Os pais de Comichão e Coçadinha

Squeak the mouse. Capa. Reprodução
Squeak the mouse. Capa. Reprodução

 

“Emoções! Risos! Sexo! Sangue!”, lemos, em inglês, na capa de Squeak the mouse [2019], cujas 158 páginas reúnem 15 histórias de gato e rato no melhor estilo Tom e Jerry, mas com muito mais doses do que é anunciado no balão da capa, que diz de cara a que veio o álbum de Massimo Mattioli (1943-2019): os dois protagonistas entre açúcar e pimenta, com um violentando o outro (e este vingando-se na contracapa, onde se lê “impróprio para menores de 18 anos”) com uma espécie de motosserra portátil, em cores vibrantes, como ao longo de toda a publicação.

O volume em capa dura lançado no Brasil reúne histórias publicadas desde 1982 na Itália, além de inéditas. Por aqui a dupla de inimigos íntimos ficou conhecida graças à revista Animal, que circulou entre 1987 e 1991, fundada, entre outros, por Fábio Zimbres e Rogério de Campos, este também fundador e atualmente editor da Veneta, que publica o volume.

“Mattioli optou pela narrativa como sequências de imagens de um eterno retorno, fortemente baseadas nos desenhos animados dos anos 40, 50 e 60. Nesses desenhos (…) dispensava-se a linha do tempo, a narrativa continuada, em busca de um sentido maior para os personagens, que pareciam eternamente aprisionados em um dia de marmota, de gags violentas e pueris. Não é à toa que predadores perseguindo suas presas são um dos temas prediletos das animações dessa época, como o gato que caça o rato e o coiote que caça a ave pernalta”, anota o quadrinhista Rafael Campos Rocha (autor de Magda e Deus, essa gostosa, entre outros), no prefácio do álbum.

A disposição dos quadros nas páginas, todos iguais, e a movimentação e agilidade do enredo, levam o leitor a uma inevitável comparação entre hq e tv. As histórias se dão em looping, sem diálogos, com o gato perseguindo e matando o rato, que ressuscita e se vinga do gato e assim sucessiva e infinitamente – com generosas e muito bem desenhadas doses de sexo pelo caminho, além de citações a filmes de terror.

Não quero atribuir qualquer carga profética ao trabalho de Mattioli, aparentemente desconectado da realidade, de mero entretenimento, mas ele parece ter desenhado exatamente estes nossos tristes tempos: entre o monstruoso e o sublime, como cantaria um antigo compositor baiano, entre corpos decapitados ou cortados ao meio, com muito sangue jorrando, e o humor que emana (ou deveria emanar) de histórias em quadrinhos, ele poderia estar falando de nossa tragédia política em meio à pandemia (e vice-versa), em que às vezes o grau da desgraça é medido pelo volume de memes que é capaz de produzir.

Poderíamos dizer ainda que o gato e o rato de Squeak the mouse são os pais de The Itchy & Scratchy Show, conhecidos no Brasil como Comichão e Coçadinha, protagonistas de uma animação exibida dentro de Os Simpsons, de Matt Groening.

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