Diário da quarentena (mal e porcamente ilustrado)

Desenho de Zema Ribeiro
Desenho de Zema Ribeiro

Para Elizeu Cardoso, grande contador de histórias (e estórias)

Uma das coisas que mais tenho feito nesta quarentena é abrir e fechar janelas. São Pedro ameaça e, mesmo com a chuva fina, fecho a janela de modo a evitar molhar a sala e os quartos do apartamento. Às vezes levantar para fazer isso vale a pena, às vezes a chuva dura nem cinco minutos e lá vou eu abrir tudo novamente.

Há pouco aconteceu isso e, ao reabrir a primeira janela, deparei-me imediatamente com uma cena infelizmente nem tão inusitada no Brasil de 2020, em que dinossauros ajoelham-se para esperar meteoros, baratas votam em inseticidas e há toda a sorte de pessoas que, como diria o poeta Reuben, comprovam a existência da viagem no tempo: há muitas cabeças do século retrasado neste.

Um motoqueiro subia a rua em que moro com um passageiro na garupa; este, usava o capacete corretamente e zuniram tão rápido que não tive tempo de saber se era homem ou mulher – o que pouco importa para este relato.

O piloto usava um capacete com a viseira aberta, o que, por si só, configura infração de trânsito. Mas não foi isso o que me chamou a atenção: para fora do capacete, pendia, pendurada em apenas uma orelha, uma máscara, dessas que há mês e pouco passaram a fazer parte de nosso guarda-roupa diante da pandemia de coronavírus.

Li, outro dia, numa rede social, algo como “máscara no queixo é o novo capacete no cotovelo”. Não estava com o celular na mão, logo, perdi de fotografar a cena, emblemática de nossos tempos – ao menos foi o que considerei.

Abertas as janelas, sentei-me e arrisquei um desenho. Indagado sobre o que eu estava fazendo, contei toda a história acima a ela, destacando, no desenho, as hachuras, que representam os visores dos capacetes e a malfadada máscara.

Ela, obviamente também reconhecendo a minha falta de talento para desenhar, afirmou: “esse capacete do piloto ficou parecendo um pato”. Não perdi a piada, com que ela concordou e ambos rimos: “deve ser mesmo, algum pato da Fiesp, desses que ainda vão em carreata contra o isolamento e, apesar de tudo, ainda defendem o boçal que ocupa o Palácio do Planalto”.

Érico volta a reunir produção caricatural em livro

Caricaturas 2. Capa. Reprodução
Caricaturas 2. Capa. Reprodução

 

“A publicação de livros de caricatura no Brasil ainda é muito discreta tendo em vista a quantidade de excelentes caricaturistas em atividade”. A afirmação é do excelente caricaturista Érico Junqueira Ayres, ou simplesmente Érico, no prefácio a Caricaturas 2 [Guarnicê/ AML, 2016, 173 p.], que reúne caricaturas feitas com bico de pena, pincel e nanquim.

David Bowie por Érico. Reprodução
David Bowie por Érico. Reprodução

O livro, uma “pequena contribuição para tentar reverter este quadro”, reúne mais de 150 caricaturas de “escritores, atores, músicos, intelectuais, políticos, cientistas, atletas e empresários, entre outros”.

As personalidades de Caricaturas 2 são apresentadas em ordem alfabética e comparecem por suas páginas Adoniran Barbosa, Amy Winehouse, Beyoncé, Faustão, José Mindlin, Macalé, Messi, Niemeyer, Papa Francisco, Rita Lee, Vinicius de Moraes e Zidane, entre outros. Na capa, a cara de mau do Stone Keith Richards. “São pessoas cujas imagens transitam pela mídia com mais frequência e, portanto, são facilmente reconhecidas pelo público”, afirma, também no prefácio.

Ariano Suassuna por Érico. Reprodução
Ariano Suassuna por Érico. Reprodução

“O melhor resultado acontece quando o desenhista consegue captar a “alma”, isto é, transfere para o desenho a essência que a identifica. Convém destacar que é necessário que a pessoa seja conhecida pelo leitor do desenho. O efeito humorístico é provocado através do reconhecimento, que é uma associação do desenho com a pessoa caricaturada”, continua o autor, no mesmo texto em que cita, ainda, uma bibliografia básica sobre a produção caricaturista no Brasil.

Érico sabe do que fala. Ou melhor: o que traça. Baiano de nascimento, mudou-se para o Maranhão na década de 1980, onde começou a trabalhar com humor gráfico, tendo vencido diversos salões de humor no Brasil e no exterior. Seu livro Humor em risco venceu, em 1999, o HQMix, maior honraria dos quadrinhos brasileiros, na categoria livro de cartuns. Em 2005 ele publicou o primeiro volume de Caricaturas.

Parte da produção pode ser conferida na fan page Érico Junqueira Ayres, no facebook.

Lúcida, lúdica e necessária: uma Aula sobre a ditadura

Ah, como era boa a ditadura... Capa. Reprodução
Ah, como era boa a ditadura… Capa. Reprodução

 

Ah, como era boa a ditadura… [Companhia das Letras, 2015, 287 p.; leia um trecho]: só podia mesmo ser o título de um livro de Luiz Gê o único lugar onde essa frase soa bem. Pura e fina ironia, obviamente. “A história dos últimos anos da ditadura militar nas charges da Folha de S. Paulo”, como anuncia o subtítulo explicita melhor: a obra não é mera coletânea, é uma Aula, com A maiúsculo, de História, com H idem.

O livro cobre o trabalho de Luiz Gê no jornal paulista entre 1981 e 1984, o que, por um lado, pode parecer facilitar seu trabalho à época, afinal de contas, eram os anos da chamada abertura, da redemocratização do país. Acompanham os desenhos textos explicando o contexto, (re)apresentando personagens – dando nomes aos bois –, tornando-o leitura obrigatória para estudiosos e interessados em humor, história, quadrinhos e até mesmo àqueles que hoje em dia frequentam passeatas pedindo a volta da ditadura – estou certo de que alguns poderiam mudar de opinião após “reviver” com atenção o período.

“Quer que eu desenhe?” é irônica pergunta comumente usada para iniciar uma contraposição a argumentos. Luiz Gê desenha e escreve com propriedade de quem (sobre)viveu (a)o regime, ousando contestá-lo. E defende algumas teses interessantes: primeiro, é falacioso falar em ditadura militar, pois o golpe de 1964, em sua urdidura, contou com civis e graças a este apoio é que foi possível; segundo, a ditadura não durou apenas 21 anos, já que José Sarney, que governou o país entre 1985 e 1990, não foi eleito, mas chegou à cadeira do poder central após mudar de partido (olha o fisiologismo aí, gente!) e a morte do titular Tancredo Neves, de quem o maranhense era vice.

Gê aborda ainda heranças malditas da ditadura, para além das mais óbvias: os métodos das polícias militares, a permanência da prática de tortura, apesar de diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e da lei que a proíbe, e a anistia que perdoou torturadores: até hoje, no país, ninguém foi punido pelos crimes de lesa-humanidade cometidos durante o regime, ao contrário de outros países latino-americanos que também sofreram com ditaduras.

“Mas a pior de todas as heranças, a que até hoje não foi superada, foi a destruição da altamente bem-sucedida experiência educacional e do ensino público anterior a 1964. Escolas públicas tinham o mesmo nível ou maior que muitas escolas ditas de elite. Essa experiência, que poderia ter sido aperfeiçoada e ampliada para alcançar um maior número de pessoas, foi sumariamente eliminada sem jamais ter se recuperado, algo crucial que vem afetando profundamente o desenvolvimento de nossa sociedade e de nosso país”, escreve Luiz Gê à página 278. E na seguinte: “o Brasil de hoje, foi criado naquela ruptura no ano de 1964. Quem não puder enxergar o que foi exatamente que ocorreu durante os 21 anos que se seguiram não pode entender aquilo que vive hoje. Havia outra possibilidade para o Brasil e para o nosso presente […]. Tudo “mudou” para permanecer fundamentalmente igual. As relações de poder político e econômico se reajustaram. Qual dos dois manda mais em nosso sistema?”, indaga-se/nos.

Lúcido e lúdico, Ah, como era boa a ditadura… é vasto painel com muito material ainda bastante atual, infelizmente, sobretudo no que diz respeito à nossa fauna política – o folclore, a burrice, o oportunismo – e ao pensamento único da grande mídia – algumas concessões são benesses dos ditadores a apoiadores do regime.

O autor – Personagem menos conhecido e cultuado, mas tão ou mais talentoso que muitos de seus pares, o paulista Luiz Gê é arquiteto e professor universitário, entre inúmeras outras atribuições, com contribuições fundamentais à cultura brasileira ao menos nos últimos 45 anos: fundou as revistas Balão – que revelou talentos como Angeli, Laerte e os irmãos Paulo e Chico Caruso – e Circo, é autor da cultuada graphic novel Av. Paulista [1991, reedição da Companhia das Letras, 2012, 88 p.], em que conta, à sua maneira, parte da história de São Paulo, fez os projetos gráficos de Clara Crocodilo [1980] e Tubarões voadores [1984], de Arrigo Barnabé – este segundo disco são quadrinhos de Luiz Gê musicados por Arrigo –, e roteirista do matutino global TV Colosso. Como quadrinhista venceu os prêmios Casa de Las Américas, em Cuba [1981], o troféu HQ Mix, no Brasil [1991] e o prêmio Angelo Agostini de Mestre do Quadrinho Nacional, concedido pelo Senac [2005]. Ano passado presidiu o júri do Salão de Humor de Piracicaba, um dos mais importantes do país, que também o premiou, ainda na década de 1970. Na ocasião, realizou sua primeira exposição, Luiz Gê quadro a quadro, com cerca de 600 obras.

Sambira

Retrato: Zema Ribeiro
Retrato: Zema Ribeiro

 

Raimundo Nonato Lopes da Silva tem 63 anos e nasceu em Guarimã, povoado de São Benedito do Rio Preto/MA, onde mora até hoje.

Ganhou o apelido de Sambira numa pelada jogada na juventude, num campo de futebol ainda existente e em uso na comunidade. Então goleiro, fez uma defesa e caiu abraçado à bola. “Parece uma mambira!”, gritaram alguns, de sua equipe e da adversária, comparando-o a uma espécie de tamanduá – ou gambá.

“Eu sou é a mãe bira, a mãe de vocês!”, retrucou o alcunhado, cuja reação e zanga inicial bastaram para que o apelido fosse mudado e pegasse para sempre.

Sambira é filho de dona Sebastiana, 83, a moradora mais antiga da comunidade centenária, cujos mais de 400 hectares são agora requeridos por uma suposta proprietária em ação de reintegração de posse. Basta uma visita e um passeio rápidos pela área para perceber quem são os verdadeiros donos da terra, os homens e mulheres-árvores, há tanto tempo ali enraizados.

Mael, um sobrinho de Sambira, está se formando em História e tem pronta uma monografia, que defenderá por estes dias, em que remonta a ocupação da área, desde o século XIX.

Um misto de Charles Bukowski, Pepe Mujica, Gabriel Garcia Marquez e Urtigão, o bronco barbudo da Disney, não necessariamente nessa ordem, nos lembrou sua feição, aos colegas de trabalho e a este cronista improvisado – viajei com outra tarefa, já cumprida, mas desde que o vi, ouvi e fotografei, a vontade de escrever sobre o personagem ficou me martelando o juízo.

Sambira vive da venda de peixes que cria em quatro tanques. Apesar da iminente ameaça de despejo, não perde o bom humor. O ótimo humor, eu diria. Riu e nos fez rir bastante ao longo da tarde em que passamos no local, tratados qual paxás, a peixe frito e juçara farta.

Ao ver um dos colegas passar por trás de uma jumenta e fazer um gesto, talvez por medo dum coice, mandou, para gargalhada geral: “esse aí é acostumado a pegar jumenta. A bichinha quando olha para ele já pergunta: “por que é que tu não veio onte, oooonte, oooooooonte!””, a corruptela do pretérito tornando-se onomatopeia do zurrar da fêmea do equus asinus.

Entre diversas outras – vez por outra me pego rindo sozinho –, contou ainda a história de um advogado que soltou dois presos em Chapadinha. Os apelidos dos liberados, que garantem a graça da história, são impublicáveis aqui, mas o causo foi recontado várias vezes ao longo da viagem, ou entre nós, ou pelo próprio Sambira, inclusive a secretários de Estado.

Sambira é daqueles que devolve a palavras como “gaiatice” e “molecagem” a nobreza que merecem, aquela porção menino que nós adultos deveríamos guardar para sempre.

Do diário de um bebê

O homem ao zero. Capa. Reprodução
O homem ao zero. Capa. Reprodução

1º MÊS
– Completo hoje trinta dias e confesso que já estou farto de ouvir “bilu-bilu” o dia inteiro na minha cara. Por que os adultos não falam direito, fazem voz esquisita e fanhosa, se sabem que não entendo nada do que dizem e muito menos falando assim?

2º MÊS
– Percebo que estão todos apreensivos, suas caras mudam de expressão depois que abrem o jornal e comentam que o preço do leite vai subir, não sei por que essa preocupação se o leite que tomo é de graça e é a mamãe que fornece. Se o leite subir até que é bom, porque a mamãe pode ficar rica.

3º MÊS
– Quero esclarecer que quando molho a fralda choro muito, mas é por causa da despesa que estou dando, sei como está difícil arranjar empregada pra lavar todo dia. Outra coisa que me chateia e não posso reagir é quando as visitas dizem que sou a cara do pai, no princípio eu não ligava, mas agora que já vi a cara do papai não gosto muito.

4º MÊS
– A vovó tem mania de ficar me balançando no colo e pensa que durmo por causa disso, mas não é não, é que fico tontinho e desmaio. A mamãe passa o dia inteiro lendo livros pra saber como cuidar de mim, mas os livros são tão diferentes que quem sofre sou eu, pois ela fica sem saber o que fazer.

5º MÊS
– Não gosto quando a mamãe insiste em tirar a minha chupeta e o papai diz que é melhor do que botar o dedo na boca. O que me incomoda não é nem a falta de chupeta nem do dedo, é a discussão na minha cara.

6º MÊS
– Não gosto do meu pediatra porque todo mês receita um monte de sopas que eu detesto e um monte de remédios que quem detesta é a mamãe. Só gosto daqueles ferrinhos que ele traz na malinha, mas toda vez que seguro um pra brincar ele tira da minha mão e enfia na minha garganta.

7º MÊS
– Quanto às mamadeiras, acho bom entenderem de uma vez por todas que quando não quero tomar, não adianta ninguém insistir nem me passar de mão em mão pra cada um tentar uma vez. O problema não é trocarem as pessoas – é trocarem o leite, que eu conheço o gosto.

8º MÊS
– Aqui em casa todos acreditam nos livros que ensinam “como cuidar do bebê”, mas nenhum médico nunca me consultou do que gosto e do que não gosto, pois quando eles escreveram seus livros eu nem tinha nascido. Seguir estatística é nisso que dá: quem entra pelo cano sou eu.

9º MÊS
– Não adianta ficarem dizendo na minha cara “mamã” e “papá”, porque o certo é “mamãe” e “papai”. As pessoas grandes ensinam a gente a falar errado porque acham que é mais engraçadinho – depois eu sei o que acontece, de tanto a gente falar errado eles acabam mandando a gente pra escola pra aprender a falar direito.

10º MÊS
– Coisa que não gosto é quando chegam visitas, entram no meu quarto pra ver se estou dormindo e ficam falando baixinho que estou acordado, depois vem outro e diz que estou dormindo, depois vem outro e diz que acha que estou acordado – ninguém se manca, pois com todo mundo cochichando não consigo dormir.

11º MÊS
– Muito constrangedor é quando deixo a sopa no prato, só pela cara da mamãe já sei que o preço dos legumes subiu de novo. Coisa que não entendo é que todo mundo concorda que não se deve bater numa criança, mas bem que de vez em quando me dão umas palmadas. Não quero crescer nunca, acho gente grande muito nervosa.

12º MÊS
– A maior emoção da minha vida foi quando consegui ficar de bruços, porque esse negócio de ficar deitado de costas é muito bom mas é pro papai. Agora estou engatinhando e ouço dizer que muito breve começarei a andar. Eles não perdem por esperar: assim que eu começar a andar, saio de casa.

*

Leon Eliachar (1922-1987), in O homem ao zero [Editora Expressão e Cultura, 1967]

O testamento de Judas – 2014

A "santa" ceia de Nuna Neto. O Imparcial, 18/4/2014
A “santa” ceia de Nuna Neto. O Imparcial, 18/4/2014

CESAR TEIXEIRA

Estou de volta do Exílio
pra onde fui despachado,
na sucursal do Inferno
até doido é torturado.
Roseana, a Sinhazinha,
me botou lá em Pedrinhas.
Saí de lá degolado.

Um crânio vazio eu deixo
para a Justiça falida,
depois que for exumado
e abrir novas feridas.
Mas como ser enforcado,
se o pescoço foi cortado
a cabeça não tem vida?

Não posso colar no corpo
esta memória com grude,
mas o sangue derramado
deixo ao Plano de Saúde
que roubou o meu dinheiro.
UNIMED é o Coveiro
que aprontou meu ataúde.

Na fila do SUS deixei
uma vela de despacho
para Ricardo Murad
que jurou erguer, por baixo,
setenta e dois hospitais,
não era menos nem mais
– procuro um e não acho.

Deixarei também a ele
o número sorteado,
que não é da Maracap
mas do Cofre do Estado
Na Saúde é um alvoroço,
e já está roendo o osso
da Segurança, o danado.

Ó cidade miserável,
de tanta dor e tormento.
Só de anos de mentira
já tem mais de quatrocentos.
Neste conto do Vigário,
o Palácio é um Calvário,
e a Zona é um Convento.

Por causa da Oligarquia,
que vive fora da lei,
jornalista já não dorme.
No Testamento eu botei
o jornal Vias de Fato
feito um grande carrapato
no cangote de Sarney.

A governadora disse
que o Maranhão é rico.
Tem manga, petróleo e gás,
rombo fiscal e penico.
Essa crise carcerária
é doença hereditária,
e o povo é quem paga o Mico.

Deixarei um funil velho
para a Refinaria
representar seu papel
no Reino da Fantasia.
Coitada de Bacabeira,
vai refinar a sujeira
e a merda da Oligarquia.

No carro da Petrobrás
tá faltando óleo de freio,
com tanta superfatura
o negócio ficou feio.
Divisas nem se discute,
se fraude é Cláusula Put,
tem putaria no meio.

Vou deixar um Lava-Jato
pra ver quem ganha a aposta.
Será Nélson Cerveró,
ou Paulo Roberto Costa?
Na quitanda, a Globo filma,
com todo o aval da Dilma,
qual dos dois lava mais bosta.

Um Jatinho da PF
no Congresso vou deixar
pro golpista André Vargas
com Youssef voar.
Lavagem com Mensalão,
Labogen, corrupção:
que remédio isso vai dar?

Antes que acabe a tinta
deixo armas e brasões
para o Edinho Trinta
(candidato dos vilões)
e o forno da Titia,
pra inaugurar padaria
no Palácio dos Leões.

Também deixo pro Lobinho
os túneis da madrugada
que cavei lá em Pedrinhas.
Vai fugir em disparada
num cavalo puro sangue,
depois de cruzar o mangue,
rumo à Serra Pelada.

Entrego pro Flávio Dino,
que é amigo do peito,
uma estrela sem destino
para quando for eleito.
O PC do B tem grife,
filiou até xerife
para garantir o Pleito.

A Foundation São Luís
em inglês não é à toa,
é pra carregar turista
pro Arraial de canoa.
O Bureau do Eleotério
para o pobre é um cemitério,
para o rico é uma Lagoa.

E para os bobos da Corte
que alugam sua voz
eu vou deixar puxa-puxas,
quebra-queixos, derressóis.
Nessa corrida de saco,
coça menos quem é fraco,
puxa mais quem é Veloz.

Já repassei ao Prefeito
um invento de fariseu
chamado VLT,
que Castelo prometeu,
mas nasceu morto, sem laudo,
e entregou pro Edivaldo:
– Toma, que o filho é teu!

Espero que não se zanguem
com as heranças sovinas,
que botei no Testamento
retirado da latrina.
Mas, se não for do agrado,
Deus é quem é o culpado,
pois sou invenção Divina.

Pra escapar da sua língua
no Beco do Gavião,
deixo um bar para Rosana
e um quilo de camarão.
Capiroto, que é bandido,
já botou o apelido:
Bar do Afeganistão.

Patativa anda sorrindo,
já botou água de cheiro
no sovaco e na chorina
dizendo pro mundo inteiro
que vai tirar o atraso,
pois agora virou caso
do cantor Zeca Baleiro.

Corinthiano é o culpado
por tudo o que aconteceu,
inventou essa cachaça
que Patativa bebeu.
Depois da tal “Fogozada”
ela não muda a toada,
e só canta Xiri Meu.

Se a múmia do Executivo,
não fosse tão paralítica,
mereceria uma Faixa
de Gaza na Zona Crítica.
Se fosse como Faustina
haveria disciplina,
sem corrupção política.

Um caminhão de lagosta,
camarão e caviar
ainda não decidi
para quem eu vou deixar.
Eu peço então à plateia
que me dê uma ideia:
que nome devo botar?

Para Wellington Reis
a receita vou deixar
pra fazer outro CD
na Arte de Cozinhar.
É uma língua alugada
ao molho de marmelada,
eu não sei se vai gostar.

Para tomar mais cuidado
na calçada em que trafega,
vou deixar Desinfetante
e uma vassoura brega
para a Secretária Olga,
que, quanto mais se empolga,
mais na Cultura escorrega.

Judas também é cultura,
mesmo subfaturada.
Por isso peço aos herdeiros:
não gastem toda a mesada
da minha miséria cômica,
que está na Caixa Econômica
com a fome embalsamada.

Para a História do Brasil
ficam marcas de tortura,
corpos desaparecidos
nos quintais da Ditadura.
Desde o Golpe Militar
já cansei de procurar
minha própria sepultura.

De almas sem Anistia
cinquenta anos se vão.
Para Herzog, Marighella,
Lamarca e Ruy Frazão
deixo as lágrimas do rosto
e o coração exposto,
por falta de vinho e pão.

(Lavrado ontem, 19, Sábado de Aleluia, na Praça da Faustina, Praia Grande)

Dica: três quadrinhos charmosos

Compartilho com os poucos mas fiéis leitores três publicações que me chegaram recentemente às mãos. São quadrinhos charmosos, independentes, de bolso e a preços justos. Infelizmente não são encontrados em qualquer banca de revista – embora mereçam ser mais populares –, mas podem ser adquiridos pela internet, direto com os autores.

Onde meu gato senta, de Pedro Leite: ele tira onda de si mesmo, como todo bom humorista deveria saber fazer. Zoa dizendo que é considerado um dos maiores desenhistas do Brasil, pelo fato de ter mais de dois metros de altura. Mas ele é realmente bom. O livro [2012, 57 p.] é sobre a mania que gatos, donos de tudo, inclusive de seus donos, têm de encontrar o lugar mais inapropriado e se instalar. Em cima do jornal que leio sobre a mesa, dentro da mala que arrumo, sobre o teclado do computador justo quando estou digitando e tantas outras situações por que quem tem gato – ou gata, Pagu, no meu caso, veja-a curtindo meu exemplar – certamente já passou.

Quadrinhos ácidos, zine de Pedro Leite e Leandro Difini: uma série de tirinhas que faz piada com nosso cotidiano besta. Diz umas verdades e pisa nuns calos. É melhor não presentear aquele amigo que gosta de Big Brother com ele, por exemplo. Os quadrinhos fazem jus ao nome.

Tension de la passion, vol. 1 [Beleléu, 2013, 36 p.]: este livreto cor de rosa é obra coletiva. Diversos artistas do traço interpretam o seguinte mote erótico: “A noite me envolvia quando François apareceu, misterioso e sedutor/ nossos corpos trêmulos se tocaram/ no estupor do momento, perdi a razão/ nunca mais o vi, jamais o esqueci”. Comparecem às páginas Daniel Carvalho, Daniel Lafayette, Eduardo Arruda (ilustrador de A intrusa, de Bruno Azevêdo), Eduardo Belga, Elcerdo, Koostella, LTG, Mateus Acioli, Pablo Carranza, Rafael Campos Rocha, Rafael Sica e Stêvz (autor do texto mote).

Bota o teu, o palco da solidariedade

Dois meses após as chuvas terem varrido, ou melhor, lavado, ou pior, levado tudo o que tinham os moradores da Vila Apaco, por detrás da UEMA, nas imediações da Cidade Operária, estudantes universitários resolvem unir-se em um evento artístico solidário.

Sob o inspirado nome de Bota o teu, gíria local, artistas plásticos, músicos e humoristas ocuparão o palco do Teatro da Cidade de São Luís (antigo Cine Roxy) para arrecadar alimentos às vítimas das chuvas em nossa cidade.

O espetáculo multicultural acontecerá graças aos esforços próprios dos artistas e da produção envolvida. Os ingressos custam um quilo de alimentos não-perecíveis (quem quiser pode doar mais, exceto sal).

Entre as atrações estão confirmados os nomes dos artistas plásticos Felipe Figna, Rodrigo Hemilianenko e Kenny Oliveira; os músicos Zanto e Tiago Máci (da banda Saga dos Salientes); e o ator e humorista Jonatas Barbosa. Outros nomes devem se somar à empreitada até lá.

A desgraça, o traço e o riso

Se há um povo que aprendeu a rir das próprias desgraças é, sem dúvida, o brasileiro. Especialista em nos fazer rir dessas e refletir sobre essas mesmas desgraças: Carlos Latuff, sempre referenciado como gênio por este modesto blogue.

Ao longo dos próximos 12 meses, a duração de seu mandato, o pastor Marco Feliciano (PSC/SC) têm apenas dois significados na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados: um retrocesso sem precedentes no histórico da citada comissão (uma jovem nascida em 1995) e um prato cheio para o trabalho de humoristas, cartunistas, chargistas e outros istas (não cabem aqui racistas e fundamentalistas: estes tomaram de assalto a CDHM).

Odyr

Acho que “guzzices” é hoje um termo melhor que “mainardices” para definir as “sandices” (que são bem mais que isso) da revista Veja, que em sua edição ora nas bancas, chegou a comparar a união entre pessoas do mesmo sexo com a relação entre homens e cabras, além de inúmeras baboseiras outras (encravou, no texto, por exemplo, “homossexualismo” em vez de “homossexualidade”, intenção em vez de vacilo).

Sobre o assunto (ou diante da falta dele), o genial Odyr Bernardi postou em seu facebook (“bernardice”, ao contrário de seu significado original, é, aqui, sinônimo de vida inteligente na “cartunice” brasileira).

A piada pronta (do dia) no jornalismo maranhense

Depois de alguns anos no Brasil, Joaquim estava passando por sérios problemas financeiros e resolveu partir para o mundo imundo do crime.

Planejou seu golpe e foi até o Parque do Ibirapuera, agarrou um garotinho e falou:

— Isto é um sequestro! Pegue este bilhete e entregue para o seu pai!

O bilhete dizia “Sequestrei seu filho! Deixe dez mil reais amanhã, atrás da moita da praça central. Ass.: Joaquim”.

No dia seguinte, o sequestrador português foi até a praça central e encontrou o dinheiro, acompanhado de um bilhete: “Aqui está o seu dinheiro. Mas não posso acreditar que um português possa fazer isto com outro. Ass.: Manoel”

&

Tirei os tremas do texto acima, do Piadas do Dia. A piada saiu nos jornais Pequeno [Rárárá, p. 2]e O Estado do Maranhão [Piada do Dia, Alternativo, p. 4] de hoje (9): o control c control v já não se restringe a releases. Só de portugueses há 186 piadas no site que o segundo credita como fonte e o primeiro não. É claro que pode ser apenas coincidência. Ainda bem que não leio horóscopo…