La La Land é favorito até para quem não aposta nele

[O Imparcial, hoje]

O Imparcial ouviu três cineastas maranhenses para saber: qual o filme favorito no Oscar? Conheça as opiniões de Raffaele Petrini, Joaquim Haickel e Breno Ferreira

As apostas estão a toda, seja pelas redes sociais, mesas de bar ou almoços de família. Quais as suas apostas para o Oscar desta noite? Seja qual for o resultado da tradicional premiação da academia será impossível esquecer a injustiça do governo ilegítimo de Michel Temer (PMDB) para com Aquarius, de Kléber Mendonça Filho.

Unanimidade em qualquer lista de melhores filmes nacionais de 2016, o filme do pernambucano foi boicotado pelo Ministério da Cultura para ser o representante brasileiro no tapete vermelho, logo mais à noite. Uma reação às críticas que o diretor, Sônia Braga (que interpreta a protagonista, Clara) e toda a equipe de Aquarius dirigiram ao processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT) em Cannes. Aquarius teve ainda a classificação indicativa do Ministério da Justiça para 18 anos – para efeitos de comparação, O som ao redor, longa anterior de Kléber Mendonça Filho, tem classificação indicativa de 16 anos.

De férias na Itália, o cineasta e crítico Raffaele Petrini, diretor do Cine Praia Grande, no Centro de Criatividade Odylo Costa, filho (Praia Grande), conversou com a reportagem e apontou suas apostas para a premiação de hoje à noite. “Amo La La Land [de Damien Chazelle], por ser uma homenagem contemporânea a uma maneira de fazer cinema que não existia mais: um cinema romântico, sonhador, bonito de ver, divertido e emocionante. Meu favorito entre os indicados é Até O Último Homem, de Mel Gibson, que dificilmente levará estatuetas. Como melhor filme estrangeiro eu adoraria ver o alemão Toni Erdmann [de Maren Ade] ou o iraniano O Apartamento, de [Asghar] Farhadi, já vencedor do Oscar pelo belíssimo A Separação; inexplicável a ausência de filmes como Julieta, de [Pedro] Almodóvar ou de Elle [de Paul Verhoeven], um dos últimos grandes filmes de sempre, sem comentar o caso Aquarius”, declarou.

La La Land tem 14 indicações ao Oscar. Entre os prêmios possíveis, Petrini acredita que ele tem possibilidade de levar nove estatuetas: melhor filme, melhor diretor, melhor trilha sonora, melhor canção original [City of stars], melhor figurino, melhor montagem, melhor edição de som, melhor som e melhor direção de som.

O também cineasta Joaquim Haickel, diretor do Museu da Memória Audiovisual do Maranhão (Mavam), concorda com Petrini quanto ao filme de Mel Gibson: “Dos indicados a melhor filme é o meu favorito”, declarou, referindo-se a Até O Último Homem, que ele classifica como “um drama de guerra baseado em fatos reais, dirigido pelo sanguíneo Mel Gibson”.

E La La Land? Para Haickel não tem todo este mérito: “coisa da indústria que quer prestigiar um musical. Ora, para fazer um documentário você usa 10 pessoas; para fazer um drama, você usa 200 pessoas; para fazer um musical, você tem 600 pessoas, querem valorizar isso”, declarou.

O cineasta Breno Ferreira aposta sabendo que muito provavelmente perderá na bolsa. “Eu acredito que vá dar La La Land, apesar do Moonlight [de Barry Jenkins] estar chegando nesse momento final com força, mas o meu voto seria para Lion [de Garth Davis]”.

Numa coisa os três concordam: La La Land deve levar a estatueta de melhor trilha sonora. “Para La La Land devem ir também os prêmios de melhor trilha sonora e melhor canção original”, aposta Haickel. Breno é taxativo: “trilha sonora é impossível não dar La La Land”, afirma, colocando-se ao lado de Petrini, que já havia incluído a estatueta entre as possíveis do filme de Damien Chazelle.

Biografia de Zózimo Barrozo do Amaral está à altura de sua elegância, importância e bom humor

[O Imparcial, hoje]

Em mais de 600 páginas, Joaquim Ferreira dos Santos faz profundo e bem-humorado mergulho na vida do colega com quem trabalhou

 

O jornalista Zózimo Barrozo do Amaral em foto de Joëlle Rouchou
O jornalista Zózimo Barrozo do Amaral em foto de Joëlle Rouchou

Joaquim Ferreira dos Santos já contava quase década e meia de profissão quando foi contratado para ser repórter da coluna de Zózimo Barrozo do Amaral, quando este editou o mítico Caderno B do Jornal do Brasil, em 1983.

Enquanto houver champanhe, há esperança. Capa. Reprodução
Enquanto houver champanhe, há esperança. Capa. Reprodução

É minucioso e superengraçado o volume que dedica a retratar a vida do colega: Enquanto houver champanhe, há esperança: uma biografia de Zózimo Barrozo do Amaral [Intrínseca, 2016, 637 p.; R$ 69,90]. A frase-título encimava o “painel do ego”, diante do qual trabalhava o personagem, com fotos de celebridades colunáveis, às vezes com o colunista ao lado, os inseparáveis cigarro e copo de bebida nas mãos.

O livro começa pelo episódio em que o bem-nascido Zózimo esbanja grã-finagem e bom humor ao ser preso pelo regime militar e seguir por uma bem-sucedida sequência de episódios quase sempre hilariantes, a mais perfeita tradução do “ganha-se pouco mas é divertido”, embora este não fosse bem o caso do colunista social – como os leitores perceberão quando converterem, para valores atuais, seu salário quando da transferência para O Globo, já na década de 1990.

Aliás, chamá-lo simplesmente de colunista social talvez o diminua. O episódio da prisão, que abre o livro, demonstra inequivocamente, que Zózimo não se ocupava apenas de jantares elegantes da sociedade, regras de etiquetas e o ti-ti-ti do “quem come quem” (para usar uma expressão do autor) típico desta função supostamente mais fácil e glamourosa do jornalismo.

Jornalismo, com J maiúsculo, era o que praticava Zózimo Barrozo do Amaral, às vezes com pitadas de literatura – não raro só os implicados em suas notas cifradas entendiam d/o que ele estava falando. E nisso residia a graça: o leitor comum, o jornal ao lado de seu café com leite, pão e manteiga, adorava imaginar-se íntimo daqueles ambientes que por vezes sequer frequentava. Tudo temperado a muito bom humor.

O personagem de Joaquim Ferreira dos Santos frequentou as páginas do noticiário, sendo um dos jornalistas mais influentes do país, por mais de três décadas, até a morte, em 1997 – este talvez o único episódio triste de toda a narrativa, ainda assim contado de forma bem-humorada. Zózimo tinha consciência da importância de seu ofício e ia pessoalmente à cata de notícias, isto é, o expediente esticava diariamente por jantares, boates e restaurantes. De algum modo, morreu em consequência de seu ofício, e isto também o torna grande.

O que faz o autor, valendo-se de seu talento e da elegância de seu próprio texto, um dos melhores do jornalismo brasileiro, hoje, e servindo Zózimo como exemplo, é dar verdadeiras lições de jornalismo, história, cultura, política e sociedade brasileiros, passando por todos estes cenários, ao longo do período.

Num tempo em que se apregoa a morte – ou no mínimo um respirar por aparelhos – do jornalismo e as colunas sociais contentam-se com o copiar e colar de releases enviados por assessorias, Enquanto houver champanhe, há esperança é um livro necessário, não apenas para quem é do ramo.

Música para crianças de todas as idades

Antes de ser pai, meu interesse por música infantil era quase zero. Julgava o nicho de uma tremenda pobreza (letras pobres, arranjos idem etc.), o que não me despertava o menor interesse. Exceções havia, é claro, casos da Arca de Noé, de Toquinho e Vinicius, e de Os Saltimbancos, trilha da peça homônima, formada por versões de Chico Buarque para composições de Luiz Enriquez Bacalov e Sergio Bardotti, entre poucos outros.

Com algum atraso, no início dos anos 2000, o amigo Glauco Barreto apresentou-me aquele que considero um dos melhores discos de música infantil já produzidos no Brasil: Monjolear [1996], dos irmãos mineiros Dércio e Doroty Marques, cujos trabalhos “adultos” eu já conhecia e apreciava – em Erva cidreira [1980], ela gravou Chico Maranhão (Arreuni) e Sérgio Habibe (Cavalo cansado); em Fulejo [1983], ele gravou Cesar Teixeira (Namorada do cangaço).

José Antonio tem microcefalia e um ano e três meses e entre todas as experiências maravilhosas que me tem proporcionado está a revisão do repertório infantil. Desde a gravidez de Graziela intensifiquei a compra de discos de música infantil – com a desculpa de Homem de vícios antigos de presentear o que estava por vir, as recomendações de pediatras de ouvir música desde a barriga etc.

Não sei o que José Antonio vai ser quando crescer, nem se vai detestar música como João Cabral ou detestar poesia como João Donato. Não prevejo nada: tento fazer o melhor possível, o que inclui deixá-lo livre – sem condená-lo a ser como eu, o que seria uma grande crueldade, como já disse o amigo tetra-pai Jotabê Medeiros, com quem sempre aprendo bastante, para além do jornalismo.

O fato é que, desde a barriga, e desde antes, se isso for possível, meu filho sempre ouviu muita música. Do que eu ouvia em casa e no carro, entre minhas preferências e o que chega para resenhar, até os sambas que lhe cantava acalentando – o que gerou um comentário bem humorado do amigo também pai Fernando Matos: “com o pai cantando sambas, sem dúvidas o menino será roqueiro”.

Na crônica Dormir é para os fracos [Folha de S. Paulo, 19/7/2015], compilada em Trinta e poucos [Companhia das Letras, 2016], Antonio Prata, maior cronista brasileiro em atividade (sorry, Veríssimo!) e também pai, lista “catorze constatações a partir da paternidade”, incluindo: “11) Galinha Pintadinha é a imagem da Besta. 12) Galinha Pintadinha é uma bênção divina.”, referindo-se, obviamente, ao poder hipnótico que a azulzinha tem sobre os bebês – por isso o sarro de Diego Freire me fez gostar tanto mais de Bumba, nosso boi [Empíreo, 2016].

Digo, pois, sem falsa modéstia: José Antonio passou incólume por Galinha Pintadinha, amém! Se sobra na tela, até vê, sem reclamar – como o pai vendo, sei lá, uma Ana Maria Braga, por exemplo. Não ligo naquele canal, naquele horário, mas se tem alguém vendo não é necessário instaurar um conflito familiar.

Este texto não é ou se pretende um tratado sobre bom gosto musical infantil (ou adulto). Mas sabemos que, como em qualquer nicho, o que é melhor às vezes fica escondido pela mídia, cujo interesse, antes de informar, é simplesmente vender. José Antonio vê muito Palavra Cantada, Tiquequê, Grupo Triii, Partimpim (a persona “infantil” de Adriana Calcanhotto), o Zoró de Zeca Baleiro e a Arca de Noé (com grandes nomes da MPB interpretando composições de Toquinho e Vinicius), entre outros.

Um exercício a que me proponho é eliminar a barreira – se é que ela existe – entre música adulta e música infantil e os exemplos acima são ótimos. Brinco de aterrorizar minha esposa dizendo que ouvindo o que ouve na infância, o menino será admirador de Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e Premeditando o Breque – que eu adoro e ela detesta! –, entre outros.

Fora o terrorismo conjugal, faz sentido: a Palavra Cantada, por exemplo, é formada por Sandra Peres e Paulo Tatit, este, ex-integrante do Grupo Rumo, outro nome fundamental da chamada Vanguarda Paulista. Aqui e acolá pintam parcerias com Arnaldo Antunes, além da participação do ex-Titãs em músicas, bem como Mônica Salmaso – outro nome cuja voz agrada bastante adultos que apreciam boa música. No que a dupla é craque: fazendo música para crianças, não se despreocupa da qualidade nas letras, melodias e arranjos, mesmo quando estão apenas interpretando alguma cantiga de roda ou tema de domínio público.

A seguir, 12 (+2) clipes musicais infantis, escolhidos entre o lobby de José Antonio (suas preferências) e o que mais agrada este pai coruja entre o que ele vê.

Cuida com cuidado (Paulo Tatit e Zé Tatit), Palavra Cantada
Esta chegou a integrar minha lista de melhores videoclipes de 2016, na tradicional eleição do site Scream & Yell – não fosse José Antonio, provavelmente eu nem a conheceria

O pinguim (Toquinho, Vinicius de Moraes e Paulo Soledade), Chico Buarque
Meu sogro é professor de matemática aposentado. Brinco com José Antonio dizendo que este é o clipe do avô dele

O gigante (Angelo Mundy), Tiquequê
Um grupo bastante interessante em um videoclipe realizado pelo mesmo estúdio que produz a Galinha Pintadinha (viram? É possível!)

Lindo lago do amor (Gonzaguinha), Adriana Partimpim
Música de adulto em belo videoclipe de roupagem infantil

Ciranda da bailarina (Chico Buarque), Adriana Partimpim
Para adultos e/ou crianças Chico é gênio! Pena que os filhos de pais de direita demorarão mais a perceber

Bolacha de água e sal (Sandra Peres e Paulo Tatit), Palavra Cantada
Saquem a pegada rock’n roll que agrada o menino. Talvez a piada de Fernando Matos não fosse apenas uma piada

Eu sou um bebezinho (Paulo Tatit), Palavra Cantada
Sem chiliques, José Antonio!

O ornitorrinco (Zeca Baleiro e Tata Fernandes), Zeca Baleiro
Entre os bichos esquisitos do maranhense há uma girafa regueira e uma onça pintada, entre outros

Rato (Paulo Tatit e Edith Derdyk), Palavra Cantada
Letra longa, cerzida a valsa e choro, mostra o capricho das produções da dupla

A Galinha d’Angola (Toquinho e Vinicius de Moraes), Ivete Sangalo
Clássico infantil originalmente interpretado por Ney Matogrosso

O ar (O vento) (Luiz Enriquez Bacalov, versão de Toquinho e Vinicius de Moraes), Boca Livre
Apesar do erro teórico, garante a diversão dos adultos. Sempre ouvi um ditado, ainda bem que nunca comprovado, que diz que “quem ri de peido caem os dentes”

História de uma gata (Luiz Enriquez Bacalov e Sergio Bardotti, versão de Chico Buarque), Nara Leão e Miúcha
Da trilha sonora de Os Saltimbancos. Há várias músicas com gatos – estes seres que adoram jazz – como protagonistas dos videoclipes

Bônus track

Completado o top dúzia, mais dois clipes animados. Não são infantis, mas José ficou quietinho vendo as novidades. Um prêmio para papais e mamães que se renderam aos encantos da boa “mpbaby”, aguentaram textão e perdoaram o clichê publicitário do título, vocês merecem!

Burn the witch (Radiohead), Radiohead
De A moon shaped pool, disco mais novo dos ingleses

The girl in the yellow dresses (David Gilmour e Polly Samson), David Gilmour
Clipe sensacional e jazz classudo do ex-Pink Floyd, aqui acompanhado pelo The Julian Joseph Quintet

Bloco do Baleiro: “o ritmo, a dança, a alegria”

Foto: Rama de Oliveira
Foto: Rama de Oliveira

 

Teve ótima receptividade mês passado o anúncio, pelas redes sociais, do Bloco do Baleiro, em que o anfitrião maranhense terá como convidados o paraibano Chico César e a paraense Fafá de Belém, além dos DJs Ademar Danilo e Jorge Choairy.

Os poucos que contrariaram o coro questionavam o pagamento dos cachês dos artistas, inventando uma falsa oposição entre a presença de três artistas renomados nacionalmente e a manutenção de manifestações da cultura popular, como escolas de samba e blocos tradicionais, entre outros.

Procurada pelo blogue, assim manifestou-se a Secretaria de Estado da Cultura e Turismo do Maranhão (Sectur), em nota: “o evento é realizado pelo Governo do Maranhão e pela Prefeitura de São Luís com o patrocínio da Skol, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão. Pela parceria, o Governo do Maranhão ficou responsável pelos cachês dos artistas, a Prefeitura de São Luís pelo trabalho de bloqueio de vias e ordenação do trânsito, e a Skol pela produção do bloco”. A questão parece encerrada.

Nome fundamental no cenário da música popular brasileira ao menos nos últimos 20 anos – quando lançou Por onde andará Stephen Fry? [MZA, 1997], seu disco de estreia –, Zeca Baleiro é maranhense para além da geografia: ao longo de duas décadas de carreira tem sido um verdadeiro embaixador da arte e cultura maranhenses, produzindo discos, fornecendo composições e/ou participando de trabalhos de artistas locais, nomes entre os quais podemos citar – com o risco de esquecer muitos outros –, Antonio Vieira, Bruno Batista, Celso Borges, Chico Saldanha, Criolina, Flávia Bittencourt, Joãozinho Ribeiro, Josias Sobrinho, Lena Machado, Lopes Bogéa, Patativa, Rita Bennedito (antes Ribeiro) e Rosa Reis.

A realização do Bloco do Baleiro será certamente mais uma importante contribuição de Zeca à cultura do Maranhão. Ele conversou com exclusividade com Homem de vícios antigos.

Foto: Rama de Oliveira
Foto: Rama de Oliveira

Como surgiu a ideia e como foram as negociações para a realização do Bloco do Baleiro neste carnaval em São Luís?
Esse é um projeto antigo que eu e Samme Sraya, prima querida e produtora atuante no front cultural de São Luís, planejamos fazer há tempos. Mas só agora estamos tendo a chance de concretizá-lo. A ideia é fazer um grande baile num caminhão, uma “jardineira”, como os que deram origem aos trios elétricos, num circuito entre as praças da Casa do Maranhão e Maria Aragão. Um baile onde cantaremos de tudo, não só músicas “de carnaval”, mas música dançante em geral, de Tim Maia a Reginaldo Rossi. Será uma experiência, algo inédito, uma tentativa de aproximar o nosso show/bloco da tradição do carnaval de rua maranhense, ao invés de copiar modelos de carnavais de outros estados. Uma festa popular e gratuita. O único critério para entrar no cordão será estar fantasiado.

A principal força do carnaval da capital maranhense é a tradição do carnaval de rua, com suas diversas manifestações. Você passou a infância e a adolescência em São Luís. Quais as suas principais lembranças do período momesco na ilha?
Gostava muito de ver os blocos, os fofões, mascarados de rua… Nunca fui um grande folião, mas gostava de ver a festa. Tive um vizinho querido, o poeta e jornalista Paulo Nascimento Moraes, que saía todo domingo de carnaval fantasiado de fofão pelas ruas do Monte Castelo, uma figuraça. É uma lembrança muito lúdica e bonita que eu tenho da festa. E lembro também de alguns sambas-enredos antológicos, que quero homenagear no Bloco, como Haja Deus, da Flor do Samba, de Chico da Ladeira e Augusto Tampinha, e Bodas de ouro, de Zé Pivó, da Turma de Mangueira.

O Bloco do Baleiro terá como convidados Chico César e Fafá de Belém. Como será a participação deles e o que você diria a quem, por preconceito, torcer o nariz, dizendo tratar-se de artistas não identificados diretamente com o carnaval?
A quem torcer o nariz, sugiro que fique em casa, vendo o carnaval do Rio pela Globo. Mas para quem quiser se juntar a nós e celebrar com alegria, irreverência e música o carnaval, digo que venha. Eu, Chico e Fafá somos artistas identificados com o ritmo, a dança, a alegria. Isso deveria bastar. Mas, como diria Dias Gomes, quem abre caminho enfrenta as cobras.

São Luís parece despertar finalmente para experiências bem sucedidas como o carnaval do Recife, isto é, abrindo o leque, ampliando as possibilidades e realizando um carnaval verdadeiramente multicultural?
O carnaval de Recife é um grande exemplo de como a festa do carnaval pode servir de palco pra todo tipo de música ou manifestação cultural. Já toquei lá em mais de 10 edições, e sempre tem música pra todo gosto. Na mesma noite você pode ter shows de Ira!, Nação Zumbi, Zélia Duncan, Spok Frevo Orquestra, Elza Soares, Alceu Valença, rap, samba, frevo, rock, blues, tudo junto. E isso é lindo como proposta cultural.

Sua presença na programação do carnaval de São Luís tem um quê de afetividade, tendo em vista você ter nascido aqui, a evocação das memórias de que você já tratou. O que você e seus convidados estão preparando para o Bloco do Baleiro?
Sim, tem um quê de afetividade, de culto da memória também. Ainda vamos ensaiar, mas a ideia é dar um giro pela música dançante brasileira, do carimbó ao funk, do brega ao reggae. Estou preparando versões divertidas de clássicos da música pop também. O importante é louvar a alegria de viver num tempo tão obscuro como este em que vivemos.

Assista O abadá, versão bem humorada de Zeca Baleiro para Ob-la-di, ob-la-da (Lennon/McCartney), dos Beatles:

Um artista em constante metamorfose

Foto: José de Holanda
Foto: José de Holanda

 

O pernambucano Siba é um artista em constante processo de reinvenção. Entre meados dos anos 1990 e 2000 liderou o Mestre Ambrósio, banda que ajudou a consolidar o movimento manguebit. Com o fim do grupo, formou, com músicos da zona da mata pernambucana a Fuloresta do Samba. Só depois estreou em carreira solo, com Avante [2012], um bem-humorado disco de tons autobiográficos.

Em 2015 lançou De baile solto (seus discos solo e com a Fuloresta estão disponíveis para download no site do artista), com letras em geral com conteúdo político de grande força. Em Marcha macia, que abre o disco, por exemplo, criticava a tentativa de ingerência do poder público de mexer nas tradições dos maracatus em Pernambuco, com que trocadilha o título do álbum.

De baile solto foi o disco com cujo show Siba baixou na ilha no final de 2015, no Festival BR 135. Ele volta à cidade amanhã (10): se apresenta às 22h no Fanzine Rock Bar (av. Beira Mar, Praça Manoel Beckman, próximo à Delegacia da Mulher, Centro). Os ingressos custam R$ 40,00 (20,00 para estudantes com carteira e demais casos previstos em lei).

A produção local do show é novamente do BR 135, que pretende, ao longo do ano, realizar algumas apresentações, como a preparar o clima para o grande festival no Centro histórico – a edição de ano passado teve, entre as atrações, os também pernambucanos da Nação Zumbi.

Na apresentação de amanhã Siba (guitarra e voz) será acompanhado por Atife (guitarra), Thomas Harres (bateria) e Mestre Nico (percussão e voz). O artista conversou com exclusividade com Homem de vícios antigos.

Foto: José de Holanda
Foto: José de Holanda

Qual a base do repertório do show desta sexta em São Luís?
Esse show tem uma formação reduzida, é um quarteto que vai aí pra São Luís. São duas guitarras, bateria, percussão e vozes, e eu tenho usado este formato pra experimentar com repertório de vários momentos, desde a Fuloresta, do Avante, e também bastante coisa do De baile solto. Mas é uma formação que tá em metamorfose, sempre experimentando novas possibilidades, já tentando talvez apontar aí a direção para um novo projeto, esse ano ainda ou no ano que vem.

Em De baile solto você volta pela primeira vez em disco ao repertório do Mestre Ambrósio, com a regravação de Gavião. Qual a sensação da revisita?
A música Gavião foi regravada no De baile solto por que ela tinha uma relação muito profunda com o repertório, primeiramente musical. O De baile solto é um disco muito marcado pela retomada da rítmica que eu sempre tive como principal no meu trabalho, que é a da música de rua de Pernambuco, e Gavião era uma das músicas mais importantes, pra mim, no Mestre Ambrósio. Sendo que depois a letra dela tomou uma dimensão muito particular. Em contraponto com as letras mais diretamente políticas do disco, Gavião acaba se ressignificando, ao lado das outras músicas, eu acho.

Você se consagrou como rabequeiro, no Mestre Ambrósio e na Fuloresta, mas na carreira solo se acompanha com guitarra. Há uma razão para a mudança? E qual a chance de a rabeca reaparecer?
Com relação à rabeca eu considero o instrumento como uma ferramenta, somente. O instrumento não tem um valor em si, embora que o meio de onde ele vem ou a linguagem que ele representa pode sim agregar valor ou subtrair. No caso da guitarra, foi meu primeiro instrumento e eu precisei retomá-lo no momento onde eu carecia de mais recurso musical, que a rabeca é um instrumento, embora muito expressivo, também bastante limitado. Foi mais este motivo mesmo de retomar a guitarra, nenhum outro não, e até então tem sido meu instrumento principal.

Tua formação musical se dá entre ambientes urbanos e rurais e isto fica claro em tua música, sempre dançante. Há uma preferência? Há um lado com o qual você se identifique mais ou tudo se equilibra e se completa?
Esse contraste de urbano e rural ele é um pouco falso, eu acho, hoje no Brasil. Especialmente na música que eu faço, que eu pratico, não dá mais nem pra falar em mundo rural na Zona da Mata norte, que é o berço desses estilos que são a base do meu trabalho. De um modo geral são estilos que já são urbanos há décadas. A grande diferença está no fato de eles serem classificados como cultura popular e daí são formas de expressão que costumam sofrer bastante preconceito e ocupar sempre um lugar inferior na qualificação, no nosso panorama cultural de modo geral. Mas o rural em si, ele já é coisa do passado.

Outra característica muito marcante de tua obra é o conteúdo fortemente político, notadamente este disco mais recente. Como você tem acompanhado o noticiário acerca do conturbado momento político que atravessa o Brasil?
Eu acompanho o momento político do Brasil com muita preocupação, eu acho que é um momento muito pernóstico. As grandes forças mais reacionárias, o acúmulo de dinheiro e poder está se multiplicando e se reforçando de um modo assim assustador. Ao ver a versão da grande imprensa prevalecendo a gente fica com um sentimento de que a gente quase que perdia a oportunidade de ter construído um país melhor nos últimos anos aí. Continuo acreditando na possibilidade de o povo brasileiro de encontrar saídas, mas este realmente é um momento bem preocupante, que acho que vai reverberar negativamente por muito tempo ainda. A gente segue resistindo por que é a única maneira e cada um tem que encontrar o seu modo de escape, de saída, e tentativa de construir pelo menos pequenos modos de afirmação positiva dentro disso tudo.

Veja o clipe de O inimigo dorme:

A cidade onde envelheço inaugura Sessão Vitrine Petrobrás hoje no Cine Praia Grande

Still: Bianca Aun
Still: Bianca Aun

 

“É melhor acreditar em algo utópico que levar uma vida sem sentido”, diz Teresa (Elizabete Francisca Santos), recém-chegada de Portugal, em uma cena de A cidade onde envelheço [drama, Brasil-Portugal, 2016, 99 min., classificação indicativa: 12 anos]. Adiante, respondendo a Francisca (Francisca Manuel), afirma, utopicamente: “eu não vou envelhecer nunca!”.

As frases resumem bem o filme de Marília Rocha, rodado em Belo Horizonte, com inspiração na própria história da atriz que interpreta a personagem que mora há mais tempo no Brasil. Recém-chegada, Teresa é recebida por Francisca, que já tem algumas opiniões formadas sobre o Brasil e o brasileiro e, de certo modo, já está de saco cheio disso aqui. A tensão entre ficar e voltar é um dos fios condutores da trama.

É uma história bem humorada sobre amizade, saudade, decisões e as reviravoltas que a vida e o mundo dão. E também sobre estranhamentos: as diferenças culturais entre Brasil e Portugal são evidenciadas, por exemplo, na crítica de Francisca ao hábito “folgado” de os jovens da periferia “darem uma bola”, isto é, “filar” uma tragada do cigarro alheio – no meio da história tinha um cachorro.

Se os pensamentos de Teresa podem resumir A cidade onde envelheço, filme que levou os prêmios de melhor filme, direção, atriz e ator coadjuvante no 49º. Festival de Cinema de Brasília, ano passado, a sinuca também pode ser uma boa tradução: o ambiente é divertido, bebe-se, mas também se pensa sobre o futuro, metaforizado na melhor tacada para a próxima bola.

As paisagens de Belo Horizonte tornam o filme ainda mais bonito. Se o hábito incessante de fumar das protagonistas nos faz pensar em um filme de época, Jonnata Doll e os Garotos Solventes nos localizam no contemporâneo. Merece destaque à parte a trilha sonora: a banda cujo vocalista interpreta a si mesmo no filme, entre cerveja, rapé e passeios irresponsáveis, e o Jards Macalé do compacto de estreia, de 1970, com Só morto (Burning night) e Soluços.

A letra da última parece traduzir – num filme, afinal, de traduções, cujo português de Portugal falado pelas protagonistas é legendado – uma briga entre as protagonistas: “quando você me encontrar/ não fale comigo, não olhe pra mim/ eu posso chorar”. Mas que amigos não brigam para depois reconciliar-se? A cidade onde envelheço é, também, um filme sobre recomeço.

Serviço

A cidade onde envelheço estreia hoje (9), às 16h20, no Cine Praia Grande (Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, Praia Grande), inaugurando a Sessão Vitrine Petrobrás, que exibirá mais de 15 títulos nacionais ao longo de 2017. Os ingressos custam R$ 12,00 (6,00 para estudantes com carteira e demais casos previstos em lei).

Veja o trailer de A cidade onde envelheço:

Uma obra-prima

Frida Kahlo: Para que preciso de pés quando tenho asas para voar?. Capa. Reprodução
Frida Kahlo: Para que preciso de pés quando tenho asas para voar?. Capa. Reprodução

 

É uma verdadeira obra de arte a graphic novel Frida Kahlo: para que preciso de pés quando tenho asas para voar? [Frida Kahlo: pourquoi voudrais-je des pieds puisque j’ai des ailes pour voler?, tradução: Fernando Scheibe; Nemo, 2016, 128 p.; veja as páginas iniciais], de Jean-Luc Cornette (texto) e Flore Balthazar (desenho e cores).

A HQ biográfica acompanha Frida, seu marido Diego Rivera, então um muralista mais conhecido que ela, e Leon Trotsky, de quando o casal recebe no México o intelectual marxista forçado ao exílio até sua morte, menos de quatro anos depois.

A rima é pobre, mas Frida sempre usou suas cores para superar suas dores, e uma palavra-chave deste álbum – como de resto em qualquer relato biográfico acerca da pintora – é traição, no amor, na amizade e na política.

Mulher livre, Frida viveu um polígono amoroso que é aqui exposto sem escamoteação, tampouco sem tirar a atenção para aquilo que verdadeiramente importa: sua obra, sua força, sua atualidade.

Num contexto de criação da Quarta Internacional, da perseguição a Trotsky pelo NKVD (o Comissariado do Povo para Assuntos Internos, na sigla em russo, espécie de Ministério do Interior) e de discussões acerca do rótulo de surrealista que André Breton quis impor à protagonista, o enredo de Frida Kahlo é urdido com bom humor.

Um glossário de perfis, por Jean-Luc Cornette, acompanha a trajetória dos personagens após 1940, ano da morte de Trotsky. Também ao fim do volume, as referências apontam, entre livros, filmes, reportagens, museus, exposições e murais de Diego Rivera, obras “que foram essenciais para nós e nos permitiram realizar esta graphic novel com o maior rigor possível”, no dizer dos autores.

A quem conhece minimamente a biografia de Frida, ao menos a partir do filme homônimo [2002], de Julie Taymor, baseado em Frida: a biografia [Globo, 2011], de Hayden Herrera, esta HQ não acrescentará novidades. Mas merece ser contemplada como obra-prima que é. Aposto que Frida aprovaria a bela homenagem.

Aqueles meninos somos nós

Os meninos da Rua Paulo. Capa. Reprodução
Os meninos da Rua Paulo. Capa. Reprodução

 

É bastante oportuna a presente reedição de Os meninos da Rua Paulo [Companhia das Letras, 2017, 271 p.], numa época em que valores como união, companheirismo, fidelidade, dignidade, honra, lealdade e humildade, entre outros – de que, afinal, trata o livro –, andam tão “fora de moda”.

Desde que foi lançado, há 110 anos, o clássico juvenil de Ferenc Molnár vem esgotando edições e conquistando, mais que leitores, gente que devota a ele algum pedaço importante de sua formação, como atesta o apêndice emocional do volume, com belos textos de Nelson Ascher e Michel Laub.

Para crianças de todas as idades, poderia recomendar o clichê publicitário, a aventura é por demais conhecida e emocionará leitores de primeira viagem e os que a ela retornam. Conta a história de adolescentes que brigam pelo direito de ocupar um terreno baldio, o grund, numa área de Budapeste. São dois exércitos organizados, com suas hierarquias, táticas, estratégias e muita disposição.

A tradução e as notas caprichadas de Paulo Ronái, ele mesmo nascido húngaro e tornado brasileiro, são um luxo, apontando detalhes que poderiam nos passar desapercebidos, da pronúncia dos nomes dos personagens a pequeníssimos escorregões do autor (por exemplo a confusão em torno da bandeira de um dos exércitos juvenis que protagonizam a aventura).

Até hoje não se sabe ao certo se Molnár foi integrante da Sociedade do Betume, embora duas passagens no texto indiquem que sim. O título do livro já nos instiga a simpatizar com ela, mas independentemente de para que lado se torça e dos vencedores, é um livro paradoxalmente triste, apesar de todas as lições que dele podemos tirar.

Um bom exemplo destas lições é a fala de Nemecsek, quando apanhado em território inimigo: “Preferi tomar um banho a ficar à beira do lago rindo de um camarada. Prefiro ficar na água até o Ano-Bom a conspirar com os inimigos dos meus amigos. Pouco me importa que vocês me tenham dado um banho. Outro dia caí na água sozinho: foi quando o vi aqui pela primeira vez, entre estranhos. Podem convidar-me a ficar com vocês, adular-me, cumular-me de presentes: nada tenho que ver com vocês. Se me botarem na água mais uma vez, ou cem vezes, ou mil vezes, voltarei sempre: amanhã, depois de amanhã, e me esconderei em algum lugar onde vocês não me verão. Não tenho medo de nenhum de vocês. E, se vierem à rua Paulo tomar-nos o nosso terreno, lá estaremos. Lá, verão que, quando nós também somos dez, sabemos falar em outro tom. Comigo a briga não foi difícil! Vence quem é mais forte. Os Pásztor roubaram as minhas bolas de gude no parque do Museu, porque eram os mais fortes! Dez contra um, é fácil! Mas a mim pouco importa. Podem-me dar uma surra, se quiserem. Bastava eu não querer para não entrar na água, mas recusei o seu convite. Podem afogar-me ou matar-me a pauladas: eu nunca serei traidor como certos indivíduos… como este…” (p. 125-6), uma verdadeira aula de dignidade em tempos golpistas.

Ou ainda: “Esta é a sorte do traidor: desconfiam dele mesmo quando fala a verdade” (p. 186). “Ao ler, este ou qualquer outro livro, queremos fantasiar – pleiteamos, mesmo que já adultos, um espaço livre para a imaginação, reivindicamos a infância de volta, o nosso terreno baldio”, afirma o editor Luiz Schwarcz na orelha-exceção, mesmo quando perdemos este terreno baldio para a especulação imobiliária, por exemplo.

Pode parecer apenas uma fábula juvenil, mas no fundo, Os meninos da Rua Paulo é um livro sobre cada um de nós, atualíssimo, mesmo após 110 anos de publicado.

A morte em vida (ou uma metáfora destes tristes tempos)

Everaldo Pontes e Sabrina Greve em cena de Clarisse. Still. Reprodução
Everaldo Pontes e Sabrina Greve em cena de Clarisse. Still. Reprodução

 

Clarisse (ou alguma coisa sobre nós dois) [Brasil, 2015, drama, 85 min.; classificação indicativa: 16 anos; estreia amanhã (2), no Cine Praia Grande] não é um filme fácil, com suas metáforas sobre a morte e o capitalismo. Melhor longa-metragem cearense de 2016 de acordo com a Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine), entre vários outros prêmios, o drama de Petrus Cariry tem como protagonistas os fantasmas da infância da personagem-título (Sabrina Greve), que a perseguem numa viagem para encontrar o pai (Everaldo Pontes), um milionário da indústria da mineração em fase terminal – da vida, não de seu “sucesso” capitalista.

Pragmático, apesar do hobby de taxidermista, um dos orgulhos do pai de Clarisse é tê-la casado bem, com um estrangeiro (David Wendefilm) que, afinal, acabou por ingressar nos quadros de sua empresa – pouco importa se a filha não é/parece feliz, como demonstra claramente a primeira cena de sexo do filme.

Atormentada, Clarisse sangra, como se o sangue que jorra de qualquer parte de seu corpo, espécie de suor a livrá-la das toxinas da alma, dependendo da ocasião, a aliviasse da companhia dos fantasmas – a mãe e o irmão mortos em sua infância, seguida da transferência para Fortaleza e os estudos na Europa, pagos com o dinheiro do negócio do pai, como ele alega numa das conversas à mesa.

O pai de Clarisse parece não ter tempo para sentimentalidades e o espectador percebe que foi assim a vida inteira. Ela se ocupa das lembranças, entre fotografias e gravações, cujo acesso é facilitado pela empregada (Verônica Cavalcanti), que cuida de tudo: da comida ao banho no velho, passando por matar um porco – os barulhos, aliás, merecem destaque, o grunhido do porco, a explosão da pedreira, causando incômodos.

Os personagens de Clarisse parecem ter a compreensão da finitude da vida, mas parecem não se importar. “Está fazendo o que sabe de melhor: ganhar dinheiro”, devolve Clarisse ao pai, sobre seu genro, talvez criticando estes tristes tempos, talvez soando socialista, comunista ou coisa que o valha, talvez tão somente buscando ser feliz, quando decide demorar mais do que o previsto longe de Fortaleza e do marido, em Maranguape – o filme foi rodado entre as duas cidades –, onde vive o pai e onde, em busca de lucro, ele aos poucos foi destruindo seu próprio meio ambiente – que importa? O importante é lucrar, acima de tudo e em nome de qualquer coisa, parecem ecoar os sinais destes tristes tempos.

Veja o trailer: