FLÁVIA EXTRA!


[Foto: Paula Brito]

Para quem perdeu as sessões do Arthur Azevedo, mais uma chance: minha queridamiga Flávia Bittencourt (na foto sendo entrevistada pelo blogueiro, ontem) se apresenta hoje (31) no pós-São João da Maria Aragão. O show rola às 22h e é grátis. A banda: Bira (bateria), Mauro Izzy (contrabaixo) e Rui Mário (sanfona), além da própria Flávia, aqui e acolá, ao violão. No repertório, uma mescla de seus dois discos, Sentido (2005) e Todo Domingos (2009), e temas juninos.

Depois, Flávia volta ao Rio, em turnê do disco novo e já pensando no terceiro. Não percam!

CONTROL

Ontem à noite, em casa, a luz da sala apagada, vi Control [Inglaterra/EUA, 2007], em cópia que me foi passada pelo amigo André. O filme, ambientado na Inglaterra anos 70, é rodado em p&b, e mostra a trajetória de Ian Curtis, vocalista do Joy Division, que se suicidou aos 23 anos, em 18 de maio de 1980, véspera da banda inglesa partir para a sua primeira turnê nos Estados Unidos.

É um documentário, dirigido por Anton Corbijn, fotógrafo responsável por clássicos cliques da banda em atividade – depois da morte de Curtis, os remanescentes fundariam o New Order, a meu ver, sem o mesmo sucesso –, baseado em Touching from a Distance, livro escrito pela viúva do vocalista, Deborah Curtis (ou simplesmente Debbie), com quem teve Nathalie, filha única.

Cerca de duas horas com Curtis e banda (e mulheres), num daqueles filmes cujo final você já conhece: todo mundo sabe que Ian Curtis vai se enforcar. Não há tédio (além do de Curtis em seu desespero e insatisfação com o sucesso rápido) nem banalização do cinebiografado. Há rock’n roll (é Joy Division!), sexo (na única cena explícita Curtis e sua amante Annik Honoré aparecem sob um cobertor e ele termina chorando, remorso por trair a quem ama?) e drogas (sim, Curtis carrega vidros de remédios nas viagens, mas tentando conter surtos epiléticos), mais trilha sonora (Sex Pistols, banda que levou Curtis a tomar o rumo que tomou – ser artista, não suicida –, David Bowie, Buzzcocks, Iggy Pop – suicidou-se ao som de –, entre outros) que diálogos.

Sam Riley, desconhecido ator que encarna (literalmente) Ian Curtis, também é cantor e guarda com ele incrível semelhança, física, nos trejeitos de palco/dança e, possivelmente, até nos ataques.

Como todo suicida – pretensão do blogueiro – o artista deixou várias perguntas sem resposta, inclusive os motivos que o levaram a se enforcar. Arrisco o fato de não ter conseguido lidar com a rápida ascensão, o sucesso, a fama, o que hoje chamariam, insossamente de “o fato de ser celebridade”, palavrinha banalizada. Justo por que era um artista, de fato.

Pseudoartistas saem aos montes de programas de tevê, todos os dias. Todos bastante longe da genialidade de um Ian Curtis ou outros exemplos que poderíamos citar aqui aos montes. Pena, nenhum se enforcando. Ao contrário, abastecendo rádios e tevês (e portamalas de carros de malas) a cada dia com mais porcaria visual-sonora, por vezes provocando em nós, instintos suicidas (justo para não ver/ouvir aquilo).

Hoje de manhã, tomei café ao som de Joy Division.

EPOPÉIA PORNÔ N’O ESTADO

[Essa saiu nO Estado do Maranhão de domingo (26). Posto abaixo o texto como enviado ao jornal (lá os “palavrões” ganharam reticências) e a íntegra do trecho (em itálico o que não foi publicado).]

A VOLTA – EM GRANDE ESTILO – DE REINALDO MORAES

Novo romance de Reinaldo Moraes é clássico contemporâneo.

POR ZEMA RIBEIRO*
ESPECIAL PARA O ALTERNATIVO


[Pornopopéia. Capa. Reprodução]

Talvez o acento agudo em Pornopopéia [2009, Editora Objetiva, 475 páginas, R$ 54,90] seja a primeira provocação de Reinaldo Moraes em seu novo livro. Talvez. As novas regras gramaticais, que tirariam dali o acento, ainda convivem com as velhas, numa suruba ortográfica que perdurará ainda alguns anos – esta resenha, portanto, seguirá a opção do bom e velho Reinaldão. A segunda, usar sua própria imagem (ainda que tratada) na capa do livro: sim, Reinaldo Moraes, clicado por Ronaldo Bressane, lendo um texto na Mercearia São Pedro (Vila Madalena/SP) – “boteco literário” que tem cá no Bar do Léo (São Luís/MA) um primo distante – onde aconteceu, mês passado, o lançamento do livro. Mas isso é o de menos. Provocação mesmo é destilar fina putaria pelo calhamaço, sem pausas para respirar – mesmo o leitor ficando sem ar de tanto rir – ou mesmo para ir ao banheiro – um dos muitos lugares apropriados para a leitura: em público poderão suspeitar que quem carrega a volumosa epopéia pornô está tendo um ataque. De riso.

Pornopopéia provavelmente não será levado a sério. Justo pelo tom, excessivamente hilariante, grosseiro de certa forma, mas com algumas pitadas de lirismo. Como se Reinaldo Moraes estivesse dizendo, aqui e ali, “é isso aí, criticaraiada de merda!, eu sei que ‘cês não vão entender nada…” É a história de Zeca, cineasta marginal fracassado quarentão que vive de bicos como roteirista de vídeos institucionais e trambiques outros. Como conseguir a próxima cerveja, dose de uísque, carreira de pó e/ou buceta são suas grandes e urgentes preocupações. A doçura fica por conta da saudade do filho Pedrinho, que mora com a mãe, ex-esposa em progresso – processo que acompanha o protagonista ao longo da epopéia pornô e que não se contará aqui, por motivos óbvios.

Intimado a escrever, com mais urgência que as suas próprias, um roteiro para um vídeo institucional dos embutidos de frango Itaquerambu – frigorífico fictício com rima real, justo para permitir haicais sacanas, “grosseiros”, engraçados e bastante verdadeiros, mesmo numa obra de ficção, espalhados também por toda a obra – o protagonista acaba se envolvendo em aventura após aventura, num exercício de linguagem que dá voz às ruas, em vez de círculos (literários?) restritos, que na maioria das vezes em nada contribuem para despertar ou aumentar o interesse dos que ganham voz em Pornopopéia por… literatura. Embora, talvez, essa não seja a preocupação de Reinaldo Moraes.

O autor nos diverte. E, antes de tudo, se diverte. E nos brinda com uma grande obra, mais contemporânea impossível. Zeca, nosso (anti-)herói, não busca redenção, desculpas, perdão ou similares. Quer viver apenas o agora, como se fosse morrer na página seguinte. Reinaldo Moraes escreve como quem vai morrer na página seguinte. Os grandes temas, atualíssimos, traduzidos em Zeca são a busca pelo prazer a qualquer custo (sexo e drogas, não necessariamente nessa ordem) e o individualismo. A crítica preguiçosa – exceções há(verão) – certamente enxergará em Zeca apenas um hedonista filha-da-puta (quase uma redundância) e em seu autor, provavelmente, apenas um desbocado politicamente incorreto. Ou um sub-beat, tremenda injustiça. Eu prefiro acreditar que estamos diante do mais novo clássico – um dos melhores! – da literatura brasileira em todos os tempos. Embora essa, talvez, não tenha sido a preocupação de Reinaldo Moraes.

*Zema Ribeiro escreve no blogue http://www.zemaribeiro.blogspot.com

PORNOPOPÉIA – TRECHO

“Decididamente, aquele dedo no meu cu não estava no roteiro. Mas suruba é isso mesmo. Não há como evitar tais acidentes de percurso. Só mesmo o cabra vindo com uma rolha de champanhe enfiada na toba pra evitar que se lhe atochem algo lá dentro – além da rolha, claro.

“Foda é que aquela porra de dedo no cu começou a me dar uma puta duma caganeira, como, suponho, não diria Madame de Sévigné. Mas, desconfiando que merda fresca não ia combinar muito com a intensa espiritualidade sensorial que praticávamos à larga e à solta naquele pornoclaustro, fiz o impossível pra me segurar.

“A horas tantas, com a vontade de cagar já sob relativo controle, senti mais um gozo se aproximando. Tomei, pois, a liberdade e gozei bem no fundo daquele buzanfã amigo, deixando lá quanta porra eu ainda tinha de reserva. E sabe que na hora da gozada até que não é tão ruim assim ter um dedo enfiado no cu? Ajuda a relaxar o esfíncter, a próstata e toda a musculatura lisa envolvida na fisiologia do orgasmo, como diria o saudoso dr. Reich.

“Gozo gozado, ansiei por ter meu cuzinho livre de intrusões digitais. Pensei até em virar uma gentil cotovelada na cara da gorda pra ela se tocar disso, mas a fofa se antecipou e foi puxando o dedo pra fora, o que me provocou outra vez um perigosíssimo peristaltismo. Tive de empreender outro esforço hercúleo – e bota cúleo nisso – pra travar a rosca e não liberar o almirante barroso que ansiava por vir à luz, mesmo sem ter muita luminosidade disponível naquele porão.” (página 170).

INTERIORES LEMBRA PASSADO COM SAUDADE

Com beleza e leveza, Interiores, estreia do quarteto Argonautas, relembra passado que já não existe. Mas não dói ouvi-lo.


[Interiores. Capa. Reprodução]

“Vamos, morena,/ assistir àquela história no cinema”, começa Cataventos, faixa de abertura de Interiores [Radiadora Cultural, independente, 2009, pedidos pelo e-mail radiadora@gmail.com], inspirado disco do quarteto Argonautas, das mais belas coisas que ouvi recentemente. Continua, a mesma faixa: “Vamos reinventar um violão desafinado em noite de luar”.

Segue-se Arlequim, cujo acordeom de Ayrton Pessoa lembra em muito o Yann Tiersen das trilhas sonoras de O fabuloso destino de Amélie Poulain e Adeus, Lênin!. O amor de Margarida Flor se pergunta o que é o amor: “será que o amor só é amor se for distante?/ (…)/ será que o amor é pequeno ou é gigante?”

Por versos assim, o disco pode parecer água com açúcar. E de fato trata-se de trabalho extremamente doce, que nem o Qui nem jiló de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira pode amargar. Sua regravação para o clássico nordestino cita outras melodias do velho Lua.

No texto de apresentação no encarte do disco, os Argonautas entregam: “Interiores vem de uma sensação que todos parecemos compartilhar: a de que quando as cidades cresceram, quando o progresso veio, alguma coisa se perdeu, uma inocência e uma poesia que hoje quase não existem mais”. Alameda tenta resgatar essa coisa perdida: “Quero inventar outro porvir/ de outro viver/ e me encontrar n’outro lugar/ e pode ser que eu então me iluda”.

Pode-se, ainda que temporariamente, nos pouco mais de 35 minutos de duração do disco, esquecer o barulho infernal lá fora, o engarrafamento, a violência, os escândalos políticos. A música dos Argonautas é doce ficção. Ou melhor, a perfeita trilha sonora de uma doce ficção (escolha e imagine a sua preferida e faça de conta). Bate ou não uma sensação de Déjá vu (título da sexta faixa)? Uma saudade de um tempo que não volta mais?

“A paixão é maior que o bem-querer”, ensinam em Carolina, carnavalesca marcha romântica. Interiores nº. 2 lembra os bons tempos idos em que “todo o perigo que havia/ era roubar frutas nos quintais/ e flores nos varandais/ perder o bonde/ ou que se apagassem os lampiões a gás”, arrematando que “hoje são só saudade/ são só saudade/ era uma vez…”

Os Argonautas já estão entre meus herois musicais recém-descobertos: “agora eu era o heroi”, verso que abre João e Maria, parceria de Sivuca e Chico Buarque, é ouvido na sequência. Os vocais não deixam a dever a um Boca Livre dos bons tempos (e aqui bate mais uma saudade). “O que é que a vida vai fazer de mim?”, a pergunta-verso parece se encerrar com uma resposta: é demais a qualidade do trabalho do quarteto para que, raríssimas e honrosas exceções, é claro, toquem no rádio, invadam as telas de TV etc.

A inspirada Quintal é outro tema instrumental em que o acordeom se destaca. Além de Ayrton Pessoa (músico que assina também o projeto gráfico do disco), integram os Argonautas Rafael Torres (que assina a direção artística, ambos dividindo a produção), Germano Lima (contrabaixo) e Ronaldo Lage (percussão).

Com participação especial de Andréa Piol (voz), Canção para João de despedida, como o título anuncia, começa a avisar o ouvinte de que o fim do disco está próximo. Ela canta, retirante, Paraíba cearense: “João, meu menino João,/ vou-me embora dessa terra/ (…)/ não precisa tanta guerra/ pra saber quem sou, quem não/ sou menina, sou quimera/ sou mulher, mas sou joão/ de tão tua sou tão terra/ onde plantei tua solidão”.

Se “a mão que afaga é a mesma que apedreja” (Augusto dos Anjos), a faixa que batiza é a mesma que encerra o disco. Andamento acelerado, permeada de alegria: “sempre me vem como um vento a saudade de um tempo que eu nunca vivi”. E mais adiante: “vivo no século errado e me pego acuado sem poder sair”. Fossem outros tempos, certamente os Argonautas fariam sucesso. Comungando da mesma saudade que os acomete, desejo, sinceramente, estar errado. “Meu mundo é hoje” (Wilson Batista e José Batista) – e o deles também tem que ser. Que estes tempos se corrijam! Enquanto é tempo… Já é tempo!

[Tribuna Cultural, Tribuna do Nordeste, ontem. Gracias, CB, que me trouxe o disco de presente]

ONTEM

Na condição de assessor de imprensa do Clube do Choro do Maranhão evito (mas não muito, é verdade) tecer comentários sobre as atrações do projeto Clube do Choro Recebe ou mesmo pendurar aqui neste blogue os releases produzidos para os meios de comunicação.

Quando o faço, já disse várias vezes: nenhum sábado é igual a outro. Não apenas pela variedade de convidados. Há ocasiões em que não posso, no entanto, furtar-me de compartilhar alguns bons momentos passados sábado após sábado no Restaurante Chico Canhoto (Residencial São Domingos, Cohama).


[Foto: Ivo Segura]

Ontem, Josias Sobrinho [foto] voltava ao palco do projeto. Coincidência ou não, o compositor piauiense Naeno juntou-se à plateia durante a apresentação, ele que dividiu o palco com o maranhense, da primeira vez que o autor de De Cajari pra capital se apresentou ali, em 2007. Naeno, depois, brindaria o público presente com uma canja, mas isso é outro assunto – Ricarte inclusive revelou, em público, a vontade de levá-lo novamente ao projeto, como convidado; eu, lembrei que devo texto sobre o seu bom novo disco.

O Instrumental Pixinguinha, com formação improvisada, dava conta do recado no primeiro show da noite. Cheguei atrasado, mas a tempo de ver Ricarte anunciando, em inglês, Black ball, Bola preta, clássico de Jacob do Bandolim, entre outras executadas por, da direita para a esquerda, Wanderson (pandeiro), Henrique Jr. (violão), Juca do Cavaco, Ricardo Focca (bandolim) e João Neto (flauta), o flautista e o cavaquinhista aniversariante os únicos pixingas originais.

Josias Sobrinho, anunciado pelo apresentador do projeto como um grande compositor brasileiro, o que de fato é, iniciou sua apresentação, executando ao violão, com o acompanhamento do regional sem Focca, Naquele tempo (Pixinguinha/ Benedito Lacerda), música que “eu tocava muito isso em casa quando estudava flauta e talvez tenha levado Neto [o flautista, seu sobrinho] a se interessar por música, pelo instrumento. Não podia deixar de, nessa ocasião, tocá-la”, explicou, antes de emendar O Meu guri (Chico Buarque).

Se há uma palavra que possa traduzir a noite, além das óbvias magia e beleza, é humildade. Do posto de um dos maiores compositores maranhenses – e brasileiros, como antes bem dissera Ricarte – Josias, ontem, foi intérprete. Cantou Gago apaixonado (Noel Rosa), Samba de um minuto (Rodrigo Maranhão), A semente (Felipão/ Roxinho/ Tião Miranda/ Valmir da Purificação), sucesso de Bezerra da Silva, entre outras, e contou com a familiar participação especial de sua esposa, Lenita Pinheiro, que mandou bem em Maura (Oswaldo Melodia, pai de um Luiz de mesmo sobrenome) e Interessa? (Carvalhinho), do repertório do mais novo de Roberta Sá.

Só ao final, Josias cantou suas De Cajari pra capital e Terra de Noel. Provocado para um bis pela plateia, cantou Obsessão (Mirabeau/ Milton de Oliveira) e sua Dente de ouro, título de seu mais recente disco (2005). O compositor, ontem intérprete – de si mesmo, inclusive –, estava contente e satisfeito. O público presente também.

Deixei o choro em meio às canjas – Naeno, Cacá, Eudes Américo (convidado da semana que vem, ao lado de Chico Saldanha, Os Madrilenos como anfitriões) e Léo Capiba, que ia subir ao palco quando o táxi chegou para me levar dali ao Bar do Léo, para uma estica agradabilíssima com gente querida: Andréia, Salim e Joãozinho Ribeiro, que riscando o mapa do Brasil pré-II Conferência Nacional de Cultura, há tempos não via.

Nós seis – comigo estavam Graziela e mamãe – só deixamos meu bar predileto quando as portas de rolo desceram.

FLÁVIA BITTENCOURT EM SEXTA E SÁBADO DE DOMINGOS

Um atraso do amigo que me arranjaria o segundo ingresso para Todo Domingos [Teatro Arthur Azevedo, 21h, ontem (24)], show de lançamento do segundo disco de Flávia Bittencourt, dedicado à obra de Dominguinhos, deixou-me nervoso. Pelo celular, descobri que ele demoraria pelo menos vinte minutos para chegar até a porta do teatro, onde já estávamos, eu e minha mulher; faltavam cinco para as nove, hora marcada para o início do show.

Um balcão no bolso, uma plateia por chegar. Iríamos assistir ao show em lugares diferentes, eu e minha mulher. Cambistas ofereciam ingressos. Pensei em oferecer uma plateia por um balcão, sem volta, proposta certamente irrecusável – para eles. Desisti da ideia.

A produção não anunciou, mas a noite de ontem era só para convidados. Um par de amigas tentou comprar ingressos para a primeira sessão de Todo Domingos, sem sucesso. Não poderiam hoje, motivo de viagem. Penso que a estratégia tenha dado errado: além de cambistas oferecendo ingressos, disfarçadamente na porta do teatro, antes do início do espetáculo, a casa não estava completamente cheia (bueno, sobraram apenas algumas galerias completamente vazias).

O show teve o início atrasado em cerca de três quartos de hora (antes disso, o amigo do segundo ingresso havia chegado), o que começava a causar reações na plateia, que ensaiou imerecidas vaias por duas vezes. Silenciaram diante da voz que anunciava o espetáculo para “dentro de alguns instantes”. Mais um pouco e o público presente começava a bater palmas energicamente, como a forçar Flávia Bittencourt e banda a subirem logo ao palco.

O lustre do TAA, com aquela música breguíssima, subiu. A cortina se abriu e Flávia surgiu – rimas também breguíssimas, as deste observador – entoando Lamento sertanejo (Dominguinhos/ Gilberto Gil), que abre também o disco. A “bandominguinhos” era formada por Leandro Saramago (violão sete cordas), Rogério Fernandes (contrabaixo), Luiz Cláudio (percussão), Netinho Albuquerque (percussão), Dudu Oliveira (flauta e bandolim) e Wladimir (sanfona e teclado), com o perdão pela possibilidade da memória falhar.

Interpretando a obra de Dominguinhos, que transita sem choques entre o sofrimento nordestino – segundo Flávia Bittencourt, um estereótipo rechaçado pelo compositor – e a alegria do mesmo nordestino, a maranhense oscilava entre a timidez, não mera mise-en-scène, e a leveza descontraída dançante.

Eu só quero um xodó (Dominguinhos/ Anastácia), Contrato de separação (idem), única música que ela cantou sentada, Sete meninas (Dominguinhos/ Toinho), coco que ganhou ares de funk na levada dupla de percussões, Diz amiga (Dominguinhos/ Guadalupe), com a participação especial virtual de Dominguinhos que aparece tocando sanfona e cantando num telão, Arrebol (Dominguinhos/ Anastácia), pérola menos conhecida e rebuscada do repertório do pernambucano resgatada pela pesquisa de Flávia, Quem me levará sou eu (Dominguinhos/ Manduka), Retrato da vida (Dominguinhos/ Djavan), Tenho sede (Dominguinhos/ Anastácia), São João bonito (idem), tema junino, como entrega o título, mas de ares carnavalescos, Flávia se solta, dançante, pulante, contagiante, no palco.

Até aí, lembro da ordem do disco, sem bloco de anotações ou gravador à mão, ontem. No meio disso tudo, De volta pro aconchego (Dominguinhos/ Nando Cordel), música que não está no disco, com a plateia fazendo coro contente. Um abraço no Romeu (Dominguinhos) é o tema instrumental que Flávia anuncia que “estes músicos maravilhosos vão tocar. Eu volto daqui a pouco”. E volta, primeira troca de roupa.

Manda Seu Domingos (Flávia Bittencourt), composta por ela em homenagem ao compositor, quando ainda estava na pesquisa do repertório do disco, no que ele contribuiu muito, cedendo discos raros e simpatizando da ideia. Abre um parêntese, e toca Vazio (Flávia Bittencourt), música de sucesso radiofônico de seu primeiro disco, Sentido (2004). Sozinha ao violão, entoa Mar de rosas (Rose garden. Joe South, versão: Rossini Pinto), eterno sucesso dos Fevers, em arranjo mais condizente com o romantismo da letra. Um chato, num balcão quase vizinho ao meu começa a gritar gracinhas. Flávia disfarça a falta de jeito para lidar com a situação, sorri, se desconcentra e segue a letra, sem errar. Antes do próximo “você bem sabe” da letra, o imbecil pergunta-grita: “posso descer aí?”. Os seguranças demoram, mas chegam, e chamam o graça amarela para uma conversa. Ele volta, dali a pouco, mas não volta a atrapalhar o show. Se cambistas vendendo ingresso na porta do teatro já eram uma prova inconteste da má seleção de convidados, um perturbado(r) desse naipe será o quê?

Para o repertório do disco – e do show – Flávia Bittencourt pescou também “o único samba de Dominguinhos, pelo menos que eu tenha ouvido na pesquisa”, segundo anuncia: O babulina (Dominguinhos/ Anastácia), que homenageia ninguém menos que Jorge Ben, citando discos e composições como Os alquimistas estão chegando os alquimistas, Negro é lindo, Mano Caetano e País tropical.

Abri a porta (Dominguinhos/ Gilberto Gil), convertido em reggae de salão, fecha o espetáculo. Na melhor acepção da palavra. O bis demora um pouco e aqui e ali ouvem-se gritos de “sovina!”. De onde estavam flores penduradas compondo o cenário, pendem símbolos do bumba-meu-boi maranhense. A dupla de percussionistas surge cada qual com um pandeirão e outros músicos também entram na roda. Flávia Bittencourt ressurge em novas vestes, ainda mais solta que em todo o show, entoando Mimoso (Ronald Pinheiro), em medley com Boi de lágrimas (Raimundo Makarra), esta registrada em seu disco de estreia.

Em Todo Domingos (show e disco, sobre o que ainda escreverei), a obra de Dominguinhos está ainda melhor. Hoje (25) tem outra sessão, no mesmo horário. Os ingressos custam entre R$ 15 e R$ 40,00. Qualquer um que você pague, vale muito a pena.

E NO RIO…

A Azougue Maravilha lança mais um volume da coleção Encontros: Hélio Oiticica. A cada livro, a Encontros reúne entrevistas de uma figura ou um movimento. Antes do figura que batizou a Tropicália, já saíram volumes sobre o próprio movimento, Maio de 68, Rogério Sganzerla, Jorge Mautner, Vinicius de Moraes, Milton Santos, Gilberto Gil e outros.

Para ler mais sobre o lançamento no Rio, clique na imagem para ampliá-la.

HOJE DOMINGOS: FLÁVIA BITTENCOURT


[Foto: site FB]

Minha queridamiga Flávia Bittencourt se apresenta hoje (24) e amanhã, às 21h, no Teatro Arthur Azevedo. A cantora maranhense volta aos palcos de São Luís para apresentar seu novo disco, Todo Domingos, dedicado à obra do pernambucano Dominguinhos.

Em homenagem ao sanfoneiro, Flávia compôs Seu Domingos durante o processo de seleção das 13 faixas do repertório do álbum. Todas as demais são de autoria do homenageado. Estão lá Eu só quero um xodó, Contrato de separação (parcerias com Anastácia), Lamento sertanejo, Abri a porta (parcerias com Gilberto Gil), Sete meninas (com Toinho Alves), Quem me levará sou eu (com Manduca) e Diz amiga (com participação especial do próprio na gravação), entre outras.

Os ingressos custam R$ 40,00 (plateia), R$ 35,00 (frisa), R$ 30,00 (camarote), R$ 20,00 (balcão) e R$ 15,00 (galeria).

O áudio do segundo disco de Flávia Bittencourt está disponível em seu site. Ouça! E vá ao show! E compre o disco! E ouça de novo!…