Subiu o amigo Celso Sampaio

Em Baracatatiua, Alcântara, em momento de descontração no intervalo de alguma atividade

Faleceu na noite de ontem (29) o advogado Celso Sampaio (foto), assessor jurídico da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), em decorrência de complicações após uma cirurgia realizada para a retirada de um tumor no intestino, detectado durante sua luta contra o câncer.

Celso Sampaio estava internado no Hospital Universitário Presidente Dutra (HUUFMA), em São Luís. Após várias desmarcações, o procedimento foi realizado semana passada. Ele não resistiu ao quadro de hemorragia e comprometimento pulmonar e veio a falecer.

Figura conhecida pelo excesso de zelo quando o assunto era higiene, exageradamente cuidadoso, sempre carregava, em viagens, uma escovinha para limpar as unhas e as roupas não tinham uma dobra sequer, tudo engomado com muito capricho – quase um Monk. Mesmo trajando apenas camisa e bermuda, era a elegância em pessoa. O que não o impediu de mergulhar no Maranhão profundo, em que muitos municípios não possuem, por exemplo, saneamento básico e não lhe garantiam as condições mínimas exigidas pelo “padrão Celso de qualidade”. Ciente de sua missão, embarcava rumo aos rincões para embates contra os poderosos que querem apossar-se do Maranhão – reza a lenda que sobreviveu a 18 acidentes automobilísticos.

Um forte, um bravo. Um homem que nunca havia ido ao médico sequer para tratar de uma unha encravada, como ele mesmo gostava de dizer, do alto de sua luta contra o câncer. Poucas vezes o vi chorar e suas lágrimas tinham dignidade. Era extremamente devotado à mãe, com quem gostava de ir à Feira do João Paulo: enquanto ela consertava panelas e utensílios de cozinha em geral, ele refestelava-se com um saboroso mocotó.

Em uma brincadeira com o seu zelo por estar sempre alinhado e cheiroso, iniciamos, eu e uma turma de amigos da SMDH, a chamada rota da baixa gastronomia, em que mostrávamos a ele estabelecimentos diferentes de lojas de conveniência que ele tanto adorava: conhecia praticamente todas as de São Luís e lhes atribuía notas avaliando critérios como espaço, temperatura do ar condicionado e da cerveja entre outros.

Da última vez em que bebemos juntos, em dezembro passado, durante uma confraternização de fim de ano da SMDH, ele agradeceu-me bastante por fazê-lo conhecer o Chico Discos, então cenário de nosso amigo secreto. “Assim que eu terminar o tratamento e estiver novamente liberado, serei um habitué”, prometeu. Infelizmente não deu tempo.

De outra, antes, ele esteve em minha casa, em um aquecimento carnavalesco – bebemos um bom bocado antes de sairmos rumo ao Carnaval de Segunda do Laborarte. Durante a conversa, ele revelou: era a primeira vez em que ele se sentia à vontade em frequentar a casa de um colega de trabalho, de alguém das fileiras dos movimentos sociais. “Caro escriba” era como gostava de me chamar.

Celso Sampaio será sepultado em Vargem Grande/MA, sua terra natal. Seu exemplo aguerrido certamente inspirará muitos militantes de Direitos Humanos por aqui. Sua cabeça pelada contrastará com os fartos cabelos e barba de Deus, que certamente saberá bem recebê-lo em suas fileiras.

Tomarei umas cervejas e ouvirei My way na voz de Frank Sinatra, uma de suas músicas prediletas, para senti-lo por perto. Mais que nunca, Celso é de Deus e feito ele está conosco.

35 anos do antológico Bandeira de Aço são celebrados com grande festa no Arthur Azevedo

Público lotou o teatro na primeira edição do BR-135 em 2013. Repertório do disco foi tocado na íntegra

Um encontro para a história da música brasileira

O Teatro Arthur Azevedo ficou absolutamente lotado para a celebração aos 35 anos do disco Bandeira de Aço, de Papete, divisor de águas da música brasileira produzida no Maranhão.

O projeto BR-135, capitaneado pelo casal Criolina, Alê Muniz e Luciana Simões, propôs uma revisita ao repertório do antológico LP lançado pela Discos Marcus Pereira e revelou o que todos já sabíamos: todo mundo que faz música aqui bebe na fonte do disco que reuniu a obra dos “compositores do Maranhão”, como assinalava a capa da obra que muitos ouvem hoje como se fosse uma antologia, dada a qualidade do repertório. Não à toa Bandeira de Aço encabeçou a lista dos 12 discos mais lembrados da música do Maranhão, recentemente realizada pelo jornal Vias de Fato.

Um balanço do projeto ao longo do ano passado mostrou números impressionantes no telão, principalmente de artistas que passaram pelos palcos do BR-135 – iniciado no ainda desativado Circo da Cidade, que precisa ser urgentemente reativado pela atual gestão municipal –, e de público presente aos eventos, cujo principal objetivo é a formação de plateia – o que se viu ontem no TAA é o bom resultado da iniciativa.

A projeção de um documentário, dirigido e narrado pelo poeta e jornalista Celso Borges, revelou histórias que jogam luz às polêmicas que sempre envolveram o Bandeira de Aço, sempre envolto por uma aura mística, justo também por isso. Entre os entrevistados, os quatro compositores das nove faixas, Cesar Teixeira, Josias Sobrinho, Ronaldo Mota (o único que não mora no Maranhão e que não participou do show de ontem) e Sérgio Habibe, além do intérprete Papete, Chico Saldanha (que jogou a fita com a obra dos quatro nas mãos do percussionista maranhense e este apresentou-a a Marcus Pereira e o resto é história) e de diversos artistas para os quais o álbum é referência.

Ao longo do show o filme continuou dialogando com a plateia, entre uma música e outra, apresentando o contexto da época, as insatisfações de cada compositor com a interpretação de Papete para suas obras, o clima em que foi gestado e a repercussão do disco para suas carreiras artísticas e para a música do Maranhão e do Brasil em geral.

A homenagem do BR-135, a exemplo das edições anteriores do projeto, propôs também um diálogo entre a velha guarda e a nova geração de instrumentistas, cantores e compositores, percebido desde a formação da ótima banda que acompanhou a todos os artistas que pisaram no palco para a celebração: Erivaldo Gomes (percussão), Isaías Alves (bateria), João Paulo (contrabaixo), João Simas (guitarra) e Rui Mário (teclado, sanfona e laptop). Alê Muniz assinou os arranjos do que foi ouvido na noite histórica.

O repertório seguiu a ordem do disco, sob o cerimonial do ator César Boaes, ou de sua personagem na comédia Pão com ovo, sucesso de bilheteria que volta ao palco do TAA nas comemorações dos 196 anos da casa de espetáculo: o mestre de cerimônias carregou no humor, os risos da plateia em peso garantidos também pelas deliciosas histórias que os protagonistas relatavam.

Boi da lua, de Cesar Teixeira, abriu o show com interpretação do autor, num arranjo próximo ao original. De Cajari pra capital (Josias Sobrinho) foi interpretada por Bruno Batista, entre a lentidão e uma “porrada de pista”. Flávia Bittencourt interpretou Flor do mal (Cesar Teixeira), música registrada por ela em Sentido (2005), seu disco de estreia. Boi de Catirina (Ronaldo Mota) teve o vigor interpretativo de Madian, com vocais das Afrôs. Fechando o lado a, Josias Sobrinho cantou e dançou sua Engenho de flores.

O lado b seguiu com Josias Sobrinho sendo interpretado pelas Afrôs: Dente de ouro, com direito a mina incidental. Eulália, interpretada por seu autor Sérgio Habibe ficou entre o bumba meu boi e a cantiga de ninar, reforçada pelo teclado de Rui Mário – muita gente foi ninada pelas letras das músicas do disco. Catirina, de Josias Sobrinho, ganhou arranjo reggae na interpretação competente de Dicy Rocha. Com introdução tango, o casal Criolina subiu ao palco para interpretar a faixa título, que fecha o disco. Entre o tango e o bumba meu boi, convidaram Papete ao palco, e depois todos os outros que por lá já haviam passado. A plateia tornou-se um imenso arraial, com muitos dos presentes batucando pequenas matracas distribuídas pela produção, e já que todo mundo havia engrossado o coro do batalhão, o assíduo Zé da Chave também estava no palco, dividindo a percussão com Erivaldo Gomes.

Há tempos eu não via o Arthur Azevedo tão cheio para um espetáculo de artistas genuinamente maranhenses. Que a semente do BR-135 floresça, a começar por um bis desta homenagem a Bandeira de Aço e, quem sabe, ainda este ano, uma homenagem ao também antológico Lances de Agora, de Chico Maranhão, outro disco trinta-e-cincão de nossa música. Fecho com o que declarou o dj Joaquim Zion (esposo de Dicy) em sua conta no facebook: “uma noite pra ficar na história da Música Popular Brasileira”.

Com Floresta, Ligiana Costa quer voar

A cantora concedeu a entrevista por e-mail

A cantora Ligiana Costa acaba de lançar seu segundo disco, Floresta, obra impregnada de Maranhão. Ela conversou com O Estado do Maranhão sobre o novo trabalho

ZEMA RIBEIRO
ESPECIAL PARA O ESTADO DO MARANHÃO

Em De amor e mar (2009) Ligiana emergia sem sobrenome como uma grata revelação da música brasileira. Sua estreia trazia regravações de Batatinha (Conselheiro, parceria com Paulo César Pinheiro), Cartola (Consideração, com Heitor dos Prazeres), Novos Baianos (Só se não for brasileiro nessa hora, da dupla Moraes e Galvão), Baden Powell e Vinicius de Morais (Canto do Caboclo Pedra Preta) e Tom Zé (Se), que participa do disco, cantando com ela o clássico Eu quero é botar meu bloco na rua (Sérgio Sampaio), que fecha o disco.

Ali, Ligiana já se insinuava compositora (Onda e Queda por um samba, esta parceria com seu pai, Celso Araújo, que também assina a letra de Chorando baixinho, de Abel Ferreira) e já se cercava de bons músicos e repertório para chegar exatamente onde queria.

Em Floresta (2013) não é diferente, embora também não seja igual. Ela espanta a “maldição” do segundo disco com um belo resultado. Agora ela assina Ligiana Costa e é mais compositora do que nunca – assina sete das 11 faixas. Cinco são parcerias com Marcel Martins e Celso Araújo (Malabares), Juliana Kehl (Desperta), Lucas Paes (Rouge), o produtor e arranjador do disco Letieres Leite (Corda e Mearim) e Chico César (Um pássaro). O pai continua presente – além da citada parceria, assina Vem a tempestade, versão para música de Pino Daniele, e musica versos do poeta maranhense que intitula a Canção de Sousândrade.

O Maranhão, aliás, faz-se também mais presente neste segundo disco de Ligiana. Além das presenças do pai e Sousândrade, estão lá os rios Corda e Mearim (título de uma faixa) e a regravação de Boi de Catirina (Ronaldo Mota), lançada por Papete em Bandeira de Aço (1978). “Ouvimos a canção e ficamos muito tocados. Quando mostrei para meu pai, ele disse: “sua vó Floresta adorava cantar essa canção””, revela como a pescou para o repertório. O título do disco é uma homenagem à Floresta Pires Araújo, sua avó paterna. “Quando juntei as canções não existia ainda a intensão de homenageá-la, foi ela que foi se mostrando ao longo do processo”, revela, mística.

O primeiro título trazia o mar, o segundo, floresta. Em Ligiana, vida e música acontecem de um jeito todo natural.

ENTREVISTA: LIGIANA COSTA

O Estado do Maranhão – Você é paulista, gerada no Xingu, crescida em Brasília, filha de uma mãe mineira e de um pai maranhense. De que modo este teu “Paratodos” tem reflexos em tua música?

Ligiana Costa – Me sinto sortuda por ser de Brasília, que é meio a síntese do Brasil, lugar onde se encontraram pessoas com todos os sotaques, culturas e jeitos do país para construir uma cidade que é meio de outro planeta, que é meio ET. Acho isso fascinante. Eu sou bem típica desse lugar, mãe da roça mineira e pai da floresta maranhense, criação na arquitetura de Niemeyer. Acho que o que faço musicalmente tem reflexos dessa multiplicidade e também da minha multiplicidade curiosa pessoal, as minhas andanças pelo mundo e as minhas andanças pelo tempo, por séculos passados e por lugares que me atiçam algum tipo de paixão. No caso do disco Floresta, se junta a mim uma mente brilhante, que tem sua criação muito baseada nas ancestralidades afro-brasileiras mas com antenas muito sérias apontadas para o mundo e para os tempos, que é o Letieres, que produziu e arranjou o disco. Acho que este encontro musical resulta em algo bastante verdadeiro, e é isso que me interessa ao fazer musica.

Este segundo disco, Floresta, está impregnado de Maranhão: homenageia a avó paterna, tem Sousândrade, teu pai [o compositor Celso Araújo], Ronaldo Mota, Corda e Mearim, rios maranhenses. Esse focar no Maranhão foi intencional? O mais interessante fazer arte é lidar com ela da forma mais submissa possível, lidar com a arte de forma espiritual, deixar que as coisas se resolvam porque existem forças que estão cuidando disso. O disco Floresta foi todo encarado dessa maneira. Quando juntei as canções não existia ainda a intensão de homenagear minha avó Floresta, foi ela que foi se mostrando ao longo do processo, foi se posicionando e de repente pareceu mais que óbvio que o disco fosse uma homenagem a ela e à energia da ancestralidade que ela representa, no caso, na minha vida pessoal. Claro que o fato dela ter esse nome, Floresta, rende a coisa ainda mais poética: sou neta da Floresta. Como comentei, a energia dela (que já faleceu) parecia guiar certas coisas e escolhas do disco. O Boi de Catirina foi uma delas. Eu e Letieres ouvimos a canção e ficamos muito tocados. Quando mostrei para meu pai, ele disse “sua vó Floresta adorava cantar essa canção”. Enfim, dizer mais o quê, né? O Maranhão é homenageado através de sua filha Floresta. Sousândrade é um poeta ao qual meu pai é muito ligado, além de ter composto a Canção de Sousândrade (em cima de trechos de poesias de Sousândrade), ele escreveu e encenou uma peça linda sobre o poeta maranhense, se chama Sousândrade em câmara ardente. Quando estávamos começando a gravar o disco senti falta de ter algo meio biografiazinha da Floresta, e mostrei pro Letieres um esboço para Corda e Mearim, os dois rios que se encontram em Barra do Corda, a cidade em que ela nasceu, e fizemos essa espécie de vinheta para ela. Me sinto feliz por ter me conectado ao Maranhão neste trabalho, um lugar tão misterioso e forte e ao mesmo tempo tão cruelmente abandonado e pisoteado por forças nefastas.

Comparando a De amor e mar, tua caprichada estreia fonográfica, Floresta é praticamente inédito e quase todo autoral. O que essa mudança significou para você? É um disco no qual me coloco mais “criadora”, né? Gosto disso e busquei isso. Quando me aproximei da musica popular essa era uma das coisas que me interessavam, poder criar, compor, inventar mesmo. No primeiro disco não ousei muito, estava ainda tateando, me descobrindo. Nesse novo trabalho me deixei ser mais compositora, também graças à forma respeitosa e entusiasmada como Letieres acolheu as coisas que eu mostrava. Me senti também mais ousada vocalmente, experimentei bastante, me lancei nuns bons abismos com a voz e Letieres foi como um provocador disso, acho que começo a me aproximar de algo interessante também neste sentido, da voz como instrumento, como uma palheta rica de cores e possibilidades.

Floresta tem música tradicional do Haiti, Pino Daniele e Ronaldo Mota, para ficarmos em temas que tu recrias. Recentemente você passou a apresentar um programa diário sobre música clássica na Rádio Cultura FM. Você ouve muita música, sempre? Costuma se reouvir? Pergunta-clichê: que discos levaria para uma ilha deserta? Não ouço música sempre não, gosto de ficar no silêncio em casa. Até por que é difícil pra mim fazer da música pano de fundo, gosto de ouvir com atenção plena.  É até engraçado, nessa minha nova experiência de apresentar um programa diário na rádio tenho mudado um pouco os hábitos do pessoal nos estúdios da rádio, que nem sempre ouviam o que estava sendo tocado. Eu gosto de ouvir alto e ficar entregue a cada peça. Não costumo me reouvir muito não, se alguém coloca o disco eu ouço mas é meio complicado por que minha atenção vai toda pra música e não consigo mais dialogar [risos]. Levaria pra uma ilha Passarim do Tom Jobim, a cantata Actus Tragicus de Bach, na gravação do Gardiner, o disco M’Bemba do Salif Keita, Orkestra Rumpilezz e o oitavo livro de madrigais de Monteverdi na gravaçao do Rinaldo Alessandrini. Se você me perguntar isso amanhã certamente a lista muda radicalmente. La donna è mobile!

Como surgiu a parceria com Letieres Leite? Eu e Letieres nos conhecemos num contexto muito especial, num ritual de ano novo num lugar muito sagrado de Salvador. Eu tinha o disco pré-desenhado na cabeça, repertório, ideias, e mostrei pra ele, que achou que podíamos erguer a Floresta juntos. Letieres é um gênio da música, nada menos que isso. Estar próxima dele numa criação é um privilégio, tenho muito orgulho e felicidade por isso. Dialogamos muito sobre cada arranjo e conceito e, ao mesmo tempo, dei carta branca a ele. Gravar um disco independente tem essa vantagem enorme: sem concessões, criação de música pela música. Nisso eu e ele parecemos muito, somos destemidos!

De amor e mar foi gravado em cidades diferentes, São Paulo, Brasília e Paris. Floresta foi todo gravado em Salvador, ao vivo no estúdio, você cantando e os músicos tocando todos ao mesmo tempo, sem edições. Que vantagens essa opção trouxe para o resultado que apresentas ao público? Acho que os dois modos de produção podem ser interessantes, mas neste meu momento atual e para esta música que desejava fazer, o ao vivo realmente era interessante. Letieres trabalha sempre assim, ele gosta da música sendo feita junto, da energia que surge disso. E efetivamente sente-se vibração de vida em coisas gravadas dessa forma. No nosso caso gravamos algumas coisas em separado, cordas, sopros, vocais extras, mas a base foi feita toda em quatro madrugadas de estúdio, claro que com bons ensaios antes e com arranjos muito precisos de Letieres. Gosto também da exaustão na arte, da urgência, acho que esses fatores são convocados num tipo de gravação como esta.

Antes de o disco físico ficar pronto, Floresta foi disponibilizado para audição no facebook e no soundcloud. Instantaneamente caiu na rede para download. Qual a tua opinião sobre o download, legal e ilegal, de músicas e outros bens culturais, nestes tempos hipertecnologizados? Gosto muito da ideia de circulação da música, das possibilidades que a internet e a troca de informações trazem. Me lembro que quando comecei a estudar música barroca eu juntava dinheiro pra comprar um ou dois cds por mês, vivia na caça, com fome de ouvir coisas novas. Hoje em dia é tão fácil conhecer coisas de todos os lugares e tempos, isso é genial. Eu mesma consumo música de todos os modos, ainda compro cds, baixo música ilegalmente e também legalmente.

Em De amor e mar você assinava apenas Ligiana. Por que a opção de assinar Ligiana Costa em Floresta, já que teu nome não é tão comum? Não tem um motivo especifico. Acho que quis ter sobrenome, origem. Gosto do meu Costa porque é simples, curto e bem sonoro.

Feito o pássaro do título da faixa que fecha o disco [Um pássaro, parceria com Chico César], quais os planos de Ligiana para os próximos cantos e os próximos voos? Assim como o pássaro: cantar. Quero muito fazer shows do disco Floresta, adoraria fazer um no Maranhão, terra da homenageada! Além disso, estou agora vivendo uma experiência maravilhosa, tenho meu próprio programa de rádio e isso é delicioso, poder propor músicas para milhões de pessoas, transmitir coisas boas e tal.

[O Estado do Maranhão, Alternativo, p. 5, 26/5/2013]

Os 12 discos mais lembrados da música do Maranhão

[Vias de Fato, abril/maio de 2013]

No ano em que completam 35 anos os discos Bandeira de Aço, de Papete,  e Lances de Agora, de Chico Maranhão, lideraram as lembranças de 11 pessoas do meio musical convidadas a votar em uma lista para o Vias de Fato

POR CELSO BORGES E ZEMA RIBEIRO

Esta lista já estava virando lenda. Da ideia às páginas que ocupa nesta edição do Vias de Fato já se vai mais de meio ano. O escritor Bruno Azevêdo já a havia citado em um texto [Homem lúcido e perigoso se dirigindo para o centro da cidade, O Estado do Maranhão, Alternativo, 15/12/2012] sobre Z de Vingança, de Marcos Magah, cuja prensagem pagou do bolso e em que votou em sua lista afetiva. “A ordem é alfabética que meu coração não hierarquiza”, afirmou sobre sua seleção.

O “amadurecimento” da lista ao longo desses seis meses (e pouco) não significa sua “melhora”. Certamente alguns dos convidados a votar mudariam alguns votos, se o convite surgisse hoje. Ou se, sabe-se lá, surgisse daqui a seis meses. Ou ainda se estivéssemos agora vendo uma lista publicada há seis meses ou um ano. Tanto faz.

Lista é foda: sempre excludente. Não tem como: fica um monte de gente boa de fora, mas é um exercício para reflexão e muita, muita discussão e polêmica, principalmente em mesa de bar – ou apenas por lá? O que vão falar mal não está no gibi, mas nem por isso vamos deixar de dar a cara pra bater – coisa que, aliás, o Vias de Fato sempre fez.

O jornal reuniu literalmente um time com 11 titulares ligados à música – djs, jornalistas, poetas, radialistas, escritores, pesquisadores e uma cantora (ainda inédita em disco) – para escolher os 12 discos mais importantes (há controvérsias) da música produzida no Maranhão nos últimos 40 anos (1972-2012). 12 o número médio de faixas de um vinil, se carece explicação, embora a lista no geral não soe saudosista.

Em 2013 completam-se 35 anos dos lançamentos dos discos Bandeira de Aço, de Papete, e Lances de Agora, de Chico Maranhão, que figuram na proa da lista final, embora esta, a lista, antes de elaborada não tivesse certeza de nada – embora seus idealizadores suspeitassem que eles liderariam a “eleição”.

Esta lista que o Vias de Fato ora publica acaba sendo, pois, a homenagem do jornal aos 35 anos destes discos, importantes não só para a música produzida no Maranhão. O primeiro acabou constituindo-se em um marco, por registrar pela primeira vez em disco obras de compositores fundamentais daqui – Cesar Teixeira, Josias Sobrinho, Ronaldo Mota e Sérgio Habibe – que ajudariam a definir o que se convencionou chamar, depois, de “música popular maranhense”; o segundo, até hoje nunca reeditado em cd, orbita em aura mística, por sua gravação na sacristia da Igreja do Desterro, em quatro dias, pelo lendário Marcus Pereira, que descobriu e registrou tanta gente boa Brasil adentro.

Homenagem – As comemorações não param nesta lista: no próximo dia 28 de maio, às 21h, no Teatro Arthur Azevedo, sob o manto já consagrado de sucesso do projeto BR-135, diversos nomes da nova cena musical do Maranhão interpretam o repertório de Bandeira de Aço em um tributo capitaneado, como o BR, pelo casal Criolina, Alê Muniz e Luciana Simões.

O show contará ainda com as participações dos “Compositores do Maranhão” – como consta na capa do vinil Bandeira de Aço – então gravados por Papete. Entre os novos nomes destaques para o duo Criolina, Afrôs, Bruno Batista, Dicy Rocha, Flávia Bittencourt e Madian. Na ocasião será apresentado ainda um documentário sobre o disco, assinado pelos jornalistas Andréa Oliveira, Celso Borges e Maristela Sena.

OS 12 MAIORES DISCOS DA MÚSICA DO MARANHÃO (1972-2012)

Bandeira de Aço, Papete, 1978, 10 votos > Este deve ser uma unanimidade. Puta discão, apesar das mil falhas e (talvez) também pelas polêmicas. É um disco que traça certa paisagem sonora e fica encravado na memória afetiva de quem teve contato com ele. (Bruno Azevêdo)

Lances de Agora, Chico Maranhão, 1978, 6 votos > Considero este um dos discos fundamentais da música maranhense. Poucas vezes um álbum reuniu tanta poesia embalada em ótimas melodias. (Ademar Danilo)

Cine Tropical, Criolina, 2009, 4 votos > O disco aponta os caminhos tropicalistas da paisagem sonora maranhense que encontra ecos no Caribe, Jamaica e outros portos musicais ameríndios e pós-coloniais, tudo com cores e brisas tropicais. (Alberto Júnior)

Bumba meu boi de Pindaré, 1973, 4 votos > Este disco pioneiro contém uma das mais brilhantes gravações já feitas de bumba meu boi. São as raízes maranhenses cantadas por Coxinho. Um mergulho profundo na alma rústica da nossa identidade. (Eduardo Júlio)

O som e o balanço, Nonato e seu Conjunto, 1975, 4 votos > O sucesso Cafua e outras pérolas habitam esse disco formidável que abre a seleta. Viva o maestro Nonato! (Franklin Santos)

Shopping Brazil, Cesar Teixeira, 2004, 4 votos > Autor de um sem número de clássicos da música maranhense, Cesar Teixeira já tinha mais de 35 anos de carreira, contados a partir dos primeiros festivais de que participou, ao estrear em disco solo, já tendo fornecido pérolas para o repertório de muita gente, daqui e de fora – por exemplo, o saudoso menestrel mineiro Dércio Marques, que registraria sua Namorada do Cangaço em Fulejo (1983). O compositor relê parte de sua vasta obra já registrada – Bandeira de aço, Flor do mal e Ray ban – e apresenta inéditas – Met(amor)fose, Vestindo a zebra e a faixa-título, composta ainda na década de 1970, quando o autor se deparou com o primeiro lixão ilhéu (e uma senhora que o habitava) –, além de homenagear “vodus” de nossa música: Antonio Vieira e Dona Teté (que participam do disco), Mestre Felipe e Dona Elza (que comparecem com excertos de gravações do tambor de crioula e do caroço, respectivamente), Rosa Reis (coro), Laurentino (citado em Mutuca) e João Pedro Borges (que assina o arranjo de Flor do Mal). Cesar mistura tradição e modernidade em pirão musical de farta sustança. (Zema Ribeiro)

Antoniologia Vieira, Vários, 2001, 3 votos > Interpretado por 16 vozes a obra deste compositor cuja carreira se sedimentou aos 80 anos contribui para esquadrinhar a trajetória da música popular feita no Maranhão num intervalo de 40 anos. Arranjado por Adelino Valente, o disco reúne as canções mais conhecidas de Antonio Vieira [nota do blogue: acima, no vídeo, a capa do disco; esta gravação não está em Antoniologia]. Os Ingredientes do Samba (música interpretada por Letice Valente) se sobressaem na obra deste compositor de letras simples, sem rodeios, como Na cabecinha da Dora. Sem o esmero da tecnologia, a gravação ganha ainda mais valor como registro. (Henrique Bóis)

Balaio, T. A. Calibre 1, 2002, 3 votos > Costelo (vocais), Ramuzyo (baixo), Christian (guitarra) e Franklin (bateria) fizeram um disco que propõe um diálogo mais próximo entre o hip hop e os ritmos de cultura popular maranhense. (Celso Borges)

O Boizinho Barrica, Boizinho Barrica, 1988, 3 votos > A brincadeira de rua vai para o estúdio e registra os nossos principais ritmos populares: o boi e seus vários sotaques, o divino, o coco. Um disco que também é fundador, para o bem e para o mal. Para o bem porque tem lindas composições de Godão e Bulcão. E para o mal porque abriu a porteira para o chamado boi de butique. Sugiram mais de 30 diluindo e empobrecendo o que o Barrica inaugurou. (Celso Borges)

Claudio Lima, Claudio Lima, 2002, 3 votos > Um disco que ouvi muito, e até hoje me pego botando na vitrola pra cantar Ray ban (Cesar Teixeira) e a “puta que pariu” que a Rádio Universidade censura. Pensa pra fora e grita alto, com um pé dentro, mas só um pé, que quem coloca os dois se atola! (Bruno Azevêdo)

Eu, você e a cidade, Nicéas Drumont, 1982, 3 votos > Natural de Rosário, Nicéas Drumont morreu cedo, aos 39 anos. Deixou mais de 100 composições e foi gravado, em vida ou postumamente, por nomes como Alcione, Leandro e Leonardo, Moacyr Franco, Nando Cordel, Nando Reis, Noite Ilustrada e Rosa Reis. Foi pioneiro ao registrar dois reggaes neste disco: Gavião vadio e Senzalas, com que tomou de assalto as rádios locais. (Zema Ribeiro)

Regueiros Guerreiros, Tribo de Jah, 1992, 3 votos > A banda de Fauzi Beydoun encabeça só pedras neste disco que é a cara dos Regueiros Guerreiros do Maranhão. Destaque também para a linda Neguinha. (Franklin Santos)

AS LISTAS COMPLETAS (SAIBA QUEM VOTOU EM QUE DISCOS) [incluindo a lista comentada deste blogueiro]

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Hoje é o penúltimo dia da mostra Tati por inteiro no Cine Praia Grande

Sinopses (do catálogo da mostra): Parada > Apesar de ter sido filmado em sua maior parte em vídeo (Tati pressentiu a transição gradual para o digital), financiado pela televisão sueca, Parada foi realizado com o objetivo de ser lançado nos cinemas, mesmo que um espetáculo circense tenha sido privilegiado neste que seria seu último filme. Interpretando o sr. Loyal, Tati garantiu a sequência dos números de sua apresentação de circo, dando vida nova às músicas de Impressions Sportives, que ele realizava no music hall. Tati: seguindo os passos do sr. Hulot > Dirigido por Sophie Tatischeff, filha de Tati, o documentário apresenta um Tati por trás das câmeras, como autor, produtor e diretor. Vários registros de seu trabalho foram feitos ao longo de suas viagens pelo mundo. Com base nesses registros, Sophie deu  vida a este material, um retrato da personalidade exigente, determinada e à frente de seu tempo, características tão marcantes em Tati, que exercia sua profissão sem se deixar influenciar pelas convenções.

Por causa de Jacques Tati

Ei, tu aí,
Jacques Tati!
Onde estás?
Aqui, aqui, Jacques Tati.
Eu aqui, tu aí,
Jacques Tati

Converso contigo numa noite de S. Paulo.
Os cachorros seguem tio Hulot
e lambem com carinho os farrapos de teus passos.

Pousas numa poça?
Danças numa praça?

O passarinho que olhas canta pra ti, Tati.
Te pede a luz da janela que abres
e teus olhos acompanham esse som infinito
de Satie?
de Bach?
de Debussy?

um som que teu silêncio embrulha
como presente pra mim, Tati.
som imenso e simples
que ninguém consegue samplear.

São Paulo, 1997, depois de ver Meu Tio

&

Poema de Celso Borges que eu trago da caixa de comentários ao espaço principal do blogue. Promoção do Sesc, a mostra Tati por inteiro segue até sábado no Cine Praia Grande, de graça (ingressos devem ser retirados com meia hora de antecedência na bilheteria do cinema). Abaixo, programação d’hoje, que nunca é demais repetir, Tati, Tati, Tati…

64 anos após lançado Carrossel da esperança permanece atual

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Comédia de Jacques Tati é uma crítica ao corre-corre desenfreado da sociedade contemporânea

Carrossel da esperança [Jour de fête, 1949, 77min.] inaugurou hoje a mostra Tati por inteiro, promovida pelo Sesc, no Cine Praia Grande, que recebeu um bom público para a sessão de abertura.

No filme, o próprio Jacques Tati interpreta o carteiro François, um atrapalhado de bom coração que tem em ajudar um prazer. Na praça de um vilarejo francês – alguns moradores compõem o elenco – instala-se um carrossel, a despertar o interesse, por motivos diversos, de adultos e crianças.

Nosso adorável carteiro, entre fazer o seu e bebericar em serviço, acaba assistindo, em um cine-mambembe a um filme sobre os carteiros americanos, cujo ideal de rapidez passa a perseguir. E é a partir daí que o filme torna-se ainda mais engraçado.

Muitos comediantes sem graça de hoje em dia deveriam assistir Tati e aprender com ele: é impressionante como mais de 60 anos depois de lançado, o filme continue despertando o sorriso em adultos e crianças. Carrossel da esperança não é cinema mudo, mas a fala ali é quase detalhe, o que facilita o entendimento para crianças que por vezes não conseguirão acompanhar as legendas. Ou mesmo para os que ainda não aprenderam a ler: o cineasta é recomendável para todas as idades. Sem contraindicação, sem moderação. Aproveite a mostra Tati por inteiro por inteiro.

Outro detalhe curioso sobre o filme é que durante muito tempo conheceu-se apenas sua versão em preto e branco: o colorido era uma tecnologia experimental na época e a versão em cores só veio a público em 1995, durante o restauro da obra de Tati, coordenado por sua filha. A música de Jean Yatove mereceria um comentário à parte: impecável trilha sonora de ares circenses.

Não se enganem os que pensam que a atualidade do humor de Tati está na facilidade, no fazer rir descompromissado de tropeços e quedas típicos dos pastelões. Isso está lá também. Mas não só. No fundo, a busca de François pela velocidade dos carteiros americanos em Carrossel da esperança acaba sendo uma crítica ao nosso correr desenfreado em busca de não sei o quê – dinheiro, celular último modelo, carro zero em não sei quantas prestações, casa própria, sucesso e reconhecimento profissional. Quer algo mais atual que isso?

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A mostra Tati por inteiro continua até sábado, programação de amanhã (22) na imagem que abre o post. Abaixo, trailer de Meu tio (Oscar de melhor filme estrangeiro de 1959, 20h); o de As férias do sr. Hulot (18h), no post anterior.

Tati por inteiro será aberta hoje no Praia Grande

O cineasta francês Jacques Tati terá sua trajetória lembrada na mostra Tati por inteiro, que começa hoje, às 19h, no Cine Praia Grande. Abre o post trailer de As férias do sr. Hulot, filme que integra a programação. A promoção é do SESC, em parceria com a Embaixada da França e Cultures France, e as exibições têm entrada franca. Os ingressos devem ser retirados na bilheteria do cinema com meia hora de antecedência a cada sessão.

O filme de hoje é Carrossel da esperança (1949). A sessão tem início às 20h.

A mostra segue até sábado e inclui ainda uma palestra/diálogo (“Jacques Tati: seguindo os passos do Sr. Hulot”, com Davi Coelho e Stella Aranha, sábado, 25, às 19h) e um workshop (“Adaptações criativas para o cinema: da literatura e HQ à linguagem cinematográfica”, ministrada por Alexandre Bruno Gouveia, de 22 a 24 de maio, das 15h às 17h30min, com inscrições pelo telefone (98) 3216-3830 e/ou e-mail galeriadeartesescma@gmail.com), também gratuitos.

O blogue voltará ao assunto ao longo da semana, divulgando a programação diária de Tati por inteiro.

Chorografia do Maranhão: Ubiratan Sousa

[O Imparcial, 12 de maio de 2013]

Fundador do Regional Tira-Teima e autor de mais de 700 composições, Ubiratan Sousa participou de capítulos definitivos da música do Maranhão

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

“O Maranhão é o estado do Brasil que mais bate palma para quem vem de fora e mais renega o seu talento. Aqui não se dá valor para o artista da terra”, afirma Ubiratan Sousa, que revela não ter nenhum tipo de mágoa ou ódio, embora seja um crítico ferrenho da mídia. Cantor, compositor, arranjador, regente e multi-instrumentista, o maranhense nascido na Rua das Hortas, no centro de São Luís, está radicado em São Paulo desde o início da década de 1980, quando atendeu à recomendação de Dércio Marques.

“Ubiratan, tu não podes ficar aqui. Tu tens que ir pra São Paulo”, disse-lhe o menestrel mineiro, em cujo Fulejo (1983), Ubiratan chegaria a tocar e arranjar. Namorada do cangaço (Cesar Teixeira), naquele disco, é dedicada a Chico Maranhão. “Um grande talento, esquecido no Maranhão, como tantos outros bons que temos”, lamenta o sexto entrevistado da série Chorografia do Maranhão.

Tendo tocado e feito arranjos em Lances de Agora (1978) e Fonte Nova (1980), ele cita Chico Maranhão como “um dos maiores letristas do país”. “De letra, é o nosso melhor”, afirma; “somando música e letra, é Mochel”, com quem tocou e para quem escreveu arranjos em Boqueirão (1994).

Ubiratan Campos de Sousa nasceu em 11 de setembro de 1947, filho de José de Ribamar Guimarães de Sousa, comerciário comerciante falecido, e Vinólia Campos de Sousa, doméstica do lar. “Ambos cantavam, meu pai cantava muito bem, minha mãe canta muito até hoje, 90 anos de idade, muito lúcida, uma dádiva, um presente de Deus”, afirma o artista que trocou uma promissora carreira de professor universitário pela música. “Foi um chamado. Passei alguns anos de fome em São Paulo, mas não desisti”, revela ele, que desde então vive de música. “Hoje estou muito bem, graças a Deus”.

Discos fundamentais da música do Maranhão têm as digitais de Ubiratan Sousa, a exemplo dos já citados Lances de Agora e Fonte Nova, de Chico Maranhão, ambos lançados pela Discos Marcus Pereira, Boqueirão, de Mochel, o homônimo de Célia Maria (2001), Pregoeiros (1988), de Antonio Vieira e Lopes Bogéa, Cristóvão Alô Brasil (1999), que reúne parte da obra do sambista madredivino Cristóvão Colombo da Silva, Visitação (2012), de Biné do Banjo, Velhos Moleques (1985), que reuniu Agostinho Reis, Antonio Vieira, Cristóvão Alô Brasil e Lopes Bogéa, e a estreia de Chico Saldanha (1988), além dos primeiros discos do Bicho Terra (Guizos, 1984) e Boizinho Barrica (O Boizinho Barrica, 1982; Baiante, 1983; Barrica, brincadeira de rua, 1984; e Barrica, Bumba Brasil, 1985). Entre seus discos destacam-se Tempo Certo (1984), Rosa Amor (1987), Choro de Pássaros (1990), Capital do Boi (1994), A Alegria do Boi Bunininho (1996) e Bruxaria (2003)

Ubiratan Sousa conversou com O Imparcial/ Chorografia do Maranhão no ECI Museum, na rua 14 de Julho, Praia Grande, ao lado da Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo. A chororreportagem aproveitou a passagem do músico pela Ilha, que ele visita para trabalhar no projeto do sonhado, aguardado e, nunca é tarde, primeiro disco do Regional Tira-Teima. Era uma tarde chuviscosa em São Luís e um reggae tocado em alto volume, oriundo da vizinhança, entrava pelas janelas do segundo andar da edificação.

Além de músico qual a tua outra profissão? Eu prefiro me concentrar na música. Eu trilhei outro caminho, mas quando a gente coloca o outro lado, as pessoas minimizam, eu prefiro dizer que sou músico. Honrado, vivo de música, eu prefiro dizer isso.

Mas tu chegaste a dar aula no curso de Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão. É, fiz, formei, dei aula na área de psiquiatria, mas eu prefiro esquecer esse lado, vamos concentrar na música. A música é o meu mundo.

Qual era o universo musical da tua infância, em casa, o que tu ouvias, que estímulos recebia? Aos 14, 15 anos, meu irmão, Sousa Neto, poeta, parceiro, saudoso, faleceu ano passado, ele me colocou um violão na mão. Foi aquela paixão. Com esse violão eu fui estudando, fui desenvolvendo e fui buscando outros instrumentos, cavaquinho, contrabaixo. E o ambiente em casa era música, meu pai cantava, minha mãe, principalmente, cantava. Depois nós fomos buscando amigos, como João Pedro Borges, que morava ali na Rua de Santaninha, na época eu já estava na Rua de São Pantaleão, e fomos trocando ideias, informações, ele caminhando mais para o lado erudito, e eu, um pouco de erudito, mas cambando para a parte de música popular, e trocamos informações.

Quem foram os teus mestres do violão? Na verdade eu fiz um caminho como o que Hermeto Pascoal fez: do autodidatismo. Eu não tive propriamente nenhum professor. A única coisa que eu tive na formação foi um curso com Ian Guest, que é um papa. 80% da classe artística brasileira, dos compositores, passou por ele. Ele deu um curso aqui em São Luís e eu me destaquei muito nesse curso, ele me deu o diploma por antecipação. Eu sou uma pessoa que observo. Algumas coisas observei de João Pedro, Turíbio [Santos], Jodacil [Damasceno], mas nunca tive assim um cara que me desse aula; eu sempre pesquisei, fui um autodidata.

Com quantos anos tu consideraste que tocava? Ah, eu evoluí rapidamente. Acho que com dois anos eu já estava preparado e comecei a dar aula. Eu dei aula para uma geração aqui, acho que 80% dos colegas passou pelas minhas mãos. Ensinei, acredito, mais de duas mil pessoas, entre profissionais, muito menos, e pessoas que têm outra profissão, tocam por diletantismo, ensinei muita gente, tanto aulas particulares como na Escola de Música. Lecionei muito.

Observando fichas técnicas de vários discos que tu produziste, que tu tocou, a gente vê teu nome fazendo várias coisas, tocando violão, percussão, cavaquinho, contrabaixo. Não quero dizer que o violão não bastava, mas o que te levou a buscar outros instrumentos? A musicalidade dentro de mim sempre foi muito grande. Lembro que quando meu irmão me entregou esse violão, eu não parava, eu ficava mais de 10 horas por dia em cima desse violão, tentando descobrir.  Houve a necessidade de descobrir outros instrumentos, por que eu estava descobrindo a minha capacidade de arranjador, e pra isso eu precisava conhecer outros instrumentos, pra poder escrever pra esses instrumentos, e comecei a estudar o cavaquinho, o contrabaixo, e comecei a utilizar profissionalmente, no conjunto Samanguaiá Boys, da Prefeitura, que eu toquei, naquela época, nos anos [19]60, 70, depois o Big Nove, conjuntos de baile. E aí você vai aprendendo mesmo pra valer, repertório em cima da hora, pedido em cima da hora, aí fui desenvolvendo com Zé Américo Bastos, ele tocava acordeom, às vezes João Pedro tocava o baixo e me passava a guitarra ou vice-versa. O que me levou foi a necessidade de ser arranjador.

E a tua ida para São Paulo? É preciso fazer um retrospecto: fomos eu, [o compositor Giordano] Mochel, [o compositor] Tião [Carvalho] já estava lá, [os percussionistas] Manoel Pacífico e Erivaldo [Gomes]. Formamos um grupo, fizemos muitos shows, no [teatro] Lira Paulistana, no SESC.  A gente fez esse trabalho e começou a sentir necessidade de produção. Quando a turma começou a ver as produções que eu fiz para Dércio Marques, Chico Maranhão, a turma começou, “esse rapaz tem alguma coisa pra dizer”, e começou a me suscitar para fazer esse lado de arranjo. Fizemos [arranjos] para Alcione, Dominguinhos, Leci Brandão, e fomos abrindo, e pra pessoas que não estão na mídia, de trabalhos importantes, como a Morena, uma cantora pernambucana que tem um disco belíssimo. E fomos fazendo também para pessoas que não eram conhecidas. E entra Barrica, entra Bicho Terra, entram muitas histórias nesse trabalho de arranjador, e entra o chorinho também. Sorte não existe, existe plantar e colher, mas vamos usar essa palavra. Formei o Regional Madeira de Lei, formado por grandes músicos, expressões nacionais, como [Antonio] Carrasqueira na flauta, Isaías no bandolim, um chorão de alto nível, da geração antiga, Edmilson Capelupi, um grande violonista e arranjador, Gentil do Pandeiro, um museu da história do choro, e Haroldo Capelupi, pai de Edmilson, no cavaquinho, uma grande mão direita, uma capacidade muito grande do chorinho. Fizemos mais ou menos 35 músicas, onde 15 eram músicas minhas, e 20 músicas eram clássicos como Brasileirinho [de Waldir Azevedo] e Noites Cariocas [de Jacob do Bandolim], com arranjos modernos, segundo eles, mais avançados que Radamés Gnattali. Esse grupo existiu durante um ano, mas não existia muito espaço para coisas avançadas: era o choro tradicional, que é uma predominância hoje em dia. Alguém disse que o Brasil é conservador. Eu culpo a mídia. Não quero citar o povão como baixo nível cultural, isso é até desagradável. Eu culpo a mídia: a mídia é formadora de opinião, ela vem invertendo o processo, fazendo a lavagem cerebral através do jabá. É dificílimo mudar isso. Mas voltando, a gente imprimia esse caráter avançado, quando eu cheguei a São Paulo, eu fui muito afoito na história do choro, fui muito afoito pra fazer uma revolução. Eu não me conformava com Brasileirinho tocado do mesmo jeito, Noites Cariocas com a mesma introdução, aí eu quis inovar. Não cheguei com cautela e aconteceu o seguinte: houve uma rejeição inicial, quase eu fico discriminado como um cara esdrúxulo, até metido, no começo, e não era a minha intenção. Eles chegaram a fazer cartazes [risos], em que eles me desenhavam em cima de um jumento e diziam “Bira, volta pro Maranhão, tu tá trazendo coisas muito complexas”. Aí eu fiz o seguinte, eu disse que a minha proposta era aquela, mas mostrei choros tradicionais, eu tinha valsas, polcas, maxixes, coisas da linguagem tradicional, e comecei a mostrar, e fiz algumas músicas com nomes interessantes como Esses vocês gostam, Como vocês querem, aí eles perceberam que eu era um chorão. Quando eles viram que eu fazia também o que eles faziam, aí eles entenderam. Há um depoimento no Youtube do Luizinho Sete Cordas falando sobre isso. “Vocês pensam que o que o Bira faz é só encrenca? Realmente não é fácil, mas tem beleza”. Eu tive o cuidado de procurar ser aceito, hoje em dia eles me consideram um chorão, mas que eu extrapolo, como Hermeto extrapolou. Existem três caminhos na música: aquele que utiliza a música em benefício próprio, para sua sobrevivência, ou para o ego, sua promoção pessoal; existe aquele que trabalha pela música, aquele que promove, que briga com a mídia, que briga com a injustiça, que fala dos colegas, que promove; e existe o terceiro aspecto, aquele que é a música: Hermeto é a música! Eu se fosse me rotular, me rotularia no segundo nível: que ama a música, que luta pela música, que fala dos colegas, que promove.

Tu também tiveste participação na origem dos grupamentos de choro por aqui. Qual foi a tua contribuição no choro daqui? Eu fui fundador do Tira-Teima. Muitas pessoas participaram: Domingos [Santos], no violão de sete cordas, [o cavaquinhista] Paulo [Trabulsi], Pitoca, no clarinete, aquele pandeirista, daqui a pouco eu vou lembrar o nome dele [Carbrasa, ele informaria depois, por e-mail], Adelino Valente, no bandolim, Jansen, no bandolim, [os percussionistas Antonio] Vieira e Arlindo [Carvalho]. Houve muita mudança. Eu tive a felicidade de fundar o Regional Tira-Teima e imprimir esse caráter: de não tocar as mesmas coisas do mesmo jeito. O Brasileirinho da mesma forma é lindo, eu não quero menosprezar, mas há a necessidade de progredir, como [o bandolinista] Hamilton de Holanda faz, como [o violonista] Yamandu [Costa] faz, e outros grandes chorões fazem, [o bandolinista] Luis Barcelos, tem muita gente fazendo, é interessante. Tudo o que havia de choro eu tava lá no meio, um cara que ama o choro, e luta, e por isso fico feliz de ter vocês como uma grande força de propulsão do choro no Maranhão.

Na condição de membro do Tira-Teima, na época, participaste de um momento lendário da música do Maranhão, o disco Lances de Agora, de Chico Maranhão, até hoje um disco infelizmente mais falado do que ouvido, por conta da aura mística que se criou em torno dele, da gravação na Igreja do Desterro, além de sua perspectiva chorística. Fale um pouco desse capítulo. Se tratava de um disco gravado ao vivo. A produção era aquela que nós tínhamos, eram poucos músicos. Eu tinha que fazer mais ou menos aproveitando os elementos da terra, de acordo com a capacidade, com a experiência e a vivência dos músicos. Naquela época, não só pelo envolvimento que eu tinha com o choro, mas a própria música do Chico já conduzia a isso, não vinha só de mim, como arranjador ou produtor. Não havia grana para uma grande produção, mas foi interessante por que foi feito ao vivo, na marra, naquela época, com um gravadorzinho pequeno, de poucos canais, se se errasse era complicado, tinha que estar bem treinado. Não teve muito mistério.

Além do Madeira de Lei em São Paulo e, antes, do Tira-Teima, em São Luís, tu chegaste a participar de outros grupos musicais? Não, eu não entrei em outros grupos. Eu toquei muito em rodas de choro, mas não participei de outros grupos. Desenvolvi em alguns discos o choro, vocês vão ver que eu misturo músicas cantadas com músicas instrumentais.

Mas na tua juventude tu não participaste de grupos ligados à beatlemania, à jovem guarda? Claro! A jovem guarda, o Samanguaiá Boys, da Prefeitura, do [Epitácio] Cafeteira, tocamos na TV Difusora, cantávamos Roberto Carlos, Erasmo Carlos, enfim. A nossa atividade aqui, se a gente for relatar, acaba a entrevista. Eu tou concentrando no choro, por que vocês são chorões [risos]. Mas sendo sintético, eu entrei na área do vocal, fiz um quinteto que cantava especificamente os Beatles, com os irmãos Saldanha, Chico, que é médico em Brasília e João Pedro no violão. Era metendo os Beatles na linguagem do [conjunto vocal] Os Cariocas. Depois eu formei um trio, eu, Ubirajara e Sousa Neto, os Timbira Boys, cantávamos na rádio Timbira uma vez por semana. Depois Sousa Neto saiu e entrou o falecido Jafir.

Quantas composições tu tens? Mais de 700, em vários estilos: música regional, chorinho, samba, frevo, maracatu, jazz, fox, valsa, é uma diversidade muito grande.

Tu lembras com quantos anos fez a primeira? De 15 pra 16 anos, é um prelúdio, o Prelúdio nº. 1.

Em tua vasta vivência musical, como tu definirias e o que significa o choro pra ti? O choro, não só pra mim, tem importância pra todo músico, trabalha numa linguagem ampla, complexa, que exige dedicação para o entendimento da sua forma e da sua execução. As peças exigem um nível de capacidade técnica muito alto, e isso dá uma formação muito grande ao músico, principalmente ao músico, não só ao compositor. Qualquer solista de choro tem que ter uma habilidade técnica alta, se não ele não vai conseguir tocar. É uma música alegre, que leva felicidade às pessoas, contagiante, envolve um ritmo gostoso, mistura, se aproxima do samba, é uma coisa impressionante, são melodias belíssimas.

Que mensagem tu deixaria para quem ainda acha que choro é música de velho? Primeiramente a gente precisaria saber quem está dizendo isso. Se for um jovem que gosta de rock, da dança, que está nas baladas, ele pode achar, por que ele não vai encontrar talvez aquela coisa eletrizante, embora ele possa até dançar. Mas eu prefiro dizer o seguinte: não está sob a ótica da mídia, não está sendo enaltecido pela mídia, e as pessoas vão atrás do que a mídia diz. A gente sabe que, por exemplo, as novelas criam moda, penteados, roupa, até a forma de agir, as vinganças que são propagadas nas novelas. A mídia faz uma lavagem cerebral. Quando a pessoa vê que o choro não está na mídia, ela relega. Essa pessoa que diz que choro é coisa de velho vai dizer que o samba de raiz também não presta e vai bater palmas para o pagode, por que a mídia bate palma. Hoje em dia o artista é medido não por sua capacidade, não por seu trabalho, mas por sua conquista, ou seja, o cara que não toca nada, não compõe nada, mas tá na mídia, esse é considerado o bam bam bam da história: há uma inversão de valores.

Como tu tens observado o desenvolvimento do choro nas últimas décadas? Uma coisa impressionante, alvissareira, uma coisa que nos joga pra cima, nos dá alento, nos fortalece, dignifica a profissão de músico no Brasil. Eu estive em 2000 participando de um festival nacional no Museu da Imagem e do Som [no Rio de Janeiro] e pude constatar garotos de 14, 15, 16 anos tocando muito bem o choro, da Escola Portátil de Luciana Rabello. Aquilo ali foi uma demonstração. Você vai a Brasília, você vê muitos jovens tocando, São Paulo, o Brasil todo. Aqui mesmo teve o Choro Pungado, uma proposta bacana, antes do que eu fiz [a mistura de choro com ritmos da música popular do Maranhão] no disco [Visitação] de Biné [do Banjo].

Quem é o grande instrumentista do choro, hoje? Eu não diria só do choro, mas tem um instrumentista e compositor muito bom, quer dizer, tem vários, mas tem um que quando eu vejo ele compor ou tocar, principalmente tocar, não dá mais vontade de eu pegar o instrumento. Ou o contrário: eu tenho que estudar 12 horas por dia. Chama-se Yamandu Costa. Aquilo não existe, é uma coisa 100 anos à frente. Como nasceu um Pelé no futebol, nasceu um Yamandu na música. Eu não tenho mais nem superlativos para usar.

Tu já participaste de vários discos, compondo, tocando, arranjando. Que discos tu destacaria como mais importantes dessa discografia? Todos. Cada disco é uma história. Todos têm sua importância. Todos foram momentos de alegria, satisfação, de dever cumprido.

Minha primeira vez num jornal

Foi há 27 anos. Era domingo, 20 de abril de 1986. Eu tinha quatro anos de idade. Até falecer em 2007, meu saudoso avô Antonio Viana guardou a edição 8.632 de O Estado do Maranhão em que fui capa.

Outro dia, conversando, minha avó Maria Lindoso falou-me do exemplar, que eu até então não conhecia, ou não lembrava. Trouxe-o para digitalizar e compartilhar com meus poucos mas fieis leitores.

Era uma materinha sobre uma campanha de vacinação infantil da época e os efeitos do período chuvoso sobre as filas nos postos.

Destaque na capa, mamãe, por exemplo, não depõe no texto para o qual a foto chama; ela simplesmente foi retratada segurando o guarda-chuva e carregando minha irmã, enquanto eu e meu irmão somos conduzidos por Nilta “de Tereza”. De esquerda, apareço à direita na foto.

A primeira vez do blogueiro num jornal (clique para ampliar)

Barulhinho Bom: palco de reencontros

Os músicos durante a turnê pelos CCBNBs

O guitarrista Chiquinho França esteve recentemente representando o Maranhão no VIII Festival da Música Instrumental, realizado nos Centros Culturais do Banco do Nordeste em Fortaleza e Juazeiro do Norte, no Ceará, e Sousa, na Paraíba.

Nas ocasiões, o músico tocou acompanhado de Luiz Jr. (violão) e Carlos Pial (percussão), este atualmente radicado em Brasília/DF.

O público ludovicense, que, se muito, só ficou sabendo das apresentações pelos jornais e redes sociais, terá a oportunidade de conferir uma única apresentação do trio, amanhã (16), às 21h, no Barulhinho Bom (Lagoa).

Sob o sugestivo título de Reencontro, o espetáculo terá, no repertório, clássicos do choro e da música brasileira e mundial, de compositores como Armandinho, Ernesto Nazareth, Vitorio Monte e Waldir Azevedo, para citar alguns.

Reencontro terá ainda participações especiais de Aquiles Andrade e Milla Camões. Os ingressos custam R$ 15,00 e podem ser adquiridos no local.

OUTRO REENCONTRO – Outro reencontro musical que acontece no palco do Barulhinho Bom é o do cantor e compositor Djalma Lúcio (que assina os desenhos deste e-flyer) com o DJ Franklin. Eles já tocaram juntos em 2010.

No show, que acontece sexta-feira (17), às 21h, Djalma Lúcio passeia pelo repertório de seu EP solo Conforme prometi no réveillon, mostra músicas inéditas e alguns covers afetivos, acompanhado de Rodrigo Smith (guitarra), Sandoval Filho (baixo) e Thierry Castelli (bateria).

DJ Franklin tira exclusivamente de vinis  samba, reggae, hip hop, drum’n bassmanguebeat e house: é a Radiola Muderna, que conquista mais e mais apreciadores a cada giro do vinil n’agulha. Os ingressos também custam R$ 15,00, à venda no local.

Gildomar Marinho fará show de encerramento do Salimp

Músico fará show autoral, passeando pelo repertório de Olho de Boi, Pedra de Cantaria e Tocantes, este último a ser lançado ainda em 2013

Aquarela da capa de Tocantes. Reprodução

Bancário de profissão. Músico de corpo, alma e vocação. Esta poderia ser uma boa definição – perdão da aliteração – para Gildomar Marinho, maranhense de Santa Inês que, por conta de um dos ofícios trocou o estado natal pelo Ceará onde atualmente finaliza seu terceiro disco, Tocantes (no soundcloud já integralmente disponível para audição e download), a ser lançado ainda em 2013.

O maranhense foi escolhido para encerrar com um show a programação do 11º. Salão do Livro de Imperatriz (Salimp), no próximo domingo (19). Gildomar Marinho (voz e violão) será acompanhado dos músicos Aziz (percussão) e Jr. Schubert (violino). Sua apresentação acontecerá na Arena Multicultural, às 21h, e como toda a programação do Salimp, tem entrada franca.

Gildomar Marinho fará um show autoral, mostrando músicas de seus três discos e inéditas. No repertório estarão músicas como Alegoria de saudade (de Olho de Boi, a estreia de 2009, que no disco contou com a participação da mineira Ceumar), Pedra de cantaria (faixa título do segundo disco, de 2010, parceria com o jornalista Zema Ribeiro) e Navegante (Erasmo Dibell), gravada por ele em Tocantes.

“Será uma honra voltar a cantar em Imperatriz, cidade na qual vim morar criança e onde aprendi meus primeiros acordes”, festejou o compositor, que conviveu, às margens do Rio Tocantins – homenageado por ele em música do primeiro disco –, com nomes consagrados da cena maranhense, entre os quais Carlinhos Veloz, Erasmo Dibell, Nando Cruz, Neném Bragança e Zeca Tocantins.

Tocantes, o disco que lança em breve, tem projeto gráfico ilustrado por aquarelas assinadas pelo músico, retratando manifestações da cultura local, a exemplo do bumba meu boi e tambor de crioula. O trabalho cita autores como Pablo Neruda (em Pé na estrada) e Fernando Pessoa (em Navegante).

“Como será também um momento de rever a família e os amigos, não descarto a possibilidade de algumas participações especiais no show”, revelou o músico, cujas filhas moram em Imperatriz. O elemento surpresa certamente também será um elemento da “diversidade cultural” que tematiza o Salimp. Diversidade não falta ao repertório de Gildomar Marinho.

[release que escrevi para o show que Gildomar Marinho apresenta domingo (19) no encerramento do Salimp]

Chorografia do Maranhão: Robertinho Chinês

[Mais uma entrevista com “bonus track”; essa saiu um pouquinho menor nO Imparcial de 28 de abril de 2013]

Robertinho Chinês foi saudado como garoto prodígio do cavaquinho e bandolim ao tocar, de igual pra igual, com grandes mestres do choro no Maranhão. Detalhe: o quinto entrevistado da Chorografia do Maranhão acabara de deixar a infância 

 

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Robertinho ou Robertão? Eis uma pergunta que Chorografia do Maranhão não fez a Jorge Roberto da Silva dos Reis, revelado há alguns anos como garoto prodígio do instrumento que deu sobrenome a mestres como Carrapa, Índio, Jair, Juca e Zeca. Tinha de 13 para 14 anos quando começou a frequentar as rodas do Clube do Choro Recebe. Não demorou muito a enveredar pelo bandolim de mestres como Evandro, Jacob, Reco e Ronaldo, para ficarmos também naqueles a quem o instrumento deu sobrenome artístico.

Robertão ou Robertinho?, vice-versa, a pergunta não feita se justificaria: Robertinho, o diminutivo de seu nome de batismo, o nome artístico herdado do sobrenome artístico do pai; Robertão por sua estatura: 1,92 de altura. O talento e o discernimento e a modéstia, faltam fita ou régua pra medir – Robertinho conversa feito gente grande (e aqui não estamos falando da altura física).

Nascido em São Luís em 16 de setembro de 1993, Robertinho Chinês é filho da assistente social Nivalna Justo da Silva e do contabilista Rosanil Carlos dos Reis, percussionista do grupo Espinha de Bacalhau, mais conhecido no universamba da Ilha por Chico Chinês, uma das grandes influências e incentivadores do filho.

Robertinho Chinês não bebe nada alcoólico – ao fim da conversa secou uma garrafa de água. Conversou com os chororrepórteres no Bar do Léo, que tem seu disco no vastíssimo acervo. Feitiço da vila, de Noel Rosa e Vadico, foi a música que o garoto escolheu para encerrar a conversa em uma tarde de sábado chuviscosa.

Qual o teu universo musical familiar? Sempre teve música na tua casa, na tua família? Além de teu pai, tua família tem outros músicos? Meu pai foi o grande influenciador, por sempre gostar muito de samba. O samba sempre esteve muito presente na minha vida. Minha família, de modo geral, é muito ligada à música, apesar de não ter tantos músicos assim. Mas a música sempre foi muito presente na minha casa.

Quando tu foste descoberto como garoto prodígio da música no Maranhão, por ter começado a tocar cavaquinho muito novo, numa entrevista ao jornalista baiano Iuri Rubim, tu disseste que, depois de tocar, o que tu mais gostavas era de estudar. Isso continua? Continua. Não como eu gostaria que fosse, pela escassez de tempo, da correria do dia a dia, mas o estudo dos instrumentos, da música, e das outras coisas ainda está muito presente.

Tu começaste pelo cavaquinho. Por que a escolha pelo bandolim? Eu comecei a tocar bandolim por insistência do [violonista] Luiz Jr. Ele falava, “ah, bicho, cavaquinho tu já tá tocando o que tem pra tocar. Tu precisa ter um instrumento que te dê uma amplitude maior, te dê um novo horizonte”. Daí ele insistiu tanto, passaram uns dois, três anos, eu fiquei mais próximo dele, e consegui um bandolim. O primeiro bandolim que eu tive foi graças a ele, ao [pianista] Carlinhos Carvalho [irmão de Luiz Jr.], que se juntaram com mais alguns amigos e me deram um bandolim de presente. Ele foi o grande incentivador para que isso acontecesse, pra eu tocar bandolim hoje.

Foi a escolha correta? Meu instrumento mesmo é o cavaquinho. Bandolim até hoje eu ainda estou aprendendo. Eu não posso dizer que eu toco, é um instrumento bastante difícil de tocar. A maior dificuldade que eu tenho até hoje é querer tocar bandolim bem, que eu ainda não consegui.

Cavaquinho tu toca com maior tranquilidade. Não é bem tranquilidade, mas eu tenho uma segurança maior tocando cavaquinho que bandolim. Não que eu domine nenhum dos dois, mas o cavaquinho eu acho que eu consigo desenvolver um pouco melhor.

Qual a diferença básica entre o cavaquinho e o bandolim, para os leigos? A diferença, de cara, é a afinação. O bandolim tem a afinação tenor, mi, lá, ré, sol. No caso do [bandolim de] 10 cordas, tem um par a mais, que é o dó. No cavaquinho é ré, sol, si, ré. E o número de cordas, obviamente.

As possibilidades no cavaquinho são mais limitadas? Muitos falam que sim, mas depende do que a pessoa entenda como limitado, por que hoje a gente vê cavaquinho de cinco cordas, o [cavaquinhista] Márcio Marinho, o [cavaquinhista] Arley Henrique, lá de Minas, os caras tão fazendo no cavaquinho o que ninguém imaginou, tocando coisas bastante difíceis, tocando lances de melodia e harmonia que nunca tinham existido na história do instrumento. Eu acho que não é tão limitado quanto o pessoal diz.

Tu tens preferência por um instrumento ou outro? Tu vieste para a entrevista e trouxe o bandolim, não o cavaquinho. Na capa do disco apareces empunhando o bandolim, e não o cavaquinho. Preferência não existe, mas hoje, pela necessidade, eu tenho que estudar mais o bandolim. Mas os dois instrumentos são grandes paixões na minha vida.

Você é muito instigado pelo bandolim, parece que ele te move, que ele te desafia, não é? É a necessidade de estar buscando sempre algo novo, ter que estar desenvolvendo algo no instrumento. É muito complexo. Se eu passar um dia sem pegar, no outro dia parece que é a primeira vez que eu tou triscando no instrumento, pelo grau de dificuldade que ele tem.

Tu começaste a tocar com quantos anos? Comecei a estudar música, se eu não me engano, foi com oito, nove anos, lá no Monte Castelo, com Joãozinho [posteriormente indagado sobre o sobrenome do professor, Robertinho disse que não sabia. “Bota Joãozinho do Monte Castelo que todo mundo sabe quem é”]. Fiz aula com ele um bom tempo, depois fui pra Escola de Música [do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo], aprendendo nas rodas de choro, de samba.

Além de Joãozinho, quem mais foram teus mestres? De instrumento mesmo foi o Joãozinho. Mas o [o professor] Juca [do Cavaco] teve uma influência boa na minha formação como solista de cavaquinho, o [cavaquinhista] Paulo Trabulsi também contribuiu bastante. Eles eram minhas referências de cavaquinho aqui. Tem o Waldir [Azevedo] também, que não precisa nem falar, mas aqui eram eles, e hoje ainda são. Os caras têm uma contribuição muito importante pra música daqui, pro choro.

Tu citas o Waldir como grande instrumentista. Quem são os teus instrumentistas preferidos, restringindo ao cavaquinho e ao bandolim? Cavaquinho posso dizer que é o Waldir Azevedo. Atualmente é o [cavaquinhista] Pedro Vasconcelos, sem dúvidas, foi importantíssimo pra mim. É meu amigo particular, professor lá em Brasília, tem o Márcio Marinho, que eu sou bastante fã. De bandolim minha maior escola é o Jacob [do Bandolim], mas aí tem também o Ronaldo [do Bandolim, do Trio Madeira Brasil], Joel Nascimento, Pedro Amorim. Atualmente é o Hamilton [de Holanda], que eu acho que foi de grande influência na minha música e é influência até hoje, pra muita gente, nesse instrumento.

Por que ele tem uma levada mais jovem e você acaba se identificando muito com isso, não é? Costuma se dizer que a história do bandolim tem o antes do Hamilton e o depois do Hamilton. Por que o que ele vem fazendo por esse instrumento, acho que vai demorar muito tempo pra aparecer outra pessoa com a mesma importância. Ele conseguiu mudar aquela visão do bandolim como apenas um instrumento específico do choro e do samba, como era antigamente. Ele mostra que não é só isso, que a gente pode ir muito além, com os lances de bandolim solo, das formações que ele vem fazendo, tocar com banda, trio, duo, enfim.

Teus pais sempre te apoiaram na tua vocação musical? Meu pai sempre apoiou bastante. Minha mãe no começo tinha certo receio de eu ser músico. Ela gostava que eu estudasse música, mas tinha aquela preocupação, por que músico é sempre mal visto, o lance da boemia, ela tinha preocupação com esse lance de bebedeira, da farra. Mas eles sempre deram todo apoio e suporte que eu precisei, na medida em que eles podiam fazer pra mim. Tudo o que eles puderam fazer, eles fizeram.

Tu estás fazendo faculdade de música? Ou outra faculdade? Estou fazendo o curso superior, licenciatura em música, na UFMA.

Tem uma pressão de alguém da tua família, ou de fora, para tu teres uma carreira paralela? Tipo, se a música não der certo, vai ser advogado, vai ser médico, por que é isso que dá dinheiro. Pode até existir, mas nunca ninguém chegou e falou isso pra mim. O pessoal da minha família, em geral, não só meu pai, minha mãe, meus irmãos, o povo lá de casa, todo mundo sempre apoiou bastante. Lutaram junto comigo pra que isso acontecesse. Se eu sou músico hoje eu devo muito a eles.

Você começou a estudar música com oito anos. Quando foi que se considerou ou que começou a atuar como músico, profissionalmente? Até hoje eu não me considero músico profissional, por conta das minhas limitações. A gente vive em constante aprendizado. É difícil a gente falar que é músico profissional com essa gama de músicos que tem hoje espalhado em todo canto. Pra gente falar que toca um instrumento é bem complicado. Prefiro dizer que eu tou aprendendo todo dia esses dois instrumentos que eu tento tocar.

Quando foi que tu ganhaste teu primeiro cachê com música? Lembra o que fez com o dinheiro? Eu acho que foi numa roda de samba. Foi engraçado. Meu pai ia tocar num samba lá na Fonte do Ribeirão, eu tava aprendendo a tocar cavaquinho. Levei o cavaquinho numa sacolinha [risos], aí chegou lá, parece que o pessoal da harmonia faltou, só tinha o Cacá [do Banjo] tocando banjo. Eu sempre levava, pra ir pegando, praticar o que eu estudava. Nesse dia eu fiquei sentado, quando me espantei já tava tocando na roda com o pessoal. No final já rolou um cachê, mas eu não lembro exatamente quando foi. O que eu fiz com o dinheiro não recordo agora, não.

O primeiro cachê deve ter sido motivo de muita alegria pra ti. É, por que estar estudando e já estar ali tocando, com os caras que eram referência pra mim, aí pegar ali cinquentinha, sei lá quantos contos, era um mundaréu de dinheiro [risos].

De lá pra cá já se vão anos, veio o Choro Pungado, veio muita coisa na tua vida, tu participando de vários grupos de samba, tocando com grandes nomes do samba nacional. Tu moras com teus pais, depende deles. Mas dá para viver de música hoje? Tuas necessidades hoje poderiam ser supridas por tua atividade musical? Hoje o mercado da música em São Luís permite a um músico da tua qualidade viver de música? Dá sim. Eu moro com meus pais, mas se eu quisesse morar só, dava para viver tranquilo. Tem muita gente que vive exclusivamente da música, eu digo que é operário da música. Dá pra viver. Mas acontece uma coisa bem chata. A gente vê muitos músicos bons aqui na cidade que acabam não tendo pra onde correr e tendo que viver da música comercial. Não tão fazendo aquilo que eles realmente gostam de fazer, que é tocar música instrumental, samba de qualidade, não desmerecendo o samba midiático, mas muita gente hoje se reclama disso, bastante músico, até da minha geração.

Tu tens que fazer isso de vez em quando? Tenho. Pela necessidade, pela falta de opção. Aqui a gente sofre de um problema cultural muito sério, vocês sabem disso, como é a realidade. Infelizmente não temos para onde correr. Espero bastante que mude um pouco esse cenário um dia.

Tu participaste de um acontecimento muito importante na história do choro recente do Maranhão: o grupo Choro Pungado. O que significou estar tocando com aquela turma? Foi importantíssimo. Eu bem novinho, com 13, 14 anos. Na verdade era o Quartetaço, a primeira formação deles. Aí o Ricarte disse “vai lá, vai ter uma formação legal, eu te boto pra dar canja com os meninos, lá no [projeto] Clube do Choro [Recebe]”. Aí Ricarte e Luiz Jr. botaram o pé na parede pra eu participar do grupo. Foi uma escola muito grande, não só de choro, mas de música instrumental, os caras são referência pra muita gente. Luiz Cláudio, Luiz Jr., Rui Mário, João Neto, todos eles são importantíssimos pra música daqui da nossa cidade, do estado, e também pra música brasileira, pela história deles e pela musicalidade particular de cada um.

O Choro Pungado tinha uma proposta muito interessante que era mesclar o choro aos ritmos da cultura popular do Maranhão. Ele foi formado dentro da ideia do Clube do Choro Recebe, de estabelecer o diálogo dos chorões com artistas da música popular, da música cantada. O que tu acha que foi responsável pela vida curta do grupo? Houve alguma briga nesse processo de separação? É complicado trabalhar em grupo por que cada um pensa de um jeito, cada um acredita numa coisa diferente. Foi bom o tempo que durou, foi um aprendizado pra todos nós. Acho que foi importante o que a gente fez, por que eu acredito que nunca ninguém tenha feito o que o Choro Pungado fez na época, juntar os ritmos de nossa cultura popular com clássicos do choro, clássicos da música brasileira. Não houve briga, não. Foi pela falta de tempo de alguns, outros já não acreditavam mais no trabalho.

De que outros grupos musicais você já participou como integrante? Participei do Espinha de Bacalhau, dOs Madrilenus, uma temporada de seis meses, Farinha d’Água, que eu fiz um tempo com João Neto e João Eudes; do Argumento.

Antes de falarmos nele, além de teu disco solo, de que outros discos já participaste? O disco da Lena Machado [Samba da Minha Aldeia, 2010], o da Célia Maria que vai sair agora, produzido e dirigido por Luiz Jr. Teve o do Gildomar Marinho [Olho de Boi, 2009], com participação da Ceumar [na faixa Alegoria de Saudade, samba-choro de Gildomar Marinho], discos de carnaval, festival, gravação de São João, eu sempre tou muito envolvido nessas épocas.

Além de instrumentista, que outras habilidades tu desenvolves na música? Eu tento forçar um pouco esse lance da composição. Tou tentando partir agora pra esse lado do arranjo, tentar desenvolver um pouco mais da musicalidade, que é importante também. Não só tocar um instrumento, mas ver a música um pouco mais na frente.

O que te inspira pra compor? Vai muito do momento, das coisas que eu tou passando. Engraçado é que eu sempre componho quando estou muito triste, ou sozinho em casa ou aconteceu algo muito sério. Sempre foi assim, a maioria [das composições] sai assim.

Quantas músicas tu tens? Não tenho muita coisa não. Acho que tem umas cinco no disco, minhas ou em parceria, com Jr., com Pipiu. Tem umas agora que eu tou compondo, teve umas duas que eu fiz de bandolim solo, cavaquinho solo, mas acho que não deve passar de umas 15 músicas, por que muita coisa do que eu faço eu gosto no momento, mas depois eu deixo de mão, por que eu não acho mais legal.

Qual a tua experiência com outros ritmos que não choro e samba? Já toquei algumas coisas diferentes em shows, não é uma coisa que eu busquei. Admiro muito, mas não tenho esse conhecimento. É de grande importância para o instrumento, para a técnica, mas ainda não tenho. Pretendo chegar um dia a estudar, conhecer um pouco mais, a ter domínio dessa área.

Pra você, o que é o choro? E qual a importância do choro para a música brasileira? Tem toda importância. As principais referências da nossa música são da escola do choro. O choro eu costumo dizer que é a festa do brasileiro: em todo canto que a gente vai vê ali um grupo de choro tocando, num barzinho ali, ou num show grande acolá, vê grandes instrumentistas hoje tocando choro, ou que saíram daquela escola de choro, e vê muita gente nova se interessando por esse gênero.

Tu te consideras um chorão? É complicado a gente se intitular alguma coisa. Mas eu tento buscar conhecer bastante do que é produzido no choro, não só de hoje, mas do pessoal mais antigo, dos primórdios.

Como é que tu ouves música? Pelo seguinte: temos entrevistado pessoas mais velhas, que se lembram do rádio, de como era difícil conseguir vinis. E tu estás na era do download. Baixar música, comprar cd, como é que tu faz? Pela carência da gente em encontrar disco aqui fica quase inevitável a gente não ter que baixar música, discos. Sempre que posso e encontro, compro. Agora mesmo eu estive lá no Rio [de Janeiro], passei uma semana lá, entrava nas lojas feito doido. Gastei mais dinheiro comprando disco do que passeando na cidade. Sempre que eu posso eu compro bastante cds, dvds.

Quando tu vais ao Rio, tu manténs contato com os músicos de lá? Em Brasília sabemos que sim. O Rio foi a primeira vez que eu fui, agora no começo de março. Eu conhecia algumas pessoas de lá, cantores com que eu tinha trabalhado aqui, acompanhado, também alguns músicos, que vieram de lá pra cá fazer shows, criou-se uma amizade. Eu ‘tive lá agora, fiz contato com alguns, liguei pra Julieta [Brandão], primeira cantora de lá que eu acompanhei. Ela disse “ah, legal que tu tá vindo. Vou te botar pra fazer uns shows aqui comigo”. Chegando lá ela arrumou uns trabalhos, apareceram uns negócios pra dar canja, lá pela Lapa. Foi importante ver que a coisa é mais séria do que a gente imagina.

Como é que tu tens observado o desenvolvimento do choro em todo o Brasil? Há um grande desenvolvimento, sempre. Até os caras que são de outras áreas a gente vê buscando o choro, gente que não tocava choro e tá tocando choro hoje.

E o movimento choro em São Luís do Maranhão? Sinceramente tá uma coisa bem triste. Teve época que a gente tinha música instrumental aqui de segunda a segunda. Chegava no [bar e restaurante] Antigamente [então na Praia Grande], segunda-feira tinha lá o [cavaquinhista] Roquinho tocando com o [grupo] Um a Zero, terça tinha o Juca tocando com o [Instrumental] Pixinguinha no lá no [bar] Por Acaso [Lagoa da Jansen], quarta-feira tinha o [Regional] Tira-Teima não sei aonde, sábado o Clube do Choro Recebe, que era famosíssimo. Hoje a gente quase não vê choro acontecendo. Uma coisa bem triste é chegar no [bar] Barulhinho Bom [Lagoa], quinta-feira, o Tira-Teima, os caras que são referência do choro, tocando pra duas mesas. A cena está bem complicada, embora pudesse estar bem melhor diante do que já foi.

A que tu credita essa desarticulação? Nós, músicos, temos uma parcela de culpa grande nisso, mas o problema maior é a questão cultural, do pessoal absorver o choro como música, não só o choro, mas a música de boa qualidade, por conta da mídia em si, que tem compromisso com a propaganda.

Mesmo nesse terreno meio árido, é possível observar o surgimento de novos valores? Tem muita gente boa surgindo. A gente vê [o bandolinista e cavaquinhista] Wendell [Cosme] tocando bandolim, ele é respeitado no Brasil todo. O pessoal vê ele tocando no youtube, nessas coisas aí de internet, os caras ficam doidos. Aí fora, o pessoal que é referência do choro dá valor; aqui, ninguém quer dar valor.

Que outro instrumentista tu destacarias como alguém que merece atenção? Um cara que pra mim é uma referência muito grande e que eu acho que não tem o valor que merece aqui, como muita gente, é o [sanfoneiro e pianista] Rui Mário, um instrumentista fora do sério. Pra mim ele é um dos principais de nossa cena instrumental.

Luiz Jr. te dirigiu em teu disco. Como tu o observas? É um bom músico, com ideias bastante boas e interessantes. Tenho um respeito grande por sua música.

Como foi o processo de seleção de repertório de Made in Brazil [seu disco de estreia]? Foi uma correria danada. Esse disco surgiu por culpa do [músico Arlindo] Pipiu. Tinha aberto o edital [da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão], ele me ligou, eu gravava bastante com ele. Nisso, ele já saiu ligando pra [os compositores] Josias [Sobrinho], Cesar [Teixeira], “vamos pegar música, dá uma música aí pro Roberto gravar”. Tem música do Pipiu também. Teve muita gente com que não se conseguiu contato de imediato e o prazo já estava vencendo e faltava parte do repertório. Aí eu tive que compor algumas, eu só tinha uma música pronta. Fiz no calor do momento pra fechar o repertório do disco.

Já estás pensando no segundo? Eu tou pensando em gravar um disco novo, mas eu fico muito preocupado, por conta da qualidade dos discos instrumentais que estão saindo hoje em dia. Pela quantidade de bandolinistas que eu tou conhecendo, alguns com quem eu já tenho amizade, é uma coisa muito séria. Eu achei legal ter feito este disco, foi um aprendizado, mas me preocupo bastante em fazer disco novo. A vontade sempre tem, o lance de a gente estar botando em prática o que a gente estuda, o que a gente está vivendo.

Uma pergunta clichê: que discos tu levaria para uma ilha deserta? Os discos do Hamilton, com certeza. Tem os discos do [Trio] Aquário, que eu sou fã. Tem muita gente que não gosta do trio do Pedro Vasconcelos, [o violonista] Rafael dos Anjos e o Eduardo Belo, contrabaixo. Esse disco [Primeiro, 2010] eu acho que vai ficar pra história da música instrumental, uma coisa particular, de gosto. A maioria dos que escutam fica de cara com a maneira que eles interpretaram aquilo ali, um disco basicamente de canções, mas o que eles fizeram ali nos seus instrumentos, vai ser difícil aparecer outro disco para ser tocado com aquele sentimento, com aquela expressão. Acho que eles foram bastante felizes.

Qual foi o choro mais bonito que tu já ouviu? É complicado. Pra mim todo choro é bonito, principalmente os que eu gosto de tocar. Eu tou numa coisa agora de tentar pegar a maior possibilidade de choro que eu puder. Pela falta de estar tocando choro constante, acaba que a gente vai esquecendo as músicas que estudou, que tirou. Se a música é boa, independente de estilo, gênero.

Mas tem alguma música que te marca, tipo, “poxa, essa música eu gostaria de ter feito”? Uma música que eu gostaria de ter feito é o Flor da vida [do disco 01 byte 10 cordas, 2005], que o Hamilton compôs e também o Virtude de esperança [Brasilianos 2, 2008]. São músicas fantásticas, ele foi bastante feliz quando compôs essas músicas.

Fora do universo do choro e do samba, o que te interessa? Eu me interesso por todo tipo de música de qualidade que é produzida. Eu sou fã da boa música.

Na entrevista com [o violonista e professor] João Pedro Borges [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 14 de abril de 2013] ele citou teu nome como alguém que lhe enche os olhos. O que significa agradar uma figura como ele? Eu fico surpreso com uma coisa dessas. João Pedro é uma escola universal do violão. Em todo canto que a gente chega, a gente ouve falar dele. Só não aqui, que o povo não dá valor a nada que é daqui. Em todo lugar que eu chego o povo fala, “ah, o João Pedro Borges lá do Maranhão”. Eu fico muito feliz pela história dele, ele é um músico muito classudo, tem um bom gosto musical incrível. Ele me citar numa entrevista, eu fico bastante feliz e emocionado.

Tu estás com 19 anos e é senhor de si nos instrumentos que tocas, embora tu tenhas uma modéstia em assumir ser um grande músico. Maria bandolim: tu és muito assediado por conta de tocar um instrumento? [Risos] Não sei, é complicado falar. Assédio, assédio, não. Mas existe o pessoal que se deslumbra com os instrumentos, tem aquela curiosidade. Assédio, pelo menos comigo não. Mas tem outras pessoas aí que são assediadas bastante. Não posso citar nomes para não comprometer [gargalhadas gerais].