UM GATO ZAROLHO MIANDO NA VITROLA

Com cinco anos de estrada, alagoanos da Gato Zarolho apresentam Olho nu fitando átomo, disco pop de influências diversas.

A amiga Laurinete me apresentou a banda alagoana Gato Zarolho completamente por acaso: sei lá como ela a descobriu e mandou-me um e-mail, não pela música: ela viu uma enorme semelhança física – realmente há – entre este colunista e um dos, digamos, gatos zarolhos.

À amiga só me resta agradecer pelo som que agora não me sai da vitrola – e da cachola. Da terra de Wado, outro interessantíssimo nome da, digamos, MPB contemporânea, a banda nos apresenta o ótimo desde o título Olho nu fitando átomo [independente, 2009, disponível para download grátis e “legal” no site da banda].


[Olho nu fitando átomo. Capa. Reprodução]

Marcelo Marques (voz e violão), Vitor Peixoto (guitarra), Yuri Pappas (bateria), Bruno Ribeiro (contrabaixo), Bruno Brandão (percussão), Daniel Soares (percussão) e Gillianne Santos (voz) são de uma geração musical pós-mangue e hibridizam referências, não necessariamente liquidificando-as: entre o acústico e o elétrico, entre o “regional” e o pop-rock, “entre o sertão e o Alasca” (verso de Alasca), o hepteto aponta e perfaz diversos caminhos para chegar a um disco coeso – somem-se aí as referências individuais de cada um de seus integrantes.


[O hepteto alagoano. Foto: divulgação]

Entre o fantástico e o cotidiano, Lampião e Maria Bonita, Chico Buarque na vitrola, samba, baião e pop rock, Gato Zarolho miando onde está, neste mesmo parágrafo, o moço de olhos verdes. Ouçam e vibrem, que sapatos servem para serem jogados em autoridades

[Última Tribuna Cultural de maio, publicada hoje no Tribuna do Nordeste]

*

Com atraso: parabéns aos tios Silvio Fernando (30) e Dijé Viana (31), por mais uma primavera. Tudo de bom, saúde, felicidades e vida longa!

AMANDO SOBRE AS PICK-UPS

DJ Vovô (Salim) arrebentando no Baile dos Assistentes Sociais (15/5, dia da/o assistente social), festa após o encerramento do 30º encontro da categoria no Maranhão. Repertório pra cima, o carequinha mostrou que está em forma e afirmou: está voltando ao circuito. Devemos inventar algo juntos, em breve. Com ele, na foto (desconheço o crédito, alguém aí sabe?), a namorada Andréia Everton, presidente do CRESS/MA, que com toda a equipe mandou bem na celebração das três décadas de encontro no Maranhão.

O LIXO É NOSSO!

Não é à toa que este disco se chama Shopping Brazil.

Em março de 2002, ao ouvir um grupo de jovens tocanto latas, recordei uma música que fiz no início dos anos 70, quando os lixões já invadiam São Luís. Remendei os trapos. Vi a sustância daquele ritmo no pirão afro-brasileiro. As latas denunciavam com brilho a dor globalizada. Então incluí o dialeto no CD, despretensioso para a exigência do mercado.

Trata-se de simples registro (biodegradável), parto artesanal de fundo de garagem, dedicado aos guerrilheiros da nossa música, que nos criaram raízes: Bibi Silva, Zé Garapé, Sapinho, Cristóvão “Alô Brasil”, Laurentino, Dilú Melo, João do Vale, Dona Elza, Leonardo, Caboclinho, Antonio Vieira, Lopes Bogéa, Dona Teté, Mestre Felipe… É pouco espaço para tanto vodum.

Daí o parangolé universal do som negro, branco, tupi num cofo só: baião, modinha, choro, tambor-de-crioula, xote, samba, boi-de-zabumba e coco. De quebra, ladainha em latim, swing, hip-hop, beethoven, lampião e waldick. O quê que há?

No mais, a metamorfose do lixo (exceto o do açougue cultural) em música pelas lentes que vêem o homem e outros bichos partilharem o direito de viver com dignidade. Dignidade no lixo? O quê que tem? Lixão no Brasil é shopping para milhões de excluídos. Nada de petróleo: “O lixo é nosso!” – grito não nacionalista que sobrou para reciclar a alma e a fome, longe do zero.

Depois dos sapos (engolidos), antas e záccaros habituais no sanatório fonográfico, dilacerando os pulmões e o saco, renovei a convicção de que a música não pode ser condenada ao pôquer das vaidades. É substância livre vazando do coração, que não cabe num descartável CD, fácil de ser encontrado em qualquer lixão do país. Reciclem tudo e divirtam-se.

*

Cesar Teixeira escreveu o texto acima no encarte de seu disco de estreia, Shopping Brazil (2004), para apresentá-lo. A capa do disco é essa aí:

Este é o meu, notem a dedicatória: “Zema, enfim o lixo vira música. Cesar Teixeira. abr.2004“. Há tempos esgotado, a ótima notícia: o disco está disponível para download aqui. Quê que há? ‘Tá esperando o quê? Baixa logo!

SAMPAIO


[Sérgio Sampaio em foto achada na googlesfera]

Ademir Assunção tem falado muito em Sérgio Sampaio. Isso por que Ademir tem o que dizer. Agora mesmo, dá a dica aos mais jovens: tudo do compositor capixaba, inclusive compactos raros, pode ser baixado na internet.

Eu, que tenho menos a dizer do que Ademir, só em maio, mês em que Sampaio completa 15 anos de falecido, fiz dois programas de rádio homenageando-o: o Chorinhos e Chorões, com Ricarte Almeida Santos, e o Companhia da Música, com Gilberto Mineiro. Minha mulher disse para eu tocar outras coisas quando for convidado para um próximo programa, se não o pessoal vai pensar que eu só ouço ou só conheço Sérgio Sampaio.

Comprei recentemente a biografia do homem, que leva o título de sua música mais conhecida: Eu quero é botar meu bloco na rua. Comprei na mão do autor, pela bagatela de R$ 25,00. Podem procurar em livrarias, ou mesmo em sebos: está esgotadíssima. Quer dizer, achei um único exemplar na Estante Virtual. Sai por 300 paus mais o frete.

Fica a dica: quem quiser, pode escrever pro Rodrigo Moreira, que ainda tem consigo alguns exemplares. Os vinte e cinco mangos já incluem os correios. O e-mail dele: basconca@gmail.com

ANTÍFONA

A leitora Eliane, de Brasília, solicitou-me a letra de Antífona, de Zé Modesto. Dada sua beleza, em vez de mandar-lhe por e-mail, transcrevemos abaixo, tal como no encarte de Xiló. Enquanto digitava, foguetes da coroação de Nossa Senhora me invadiam o apartamento, uma procissão passando lá embaixo. Ler não é nada, tem que ouvir: quem canta Antífona em Xiló é Ceumar.

ANTÍFONA
Zé Modesto

Nossa Senhora, Mãe Preta do Paraíba
Dá tua bênção pra gente ir cantando em frente
E pela frente põe gente em nosso caminho
Pra nóis cantá e ter sempre alguém ouvindo

Nossa Senhora vigia
Esparrama o teu amor
Pra que na vida a poesia
Nos seja causa maior
Não seja a raspa do tempo
Que ele voa ligeirinho
Seja a poesia o alimento
A sustança no caminho

Cuida que haja o afago
E todo amor que ele tem
Que os corações que andam vagos
Encontrem logo o seu bem
Nessa vida sem carinho
O nosso destino é vão
Que é que na vida sozinho
Tem feliz seu coração?

Sinhá Preta seja abrigo
Nas horas de precisão
Que a gente saia do umbigo
E viva mais comunhão
Batendo menos cabeças
Fica leve a nossa cruz
Tua bênção Sinhá nas encrenca
Tua glória nos dias de luz!

DUAS COISAS

1. Outro dia, numa cagada inacreditável, perdi mais de sete mil mensagens armazenadas ao longo de bastante tempo em minha conta no gmail. Bueno, se você me mandou algum e-mail nos últimos dias e eu não respondi, muito provavelmente este é o motivo. Fineza reencaminhar.

2. Só costumo emprestar coisas (discos, livros, dvds etc.), as raras coisas que empresto (Caetano: “dinheiro não”), para amigos de extrema confiança. Ok, alguém levou o meu Ensaio, de Cartola, o da imagem abaixo, e até hoje não devolveu. Se foi algum amigo leitor, fineza fazer contato. Tou querendo e precisando do histórico dvd.

Obrigado!

O TERRORISTA DO BARULHO

Em novo disco, Marcelo D2 repete “estética do barulho”, sua fórmula “à procura da batida perfeita”.

Quando lançou seu Acústico MTV (2004), Marcelo D2 mostrou-se, à época, um dos artistas brasileiros de mais rápida evolução (em menor tempo): a simbiose entre samba e rap dava novo fôlego à música brasileira. “Fazer barulho!” era o grito de guerra, as palavras de ordem do artista que, antes, à frente do Planet Hemp, também já fazia barulho, tanto na música produzida pelo grupo em si, quanto nas constantes confusões envolvendo a apologia à maconha, musicalmente ou nas atitudes dos membros da banda.

Em A arte do barulho [EMI Music, 2009, R$ 24,90], “fazer barulho” é grito que continua sendo evocado, levando D2 ao risco de se autorrepetir. É aí que o rapper-sambista se reinventa: leva seus horizontes até além do rap e do samba, às vezes tornando ao rock dos tempos de Planet Hemp, às vezes tendendo à bossa de Marcos Valle (um dos muitos convidados do disco, em Afropunk no Valle do rap, cujo título já anuncia a participação especial) ou ao funk de Zuzuca Poderosa (outra, radicada nos EUA, em Meu tambor). Não à toa, D2 aparece na capa (e no encarte) posando de “terrorista” (do som) e no encarte imita a “moda mangue”, difundida nos anos 90 por Chico Science e cia.

Alguns convidados aparecem menos do que deveriam, ofuscados pelo barulho de D2, caso de Mariana Aydar (em Fala sério!). Outros que participam dA arte do barulho são Seu Jorge (na faixa título e em Pode acreditar), Aori (faixa título), Thalma de Freitas (Oquêcêqué? e Ela disse), Stephan Peixoto, filho do artista (Atividade na laje), o rapper ianque Medaphor (Kush), Roberta Sá (Minha missão) e Cabeza de Panda (Vem comigo que eu te levo pro céu).

Marcelo D2 continua procurando a batida perfeita. Enquanto não encontra faz arte, barulho, e se diverte divertindo.

[Tribuna Cultural (também) de domingo (24), no jornal Tribuna do Nordeste]

REPERCUSSÃO

Os textos Cultura do atraso, deste blogueiro, e Um secretário de proveta, de Cesar Teixeira, ambos publicados em primeira mão neste blogue, obtiveram boa repercussão na imprensa este fim de semana: ambos foram publicados ontem no Jornal Pequeno e no Tribuna do Nordeste.

Do “outro lado da ponte”, nada. Enquanto uns tentam tapar o sol com a peneira, tentando justificar ou dando importância menor aos atos e declarações do secretário de cultura, este vai mais fundo na lama (ou no esterco), conforme matéria de Ronald Robson, nO Imparcial de ontem (infelizmente o matutino ainda não disponibiliza link para a matéria; assim que possível, colocaremos aí na caixa de comentários).

Franklin Douglas, em seu blogue, também teceu comentários e opinou sobre a discussão.

Joãozinho Ribeiro, em sua coluna de hoje (25) no Jornal Pequeno também escreve sobre o assunto, sob o título Um tiro no pé e no peito, onde comenta ainda aspectos como a suplementação orçamentária da pasta da cultura, entre 2000 e 2008 (assim que o JP disponibilizar link para o texto, também o penduraremos aí na caixa de comentários).

UM SECRETÁRIO DE PROVETA

Cesar Teixeira*

Por um e-mail que me foi enviado recentemente tomei conhecimento da matéria publicada no blog do jornalista Daniel Matos (imirante.com, 18/05/09), onde o Secretário de Cultura afirma despudoradamente:

“Considero infeliz a postura do César Teixeira (compositor) no período que antecedeu a cassação do ex-governador. Ele chegou a transformar sua música ‘Oração Latina’ em uma espécie de hino no acampamento batizado de ‘Balaiada’. Se o César tem visão política antagônica ao atual governo, deveria, ao menos, se abster, pois em vários momentos já precisou de ajuda do grupo que costuma atacar. Ou será que ele não lembra da época em que foi amparado por Roseana Sarney, no Rio de Janeiro, quando enfrentava grave problema de saúde, na década de 70?”

Infeliz foi a postura de Luís Bulcão. Poderia até começar dizendo que ele representa muito mal o papel de Bobo da Corte da família Sarney, ou que, induzido ou não, está tentando copiar seus métodos bizarros de fazer mídia. Mas não vou insultá-lo, nem participar da jogatina do rancor. Sou plenamente a favor da liberdade de expressão, mas veementemente contra a mentira.

Sobre a minha participação no movimento Balaiada, esclareço que não estava ali para agradar ao governador Jackson Lago, mas para defender a democracia, o voto popular, e mais uma vez manifestar-me publicamente contra a oligarquia, que só voltou ao governo do Maranhão por meio de um golpe. Nunca poderia me abster, nem como cidadão, nem como artista.

Quanto à música “Oração Latina”, desde 1982, quando foi composta para uma peça de teatro que escrevi, passou a ser literalmente de domínio público, em passeatas, romarias, seminários e até nas igrejas. Será hino de Deus e do mundo, se assim quiserem.

Em relação ao “grave problema de saúde” que passei no Rio de Janeiro, me parece que o Secretário de Cultura é quem está precisando ser urgentemente amparado por uma junta médica para retirar-lhe o aneurisma sarneyzista. Nunca estive tão bem de saúde quanto naquela ocasião, e faço questão de lembrar.

Retornando de São Paulo, em dezembro de 1973, passei no Rio e fui levado pelo compositor Cláudio Valente a hospedar-me num apartamento freqüentado por músicos conhecidos, entre eles a maranhense Ignez Perdigão e Marcelo Bernardes, que ainda hoje toca com Chico Buarque.

Em clima de férias e MPB, o local era também visitado por Roseana Sarney e outros que continuam fazendo parte de seu grupo particular. Mesmo tendo sido bem recebido na casa, vi que estava no lugar errado. Decidi andar sozinho pelas ruas boêmias do Rio, e assim tive a sorte de conhecer Nélson Cavaquinho no modesto camarim do Teatro Opinião.

Certo dia, voltando dessas andanças ressacado, encontrei Roseana na cozinha e, sem que eu pedisse, ela me ofereceu ovos mexidos. Tive a impressão que ficou satisfeita quando aceitei, mesmo sem fome. Gesto que talvez a governadora sequer se lembre e hoje não fosse capaz de repetir.

Luís Bulcão, sem conhecer a história, deu asas à imaginação e desafinou. Na verdade, deu um tiro no pé, e não me espantaria se a Guerreira lhe desse puxão de orelha, pois a colocou numa saia justa. Mas creio que ela está mais preocupada com as ações do Ministério Público e da Polícia Federal, que acusam sua família de manter uma organização criminosa.

Como Secretário de Estado, o compositor de “Água de Torneira” (sucesso na Mirante FM) deveria pelo menos – na ausência de uma política cultural do governo de proveta – levar em consideração o plano estadual já implantado pela gestão anterior, em vez de passar o tempo fritando os artistas que considera adversários. Acabará fritando a própria cultura maranhense.

Se as declarações de Luís Bulcão foram uma desforra pessoal, morreu bem aí. Nem por isso arredarei um milímetro dos meus princípios e da minha dignidade: coisa que não se compra, nem se vende, se conquista.

Acredito, porém, que o analfabetismo político conceituado poeticamente por Brecht, e que atinge sobretudo as elites sociais, não pode durar para sempre. Um dia os retardatários enxergarão melhor os caminhos que a história nos ensina.

*jornalista, poeta e compositor

ESTRELANDO UM COMPOSITOR

POR ZEMA RIBEIRO*
Especial para o Alternativo

Marconi Rezende ficou mais conhecido no circuito musical ludovicense como um cover de Chico Buarque – embora seja bem mais que isso. Ouvir seu disco de estreia, Estrelando [Plano Fonográfico SECMA 2007], nos faz crer que o compositor escritor carioca se mudou para o Nordeste. Engana-se, no entanto, quem pensa que num disco autoral (todas as canções são de sua autoria), Marconi Rezende fosse ficar repetindo o ídolo. Aí reside o trunfo do artista: reprocessar as informações, não negar as referências e presentear seus ouvintes com um trabalho original, cheio de personalidade.

As letras traduzem o rebuscamento – o que nem de longe é sinônimo de hermetismo – de Marconi Rezende, artista conhecido também pela qualidade que busca imprimir a cada empreitada em que se mete. O canto límpido é acompanhado por um time de primeira linha de instrumentistas brasileiros: o próprio ao violão e arranjos, Ney Conceição (baixo, teclados e arranjos), Marcelo Bernardes (sax, clarinete, flauta e arranjos), Chiquinho Chagas (teclados e acordeon), Zé Américo Bastos (acordeon) e Mariana Bernardes (voz), entre outros.

Com ela, Marconi canta em O carnaval é assim: “é quando a ilusão termina e então/ começa um grande amor/ ou quando o amor se acaba num salão/ pra dar vez a outra ilusão”. A faixa título é derramada declaração de amor – sobram elogios à musa, que é estrela, brilhante, pepita, artista e flor – embora nos alerte também que se trata do primeiro disco de um artista, lapidado na noite, onde residem os excessos, o trabalho certamente nos apresentando o que de melhor Rezende produziu em sua carreira, paralelo aos bares e casas onde canta.

Está lançado o artista como compositor – e tem tudo para se firmar –, embora, certamente, tanto em Estrelando, o homônimo show de lançamento de seu disco de estreia, quanto em outras apresentações suas, futuras, Marconi Rezende ouvirá o coro (sobretudo feminino) do segundo fã clube mais chato do Brasil: “Toca Chico!”

[Texto publicado com pequeníssima edição (acima o original, enviado ao jornal) nO Estado do Maranhão de hoje, Caderno Alternativo, página 4]

SERVIÇO sobre o show, aqui e aqui.

CULTURA DO ATRASO

Na falta de coisa melhor para fazer, secretário apresenta propostas esdrúxulas e difama artistas antagonistas.

Temos mais ou menos dez dias daqui até junho, quando acontecem em São Luís (e em todo o Maranhão e Brasil) os festejos juninos. A não publicação de um edital para a seleção de artistas e manifestações culturais que irão ocupar palcos na capital e interior nos mostra qual será – está sendo – a condução da política cultural do Maranhão, com a volta de Roseana Sarney ao poder e de Bulcão à Secretaria de Estado da Cultura.

O secretário deu declarações pavorosas, recentemente, ao blogueiro Daniel Matos (imirante). Leio e releio – com bastante atraso – e não acredito no que vejo. Penso que declarações como as do “gestor” já não pudessem existir em pleno século XXI. “Em minha gestão o Tutuca não ganhará nada, está fora. A briga com o Ronald (Pinheiro, compositor) mostrou o quanto ele estava engajado politicamente com o grupo que faz oposição ao nosso”, afirmou, com o personalismo e autoritarismo característicos dos que servem à família Sarney.

Como é que é? Quer dizer que para participar de programações culturais artistas devem estar engajados, ou mesmo alinhados, politicamente com o grupo que ora ocupa o poder? Queremos artistas ou políticos? “A música que ele faz é de qualidade duvidosa”, afirma à frente. Fosse verdade, nada que um edital público não resolvesse. Aliás, editais públicos garantiram, na gestão anterior, a participação de artistas e manifestações culturais alinhadas ao grupo Sarney em programações culturais – não só o São João. Este “revanchismo” barato beira a imbecilidade.

Mais infelizes – e idiotas – ainda foram as declarações de Bulcão sobre Cesar Teixeira. Transcrevemos a íntegra do tópico para, em seguida, comentá-lo. Eis o que afirmou Bulcão: “Considero infeliz a postura do Cesar [transcrevemos o nome corretamente, sem o acento] Teixeira (compositor) no período que antecedeu a cassação do ex-governador. Ele chegou a transformar sua música ‘Oração Latina’ em uma espécie de hino no acampamento batizado de ‘Balaiada’. Se o Cesar tem visão política antagônica ao atual governo, deveria, ao menos, se abster, pois em vários momentos já precisou de ajuda do grupo que costuma atacar. Ou será que ele não lembra da época em que foi amparado por Roseana Sarney, no Rio de Janeiro, quando enfrentava grave problema de saúde, na década de 70?”.

Abobrinha ao molho de contradições. Como é que é? Quem for contra o grupo deles que se cale? É isso mesmo? Eis aí outro aspecto do tosco pensamento do “gestor”: Cesar não transformou sua música em hino de nada: desde que composta, em 1985, quando venceu o Festival Viva Maranhão de Música Popular, Oração Latina embala momentos importantes da história do Estado, sobretudo os que envolvem as lutas dos trabalhadores, o que é quase sinônimo de “anti-sarneysmo”.

Sabedor de que em 2009 não poderei me divertir nas festividades de São João ao som de Cesar Teixeira, liguei para o, em minha modesta opinião, “maior compositor vivo do Maranhão”. Ele também havia acabado de ler sobre o assunto e afirmou: “Isso é uma mentira deslavada de um capacho da oligarquia Sarney. Isso nunca aconteceu. Estive no final de 73 no Rio, passei mais ou menos um mês lá e quando o dinheiro acabou, voltei. Não tive ajuda de ninguém, nunca estive doente no Rio, ela não me ajudou coisa nenhuma. Fiquei surpreso com a declaração, não sei de onde ele tirou essa ideia. Desafio Bulcão, Roseana ou qualquer um a provar isso”.

A entrevista de Bulcão traduz o grau de autoritarismo, preconceito, discriminação e atraso a que foi relegada a política cultural do Estado, devolvida a um servidor fiel da família Sarney, não por acaso reincidente no cargo. A re-transformação de Oração Latina em hino tem duas traduções simultâneas: que Cesar Teixeira é homem/cidadão/artista/jornalista coerente e não foge à luta por um Maranhão/Brasil/mundo melhor (e/ou contra Sarney); e que o povo enxerga em Cesar esse ícone compromissado com as causas populares, seja pela via da/o arte/jornalismo e/ou das atitudes pessoais.

A verborragia viperina de Bulcão comparece ao blogue de Daniel Matos sob o título-disfarce Bulcão: “São Luís precisa de uma biblioteca moderna; ‘Benedito Leite’ deve virar museu” [18/maio/2009], onde o mesmo também afirma sua vontade de modernizar a tradicional biblioteca pública estadual retirando-a da Praça do Pahtheon, ideia que me soa absurda. Por que não continuar o trabalho iniciado na gestão anterior, que, não tivesse sido interrompido, zeraria o número de municípios sem biblioteca pública no Estado?

A gestão cultural estadual caminha para (a)trás(o) quando torna a enxergar o Maranhão como se este fosse apenas São Luís. Na falta do que fazer pela implementação de políticas públicas culturais efetivas – sobretudo no interior do Estado –, algo a que têm ojeriza, resta-lhes difamar antagonistas, de forma irresponsável e leviana.