Um machado afiado contra o autoritarismo

O único legado de Jair Bolsonaro, em 30 anos de vida pública, será tão somente a distribuição gratuita de violência. Muitos se assustam agora com a vontade do presidente de extrema-direita em “encher a tua boca com uma porrada”, dita a um jornalista que indagou-lhe sobre os 89 mil reais recebidos em depósito na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro, não à toa apelidada Micheque.

Bolsonaro é violento por natureza e pelo ethos militar de sua formação. Tão violentas foram declarações suas ao longo de seus mandatos de deputado federal e em campanha para a presidência, em 2018 – quando como bom covarde fugiu de qualquer debate e contou com a mão amiga de Sérgio Moro et caterva para tirar do tabuleiro eleitoral seu principal adversário e até então líder nas pesquisas de intenção de voto em qualquer cenário.

Fosse catá-las, um post seria pouco, uma página de jornal seria pouco, um jornal, uma revista, um livro seriam poucos. Mas Bolsonaro disse à deputada Maria do Rosário que “não te estupro por que você não merece, você é muito feia!”, que “num governo meu índio não vai ter um centímetro de terra”, que, numa comunidade quilombola, o habitante mais leve “pesava sete arrobas”, “vamos fuzilar a petralhada”, e que era “favorável à tortura” e preciso “morrer uns 30 mil, a começar pelo Fernando Henrique [Cardoso, então presidente da república]”, meta mais que triplicada, com a colaboração de sua irresponsabilidade diante da maior crise sanitária dos últimos 100 anos. Sem falar na dedicatória de seu voto, favorável à abertura do processo de impeachment contra Dilma Rousseff, ao notório torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, ídolo de Bolsonaro.

Se Bolsonaro faz do gesto de arminha com as mãos quase um persignar-se e afrouxa a legislação sobre armas no Brasil, os artistas têm voltado suas armas contra ele. As armas das artes, obviamente. “Letras e músicas, todas as músicas que ainda hei de ouvir”.

Recentemente o paraibano Chico César foi alvo de uma moção de repúdio da Câmara Municipal de João Pessoa/PB, por conta de uma música em que o ex-secretário de Cultura daquela cidade e do estado da Paraíba afirma: “bolsominions são demônios/ que saíram do inferninho/ direto do culto/ pra brincar de amigo oculto/ com satã num condomínio”.

A Banda Borralheira foi alvo de ataques de ódio nas redes sociais quando lançou a primeira faixa da Trilogia dos Palhaços, em que fazem críticas diretas a Jair Bolsonaro, a seus eleitores e aos que insistem em apoiá-lo, mesmo passados 20 meses de um governo que tem por modus operandi as fake news, a perseguição a direitos e a proteção a família – os zeros à esquerda, filhos do presidente, é claro! O conteúdo dos haters acabou dando gás à produção da banda curitibana.

Os poetas Celso Borges e Fernando Abreu durante sessão de gravação de "Machado afiado". Foto: divulgação
Os poetas Celso Borges e Fernando Abreu durante sessão de gravação de “Machado afiado”. Foto: divulgação

Os poetas Celso Borges e Fernando Abreu foram os únicos maranhenses a figurarem em meio à centena de vozes presentes em Lula livre Lula livro, publicado em 2018 como forma de protesto contra a prisão política do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva – o que, junto com as citadas fake news, acabou por pavimentar a estrada (no meio do caminho tinha uma facada, até hoje muito mal explicada) que levou Bolsonaro ao Planalto.

Em plena pandemia do novo coronavírus os dois fizeram uma versão livre de Small axe, de Bob Marley e, mesmo não sendo cantores, gravaram a canção. Com todos os cuidados, o que inclui o uso de máscaras, o distanciamento social e camisas com a efígie do ídolo jamaicano, gravaram também um videoclipe, que será lançado neste sábado (29).

A versão foi gravada no Zabumba Records, do percussionista Luiz Cláudio, que assina a direção musical e toca na faixa, gravada, mixada e masterizada por Jailton Sodré. A banda que acompanha as vozes e os versos de Celso Borges e Fernando Abreu se completa com o próprio Fernando Abreu (violão), Jesiel Bives (teclados e baixo), George Gomes (bateria). Após o registro em estúdio, o videoclipe foi gravado por Inácio Araújo (Carabina Filmes), com a participação especial do artista plástico e capoeirista Edson Mondego tocando berimbau.

Não é um recado direto a Bolsonaro, como se pode perceber na letra – seu péssimo governo não tem sequer o panis et circenses –, mas a governantes autoritários em geral (o que obviamente o inclui).

Conheça a letra:

MACHADO AFIADO
(Versão livre de Fernando Abreu e Celso Borges para a música Small axe, de Bob Marley)

Se é tarde eu não sei
Resistimos
Somos Davi
Se você é Golias

A gente vai pra cima de ti
É inútil fugir
Tua queda é pra já
Cadê tua coragem?

Você me dá pão e circo
Querendo se dar bem
Mas o pau que dá em Chico
Dá em Francisco também

Você cavou sua cova
Se envenenou com seu ódio
Eu já disse e vou repetir
Sai fora, man
Sai fora
É capoeira pra cima de ti
Não corre, man
Não corre

Você me dá pão e circo
Querendo se dar bem
Mas o pau que dá em Chico
Dá em Francisco também

“O sol nas bancas de revistas”

Foto: Zema Ribeiro
Foto: Zema Ribeiro

 

No editorial do número 2 da Mais55Mag, o jornalista Ronaldo Bressane escreveu uma verdadeira declaração de amor às revistas – “Revista nunca enguiça. É só não encher linguiça”, o texto, está reproduzido em seu blogue.

Longe de comparar a minha à de Umberto Eco, citado no início do aludido texto, estes dias, arrumando o quarto do apartamento que chamamos pretensiosamente de biblioteca, deparei-me com algumas revistas. Confesso não colecioná-las, em geral leio e passo adiante, ao menos a maioria, ao contrário de livros e discos, mas guardo aqui e acolá, um ou outro exemplar, por algum motivo especial.

Os exemplares da Helena, publicada pela Biblioteca Pública do Paraná, os poucos números da Pitomba!, a saudade da Coyote e da Trip que encartava cds, uma ou outra Cult, piauí, CartaCapital, Caros Amigos, serrote, Zum! e os quadrinhos: Chacal, Ken Parker, Tex Willer.

Este, meu vício mais antigo: leitor compulsivo há mais de 30 anos. Sempre comento que minhas primeiras idas a sebos foram no extinto Papiros do Egito, da saudosa Moema de Castro Alvim, à época na Rua dos Afogados, quando meus pais se separaram e eu e meus irmãos fomos morar no Centro, com mamãe, na Rua de Santaninha – em um rápido L percorríamos o trajeto de casa até o sebo, onde comprei meus primeiros vinis dos Beatles.

Mas antes, ao lado da parada de ônibus do antigo Armazém Alencar Diamante (“é diamante que nem ladrão acaba”, lembram do reclame?), na calçada de onde hoje funciona a Estácio São Luís (Rua Grande, Canto da Fabril) em que estudei, havia um sebo – para mim, à época uma criança, uma imponente banca de revistas onde era possível trocar, além de comprar.

Levei alguns gibis da Turma da Mônica e troquei por exemplares de Tex – numa base mais ou menos de dois por um –, que eu havia começado a ler um pouco antes, por ter achado uma velha coleção de meus tios.

Colecionei Tex enquanto pude e um de meus orgulhos era o exemplar coincidentemente intitulado “A carta misteriosa”, que trazia uma carta de leitor assinada por este que vos perturba, com o endereço rosariense de meus avós. Eu perguntava algo como o porquê de Tex e Carson se zoarem tanto – camelo velho, satanás etc.

Colecionei Tex até uma desilusão causada por cupins: eles comeram mais da metade de minha coleção e, num gesto impetuoso de desapego, vendi num sebo (talvez o Rui, na Praça Deodoro) os exemplares que restaram. Passei um tempo afastado e só fui me reencontrar com o ranger após a leitura de Breganejo blues – novela trezoitão, de Bruno Azevêdo, cujo protagonista é um taxista/detetive leitor compulsivo do herói, que tem alguns quadrinhos usados na composição gráfica da obra.

Mas devo admitir e advertir o paciente leitor: este texto não era para ser uma declaração de amor a Tex, mas a revistas em geral.

O fato é que há algum tempo minhas revistas prediletas têm tido certa dificuldade em  chegar às bancas da ilha. Só tenho conseguido ler Tex em exemplares usados adquiridos em sebos. CartaCapital, piauí e Cult, entre outras, nunca mais vi, nem folheei, já só ouço falar.

Quando vi circular pelas redes sociais a capa do exemplar de agosto da última, com o poeta Paulo Leminski na capa, corri às bancas, numa missão sem sucesso, ao menos até agora. Nada substitui o prazer de ir até às bancas, embora elas sejam cada vez mais raras e assinar pudesse ser uma saída (sobretudo em tempos de pandemia), mas algumas editoras não facilitam a vida do assinante (ou pretendente), seja em termos de parcelamento ou de bancos conveniados.

Nem sempre é fácil manter os vícios antigos, tarefa que “me enche de alegria e preguiça”.

Live solidária celebra Dia Nacional dos Bancários em São Luís

[release]

Com transmissão pelo youtube e TV Guará, a data comemorativa terá apresentações do Quarteto Crivador, Chico Chinês e Serrinha do Maranhão (do Samba de Iaiá) e Tom Cléber

Entre o final de 2018 e início de 2019 o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários do Maranhão (Seeb/MA), popularmente conhecido como Sindicato dos Bancários, aprofundou a incorporação da dimensão cultural às lutas travadas cotidianamente pela categoria. Nascia assim, à época, o projeto RicoChoroComVida Pra Luta, que levou ao palco de sua sede social (Av. Gal. Arthur Carvalho, 3.000, Turu), diversos nomes da música instrumental e da música popular produzida no Maranhão, que por motivos de força maior, estacionou em apenas uma temporada.

Revivendo aquele momento, importante para a categoria, para a classe artística e para a sociedade em geral, é nesse clima que será comemorado o Dia Nacional dos Bancários no Maranhão. O estúdio da TV Guará (canal 23 na tevê aberta) receberá, no próximo dia 29 de agosto (sábado), às 20h, um sarau musical em formato de live, como recomendam o bom senso e os cuidados com a saúde e segurança de todos em tempos de pandemia – cantores, instrumentistas, profissionais envolvidos, a categoria homenageada e o público em geral.

O sarau musical seguirá o modelo estabelecido pelos projetos RicoChoroComVida na Praça e Pra Luta, com uma formação instrumental abrindo a noite e depois acompanhando importantes nomes de nossa música popular. A transmissão será ao vivo – a partir do estúdio da TV Guará, sem a presença de público – pelo canal do sindicato no youtube e pela TV Guará, simultaneamente e com tradução em Libras, garantindo a acessibilidade cultural. A produção é de RicoChoro Produções Culturais. A live terá apresentação de Ricarte Almeida Santos.

O anfitrião da noite festiva será o Quarteto Crivador, formado por Rui Mário (sanfona), Marquinho Carcará (percuteria), Luiz Jr. Maranhão (violão sete cordas) e Robertinho Chinês (bandolim e cavaquinho). O grupo ganha o reforço dos percussionistas Marcos Paulo e Vinicius Filho, para abrilhantar ainda mais a festa.

Os convidados do Crivador serão os cantores Serrinha e Chico Chinês (do Samba de Iaiá) e Tom Cléber (foto), numa noite que promete, no cardápio musical, o melhor do choro, do samba e da música popular brasileira.

O Quarteto Crivador. Foto: divulgação
O Quarteto Crivador. Foto: divulgação

Atrações – Crivador é o nome de um dos três tambores da parelha do tambor de crioula. O nome foi escolhido pela característica do grupo, de mesclar o choro e outras vertentes da música instrumental brasileira a ritmos da cultura popular do Maranhão. Originalmente o quarteto tem o bandolinista Wendell de la Salles em sua formação.

O cantor Tom Cleber. Foto: divulgação
O cantor Tom Cleber. Foto: divulgação

Tom Cléber – Nascido em São João dos Patos, no interior do Maranhão, o ídolo romântico Tom Cléber está acostumado a grandes plateias, vendagens consideráveis de discos e hits de rádio, no Maranhão e fora dele, entre releituras de clássicos populares e composições autorais.

O cantor Serrinha do Maranhão. Foto: divulgação
O cantor Serrinha do Maranhão. Foto: divulgação

Serrinha – Serrinha do Maranhão fez fama na década de 1990, a partir da Madre Deus, à frente do grupo Serrinha e Companhia, muito requisitado nas rodas de samba e pagode da ilha. Gravou o disco “Na palma da mão”, contando com a participação especial do sambista Jorge Aragão, autor de “Uns e alguns”, faixa de abertura do disco, cujo refrão acabou intitulando o trabalho, que conta com as participações especiais do Regional Tira-Teima e Zeca do Cavaco, que empresta sua voz ao clássico “Das cinzas à paixão”, de Cesar Teixeira.

O cantor e percussionista Chico Chinês. Foto: divulgação
O cantor e percussionista Chico Chinês. Foto: divulgação

Chico Chinês – Os olhos puxados deram a ele o apelido de Chinês, com que ficou conhecido nas rodas de samba da capital maranhense, principalmente como integrante do grupo Espinha de Bacalhau. O percussionista é pai do bandolinista e cavaquinhista Robertinho Chinês.

Festa solidária – “Sem dúvida, será um show de atrações e de solidariedade. Em razão da pandemia, pela primeira vez a festa será online, mas a animação e qualidade de sempre estarão presentes, ainda mais com esse objetivo de ajudar o próximo e preservar vidas. Bancários, bancárias e a sociedade em geral, prestigiem!”, convidou o Presidente do Seeb/MA Eloy Natan. A live tem caráter solidário e a arrecadação será destinada ao Instituto Antonio Brunno, de apoio a pacientes com câncer. Haverá sorteio de brindes para bancários em dia com suas obrigações sindicais.

Dia dos Bancários – O Dia Nacional dos Bancários é celebrado em 28 de agosto desde 1951. A data foi escolhida após uma grande assembleia da categoria, que reivindicava aumento salarial após 69 dias de paralisação – uma das mais longas e vitoriosas da história.

Serviço

O quê: live/sarau musical em comemoração ao Dia Nacional dos Bancários
Quem: Quarteto Crivador, Chico Chinês e Serrinha do Maranhão (do Samba de Iaiá) e Tom Cléber
Quando: dia 29 de agosto (sábado), às 20h
Onde: transmissão pelo canal do Seeb/MA no youtube e pela TV Guará (canal 23 da tevê aberta)
Quanto: evento gratuito e online. As doações arrecadadas serão destinadas ao Instituto Antonio Brunno.

Cultura nordestina em pauta no Itaú Cultural

Clarice Lispector por Carlos Scliar. Reprodução
Clarice Lispector por Carlos Scliar. Reprodução

 

Um lado em geral menos conhecido da escritora Clarice Lispector (1920-1977) é o de pintora. André Bernardo, em texto publicado ontem, no site do Itaú Cultural, homenageando-a por seu centenário, relembra com elegância esta faceta da ucraniana radicada brasileira – ela costumava se declarar pernambucana – inaugurando a Semana da Cultura Nordestina: as publicações seguem de ontem até a próxima sexta-feira (7).

O texto de Bernardo relembra o episódio em que a escritora Nélida Piñon arrematou, por 220 mil reais, um quadro de Clarice num leilão em 2019. Trecho do texto: ““Quando eu soube que um quadro de Clarice iria a leilão, fique chateada: ‘Meu Deus, minha amada amiga em uma casa estranha? Uma casa que ela não conhece nem nunca frequentou? Não posso deixar isso acontecer’. E, realmente, não deixei”, orgulha-se a escritora. “Eu só não imaginava que o quadro fosse chegar ao valor que chegou. Foi uma coisa espantosa. Até hoje, não sei onde eu estava com a cabeça”, acha graça. “Pensei que chegaria, no máximo, a uns 15 mil reais. Fui tomada por algo tão forte que, a cada novo lance, eu me limitava a repetir ao telefone: ‘Avance, avance, avance’. Os quadros de Clarice têm um valor sentimental extraordinário”, confessa Nélida, que conviveu com a escritora, todos os dias, por 18 anos, de 1959 a 1977, o ano de sua morte”.

A Semana da Cultura Nordestina relembrará ainda nomes como Alceu Valença, Chico Science, Elomar e Nelson Rodrigues, entre outros, além da artista visual recifense Bruna Valença e a fotógrafa maranhense Gê Viana, que abre uma nova seção no site da instituição, o Rumos da Fotografia no Brasil, com curadoria do jornalista Cassiano Viana.