[o texto abaixo foi feito para “nota”. Explico: trata-se de atividade da disciplina Laboratório de Mídia Impressa III, ministrada pelo mestre Marcos Fábio Belo Matos (link ao lado). Confesso que não gosto de escrever para conseguir nota. Isso me castra. E confesso que sempre desconfio de livros indicados por professores. Talvez seja o trauma do ensino de literatura (de modo geral) praticado no ensino brasileiro (de modo geral). Mas Marcos Fábio tem bom gosto: foi o meu primeiro contato com a obra de José Saramago, confesso a ignorância, (im)perdoável talvez. E o professor me emprestou também, depois, o Cabeça a Prêmio, do Marçal Aquino. E vou pegar, agora, o Famílias Terrivelmente Felizes. E todo mundo diz que Marçal é melhor contista que romancista. Então deve ser ótimo: eu gostei do romance que li. Bom, basta. A resenha, pois.]
O Homem Duplicado, José Saramago
Se o mérito para se ganhar um prêmio Nobel de literatura for tão somente a literatura, eis aí um nome que o merece: José Saramago. Engenhoso, o autor consegue criar um estilo de escrita em que, no próprio texto, por vezes adverte o leitor de que aquilo é somente ficção. JS nos faz penetrar no(s) universo(s) de suas personagens, que parecem ganhar vida (ou morte) própria, apesar das advertências do mago (ou bruxo?) português ao longo da narrativa.
Dono de um estilo a que particularmente chamo “literatura de fôlego”, só percebido por mim em leituras anteriores no paulista Raduan Nassar [entre outros, Lavoura Arcaica (1975), que deu origem ao filme homônimo], JS sabe apropriar-se (e bem) de pontos e vírgulas, entremeando diálogos sem o uso de travessões, contando a história com a sofreguidão (mas nunca o nervosismo) de um assaltado ao pé do balcão duma delegacia (com o péssimo atendimento que temos cá nas nossas).
E por falar em “cá nas nossas”, vale frisar que para os países de língua portuguesa, as obras de JS não são traduzidas: vêm no português de Portugal (oh! intencional redundância…). Excentricidade? Se sim, isto é permitido ao homem que batizou o próprio cachorro com o nome Pepe, para não ser assim chamado por onde mora, na Espanha [como no Brasil todo José é Zé, por lá, todos são Pepes].
“O Homem Duplicado” [Companhia das Letras, 2002] é um mergulho profundo na(s) trágica(s) história(s) de Tertuliano Máximo Afonso, pacato professor de história em uma escola de ensino médio (classificação esta dada aqui nestas plagas). Pacato até o dia em que um amigo seu, professor de matemática na mesma escola, recomenda-lhe assistir a um filme onde Máximo Afonso [assim o protagonista prefere chamar-se] vê-se refletido: há um ator que é sua cópia fiel no vídeo, que agora mais se parece um espelho.
A partir daí, a vida de Tertuliano Máximo Afonso [e aqui repito o nome inteiro para valer-me de recurso por demais usado por JS durante o contar/correr (d)os acontecimentos] torna-se uma verdadeira obsessão por identificar, conhecer e descobrir todas as semelhanças possíveis e imagináveis (ou não) entre ambos.
Angústias, tragédias, loucuras. Surpresas a cada página. JS consegue ser folhetinesco, prendendo a atenção do leitor, despertando-lhe a vontade de seguir adiante a cada capítulo, sem dar descanso aos olhos, mente e alma: o tom detetivesco de JS em seu “O Homem Duplicado” garante a vontade de seguirmos seguindo [intencional re-redundância] os passos de homens e mulheres, flores e espinhos nascidos da fertilidade criativa de JS.
