Alexandra Nicolas promete bulir com o público em guinada rumo ao Nordeste

A cantora Alexandra Nicolas conversou sobre a nova empreitada artística com Homem de vícios antigos. Foto: Veruska Oliveira
A cantora Alexandra Nicolas conversou sobre a nova empreitada artística com Homem de vícios antigos. Foto: Veruska Oliveira

 

Os ritmos nordestinos já estavam presentes em Festejos [Acari Records, 2013], disco de estreia de Alexandra Nicolas, mais identificado com o universo do samba e do choro, seja pelo time de instrumentistas que a acompanha ali, bambas dos gêneros, ou pelo compositor que gravava: o repertório era inteiramente dedicado à obra de Paulo César Pinheiro.

Em temporada que inicia nesta sexta-feira (2 de setembro), às 21h, na Praça Nauro Machado (Praia Grande), o Nordeste deixa a periferia para ocupar o centro das atenções. Na ocasião, a cantora realiza o primeiro de sete shows gratuitos com que percorrerá diversas praças públicas de São Luís, além de lançar o videoclipe de Bulir com tu (Antonio Barros e Cecéu), repescada do repertório de Marinês e, já em sua voz, um hit em rádios locais e redes sociais. O videoclipe tem participação especial do bailarino Carlinhos de Jesus, que virá à São Luís para a apresentação de encerramento da temporada, marcada para 10 de dezembro (sábado), no Espigão Costeiro da Ponta d’Areia.

A temporada passa ainda por Praça da Saudade (Madre Deus, 16 de setembro), Igreja de Santa Teresinha (Filipinho, 1º. de outubro), Largo da Igreja de Nossa Senhora da Conceição (Monte Castelo, 15/10), Praça da Igreja de Nossa Senhora de Nazaré (Cohatrac, 4 de novembro) e Parquinho da Avenida Litorânea (11/11).

“Meu coração sempre bateu mais forte para os ritmos da minha região. Tenho certeza que nasci pra cantar o meu Nordeste. É bem simples, quando eu ouço meu corpo responde”, revela a cantora ao Homem de vícios antigos. “Tudo mexe e remexe aqui dentro e minha alegria e orgulho ficam estampados no rosto. Adoro o jeito de fazer música dos nordestinos. Eles são faceiros, entusiastas e compartilham alegria, abundância, conquista e até quando se fala de dor, nostalgia e saudade tem humor. E eu vivo assim, desse jeito, vendo o lado bom de tudo. E pra ser bem honesta de fato e de direito, eu me encanto com o jeito que eles falam da mulher. Ela tem cheiro de erva, tem gosto de fruta e tem a cor do sertão”, continua.

Patrocinada pela Potiguar, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão, a temporada servirá para mostrar este outro lado da versátil Alexandra Nicolas, mas será também um teste para o repertório do disco novo, cujo título também é Bulir com tu, a ser lançado em 2017. Ela confessa que a escolha não tem sido fácil, mas duplo sentido inteligente, de que o dial anda tão carente, tem presença garantida. Os testes, aliás, começaram no período junino: “a resposta foi forte!”, celebra.

“Escolha complicada e difícil, pela quantidade de música boa que chega pra mim. Já tenho material pra gravar disco por toda a vida. Não existe nesse mundo homem pra falar de sexo de forma mais inteligente do que o nordestino. Não tem! Primeiro o desejo, é aquele que dá água na boca e tem até forma, dá pra ver na música, é cinematográfico. Antigamente, a censura fazia com que eles arrodeassem o assunto de todo jeito e isso deu passagem para o duplo sentido inteligente, sagaz e cheio de malícia refinada, campo no qual João do Vale era rei”, afirma, citando um dos autores escalados para a seleção, ou devo dizer “bulição”? Outros nomes já definidos são os também maranhenses Betto Pereira, João Madson e Ronaldo Mota.

Outro maranhense que comparecerá é Zé Américo Bastos, com longo currículo de bons serviços prestados à música brasileira, durante muito tempo produtor de Elba Ramalho, com talento posto à prova também em discos de Alceu Valença, Alcione, Ednardo, Gilberto Gil e Vicente Barreto, outros ícones nordestinos que dispensam apresentações.

Ela conta como se deu o re-encontro: “Zé Americo, antes de maestro, é tio de minha infância, amigo do meu pai, parte integrante das festas na casa de minha avó. Papai sempre disse que Zé , era o maestro certo pra mim. A vida deu muitas voltas, até que Betto Pereira, meu amigo de fé, meu irmão camarada, repetiu essa frase de meu pai. Aí se tornou imperativo pra mim. Segui o conselho do amigo e fomos juntos até a casa dele no Rio. O encontro foi emocionante. Como tenho juízo, tomo a benção pra Zé, até hoje. Esse detalhe eu acho que já revela tudo”.

Bulir com tu, primeira música de trabalho do novo disco, vem dando a tônica do que serão disco, videoclipe, shows e as aparições surpresa em que aparece cantando, acompanhada de Wendell Cosme (bandolim e cavaquinho), seu diretor musical, que vem angariando inúmeras curtidas e compartilhamentos nas redes sociais – a banda que a acompanhará ao longo da temporada se completa com Carlos Raqueth (contrabaixo), David Ginja (sanfona), Edson Reis (percussão), Gil Costa (vocal), Jonny Wekner (teclado), Lee Fan (sax e flauta), Nataniel Assunção (bateria), Rony Cravo (vocal) e Wanderson Silva (percussão).

“Tenho muitos mestres na vida, graças a Deus! Essa escolha eu devo a um deles: Arlindo Carvalho. É o grande culpado dessa escolha. Ele me deu de presente de aniversário em 2013 uma cópia do CD de Marinês e sua Gente, 50 anos de Forró, idealizado por Elba Ramalho e produzido por Marcos Farias em 1999, no qual Marinês faz duetos com grandes ícones da música nordestina, gente da gente. É um disco pra se ter pro resto da vida e passar de gerações pra gerações”, comenta o achado. “Ali estava o filme da minha infância, da minha vida de menina, que nasceu e foi criada na batida do forró. Lá estava meu novo xodó, Bulir com tu, que por sinal Marinês divide com o próprio produtor. Nascia ali minha frase de trabalho: “eu vou bulir com tu”, revela. É mais que uma promessa: ela bole mesmo, este repórter atesta.

Para ler e reler (e deixar mais doce a vida)

Trinta e poucos. Capa. Reprodução
Trinta e poucos. Capa. Reprodução

 

Qualquer assunto é tema para Antonio Prata e essa versatilidade também faz dele um grande cronista. Trinta e poucos [Companhia das Letras, 2016, 226 p.; leia um trecho] reúne um punhado de crônicas suas publicadas desde 2010 no jornal Folha de S. Paulo.

Do relacionamento à paternidade, passando por futebol, infância, tecnologia, Deus, Keith Richards, procrastinação, cirurgia plástica, cinema e muito mais, qualquer assunto é tema para Antonio Prata, insisto.

A crônica, esse gênero legitimamente brasileiro, tornado grande literatura por nomes como Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Nelson Rodrigues, entre outros – não à toa todos citados na seleção de Trinta e poucos –, encontra em Antonio Prata um dos melhores nomes a garantir a continuidade desta tradição, hoje, no país.

Por detrás de textos aparentemente simples, descolados do compromisso com o factual, o calor da hora, tão caro às principais manchetes dos jornais, a crônica pode ser erroneamente vista como gênero menor. No fim das contas, tudo acaba forrando obra ou embrulhando peixe, como tira sarro o próprio Prata. E talvez aí resida a necessidade de o autor reunir as melhores em um livro, a que os afeitos às tecnologias podem achar desnecessário: livro? Que coisa mais obsoleta! Ainda mais com textos já publicados em jornal, outros torcerão o nariz.

Por detrás de textos aparentemente simples, insisto, toda a sensibilidade e um misto de erudição e cultura de almanaque do autor – em Saída para o mar, por exemplo, ele cita a Wikipedia como fonte. Engana-se quem pensa, no entanto, que é fácil ser cronista. Que é fácil ser Antonio Prata.

Filho do Mário (como assim, que Mário?, ele também uma referência, também personagem), Antonio Prata tem quase quarenta, como entrega o título do presente volume, e já tem, mesmo tão jovem, seu lugar garantido em algum panteão ao lado de todos os citados – inclusive Luis Fernando Veríssimo e Humberto Werneck, de quem também lembra em textos ao longo de Trinta e poucos, o bom humor sempre presente, outra característica sua.

A vida é que nem rapadura: é doce, mas é dura, diz o dito popular. Pode ser mais doce ou mais dura. Depende, certamente, se você lê ou não Antonio Prata.

Sérgio Sant’Anna partilha memórias em novo livro

O conto zero e outras histórias. Capa. Reprodução
O conto zero e outras histórias. Capa. Reprodução

 

Para os leitores que, qual este resenhista, se maravilharam com o soberbo O homem-mulher [Companhia das Letras, 2014, 184 p.], a espera até que não foi tão grande: dois anos depois daquele grande livro, Sérgio Sant’Anna, gênio absoluto da narrativa curta no Brasil, lança O conto zero e outras histórias [Companhia das Letras, 2016, 173 p.; leia um trecho].

O carioca mergulha na própria memória para escrever os 10 contos do volume. No conto que dá título ao livro, a lembrança de sua passagem, adolescente, por Londres, entre “a tonteira do corpo e a emoção da transgressão”, ao tragar, com o irmão, o primeiro cigarro, um samba de Noel Rosa aprendido com o pai, o primeiro beijo e o primeiro namoro.

Flores brancas é um conto de amor e desamor, dos desgastes provocados pelo cotidiano, certa necessidade de aventura e sobre a amizade, essa delicada forma de amar. O protagonista, como foi o autor, é funcionário da Justiça do Trabalho e professor universitário.

A participação de Sérgio Sant’Anna, então um autor iniciante (havia estreado com Os sobreviventes, em 1969), no Programa Internacional de Escritores (International Writing Program), na Universidade de Iowa, Estados Unidos, é rememorada em Vibrações, narrativa fragmentada, feita de colagens de lembranças, mais de 40 anos depois. Sem caretice, o autor, ali chamado simplesmente pela inicial S, lembra escritores, poemas, casos, drogas e álcool – sempre com o bom humor que lhe é peculiar, lembra, por exemplo, que o programa era apelidado de International Drinking Program, devido aos rios de álcool ingeridos pelos participantes. O tema é retomado em Caminhos circulares.

No prefácio de 50 contos e 3 novelas [Companhia das Letras, 2007, 624 p.], José Geraldo Couto anota que conto é tudo aquilo o que Sérgio Sant’Anna deseja transformar em conto, parafraseando o “conto é tudo aquilo que chamamos conto”. No comovente A bruxa, neste O conto zero, o autor parte de uma situação prosaica, o inseto que batiza o conto, uma espécie de libélula, pousado em seu quarto com vista para o Cristo Redentor, para lembrar Clarice Lispector, musa que chegou a conhecer. Trata o inseto como se este fosse um sinal da presença do espírito da escritora. “De todo modo, muitas vezes fantasiei que voltava à sua casa e partilhava sua cama com ela. Mas não ouso escrever nenhuma vulgaridade sobre Clarice”, confessa.

O museu da memória, conto que encerra o livro, é uma espécie de síntese deste reencontro – embora saibamos que ele nunca se perdeu – de Sérgio Sant’Anna consigo mesmo. Ou melhor: um reencontro dele com suas origens, algo como “por que eu me tornei escritor”, onde surgem temas caros à sua ficção, como sexo, futebol e música.

“No museu da memória há a lembrança de quando eu tinha uns quatro anos, cortando-me com o aparelho de meu pai, ao imitá-lo fazendo a barba. Ah, quando terá começado este verdadeiro eu?”, finaliza.

Dicy Rocha: de Flor de Cactus a Rosa Semba

Em entrevista a Homem de vícios antigos a cantora relembra sua trajetória enquanto se prepara para participar do show Toca Raul, do amigo Wilson Zara. Ela está às voltas também com o lançamento de Rosa Semba, seu disco solo de estreia

A cantora Dicy Rocha. Foto: Afonso Barros
A cantora Dicy Rocha. Foto: Afonso Barros

Foi o acaso quem apresentou Dicy Rocha e Wilson Zara. Foi o cantor que transformou o trio formado por ela, sua irmã Jovinha Rocha e Helyne Julle em Flor de Cactus. Logo o grupo passou a acompanhá-lo em apresentações em festivais por municípios da região e no Caneleiros Bar – mítico bar que Zara manteve durante certo tempo em Imperatriz, onde se apresentaram nomes como Jorge Mautner, Tetê Espíndola, Ednardo e Tadeu Franco, entre outros.

Natural de Coroatá, Dicy chegou a Imperatriz aos quatro anos de idade. Hoje vive em São Luís, onde prepara o lançamento de seu primeiro disco solo, Rosa Semba. É assessora de comunicação e mobilização social da Agência de Notícias da Infância Matraca e do Centro de Cultura Negra do Maranhão.

Dicy e Zara se reencontram, desta vez não por acaso, nas duas edições de Toca Raul, tributo a Raul Seixas que ele apresentará em São Luís [hoje, às 21h, na Praça dos Catraieiros, Praia Grande, com abertura de Marcos Magah e Tiago Máci e participação especial de Louro Seixas] e Imperatriz [dia 27 de agosto, às 22h, no Rancho da Villa, com abertura de Nando Cruz e Tony Gambel], com patrocínio da Potiguar, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão.

Em entrevista a Homem de vícios antigos, a cantora Dicy Rocha fala sobre o início da carreira, o encontro com Zara, de sua generosidade, das mudanças para Imperatriz e São Luís e, é lógico, de música.

Dicy Rocha lembra as origens e fala do momento atual de sua carreira em entrevista. Foto: divulgação
Dicy Rocha lembra as origens e fala do momento atual de sua carreira em entrevista. Foto: divulgação

Qual a sensação de reencontrar Zara no palco?
É muitíssimo especial, uma saudade já experimentada. O Wilson é um artista admirável. Com ele, eu e minhas irmãs, do Trio Flor de Cactus, colecionamos boas  lembranças e aprendizados. Será ótimo estar com ele e seu público, que é um espetáculo à parte. É pra matar, ou melhor, deixar mais viva a saudade.

O início de sua carreira foi no Flor de Cactus. Como foi o encontro do trio com Zara?
O trio já existia. Nós – eu, minha irmã Jovinha Rocha e Helyne Jullee – estávamos envolvidas com a música desde os oito anos de idade. Nossa musicalidade era explorada mais especificamente em volta da nossa vivência na comunidade católica que fazíamos parte, a de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, na cidade de Imperatriz. Mas foi Wilson quem nos viu e ouviu como Flor de Cactus. Ele chegou um dia no portão da minha casa, procurando o endereço de umas mulheres, que alguém havia indicado pra fazer o vocal de apoio do seu show de tributo a Raul. Lembro que faltavam poucos dias para o show e a cantora Lena Garcia, que fazia parte da banda, não poderia mais acompanhá-lo, por problemas de saúde. Assim, ele bateu por lá procurando essas cantoras. Me pergunto até hoje, se não foi equívoco: o espanto era notável ao encontrar um trio de adolescentes. Então o convite feito foi aceito, agarramos com felicidade e muito empenho, pegamos o repertório em pouco tempo e fomos fazer o show. Após o show, o convite foi estendido para continuamos as apresentações no Caneleiros Bar, e fomos em festivais e outros municípios vizinhos, já como Flor de Cactus. Assim, nós o acompanhamos e depois dividimos muitas cantorias, ainda continuo.

Você é de Coroatá. O que te levou à Imperatriz e depois te trouxe à São Luís?
Cheguei em Imperatriz pequena, aos quatro anos de idade. Meus pais buscavam outras possibilidades de vida. Deixamos então a beira do Itapecuru pelas margens do Tocantins. Ficamos por lá acho que uns 20 anos. A música foi quem me carregou a primeira vez pra ilha. Eu, as meninas do Flor de Cactus e Lena Garcia passamos um tempo vivendo a delícia de cantar quase todos os dias pelos bares e casas da época. A noite aqui fervilhava de cantores e cantoras, até na minúscula lanchonete perto de onde morávamos rolava música ao vivo. Conhecemos e convivemos com grandes músicos e grandes pessoas nessa temporada na ilha, Celson Mendes, Josias Sobrinho, Carlinhos Veloz, Dona Teté, Banda Guetos, Luciana Pinheiro e tantos queridos e queridas. Com o tempo, outras atividades nos afastaram aos poucos do palco. Voltei para casa novamente, e depois de três anos a dor foi quem me trouxe pela segunda vez à ilha. Após perder meu pai em um trágico acidente de carro foi importante pra aquietar o coração e recomeçar. Não demorou muito e o ritmo da ilha começou a me levar novamente para o palco.

Você é jornalista de formação. A música sempre foi um ofício paralelo? Você tem vontade de ele ocupar mais espaço entre teus afazeres?
Minha formação é Comunicação Social com atuação em Marketing e Propaganda. Sou assessora de comunicação e mobilização social na Rede Amiga da Criança e no Centro de Cultura Negra do Maranhão. Sempre estive fazendo outras coisas além da música, é uma correria boa. Tenho pensado bastante sobre isso, afinal o meu primeiro disco está chegando e com ele outras demandas, assim me preparo para estar mais disponível para esse projeto. Quem me conhece bem sabe que eu não busco viver através da música, ela e uma vivência cotidiana muito forte para além do palco, experimento o movimento oposto e são as experiências, as pessoas e toda essa mística que vem se traduzindo para o meu ofício musical.

Da MPB do Flor de Cactus você acabou enveredando na carreira solo por uma linha mais ligada ao universo do reggae e da black music, com o disco Rosa Semba. O que te levou a esta guinada?
Eu e as meninas do Flor de Cactus nem pensávamos muito no futuro com a música, mas era bem certo e sabíamos que nosso destino era estar sempre cantando. Todas nós estamos até hoje envolvidas atividades musicais. A alma do nosso trabalho refletia muito das descobertas e tudo que estávamos tendo acesso em conteúdos musicais na época. Acabamos por ter um repertório bem especial e incomum para os bares na época. O trabalho solo veio da minha aproximação com uma turma muito massa, compositores e jovens músicos como Elizeu Cardoso, João Simas, Beto Ehongue e o meu marido, o produtor cultural e DJ Joaquim Zion, de onde veio o incentivo maior pra esse retorno.  É muito do movimento da vida, com tantas pessoas, com o movimento social e estando atenta aos sons daqui, seja da cultura popular, roots reggae, que o Rosa Semba chegou a mim.

Ouça Rosa Semba (Beto Ehongue):

Saraus de choro em praças públicas de São Luís vão virar programas na TV UFMA

Em entrevista a Homem de vícios antigos o professor Silvano Bezerra, diretor da emissora universitária, comenta a parceria firmada com a produção do projeto RicoChoro ComVida na Praça

Desde a inauguração da TV UFMA, em outubro passado, o canal vem sendo conduzido pelo professor doutor Silvano Bezerra. Um enorme desafio, sobretudo em virtude do atual momento político por que passa o Brasil.

Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2005), Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba (1998), professor do Curso de Comunicação Social e do Programa de Pós-graduação em Cultura e Sociedade (Mestrado – PGCULT) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), o diretor da TV UFMA é otimista em relação ao futuro da emissora universitária.

Em entrevista a Homem de vícios antigos, Silvano Bezerra destaca a qualidade tecnológica da emissora recém inaugurada, que pode ser assistida no canal 54 (TV aberta) ou 16 (TVN). O professor comenta ainda a programação da emissora e a parceria firmada com o projeto RicoChoro ComVida na Praça, que transformará em programas de televisão os nove saraus produzidos por Ricarte Almeida Santos, que têm início no próximo sábado (20 de agosto).

O professor Silvano Bezerra, diretor da TV UFMA. Foto: Rosana Barros
O professor Silvano Bezerra, diretor da TV UFMA. Foto: Rosana Barros

A TV UFMA tem demonstrado preocupação em valorizar a cultura do Maranhão. Você acredita que é este o caminho a ser perseguido por uma emissora universitária?
As TVs universitárias federais têm, mais que qualquer outra emissora, a preocupação de fazer com que as manifestações culturais e os valores artísticos locais estejam em suas grades de programação. As TVs das instituições federais de ensino têm muito clara a responsabilidade de se traçar um caminho diferente daquele que a TV aberta no Brasil faz, que tem sido o de ressaltar e valorizar a vida e as práticas da região Sudeste, fechando os olhos para a riqueza cultural e artística presente não só no Maranhão, mas nas demais regiões deste imenso país. Desde que surgiu a ideia de criar a TV UFMA, uma convicção se impôs: a de firmar-se como emissora diferente das demais, porque, mais que qualquer outra, ela carrega o DNA da UFMA, e por isso está comprometida, na raiz, com o saber, com a consciência crítica e com a cidadania. Razão pela qual mantemo-nos vigilantes em relação à qualidade daquilo que somos capazes de gerar em nosso espaço de produção televisiva. E qualidade significa, também e acima de tudo, que é nossa obrigação, manter vivos os vínculos com as coisas de nossa terra e de nossa gente. Gosto sempre de dizer que a TV UFMA acabou de vir ao mundo, e dentro de um espaço muito complicado para a produção televisiva como é a realidade das instituições federais. Mas sabemos também que, mesmo com as dificuldades do atual momento político e econômico do país, podemos estabelecer programação de excelente nível educativo e cultural.

No que a TV UFMA está pensando em relação aos nove saraus do Projeto RicoChoro ComVida na Praça?
Cada um dos saraus da programação do Projeto RicoChoro ComVida na Praça será transformado em programa de TV, com a finalidade de ser exibido no primeiro semestre de 2017. No total, serão nove programas. Gostaríamos de exibi-los antes, mas ainda temos algumas limitações de profissionais dentro da TV, por motivos óbvios de contenção orçamentária decorrente da crise que o país enfrenta. Além disso, vamos enviar esses programas para outras emissoras universitárias, que integram a ABTU (Associação Brasileira de Televisões Universitárias) e as TVs vinculadas à Associação da ANDIFES [Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior], e também disponibilizá-los em rede, em formato HD cheio, para a Televisión America Latina (TAL), nossa parceira na troca de conteúdos para a América Latina. Vamos, também, fazer a cobertura dos saraus, que será exibida em nossas páginas nas redes sociais.

Como foi estabelecer essa parceria, que afinal de contas, acaba sendo interna, tendo em vista que Ricarte Almeida Santos, produtor de RicoChoro ComVida na Praça, apresenta um dos mais longevos programas da Rádio Universidade FM, o Chorinhos e chorões?
Porque habitamos o mesmo espaço institucional, é bem mais fácil reconhecer as competências, as qualidades e o tipo de compromisso que os colegas que militam na área têm com a vida mediática. Conheço o trabalho de Ricarte Almeida Santos há algum tempo, e sempre destaquei, onde fui chamado a fazê-lo, o excelente trabalho que realiza na FM Universidade. Ao bom trabalho de apresentador, Ricarte ajunta o de pesquisador qualificado, o que empresta maior qualidade ao que faz como homem de comunicação. Assim que fui procurado por ele e equipe para que nos integrássemos ao Projeto RicoChoro ComVida na Praça, vi a grandeza e a qualidade da iniciativa, e, de pronto, aderimos à ideia de levar excelentes músicos e grande repertório às praças públicas de nossa cidade. Esta é uma iniciativa pioneira que merece não só o nosso apoio, como nossos aplausos.

Qual a estrutura atual da TV UFMA?
A TV UFMA foi pensada para ser uma emissora de porte médio, e isso foge ao comum das TVs universitárias, que em geral são pequenas e bem modestas em termos de recursos técnicos. Montamos uma TV digital como poucas no universo tanto das universitárias quanto das particulares. A TV UFMA tem um parque tecnológico muito bem montado, e com recursos que lhe dão excelente autonomia. Somos a única TV universitária brasileira que conta com Media Asset Manegement, recurso que só se encontra em cabeças de rede. Contamos com dois grandes estúdios, um dos quais hospeda o jornalismo da emissora, que está em fase de organização e testes; temos duas salas de corte; 18 salas de trabalho, 10 ilhas de edição, recursos para gravação de áudio profissional, grua, travelling entre outros mais. Na parte de transmissão, contamos com dois transmissores, um gerador de energia, no-break de alta capacidade e uma torre de 110 metros. E estamos nos preparando pra enfrentar o desafio da TV UFMA em Imperatriz. Inclusive já temos o canal para a localidade. Falta-nos, porém, contratar mais profissionais para atender às necessidades de produção, o que ainda é um obstáculo, por razões já referidas.

Comente um pouco da programação da TV UFMA.
A TV UFMA, como disse, acabou de nascer, mas vem produzindo programas em ritmo crescente. Hoje, conseguimos exibir cerca de cinco a seis reportagens diárias, e acham-se em exibição alguns outros, e outros encontram-se em fase de produção, como: Perfil, programa de entrevistas; Tempo Rei (interprograma); o EntreLetras, que fala de livros e produção bibliográfica; Portugal sem fronteiras, que expõe reportagens produzidas em Portugal; Bem na foto, programa que dá dicas do fazer fotográfico; 100 anos do samba (programa documental); 50 anos da UFMA; Duplo sentido (programa sobre semelhanças da língua hispânica com o português); Orquestras do Nordeste  e mais outros que estão em curso. Iniciamos, também, as transmissões do sinal da TV Cultura, a nossa cabeça de rede.

Silvério Pontes promete grande roda de choro durante palestra com Zé da Velha

Encontro da dupla com músicos e estudantes acontece hoje (19) na UFMA

Zé da Velha e Silvério Pontes voltam à São Luís para a edição inaugural de RicoChoro ComVida na Praça. Foto: divulgação
Zé da Velha e Silvério Pontes voltam à São Luís para a edição inaugural de RicoChoro ComVida na Praça. Foto: divulgação

O projeto RicoChoro ComVida na Praça terá sua edição inaugural realizada amanhã (20), às 19h, de graça, na Praça Gonçalves Dias (Largo dos Amores, Centro), tendo como atrações o DJ Franklin, Instrumental Pixinguinha e a dupla carioca Zé da Velha (trombone) e Silvério Pontes (trompete), com a participação especial da cantora Flávia Bittencourt.

Mas o projeto começou antes. Além dos preparativos óbvios, desde a aprovação na Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão, o que permitiu seu patrocínio pela TVN, viabilizando a realização de nove saraus em praças públicas de São Luís, teve seu lançamento oficial na noite de terça-feira passada (16) na Quitanda do Chef (antigo Restaurante Barulhinho Bom, Rua da Palma, nº. 217, Praia Grande).

E a programação segue, antes da estreia. “Um projeto como esse envolve diferentes vertentes, para além da fruição musical, que é também muito importante. Mas traremos, a cada sarau, professores e estudantes da rede pública para presenciar espetáculos que se preocupam também com a formação de plateia. E aproveitaremos a vinda de nomes do cenário nacional para intercâmbio com músicos e estudantes locais e interessados em geral”, promete Ricarte Almeida Santos, produtor da empreitada.

Ele refere-se, por exemplo, à oficina que Zé da Velha e Silvério Pontes irão ministrar hoje (19), às 15h, no Anfiteatro de Comunicação, na Cidade Universitária Dom Delgado (Bacanga, ao lado da Rádio Universidade FM), gratuita. Originalmente uma palestra com o tema “O trombone e o trompete no choro”, Silvério Pontes promete extrapolar o formato.

“Nesta oficina, vamos abordar o tema de como se pratica a música instrumental, como se vive, como se elabora, vamos lembrar os nossos 30 anos de parceria, eu e Zé da Velha. Levaremos alguns choros escritos, e peço que todos os músicos levem seus instrumentos, pois faremos uma grande roda para exemplificar a maneira que pode ser tocado o choro, didaticamente e com o coração, misturando a música, mostrando como a coisa funciona, elaborando da maneira que nós tocamos e da maneira que as coisas são feitas”, adianta.

Silvério Pontes comentou ainda a importância e o sentimento de participar da edição inaugural de RicoChoro ComVida na Praça, e destacou também a importância de Ricarte Almeida Santos e seu programa dominical na Rádio Universidade FM, o Chorinhos e Chorões, para a articulação da cena choro no Maranhão.

“É uma maravilha poder participar. Ricarte é um guerreiro, um lutador por essa música. Há anos tem um programa de rádio que batalha pela boa música na ilha e é um cara que divulga todos os músicos, sejam novos, de meia idade, ou velhos chorões, ele valoriza igualmente. Ele tem essa preocupação em preservar um gênero que existe há mais de 150 anos, e preservar de uma maneira linda. Todo domingo ele divulga, corre atrás. A gente tem o maior prazer em poder participar desse projeto, que deveria acontecer todo ano, por que são Luís é um celeiro de bons músicos, uma cidade que respira música, não só o choro, mas todos os gêneros, tambor de crioula, bumba meu boi, música de sopro, enfim, é uma cidade rica musicalmente, em compositores, artistas, a cidade respira isso. Pra gente é uma honra abrir esse projeto, que é o RicoChoro ComVida na Praça, ainda mais sendo conduzidos por um cara que tem esse preocupação com essa música”, afirma.

[Zé da Velha e Silvério Pontes já estão em São Luís. Ontem, a caminho do aeroporto, falei ao telefone com o trompetista e escrevi o texto acima, distribuído aos meios de comunicação da ilha]

Areia, sol, sal, limão e vidas

Ostreiros. Capa. Reprodução
Ostreiros. Capa. Reprodução

Ostreiros [Pitomba!, 2016, 120 p.] surgiu quase por acaso, da ida de Bruno Azevêdo à praia e o hábito de sol, cerveja e ostras. O reencontro com um ostreiro, algo raro, dados os quilômetros de orla que percorrem a pé, munidos de seus isopores, instigou-o a fotografá-los e, a partir dali, contar suas histórias. Aliou à empreitada a antropóloga e fotojornalista Ana Mendes com quem passou alguns meses frequentando as praias da ilha – Raposa, Calhau, Caolho, Olho d’Água e Araçagy –, aliando trabalho e diversão.

A grande sacada do livro da dupla é, justamente, passar longe de qualquer academicismo ou tentativa de sociologização das coisas – no caso, das pessoas ali retratadas, em foto e texto. Quando passa mais perto disso é para explicar o porquê de a foto de uma criança ostreira – herdeira do ofício de avô e pai, este também iniciado menino na atividade – não poder mostrar seu rosto, a demonstrar a ambiguidade da legislação brasileira, que, bastante rígida, não consegue evitar as mazelas que pretende combater.

“Fotógrafos? Etnofotógrafos? Antropólogos? Na verdade o que vejo aqui no Ostreiros é o trabalho de contadores de história”, resume Pedro Garcia, o Cartiê Bressão, no texto da quarta capa. Bruno e Ana misturam-se a ostreiros, flanelinhas, ambulantes e toda a fauna típica da orla da ilha, inclusive na tiração de onda entre eles mesmos.

É um livro que relata dramas, mas em que em determinados momentos desperta deliciosas gargalhadas. Não se trata de um volume de perfis biográficos: os textos e fotografias de Ana e Bruno são mais livres que enquadramentos em categorias literárias. “Ostreiros é um livro de afetos (…). É, por isso, um livro do “olho no olho”, muito sincero, bonito e necessário”, arremata, na orelha, o poeta Josoaldo Lima Rêgo.

Ostreiros traz em suas páginas a linguagem das ruas – ou melhor, das areias – e as manhas do ofício: o papo de vendedor, os brindes que sempre rolam para o bom freguês (quando uma dúzia pode ter 13 ou 14 ostras), a cerveja a que muitos se dispõem a beber junto (e talvez não o façam mais pela falta de costume dos fregueses em oferecer, como o faz a dupla de autores) e deliciosas histórias, de leitura fácil e rápida, mas sem simplismos.

Toda a experiência foi postada em redes sociais – instagram, facebook – ao passo em que o livro era feito, desde antes mesmo de surgir a ideia do volume, que é a materialização e organização do conjunto, disponível na internet. Quem se contenta com o virtual não vai sacar, por exemplo, a textura de isopor da capa, com o título estampado em uma fonte que imita a vernacular do ostreiro Josivan, o “Buchudo”, pintada por ele na caixa com que percorre as praias da ilha, mantendo o capricho editorial, padrão da editora Pitomba!

Incontáveis dúzias de ostras foram consumidas na colheita dos retratos e relatos, que a dupla não ia empatar com sua labuta a alheia, afinal de contas, “o cara não quer saber na segunda-feira se tu vendeu ou não. Ele quer saber do dinheiro dele”, como dá a real o ostreiro Dominguinhos, que vende ostras catadas por terceiro.

A ele e todos os personagens retratados, Bruno Azevêdo – exército de um homem só à frente (e por detrás) da Pitomba!; Ana Mendes está em Mato Grosso – tem feito o esforço de entregar exemplares, para que se vejam e se leiam – e aos que não sabem fazê-lo, em meio ao sarro mútuo típico de quando os personagens se encontram, o autor/editor tem lido para eles. Outra história comovente que caberia num making of.

A noite de autógrafos de Ostreiros acontecerá dia 26 de agosto (sexta-feira), às 19h, na Casa de Nhozinho (Praia Grande).

Frutífero encontro

Dio & Baco. Capa. Reprodução
Dio & Baco. Capa. Reprodução

 

Eugênio Dale e Suely Mesquita fundem-se na capa de Dio & Baco [2015], disco de acentuada pegada pop que dividem. O repertório é quase todo formado por parcerias da dupla – as exceções são Pactocombaco (apenas dele) e Zona e progresso (dela com Pedro Luís e Aricia Mess).

Facilmente assoviável e altamente radiofônico, Dio & Baco é mais escancaradamente etílico apenas nas exceções e em Cortina de fumaça (Suely Mesquita e Eugenio Dale): “Saindo de manhã eu nem olhei pra trás/ pergunta se água ou vinho, eu digo: tanto faz”, começa a letra. “Eu fiz um pacto com Baco/ deus do balacobaco” e “Dionísio é o deus da zona/ abençoa essa zona imortal/ que eu faço vir à tona”, dizem as letras de Pactocombaco e Zona e progresso, respectivamente, esta última já gravada por Pedro Luís e a Parede, no disco batizado por ela.

Eugenio Dale pilota praticamente todos os instrumentos e além de sua voz e da de Suely, são poucos os músicos que frequentam esta deliciosa bacanal sonora: Sidinho Moreira (berimbau de boca em Pactocombaco), Frederico Puppi (violoncelo em A vela e a chama e Bora), Bianca Porto (palmas em A vela e a chama), Lucas de Moraes (palmas em A vela e a chama), Delia Fischer (pianinho em Bora), Glaucio Martins (flauta em Bora), Sidney Santos (contrabaixo em Até que chova dinheiro) e Thiago Silva (bateria em Até que chova dinheiro).

Dio e Baco são o mesmo deus em mitologias diferentes, a grega e a romana. Dio & Baco, o disco, foi gravado “entre 2000 e 2015”, informa o encarte, sem pressa, para assim ser degustado, como um bom vinho em ótima companhia. Deuses do vinho e a julgar pela parceria de Dale e Mesquita, deuses da fertilidade.

Ouça Até que chova dinheiro (Suely Mesquita e Eugenio Dale):

Reencontros de Nando Cruz em Imperatriz

Músico participará do tributo Toca Raul, que o amigo Wilson Zara apresenta na cidade dia 27 de agosto

 

O cantor e compositor Nando Cruz. Foto: Paulo Couto
O cantor e compositor Nando Cruz. Foto: Paulo Couto

Após dois discos lançados, Nando Cruz se prepara para gravar o DVD Déjà vu, em que registrará canções de seus dois álbuns, inéditas e clássicos da música popular brasileira e internacional. Com patrocínio do Banco da Amazônia (Basa) e apoio cultural da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e Sesc/TO, a gravação acontece 17 de setembro, no Teatro do Sesc Palmas, às 20h30, na capital tocantinense.

O cantor, compositor, violonista e gaitista exerce atualmente um cargo executivo na Secretaria Municipal de Cultura de Miranorte, no Tocantins, cidade pela qual confessa ter muito carinho, onde também movimenta o Ponto de Cultura Engenho Cultural.

Besouro barroco [2005], o disco de estreia, foi totalmente gravado em Imperatriz, cidade que acolheu este maranhense nascido no Rio Grande do Norte. O segundo, Passo preto (ou Blues e aboios) [2011] foi gravado no Rio de Janeiro, com produção do multi-instrumentista Christiaan Oyens – parceiro de Zélia Duncan.

No próximo dia 27 de agosto, Nando Cruz retorna à Imperatriz para um reencontro especial. Ele será um dos artistas que cantará na abertura de Toca Raul, tributo a Raul Seixas que Wilson Zara apresentará na cidade [no Rancho da Villa, às 22h], com patrocínio da Potiguar, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão [dia 20 de agosto, às 21h, na Praça dos Catraieiros (Praia Grande), Zara apresenta o show em São Luís, com participação especial de Louro Seixas e abertura de Marcos Magah e Tiago Máci].

Segundo o artista, o que o trouxe a Imperatriz foi o acaso. “O destino era Brasília, mas quis o eterno que fosse em Imperatriz, coisa que agradeço muito, pois foi onde bebi não só das águas do Tocantins, mas da fonte caudalosa, como diz Raul, que é a música produzida na cidade. Por sinal, onde vou ouço algum músico elogiar ou pessoa comum falar acerca do nível altíssimo da arte como um todo produzida lá”, elogia, por sua vez.

“Ter com meu amigo e irmão Zara é sempre uma festa. São anos de irmandade e cumplicidade. Wilson é uma pessoa extremamente humana, no melhor sentido da palavra, um cara que me influenciou em todos os níveis, certamente como um profundo conhecedor de música, e música que eu digo aqui é em caixa alta, um repertório fino, de extremo bom gosto, que acabou por influenciar minha composição”, confessa Nando Cruz.

O outro artista que cantará na abertura é o imperatrizense Tony Gambel, que vem firmando seu nome em festivais – algo que Nando Cruz fez há alguns anos: é dele o hit Beija, que ganhou as rádios do Maranhão após o êxito em uma das edições do festival Canta Imperatriz. A música está em Besouro barroco. “Por isso beija, me beija/ beija que o tempo passa, eu sei/ por que a vida perde a graça/ se me negas o teu beijo/ serei solidão/ solidão e desejo”, diz a letra.

Gambel e Cruz cantarão repertório autoral, mas este reconhece a importância de Raul Seixas para a música do Brasil. “Na verdade eu não era assim fã ardoroso do maluco beleza e foi justamente ele, Zara, quem me mostrou o quanto Raul é profundo e ao mesmo tempo simples, e é essa receita que persigo ate hoje em composição. Agora sei o quanto Raul é importante pra música popular brasileira. Subir no palco pra cantar meu trabalho, ainda mais abrindo pra um dos maiores intérpretes de Raul Seixas no Brasil, e homenagear esse grande gênio criativo baiano, é algo que nunca se esquece”, diz.

Nando Cruz lembra como conheceu Zara. “Foi na época em que cantava e morava num bar que era também a casa de Erasmo Dibbel [cantor e compositor], outro mano querido do coração. [O bar] Chamava se Sol e Lua e era um lugar fantástico por onde passavam os maiores artistas do Maranhão e uma vez quando o Didi – esse é o jeito carinhoso que Erasmo chama o Zara – apareceu lá e cantou nas muitas canjas que rolavam no bar, nos aproximamos e formamos a primeira dupla não sertaneja de Imperatriz [risos]. Já mudei pro apê do cara e começou assim nossa irmandade, que durou alguns anos nos palcos da cidade e em outras paragens”, conta.

[O Imparcial, ontem]

Obituário: Veloso

Veloso, nome fundamental da cultura da Madre Deus. Foto: acervo Philippe Caruru
Veloso, nome fundamental da cultura da Madre Deus. Foto: acervo Philippe Caruru

 

Nunca entrevistei Veloso. A última vez que o vi foi no Cafofo da Tia Dica. Na ocasião, presenteou a mim e ao compositor Cesar Teixeira, com quem eu bebia no bar por detrás da Livraria Poeme-se, na Praia Grande, com exemplares do mais recente disco da Máquina de Descascar’alho, agremiação carnavalesca que completou 30 anos no último carnaval.

Indaguei-lhe quanto custava e ele respondeu-me que o importante era fazer o disco rodar e tornar mais conhecida a música, o carnaval e a cultura da Madre Deus. O Fuzileiros da Fuzarca completava 80 anos e eu havia acompanhado Cesar, jornalista de formação, em algumas entrevistas.

A vida é a arte do encontro: nem Cesar escreveu sobre os 80 anos do Fuzileiros, com cuja velha guarda deve fazer um show em breve, nem eu sobre os 30 da Máquina.

Patrimônio madredivino, como nomes como Cristóvão Alô Brasil, Marciano, Henrique Sapo e Caboclinho, José de Ribamar Gomes Veloso (9/9/1948-13/8/2016) morreu ontem, aos 67 anos, vítima de cirrose hepática.

Artesão, compositor, percussionista, produtor, decorador e intérprete, trazia na memória sambas inéditos da velha guarda da Madre Deus, de nomes como os citados – parte desta riqueza se perde com ele.

Além da Máquina de Descascar’alho – que realizou um grandioso cortejo pelas ruas da Madre Deus em sua homenagem – Veloso fundou grupos como o Regional 310, Boi Barrica, Bicho Terra e C. de Asa. Era um dos agitadores do evento mensal Tezão de Velho, no Largo do Caroçudo, na Madre Deus – a edição de hoje foi cancelada em respeito ao luto da família, do bairro e da cultura popular maranhense.

Silvério Costa, o Boscotô, parceiro de grupos como o Regional 310 e a Máquina de Descascar’alho, lembra a importância do amigo. “Veloso estava sempre de bom humor, era querido por todos, por sua irreverência, suas histórias e ideias inovadoras. Com ele se vai um pedaço importante de nossa memória”, lamentou.

Autor de hits do carnaval do Maranhão como A laska e Barreira sanitária, parceiro de Erivaldo Gomes em Malementa, durante muito tempo hit bastante apreciado pelos frequentadores da semanal A vida é uma festa, do poeta-músico ZéMaria Medeiros, entre outras, Veloso deixou quatro filhos, entre eles o cavaquinhista Kauê Veloso.

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OBITUÁRIO: JOMAR MORAES

O escritor Jomar Moraes. Foto: Acervo O Imparcial
O escritor Jomar Moraes. Foto: Acervo O Imparcial

Faleceu na manhã de hoje o escritor vimarense Jomar Moraes (6/5/1940-14/8/2016), presidente da Academia Maranhense de Letras (AML) por 11 mandatos, autor de livros como Guia de São Luís, O físico e o sítio, Graça Aranha e Vida e obra de Antonio Lobo, entre outros.

Segundo informações, Moraes tinha problemas renais e durante a madrugada uma crise afetou seu coração. Há quase um ano ele doou sua biblioteca, com cerca de 40 mil volumes, à Universidade Federal do Maranhão (UFMA), instituição na qual formou-se bacharel em Direito e recebeu o título de Doutor Honoris Causa.

O sublime em família

Pós você e eu. Capa. Reprodução
Pós você e eu. Capa. Reprodução

 

Música é música. Sem classificações, amarras ou limites. Prova inconteste disso é este Pós você e eu [Circus, 2016], de Lívia e Arthur Nestrovski, filha e pai, voz e violão.

Americana de Iowa, Lívia é uma grande cantora brasileira, com o talento posto à prova em discos, como por exemplo, o ótimo De nada mais a algo além [2013], antecessor de Pós você e eu, dividido com ninguém menos que Arrigo Barnabé e Luiz Tatit.

Este novo trabalho atesta as competências e qualidades de Lívia como intérprete e de Arthur – diretor artístico da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) – como instrumentista, compositor e versionista.

Das 11 faixas de um repertório rico e diverso, ele é autor da faixa título, Um milhão, Matusalém (as três em parceria com Luiz Tatit) e Canção de não dormir (parceria com o poeta Eucanaã Ferraz) e assina as versões Serenata (Ständchen, de Franz Schubert e Ludwig Rellstab), Adeus, amor (I’m through with love, de Fud Livingston, Matty Malneck e Gus Kahn), Pra que chorar (Ich grolle nicht, de Robert Schumann e Heinrich Heine) e Vejo você (I only have eyes for you, de Harry Warren e Al Dubin).

Pai e filha se expõem munidos apenas de voz e violão, o que torna as exigências – deles mesmos e dos ouvintes – ainda maiores. Em disco denso, entre popular e erudito, passeiam ainda por Arrigo Barnabé (Londrina), Ary Barroso (Folha morta), Tom Jobim e Dolores Duran (Por causa de você), Jaime Florence e Augusto Mesquita (Molambo), estas ligadas pelo tema instrumental Body and soul (Johnny Green, Edward Heyman, Robert Sour e Frank Eyton).

Serenata abre com trecho não creditado de A saudade mata a gente (João de Barro e Antônio Almeida) e Pra que chorar traz, também sem créditos, incidental instrumental de Carinhoso (Pixinguinha e João de Barro).

Comovente, Pós você e eu é sublime do começo ao fim, para além da música: antes ou depois de botar o disco para rodar, o ouvinte já começa a se emocionar pelo texto de Sofia Nestrovski, filhirmã da dupla. “O que eu aprendi com este disco, e que pra mim não é pouco, é que eu não preciso de silêncio. Eu, assim como vocês, assim como todo mundo – vamos abrir a festa –, preciso, sempre, de música”, finaliza.

Ouça Serenata (Ständchen, de Franz Schubert e Ludwig Rellstab, versão de Arthur Nestrovski):

Vozes extraordinárias

Rio de Choro. Capa. Reprodução
Rio de Choro. Capa. Reprodução

 

A voz é um instrumento musical. Dizer isso da voz de alguém é, em geral, um baita elogio. Para começo de conversa, os Ordinarius são extraordinários. Em Rio de Choro [2015], segundo disco do sexteto vocal, a música cantada continua instrumental. E a música instrumental é cantada, mesmo quando não há letra.

Alice Sales, André Miranda, Augusto Ordine, Leticia Carvalho, Maíra Martins e Marcelo Saboya interpretam um repertório que mistura clássicos do choro a pérolas contemporâneas. No primeiro grupo, músicas como André de sapato novo (André Correa), Tico-tico no fubá (Zequinha de Abreu), Rosa (Pixinguinha e Otávio de Souza), Choros nº. 1 (Heitor Villa-Lobos) e Santa morena (Jacob do Bandolim); no segundo, Baião de quatro toques (José Miguel Wisnik e Luiz Tatit), Um chorinho em Cochabamba (Eduardo Neves e Rogério Caetano) e Vide Gal (Carlinhos Brown).

Mateus Xavier toca sutis percussões ao longo de todo o disco. Em Tipo zero (Noel Rosa), Maíra Martins e André Miranda tocam kazoo e cavaco, respectivamente. O primeiro é uma espécie de apito com divertido timbre de zumbido. As do cavaco são as únicas quatro cordas ouvidas no disco – além, é claro, das cordas vocais do sexteto.

Num Brasil de tradição em grupos vocais – basta citarmos Os Cariocas, Quarteto em Cy e Boca Livre (que se apresenta hoje na Praça Maria Aragão na programação do 8º. Lençóis Jazz e Blues Festival) para ficarmos em ótimos exemplos – o Ordinarius é a continuidade dessa tradição, soando moderno e bem humorado, sem nunca descuidar da qualidade do repertório e dos arranjos.

Ouça Tipo zero (Noel Rosa):

Paisagens poéticas

Os poetas Heyk Pimenta e Josoaldo Lima Rêgo. Foto: Zema Ribeiro
Os poetas Heyk Pimenta e Josoaldo Lima Rêgo. Foto: Zema Ribeiro

 

Os poetas Josoaldo Lima Rêgo e Heyk Pimenta lançam amanhã (12), às 19h, no Museu Histórico e Artístico do Maranhão (MHAM), em São Luís, seus novos livros de poesia, Carcaça [2016, 127 p.] e A serpentina nunca se desenrola até o fim [2015, 71 p.], respectivamente, ambos pela carioca 7Letras, uma das mais conceituadas quando o assunto é poesia contemporânea brasileira.

A serpentina nunca se desenrola até o fim. Capa. Reprodução
A serpentina nunca se desenrola até o fim. Capa. Reprodução

Josoaldo e Heyk são dois estetas e o par de livros dialoga, desde as capas, a primeira de Diego Dourado, a segunda reproduzindo o Mare fecundatalis, de Augusto Meneghin, envolvendo bons poemas, feitos de paisagens e experiências, reflexos de suas andanças pelo mundo.

Graduado em Ciências Sociais com mestrado em Letras, Heyk é mineiro radicado no Rio de Janeiro, após passagens por São Paulo, Rio Grande do Sul e o casamento com uma maranhense – ele aproveita o lançamento em São Luís para apresentar Zoé, seu primeiro filho, à família da esposa. Geografia também é o forte de Josoaldo, professor do curso na Universidade Federal do Maranhão.

Em Penso agora em como vamos nos virar, Heyk relembra a descoberta da gravidez: “nossos olhos são de gato marianna/ e andamos mexemos/ por dentro das bocas de bicho/ que nos demos”, diz. E prossegue: “agora volto sem nada da rua nenhum golpe brotou/ gastei nosso dinheiro e espalhei/ nossos planos/ amanhã não vai ser melhor o despertador/ mostrará nossas cuecas penduradas na porta/ e dirá eu sei, mas não resta saída crianças”.

Carcaça. Capa. Reprodução
Carcaça. Capa. Reprodução

A paisagem de Josoaldo é mais árida, não menos poética, espaço onde brota, no plural, o resto animal que dá nome a seu conjunto de poemas. O maranhense mergulha fundo na violência do interior do Pará e do Maranhão, sobretudo no campo. Bons exemplos os poemas Eusébio e Nos baixões de Altamira, cuja íntegra transcrevo a seguir.

“eusébio cai morto, tomba da moto no alto turiaçu./ dois tiros trespassam o peito e arrebentam a/ pulseira de jaguar. susto – a perspectiva do salto,/ um sentido amplo e feroz de morte estoura na/ cara do índio. a camisa suja de terra suja de/ sangue e gasolina. o barulho dentro do clarão/ noturno. a moto segue por alguns metros,/ sozinha, depois arrola o metal na mata. um rio/ morre assim, eusébio, com pólvora e razão nas/ entranhas”, diz o que homenageia o kaapor assassinado a tiros em Santa Luzia do Paruá em abril de 2015.

“em altamira/pa/ raimundo nonato decide/ matar o tempo:/ dança no escuro/ e arranca 4 dentes à foice/ sem paz/ ao som duma turbina/ de hidroelétrica”, diz o poema cru/el e político sobre a violência que permeia megaprojetos como a usina de Belo Monte, encravada no Rio Xingu, próximo a Altamira.

O lançamento no MHAM terá apresentação do grupo Ninfas Equatoriais, que acompanhará os poetas Josoaldo Lima Rêgo e Heyk Pimenta na leitura de poemas dos livros, com microfone aberto a quem quiser participar.

O som original dos Passarinhos do Cerrado

Origens. Capa. Reprodução
Origens. Capa. Reprodução

 

Passarinhos com raízes ou árvores que voam são boas metáforas para definir o grupo goiano Passarinhos do Cerrado, que aos 10 anos de carreira, chega ao segundo disco, o ótimo Origens [2016], realizado com recursos captados pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Goiânia/GO e por crowdfunding.

Rodrigo Kaverna, Cleber Reizin, Milca Francielle e as irmãs Bruna Junqueira e Nádia Junqueira dividem-se entre vozes e percussões, passeando por cocos, cirandas, torés, divino e folia de reis, demonstrando ao Brasil que a cultura goiana é bem mais que o comumente visto e ouvido em rádios e tevês.

Os Passarinhos do Cerrado não se fecham em si em busca de suas raízes – como poderia sugerir o nome deste segundo disco –, dialogando com ritmos nordestinos, sobretudo o coco que passa a predominar no repertório do grupo desde o álbum de estreia, Coco de folia [2014].

Passarinhos do Cerrado em foto de Ney Couteiro
Passarinhos do Cerrado em foto de Ney Couteiro

É música festiva, para agradar espíritos dançantes, mas com conteúdo fortemente político, na melhor acepção da palavra. “Já ouvi o chamado/ eu vou/ atrás de minha origem/ eu vou/ origem de um povo sofrido/ eu vou”, cantam em Origens/ Toré de abertura, de Rodrigo Kaverna, que sozinho ou em parceria assina a íntegra do repertório.

Este conteúdo político a que me refiro diz respeito também às participações especiais: na faixa citada, por exemplo, os indígenas Inkrer – Cukõn Krahô e Honcrepoj – Xauty Krahô. Uma resposta – política, nunca é demais frisar – ao genocídio indígena cujos rankings no Brasil Goiás lidera há tempos.

No belo projeto gráfico, assinado por Luana Santa Brígida, pousam e voam os que lhes dão nomes, vários passarinhos do cerrado, muitos deles citados em letras, por exemplo a de Pica pau (parceria de Rodrigo Kaverna com Léo Ápice, ex-integrante do grupo, e Sutor Ápice), que abre o disco, pródiga em espécies. Além da que lhe batiza voam por lá arara azul, arara vermelha, coruja caburé, coruja buraqueira, papagaio, periquitinho maracanã, jacucu, canarinho, aracauã, juriti, tucanuçu.

Em busca de suas origens, não faltam participações especiais: todas as faixas têm uma. Siba (ex-Mestre Ambrósio) é o mais conhecido: canta e toca rabeca em Folha amarela (outra parceria de Kaverna e Léo Ápice).

Nesta volta às Origens, mais asas que raízes para os Passarinhos do Cerrado: para quem já foi até a África do Sul em 2010, quando participaram do Festival Mundial da Juventude, sua música merece ser mais conhecida em seu país de origem – por centros e periferias.

Ouça Toré de abertura (Rodrigo Kaverna):

Pedra que rola não cria limo

[Íntegra da matéria publicada ontem no jornal O Imparcial]

A cena reggae do Maranhão em diálogo com três especialistas no assunto: Joaquim Zion, Neto Myller e Otávio Rodrigues. Os três concordam: o reggae aqui é único no mundo

A partir da década de 1970 o reggae popularizou-se no Maranhão, configurando-se importante fenômeno de massas, apesar da indústria, da crítica e da língua jogarem contra. Algumas possibilidades são apontadas, mas ninguém sabe ao certo como um ritmo estrangeiro, cantado em língua idem, quase nunca entendido pelos que, na origem, lotavam os salões, ganhou a preferência local da rapaziada que buscava diversão barata, sobretudo nos fins de semana.

No recém-relançado Da terra das primaveras à ilha do amor: reggae, lazer e identidade cultural [Edufma, 1995; Pitomba, 2016], Carlos Benedito Rodrigues da Silva, mais conhecido pelas alcunhas de Professor Carlão ou Carlão Rastafari, conta histórias que beiram o anedótico, embora frutos de pesquisa séria. Por exemplo, colecionadores que compravam todos os exemplares de um único disco ou mesmo um artista que, em visita à Jamaica, riscou todos os seus discos tendo em vista garantir a exclusividade de um dono de radiola nos salões da ilha.

Muitas lendas envolvem a expansão do fenômeno reggae no Maranhão, o que levou a capital, São Luís, a receber o epíteto de Jamaica brasileira, para alegria da massa regueira e desgosto daqueles cujo farol ainda mira(-se no exemplo de) Athenas.

Indagado se concorda com a alcunha, o jornalista, produtor e DJ Ademar Danilo não teme soar imodesto: “eu que botei este apelido”. Mais uma lenda ou não, o hoje apresentador do África Brasil Caribe, na Rádio Difusora, é um nome fundamental para a popularização do reggae por aqui nos últimos 30 anos.

O DJ Neto Myller. Foto: divulgação
O DJ Neto Myller. Foto: divulgação

Entre as principais mudanças na cena no período, o DJ Neto Myller, residente do Chamamaré (Ponta d’Areia), onde se apresenta aos domingos, destaca: “o público em geral há 30 anos para o que é hoje e também os locais onde são feitas as festas de reggae: ficou mais elite [risos]”, afirma, referindo-se a certo embranquecimento e aburguesamento dos ambientes onde se toca reggae.

Otávio Rodrigues, o Doctor Reggae. Foto: divulgação
Otávio Rodrigues, o Doctor Reggae. Foto: divulgação

O jornalista, pesquisador e DJ Otávio Rodrigues, não à toa conhecido como Doctor Reggae, foi o primeiro a levar o reggae às ondas do rádio no Brasil, tendo produzido e apresentado na Excelsior FM, entre 1982 e 83, o Roots, Rock, Reggae, com direção geral de Maurício Kubrusly. Morando em São Paulo, ele continua de olho na cena do Maranhão, “não como antes”, reconhece, referindo-se ao período em que morou aqui, quando produziu e apresentou programas como Rádio Reggae (Mirante FM) e Bumba Beat (Mirante e Universidade FM).

Mesmo de longe, ele também aponta mudanças. “Vou tentar desenhar uma das linhas possíveis, me apoiando na tecnologia/comunicação: 1) tape-deck, anos 1970, quando se torna possível copiar o disco do meu amigo e eu mesmo fazer uma festa; 2) rádio, anos 1980, programas bons, que divulgavam as músicas e, alguns, até a cultura por trás delas; 3) DJ de frente, anos 1990, porque implicou no desenvolvimento deles como comunicadores; e 4) computador caseiro, programas de edição, anos 2000, porque permitiu aos maranhenses produzir as músicas localmente”, enumera.

O DJ Joaquim Zion. Foto: divulgação
O DJ Joaquim Zion. Foto: divulgação

Joaquim Zion, DJ residente do Porto da Gabi, onde se apresenta há quase quatro anos, na Sexta do Vinil, destaca o fortalecimento da cena roots reggae na capital maranhense. “Um movimento contrário às grandes radiolas que tocam quase que exclusivamente reggae eletrônico, o surgimento de muitos bares de roots reggae e o aparecimento de centenas de DJs, homens e mulheres, fortalecendo assim a cena do reggae na ilha”, aponta.

O reggae também ganhou a academia. Diversos estudos têm se dedicado ao gênero jamaicano, o que acaba por contribuir para a superação de preconceitos. Livros como Onde o reggae é a lei [Edufma/Pitomba, 2013], de Karla Freire, e O reggae no Caribe brasileiro [Edufma/Pitomba, 2014], de Ramusyo Brasil – além do já citado Da terra das primaveras à ilha do amor –, deram importante contribuição para a compreensão do fenômeno – ou ao menos de parte dele.

“Bons, muito bons esse livros! Têm pegada acadêmica, portanto são seriíssimos, no sentido de pesquisa bem feita, ideias comparadas, refletidas, bem organizadas. Essas obras jamais matam a cobra sem mostrar o pau (e a pedra, no caso). Devo ao Carlão e sua obra pioneira e prima boa parte do que aprendi sobre o reggae e a cultura maranhense – eu e todo mundo”, elogia Otávio Rodrigues.

Obras que certamente contribuíram para a diminuição do preconceito contra o reggae e os regueiros. “O preconceito ainda existe, mas diminuiu bastante”, avalia Neto Myller. Joaquim Zion aprofunda a questão. “O preconceito com o reggae acho que nunca vai acabar, aqui principalmente. O Brasil é um país profundamente racista, e a imensa maioria que frequenta o reggae, principalmente aqui na nossa ilha, é de negros e negras. Historicamente a polícia sempre viu esses agrupamentos de pessoas ouvindo reggae com preconceito. É claro que já melhorou bastante, mas ainda somos perseguidos”, aponta.

Para Otávio Rodrigues o preconceito não foi superado. “Apoiada no comércio de cervejas, alimentada por rixa entre torcidas de radiolas, exposta à falta de segurança, entre outros aspectos, a cena maranhense acaba associada ao que há de pior, a despeito de ser uma conquista – e um legado. Também percebo preconceito interno, que separa a “turma do vinil” da “turma da radiola”, um fenômeno que, paradoxalmente também une. Precisa é fortalecer esse último verbo”, conclama.

Uma coisa não é lenda nem ufanismo: o reggae praticado por aqui é único no mundo. “Aqui no Maranhão desenvolvemos um jeito diferente na forma de dançar e também no estilo das músicas que tocam no salão. Aqui gostamos de um estilo que chamamos de reggae roots, pra dançar agarradinho; os jamaicanos chamam essa batida de one drop, que foi o estilo que marcou e marca a nossa ilha”, afirma Joaquim Zion. A particularidade do “dançar agarradinho” também é apontada por Neto Myller.

Otávio Rodrigues arremata: “é original e único, no Brasil e no mundo, especialmente quando falamos daquele feito por produtores e artistas emergentes locais (eventualmente jamaicanos da antiga entre eles) com o propósito primordial de tocar em radiolas. Eu chamo de breggae, elogiosamente, por perceber aí traços do outro gênero dançante no que diz respeito a sua difusão entre as massas, o apelo romântico, a simplicidade nos arranjos, entre outros aspectos importantes. Tomando-se a variedade da música jamaicana, observa-se que foi exatamente um tipo de reggae mais rural, por vezes até rústico, natural entre artistas que vinham do interior do país em busca de oportunidades na capital, que mais colaborou na formação estética do gosto maranhense ao longo dos anos 1980 e 1990. Não admira que os meninos das periferias de São Luís, tão logo colocaram as mãos nas ferramentas certas, tenham desenvolvido um reggae diferente de qualquer outro, ainda que buscando fazer igual. Essa percepção da originalidade do reggae maranhense – o breggae – não é unicamente minha. Meus amigos gringos, grandes conhecedores do assunto, confirmam (e ficam de cara): não tem igual no mundo!”.