carregava e me levava pro outro lado, esperando. Sempre demorava, o boi nunca chegava.

E não tinha ponte, de Rosário pra São Simão [povoado rosariense, do lado de lá da ponte sobre o Rio Itapecuru]
Era a rampa da cadeia. Eu era tão pequeno, criança, que aquilo era uma coisa muito vaga. Eu me lembro que a gente sempre ia olhar o boi e o boi nunca chegava, eu dormia, nunca via [risos]. Por isso que eu fiz [cantarola um verso da música] “esse boi não passa cedo”. Eu fiz essa música assim, no escritório, trabalhava num escritório no Pacaembu, aí numa daquelas folgas, lembrei, escrevi algumas coisas, e deu certo.

Tu falas em Itamirim e eu faço uma relação com outra música do Celebração, Parabéns, Rosário, que faz um elogio à cidade que é berço do boi de orquestra.
Tem uma história engraçada. Quando Itamirim começou a estourar, eu ‘tava em São Paulo. Daí eu vim pra cá, e tava sentado num bar, ali na Ponta d’Areia, na época ainda tinha aqueles bares. Aí chegou um cara, sentou e disse: “olha, em Itamirim nunca teve boi”.

Vamos ver se esse professor aparece quando ler essa entrevista… [risos]
Eu fui à Rosário com [o poeta e pesquisador] Valdelino Cécio, finado Valdelino. Ele chegava e perguntava: “Itamirim tem boi?” Uns diziam que tinha, outros que não. No último que ele perguntou, o cara disse: “rapaz, tanto tem, que tem uma música que toca direto” [risos]. E tem outra história. Eu fui cantar num bar, comecei a tocar Itamirim, e tinha assim um bêbado. E o bêbado começou a esculhambar. O bêbado bem embaixo do palco. E eu comecei a pensar: “será que eu ‘tou errando?” Mas não, eu tocava aquilo há vinte anos. Aí eu terminei de tocar, desci, fui falar com ele. E ele me disse: “rapaz, você é um plagiador. Está copiando a música”. Eu me justifiquei: “olha, se eu fiz isso, foi involuntário, mas você me dá o nome do compositor que eu terei todo o prazer em dar o crédito”. Aí o bêbado virou e disse: “você é um ladrão de música! Essa música é de um compositor de Rosário que mora em São Paulo”. Eu respirei aliviado [risos]. O cara me fez esse suspense todinho…

FAIXA A FAIXA

Babalu
Babalu
é um cara que fazia dublagem em São Luís, no final da década de 60. Era um negro gordo, bem gordo, que dançava muito bem. Quando a gente era criança, que estudava ali por São Pantaleão, era mamãe quem fazia as aulas de arte, escrevia peças. Naquela época tinha aquela música, Babalu [bolero gravado entre outros, por Ângela Maria], e tinha uma peça, botaram uns colares nele, dois negros abanando, aí ele pegou o apelido e cresceu com ele. Num programa de auditório da TV, o pessoal fazia dublagem, e Babalu foi o grande destaque, por que era um cara pesado, mas de feições bonitas e que dançava muito bem e dublava Ray Charles. As pessoas às vezes não entendem, acham antiquada. É um bolero. Eu queria fazer um show trazendo ele, botando ele pra dançar. Mas não sei onde ele anda, vamos achá-lo por essa entrevista [risos].

Mara
É uma brincadeira. Minhas irmãs chegavam e diziam: “vou comprar ali na Mara”. Aí eu fiz.

Down
Se você for olhar a segunda parte dela, era um boi. É uma viagem. Como Laura [Amélia Damous, poeta, sua esposa] diz: não se explica.

Cover de blues
Fiz ainda em São Paulo. É uma música antiga. A Anna Torres, nossa grande cantora que está na França, me ligou, ia ter um festival, ela queria uma música, e eu fiz essa e ela ganhou o prêmio de melhor intérprete. E ela também gravou essa música no seu primeiro disco.

As coisas sempre vão indo
É uma música recente, ela é nova. Eu olhei uma menina lá com um piercing, viajando, fiz um pedaço. Foi feita aqui. E olhei também uma coisa, li em algum lugar, “as coisas sempre vão indo”.

Emaranhado
Jamil [Damous], irmão de Laura, é um poeta muito bom. Mandou-me várias letras, peguei Emaranhado e fiz um boi de zabumba, nunca tinha feito, é estilizado, aí peguei o refrão do boi de Lauro: [cantarolando] “reúne, reúne, sob o comando de China/ vamos dar prazer pra Lauro, Ubirajara e Florinda/, por que são eles, os donos desse batalhão/ orgulho de São Luís, Maranhão”. Letra de Jamil, eu fiz a música, Zeca participou. Pedro, Guará, Anastácio e Catarina são personagens de Turiaçu, que eram, se não me engano, vaqueiros do pai de Laura, que faziam boi também. E parece que um desses ainda é vivo. É mais um para ser descoberto por essa entrevista [risos].

Branco
Branco
é uma paixão que eu tenho pelo choro. Fiz um pedacinho quando eu ‘tava em São Paulo. Tem uma cantora lá chamada Zezé que queria um choro, mas queria que eu fizesse uma parceria com Giordano Mochel, que mora lá. Aí me apressei, fiz a primeira parte. Aí Mochel nunca fez a segunda, eu cheguei aqui, gravei.

É tudo verdade
É verdade tudo que tem nessa música. Seu Mário existiu, seu Cesar Teixeira conhece muito bem. Ele era um vizinho meu na São Pantaleão, tinha uma cultura de almanaque, tudo ele sabia, mas ele mentia muito. Eu tinha 14 anos quando ele morreu. Todas essas histórias da música, ele contava. Aí chamei Josias, Gerude e Inaldo [Bartolomeu, cantor também nascido em Rosário].

Star
É uma brincadeira também. Brincar com palavras, eu acho legal.

Fuzileiro apaixonado
Lembra da época da minha infância da Madre Deus. O primeiro disco que eu gravei foi um compacto chamado Sotaques, muito bonito, em que tocaram Edmilson Capeluppi, Ferragutti, e tinha uma música sobre os Fuzileiros. No segundo [Chico Saldanha, o primeiro, no caso], fiz Prá um samba de Caboclinho. Em Celebração, acho que não botei nada. E nesse, fiz essa música, que era cantada pelo pessoal do Fuzarca [grupo carnavalesco formado por Rosa Reis, Fátima Passarinho, Inácio Pinheiro, Cláudio Pinheiro e Roberto Brandão].

Linha puída
É uma música antiga, do meu primeiro disco. Gosto muito. É minha música mais gravada depois de Itamirim, por outras pessoas: Ruth Elis, Morena Rosa. Originalmente é um boi de orquestra. Mexemos, chamei Lenita [Pinheiro, esposa do compositor Josias Sobrinho].

Há que se falar
É em cima duma poesia de Laura. Quando ela ‘tava em São Paulo, comigo, acordou uma noite, já tinha um pedaço, escreveu o resto, já com algum ritmo, eu botei a música e harmonizei.

Travessando a ilha
É uma música antiqüíssima, relembrando os tempos em que a gente fazia aquelas canções. Em São Luís se fazia muito, Sérgio Habibe, Ronaldo [Mota, compositor maranhense radicado no Rio de Janeiro], dentro daquelas harmonias que eu já nem sei se ainda sei fazer.

HUMOR BLANC


[capa. Reprodução]

PARA LER – E RIR – ATÉ O FILTRO

Mais conhecido por suas parcerias musicais com João Bosco, o cronista Aldir Blanc garante generosas doses de humor em Guimbas.

Não à toa o fato de ser um dos maiores compositores do Brasil, parecemos ler um papo de botequim, como se ríssemos das histórias, piadas e tiradas ligeiras dum amigo com quem dividimos a mesa. Este é o clima do(s) texto(s) de Guimbas (Editora Desiderata, 2008, R$ 29,90, 96 páginas), prosa bem humorada de Aldir Blanc.

Trata-se do oitavo volume da Coleção Sigmund, que “sob as bênçãos do ratinho que foi o símbolo do humor de resistência d’O Pasquim (…) reúne o humor de diferentes gerações de escritores e desenhistas brasileiros”, segundo uma das orelhas.

Por falar em orelha, escuta aí: “George W. Bush é alcoólatra, mas não é anônimo”. Ou: “O rato e o ralo, apesar de viverem na imundície, não são do PMDB”. Ou ainda: “Uma secretária disse ao ex-presidente do Senadinho, Severino Cavalcanti, que o pôr-do-sol estava lindo, e ele perguntou: – Quanto querem nele?”. Assim mesmo, direto e sem papas na língua, que “humor é pé na cara”, conforme a lição do mestre Henfil – a seus discípulos o livro é dedicado, ele que também dizia que “a graça não respeita nada” –, muito bem aprendida por Blanc: não há concessões.

Com ilustrações de Fábio Monstro! e prefácio de Nani (outro monstro), Guimbas garante gargalhadas da primeira à última página. Pois, se “tesoura e boceta a gente guarda fechadas”, como orienta uma das tiradas geniais do livro, este é melhor que fique aberto. E à mão.

[Publicado na edição de ontem, 28, do Tribuna do Nordeste, coluna Tribuna Cultural, assinada por este blogueiro]

O BOMBÁSTICO BALEIRO E SUA CONSTANTE EXPLOSÃO DE CRIATIVIDADE

Colagem de (poucas) opiniões do blogueiro, (muitas) falas de Zeca Baleiro durante a coletiva concedida em 23 de dezembro no Grand São Luís Hotel – entre os salgados do coquetel não havia bombas – e (alguns) trechos das novas canções, publicada com exclusividade neste humilde blogue.


[Desprovido de sua pessimáquina fotográfica, o repórter-bomba não explodiu flashes em direção ao ídolo e usa essa imagem de divulgação para ilustrar seu texto. Foto: Marcos Hermes, disponível em http://www2.uol.com.br/zecabaleiro]

Quando se afirma (quase) categoricamente que a indústria do disco e o disco enquanto objeto de arte estão com os dias contados, ele tira um sarro do mercado e lança um disco duplo – dois volumes, lançados e vendidos separadamente. O coração do homem bomba, volumes 1 e 2, o(s) novo(s) trabalho(s) de Zeca Baleiro, têm no próprio artista sua unidade, já que ali ele lança mão de diversos parceiros – Chico César, Zé Geraldo, Wado, Kléber Albuquerque, Joãozinho Gomes, André Bedurê e Totonho – ritmos, vinhetas, regravações (André Abujamra, Luiz Ayrão) e até mesmo uma faixa escondida, Eu detesto coca light (parceria com Chico César).

SARAVÁ – Sem dúvidas, Zeca Baleiro é, hoje, um dos grandes trabalhadores da música brasileira. Divide-se entre sua própria carreira – discos, shows –, a de produtor (por exemplo o póstumo Balançou no congá, de Lopes Bogéa, que recebeu o Prêmio Universidade FM 2008 na categoria Disco do Ano), a de diretor musical (dividiu com Luiz Jr. e Cao Alves a de Emaranhado, de Chico Saldanha, o disco mais injustiçado de 2008, com um inexplicável silêncio midiático, incluindo este modesto blogue) e a Saravá Discos, por onde, em três anos, já lançou títulos como Cruel (póstumo de Sérgio Sampaio), Ode remota e descontínua para flauta e oboé – de Ariana para Dionísio (em que musica poemas de Hilda Hilst, interpretado por um time feminino de primeiríssima grandeza: Rita Ribeiro, Maria Bethânia, Angela Ro Ro, Ná Ozzetti, Mônica Salmaso e Jussara Silveira, entre outras), as duas trilhas que compôs para os espetáculos de dança Cubo [do Núcleo Lúdica Dança] e Geraldas e Avencas [do Grupo 1º. Ato] – este “ainda em cartaz, chega à São Luís ano que vem”, avisa Baleiro –, O samba é bom (relançamento da até então esgotada estréia de Mestre Antonio Vieira, produzida por Zeca em 2001), além da remasterização de Cabelos de Sansão, de Tiago Araripe, “um disco completamente lado b, que ninguém conhece. O único nordestino da Lira Paulistana, com um sotaque mais tropical, uma dicção que mistura banda cabaçal com rock eletrônico, um disco tão importante quanto o Beleléu…, do Itamar [Assumpção, compositor falecido em 2003]. Hoje, ele [Tiago Araripe] é publicitário em Fortaleza, voltou a compor [tornou-se, inclusive, parceiro de Baleiro]. E tem o Filipe Mukenga, angolano que eu e Nosly [parceiro de Zeca que fará o show de abertura na apresentação do dia 27, na Batuque Brasil] cantávamos muito no começo da carreira, que gravamos, com participação de Martinho da Vila etc., e o Sinceramente [1982, único disco do compositor capixaba ainda não relançado em cd, embora os outros – Eu quero é botar meu bloco na rua (1973) e Tem que acontecer (1976) – estejam esgotados], do Sérgio Sampaio, que ainda estamos resolvendo coisas com a editora, para poder lançar em março”, ótima notícia.

Sobre a Saravá, Baleiro continua: “É um sonho. Eu sou um aficionado por discos, tenho um fetiche muito grande com o objeto. Eu que cuido da parte gráfica dos meus discos. Gosto quando chega a caixinha da fábrica, vou abrir feito criança, encantado com aquilo ali. Gosto dessa relação com o disco objeto, o encarte. Mas é completamente inviável, um projeto fora de timing total. Criar um selo de música alternativa, de discos de acervo, é pedir pra falir”. [O jornalista] Gilberto Mineiro graceja, anunciando-o como um Marcus Pereira [pesquisador, proprietário da gravadora homônima que lançou discos importantes de nomes como Cartola, Chico Maranhão, Renato Teixeira, Canhoto da Paraíba, Altamiro Carrilho e Carlos Poyares, entre muitos outros] contemporâneo. Entre risos, Baleiro responde: “‘Cê viu como o Marcus Pereira morreu, né? Com um tiro na cabeça… se eu tivesse grana sobrando, faria isso com o maior prazer. Mas já é difícil manter o meu próprio trabalho, manter a qualidade do trabalho, do show, ter uma boa equipe, fazer um bom espetáculo, é muito difícil, sofrido aqui no Brasil. Embora eu tenha o maior orgulho daquele catálogo”.

O HOMEM BOMBA – “O homem bomba é um personagem muito intrigante do nosso tempo. Como é a vida do homem bomba antes dele ser a bomba? Tem uma vida, deve ter amores, mulheres, amantes, namoradas, jogou bola, beisebol. Sempre me intrigou pensar no que os leva a isso, qualquer que seja a razão, é uma coisa intrigante, mais que os kamikazes que se atiravam, é uma coisa muito maluca. O homem de hoje é um homem bomba, à beira de uma explosão por qualquer razão que seja, e há muitas razões, aliás, pra se explodir hoje. Pensando nisso eu quis batizar o trabalho, mas se você me perguntar o quê que o disco tem essencialmente a ver com o nome, nada. É só uma reflexão, uma porta aberta para uma reflexão”, provoca Baleiro, que cantarola os versos da faixa que abre o volume 1, vinheta homônima: “o coração do homem bomba faz tum tum/ até o dia em que ele fizer bum”, cantiga de roda dos dias atuais, canção de ninar sobre o trágico personagem.

Para o maranhense “a música popular, a canção ainda pode ser um espaço de esperança, de alegria, dentro de um mundo cheio de horror. O disco se propõe a isso, a fazer as pessoas dançarem, se divertirem, sonharem. Acho que ‘tá precisando de um pouco de sonho, é muito reality show pra todo lado, ‘tá precisando de um dream show”.

SARROS – Mas não o sonho do sarro da letra de Tevê, parceria com Kléber Albuquerque: “comercial de xampu/ cerveja e celular/ modelos para crer/ e credicard/ a consumir (…)/ o olhar (…)”. A “tiração de onda”, aliás, presente nos dois volumes, uma possível diferenciação: o segundo, mais introspectivo – há inclusive um poema de Emily Dickinson musicado e cantado no original, em inglês –, o primeiro, mais dançante, ecos de Baile do Baleiro, nas palavras dele “um bailão, com os músicos da minha banda, amigos que vão dar canjas, uma coisa bem informal, despretensiosa, que virou uma pequena febre, um circuito meio alternativo, um bailão onde se toca de tudo, de Fevers a Benito de Paula, de Titãs a Itamar Assumpção. As pessoas vão, se divertem muito, é muito bacana, um negócio muito despretensioso. Chego lá, dou o tom e o pessoal sai tocando, uma música do Wando, uma música do Roberto Carlos, e com metais, pra dançar, uma coisa muito quente. O disco, principalmente o volume um, é contaminado por essa atmosfera baileira, um projeto que eu ainda vou trazer aqui pra São Luís”.

MERCADO – A crítica especializada – “Não existe crítica especializada. Crítica especializada seria se um compositor de canções, se um Chico Buarque fosse resenhar discos”, provocou o compositor, durante a coletiva – pode até não concordar, mas O coração do homem bomba é, sem dúvidas, projeto ousado e corajoso de Zeca Baleiro, artista contemporâneo que não liga para os ditames do mercado – para uns (quase) um deus –, a quem várias alfinetadas são reservadas ao longo dos dois volumes. Como quase diria Adoniran, vide os versos “a miséria dança/ a miséria grita/ a miséria canta/ a miséria é pop// tanta dor na vida/ da dor se duvida/ o sangue a ferida/ é que dão ibope” (na vinheta Datena da raça). Ou “você não liga pra mim mas eu ligo/ você nunca fica só/ o celular é seu melhor amigo” (em Você não liga pra mim). Ou em Vai de Madureira (com participação especial do Criolina): “se não tem água perrier eu não vou me aperrear/ se tiver o que comer não precisa caviar/ se faltar molho rosé no dendê vou me acabar/ se não tem moet chandon cachaça vai apanhar”. O processo de criação lhe permite: “Os discos foram gravados num estúdio pequeno, modesto, mas limpinho [risos], onde tenho feito os discos da Saravá, o pessoal do Criolina [o duo formado por Alê Muniz e Luciana Simões] mixou lá, num ambiente meu, com banda, técnicos de som, roadie, sem pressão de tempo, prazo, ninguém de gravadora por perto. Isso dá outra liberdade, outra fluência pro trabalho. A coisa foi tão boa que em quinze dias tínhamos umas vinte bases prontas, todas mais ou menos boas. Aí resolvi fazer um disco duplo, pois haviam canções ali naquele magote que já eram canções antigas. Música é como raiva, uma hora tem que sair. Aí pensei: vou fazer um disco duplo. Pra diferenciar fiz um com uma cara mais dançante e pro dois todo o balaio de gato que sobrou”, explica.

E continua: “Quando você se dá bem com alguma fórmula, que funciona, tipo quando eu fiz o Vô imbolá [1999, segundo disco de Baleiro], um disco muito bem sucedido, em todos os aspectos, na seqüência eu quis quebrar aquilo, propus o Líricas [2000, o terceiro] e eles [empresários, gravadora] ficaram chocados. Eles queriam um segundo Vô imbolá, uma segunda Lenha, um outro Samba do approach [faixas do segundo disco], o que é uma coisa muito óbvia, do mercado, sempre foi assim”.

Zeca Baleiro inverteu também outra lógica mercadológica: começou a turnê d’O coração do homem bomba pela região Norte (Manaus, Belém, Macapá e Boa Vista), para só depois chegar ao Rio de Janeiro (Circo Voador e Vivo Rio), Recife, Teresina, Fortaleza, Salvador, São Paulo (Citibank Hall), Porto Alegre, Belo Horizonte, Florianópolis, Brasília (as capitais são aqui citadas na ordem em que aconteceram as apresentações), e agora São Luís, fora cidades do interior, como Imperatriz, onde tocará no réveillon.

A julgar pelo clima dos dois volumes, este será um dos shows de Zeca mais divertidos que já se (ou)viu. Explosões de alegria e boa música estão garantidas, ó o serviço: dia 27, às 22h, na Batuque Brasil (Cohama). Show de abertura: Nosly. Ingressos: R$ 25,00, à venda no local e nas lojas Tim Móbile Store do João Paulo e Cohatrac e dos shoppings São Luís, Tropical e Colonial.

PELAS ESQUINAS DO TEMPO

Editora Desiderata (re-)coloca no mercado – pela primeira vez no brasileiro – obra de Jaguar lançada originalmente na Argentina, em 1973.

Ninguém é perfeito (Desiderata, 2008, R$ 24,90, 95 páginas) tem o mérito de apresentar aos leitores brasileiros um livro de Jaguar lançado na Argentina em 1973: Nadie es perfecto inauguraria uma coleção com os melhores cartunistas da América Latina. A coleção – e a editora que a publicaria – pararam no número inicial. Jaguar tira um sarro, no texto de apresentação da obra: ao menos conheceu Buenos Aires em grande estilo.

Trata-se de uma coletânea de cartuns do autor de Confesso que bebi publicados n’O Pasquim, à época no auge, apesar da censura e da ditadura, com a impressionante tiragem média – mesmo para dias atuais – de 200 mil exemplares.

Personagens clássicos de Jaguar – ele próprio, um – passeiam pelas páginas de Ninguém é perfeito: Gastão, o vomitador, e Bóris, o homem tronco, entre outros. O prefácio é da Mafalda, personagem de Quino, a quem Jaguar considera um dos grandes do mundo na arte de desenhar (a clássica personagem logo deixaria de ser desenhada): “Imperfeitos como Jaguar reconciliam qualquer um com as imperfeições da vida”, Mafalda opina.

Se não há perfeição, a Desiderata – editora que já lançou também duas volumosas e respeitáveis antologias d’O Pasquim, Jaguar incluso, óbvio – corrige o curso da história, imperfeito, ao dar aos brasileiros estes bons motivos – de sobra – para sorrir. O melhor de tudo é que o traço e o humor de Jaguar continuam atualíssimos.


[capa. Reprodução]

[por Zema Ribeiro. Tribuna Cultural, Tribuna do Nordeste, ontem]

DUAS RAINHAS


[A rainha da alegria e da irreverência, Patativa. Foto: Paulo Caruá. Acervo Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão]

O riso acima não é forçado. Nem é coisa de momento. Patativa é assim. Sempre. Uma figura querida, vibrante, pra cima. Poderia contar algumas histórias, mas deixo vocês com a letra de Xiri Meu (que transcrevo de cabeça, perdão se erro em algo ou esqueço), composição que eu não sei se ela vai cantar sábado (20) no Clube do Choro Recebe. Sim: é ela a convidada da penúltima edição do projeto em 2008.

Xiri meu
(Patativa)

Menina da saia verde
casaco da mesma cor
pega o teu de mijar
e mete no meu mijador

Eu não dou
xiri meu
eu não dou
xiri meu

Sai daqui, nêgo indecente
educação Deus não te deu
tu morre de dente seco
mas não pega o que é meu

Eu não dou
xiri meu
eu não dou
xiri meu.

A outra rainha que se apresenta essa semana em São Luís é Célia Maria. No Teatro Arthur Azevedo, sexta-feira (19), às 21h. Ingressos: R$ 20,00 (preço único. Metade para estudantes com carteira). Participei do Chorinhos e Chorões de domingo, batendo um papo com Ricarte Almeida Santos, Célia Maria e Celson Mendes (violão e direção musical). Se der, penduro aqui uns trechos da conversa, depois. A produção é de Ópera Night.

São, sem dúvidas, duas apresentações imperdíveis. Já não é sem tempo da gente aprender a gostar da gente.


[A rainha Célia Maria, este blogueiro e Joãozinho Ribeiro, em 2003, nos bastidores do Samba da Minha Terra. Foto: Éder Blue. Acervo pessoal do blogueiro]

TRIBUNA CULTURAL

por Zema Ribeiro

ENTRE O TERREIRO E A PISTA

Segundo disco solo de Luciana Oliveira transita entre a eletrônica e a tradição afro. Sem choques.


[capa. Reprodução]

Uma ponte Brasil-África se ergue no canto de Luciana Oliveira. O segundo disco solo da cantora, que traz apenas seu nome na capa, transita sem choques entre a eletrônica e a tradição: terreiro afro contemporâneo, pista de dança nada convencional. Para ouvir algumas faixas, acesse http://www.myspace.com/lucianaoliveira; para comprar, escreva para lucianaoliveira02@gmail.com

Sambas, afoxés e cocos se unem a funk e jazz, enquanto Jackson do Pandeiro e João Donato, relidos, juntam-se a Renato Matos, Wilson Bebel, Nelson Oliveira, Gabriel Moura (Farofa Carioca), Sérgio Magalhães e à própria Luciana Oliveira, entre outros, compositores desta pérola negra em tempos não de vinil.

O culto a divindades como Oxum e Iemanjá e a geografias como Angola, Luanda, África, além de sereias e mares, sincretizam/liquidificam a paisagem sonora de Luciana Oliveira, cantora inspirada que integra também a banda Natiruts (com quem está em turnê nacional).

Em Marujá (Luciana Oliveira), a cantora explica a inspiração: “Me guio pelas estrelas/ pra encontrar um lugar/ onde o escuro do céu/ se funde ao escuro do mar/ o mistério da noite/ é que me faz navegar”. Embarquemos – cantemos e dancemos – com a moça.

[Tribuna do Nordeste, hoje]

CÉLIA MARIA


[capa. Reprodução]

Parte desse disco aí, além de um concerto (inédito) de Célia Maria com o genial João Pedro Borges ao violão (e Paulo Trabulsi no cavaquinho e Lazico no pandeiro), compõem o repertório do Chorinhos e Chorões de domingo (às 9h, na Rádio Universidade FM), sob a batuta de meu amigo Ricarte Almeida Santos, que entrevistará a diva, que cantará também uns números ao vivo.

A bolachinha tem coisas como Milhões de uns (Joãozinho Ribeiro), Lápis de cor (Cesar Teixeira), Lágrimas (Bibi Silva), Ingredientes do samba (Antonio Vieira), Beatriz (Chico Buarque e Milton Nascimento), Na asa do vento (João do Vale) e Meu samba choro (Chico Maranhão), entre outras. Disco bonito, que conta com nomes como Ubiratan Sousa (arranjos) e Toninho Carrasqueira entre os músicos de primeiríssimo time.

Lançado no início da década, um silêncio inexplicável, dada a alta qualidade do trabalho, pairou sobre o disco: nunca houve um show de lançamento em São Luís ou em qualquer outra parte.

Célia Maria se apresenta dia 19 (sexta que vem, meu presente de aniversário), no Teatro Arthur Azevedo, com produção de Ópera Night e direção musical de Celson Mendes. Mais informações (horário e preços dos ingressos, por exemplo) eu dou assim que as tiver.

(TE) AGENDA (!)

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Marconi Rezende (com Fernando Japona no contrabaixo, Carlos Piau na percussão e João Neto na flauta) se apresenta nesta sexta, 12 (e na próxima, 19), no Restaurante Chico Canhoto (Residencial São Domingos, Cohama). Couvert artístico individual: R$ 5,00.

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Sábado: Wilson Zara e Garrincha (com Mauro Izzy no contrabaixo e Moisés na guitarra) fazem show às 22h, no Dom Calamar (Av. Litorânea, Calhau). No repertório, Raul Seixas, Zé Ramalho e outros nomes da eme-pê-bê. Couvert artístico individual: R$ 5,00.

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Sábado: 7 no Choro: Instrumental Pixinguinha, Rosemary Fontoura e Chico Saldanha no projeto Clube do Choro Recebe, às 19h, no Restaurante Chico Canhoto (Residencial São Domingos, Cohama). Couvert artístico individual: R$ 5,00.

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Semana que vem: Célia Maria de volta aos palcos ludovicenses, show no Teatro Arthur Azevedo, dia 19 (sexta-feira), maiores detalhes em breve. Aguardem!

MÚSICA PARA UMA SENHORA DECLARAÇÃO

60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos serão celebrados hoje, com música.

Antonio Vieira e Cesar Teixeira, dois dos mais geniais artistas já surgidos no Maranhão, apresentam-se hoje (10), a partir das 20h, na Praça Nauro Machado (Praia Grande), celebrando os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. As apresentações são gratuitas.

Jornalista de formação, o compositor Cesar Teixeira já disse sobre Antonio Vieira: “um compositor a quem devemos tirar o chapéu e pedir uma esmola de poesia”. O senhor, do alto de seus 88 anos, elogiando algo como um Boi da Lua ou uma Flor do Mal (ambas de Cesar), retribui: “Cesar sabe das coisas”. Irmanados em boa música, as apresentações da dupla – Vieira sobe primeiro ao palco, depois é a vez de Cesar – prometem momentos de poesia pura somada à pulsação dos elementos da cultura popular do Maranhão.

A noite trará o fino do repertório destes artistas grandiosos, que não fogem de uma boa briga, desde que ela seja por uma boa causa. Não faltarão Mocambo, A pedra rolou (de Vieira), Flanelinha de Avião, Milagres, Bandeira de Aço e Oração Latina (de Cesar), entre muitas outras: há clássicos de sobra nos balaios destes seres admiráveis.

Certamente será em grande estilo a celebração do aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, sessentona por vezes desrespeitada, como a maioria dos idosos, infelizmente.

Cantar e se divertir, sem deixar de refletir: muito há que se mudar para podermos de fato comemorar os aniversários vindouros da DUDH, para que os próximos shows de Vieira e Cesar sejam só festa, por enquanto também protestos.

Serviço

O quê: Celebração musical dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Quem: shows com Antonio Vieira e, em seguida, Cesar Teixeira.
Quando: hoje (10), às 20h.
Onde: na Praça Nauro Machado (Praia Grande).
Quanto: de graça.
Realização: Fórum Estadual de Direitos Humanos do Maranhão.
Apoio cultural: Secretarias de Estado da Cultura e de Direitos Humanos.

AM

Determinadas instituições não mudariam em nada se perdessem uma letra de sua sigla. O exemplo prático mais recente – há outros, é claro – que me vem à cabeça é a Academia Maranhense de Letras, cujo L bem poderia deixar de figurar na sigla AML.

A Academia Maranhense nada entende de letras. Na verdade, eu sempre suspeitei de Academias. Eu nem vou citar nomes, ok?, mas que critério as academias usam para selecionar seus quadros de imortais? – vá, dou um desconto, talvez essas casas já tenham merecido respeito um dia.

Como eu disse que não ia citar nomes, também não vou fazer aqui a equação – nacional ou maranhense – do porquê de fulano ou beltrano ser imortal e cicrano não.

A Casa de Antonio Lobo – alcunha da AML – completa em 2008, 100 anos. Arthur Azevedo, grande nome das letras maranhenses, para me contradizer e citar um que certamente teria vergonha de (parte de) seus contemporâneos, completa 100 de falecido.

Aos fatos, chega de blá blá blá. Acabei integrando o júri do III Festival João do Vale de Música Popular, cujas eliminatórias aconteceram dias 4 e 5 de dezembro e a final dia 6, data em que o Batista que batizava a competição completava 12 anos de subida.

Wilson Zara, organizador do festival selecionado em edital público aberto pela Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão, certamente na melhor das intenções e, valorizando, respeitando e, talvez, celebrando a AML, escolheu a instituição para fazer o julgamento das letras inscritas, para conferir o prêmio de melhor letra no III Festival João do Vale de Música Popular.

Resumindo: os jurados julgaram apenas a melhor interpretação – Bebé, por sua Reticência – e melhor música – venceu Redemoinhos, interpretada por Lena Garcia, Eline July e Dicy Rocha (não lembro o nome dos compositores e não sei se é assim que se escreve o nome da segunda intérprete, cito aqui de memória), tendo a Reticência de Bebé ficado em segundo lugar e Cláudio Leite, com Vida Incomum, em terceiro.

O que deixou a todos os jurados – e boa parte do público, sem dúvidas – boquiabertos, foi o resultado de melhor letra, responsabilidade única e exclusiva da AML: Sr. José, de Alberto Trabulsi, letra fraquíssima em música razoável, que falava em “chamar pra dançar quadrilha, o pai, a mãe, a tia, o irmão, o filho, a filha” etc., novamente eu citando de memória. Bom, das 24 selecionadas entre as 175 inscritas, havia pelo menos 15 letras melhores. E, por baixo, ao menos 30 letras assim surgem a cada período junino.

Eu não ficaria admirado se adolescentes de “cérebros” oxigenados, ao passar em frente à Academia, buscassem ali turbinar seus corpos, quiçá arrependendo-se, depois, da companhia de senis senhores, “os livros na minha estante/ que nada dizem de importante/ servem só pra quem não sabe ler”, como canta anualmente o organizador do festival, em tributo a Raul.

TRIBUNA CULTURAL

por Zema Ribeiro

O DESASTRE DE ESCREVER RESENHA SEM EFEITO

É quase unanimidade que Lourenço Mutarelli é um dos mais geniais desenhistas já surgidos em Pindorama. Vencedor de vários HQ Mix – o troféu mais cobiçado no segmento – o homem plural quis explorar outros talentos. “Virou” escritor – entre aspas: ninguém vira – e depois ator: prende a atenção do espectador em suas aparições em O cheiro do ralo (adaptação de seu livro homônimo) e é protagonista de O natimorto (outra adaptação de outro homônimo), entrando para a história do cinema brasileiro: é o primeiro escritor a atuar em uma história adaptada de um livro escrito pelo ator principal, como é que diz, o galã?, o anti-galã?, círculo que não se fecha: já não sabemos se Mutarelli é desenhista, escritor, ator ou as três coisas em tempo integral. Só uma certeza: tudo o que faz, faz muito bem.


[reprodução capa]

Enquanto O natimorto não estréia, Mutarelli não para quieto: está escrevendo um novo livro (a sair em 2009, dentro do projeto Amores Expressos) e acaba de lançar A arte de produzir efeito sem causa [Companhia das Letras, 2008, 206 páginas, R$ 39,90 em média], livro que dá filme, arrisco de já. Um mistério sem (re)solução ao longo da história, talvez explique seu título: aos 45 anos de idade, Júnior separa-se da esposa, fica desempregado e volta a morar com o pai, Sênior, que aluga um quarto para Bruna – estudante a quem o velho espia nua por um buraco na parede. Júnior dosa o tempo entre cigarros, álcool, muito sono e a tentativa de resolver um suposto enigma criado com o recebimento de um recorte de jornal, datado de 1951, noticiando o crime cometido pelo escritor William S. Bourroughs, que assassinou a própria esposa com um tiro.

A arte de produzir efeito sem causa é repleto de tiradas geniais, aforismos sem moral, que as lições de Mutarelli são outras, tipo: “O importante é não demonstrar o fracasso”; ou “Casa é qualquer lugar onde se vive”; ou ainda “Corpo são em um mundo enfermo. A máxima dos nossos dias: o importante é morrer com saúde”. Tá bom? Tem mais: “Artista é assassino em série. Analisando bem, nada que é em série é arte”, “A extorsão é uma forma de arte”, entre muitas, muitas outras.


[auto-retrato de Lourenço Mutarelli. Reprodução]

Também nos deparamos com situações que de tão absurdamente reais, beiram o surreal: o personagem cuja inércia seguimos ao longo das páginas, por exemplo, deixou a esposa após esta tê-lo traído com o melhor amigo de seu filho. O efeito que nos causa essa leitura é a vontade de não parar antes do fim, e quando nos deparamos com o auto-retrato do escritor – créditos do filme literário? –, pensa(r)mos: esse cara é foda!

[Tribuna do Nordeste, 7 de dezembro de 2008]

VX SOBE AOS 75

Valêncio Xavier faleceu hoje. Penso que a literatura brasileira perde um de seus maiores escritores em todos os tempos. Penso, não: tenho certeza. A minha certeza.

Na lua de mel, raras as horas em que ligava a tv, insistia em assistir sempre o mesmo canal: um especializado em filmes nacionais, perdão, o nome me foge à memória. Em coisa de dois dias vi duas ou três vezes o nome de Valêncio Xavier nas letrinhas que sobem ao final dos filmes. Era demais, o velhinho.

Tinha 75 anos, mesma idade que tinha Waldick Soriano quando faleceu. Quiçá dos mesmos males, já não lembro a causa mortis do ídolo de terno e chapéu pretos e óculos escuros. E deixo as semelhanças por aí que mais não sei se há.

Pouco li Valêncio Xavier, ou ao menos, menos que deveria. Como ouvi pouco Waldick. Mas o que li/ouvi de ambos, o fiz profunda e apaixonadamente. Tarefa fácil, aliás: suas obras eram apaixonantes. Aliás, continuam sendo.

Valêncio Xavier subiu. Eu fico mais triste, a literatura brasileira perde um grande nome, repito. É como disse um amigo no e-mail que me trouxe a péssima notícia: merda!