celso borges e a poesia do atrito

Serviço

O quê: lançamento do livro-cd Música, recital informal com poetas e músicos + pocket show da banda T A Calibre 1
Quem: o poeta e jornalista maranhense (radicado em São Paulo) Celso Borges
Quando: hoje, 19/10, quinta-feira, às 19h
Onde: Escola de Música Lilah Lisboa (Rua da Estrela, Praia Grande)
Quanto: grátis. Na ocasião o livro-cd estará sendo vendido e autografado pelo autor.

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Não tenho estatísticas, mas creio que “Música” já seja a obra mais falada neste blogue. Não à toa, e não mera influência de minha amizade com Celso Borges. O livro-disco (e o poeta) merece(m): obra-prima, como também já disse por aqui, e qualquer coisa mais que eu disser, será mera repetição.

O jornalismo (mais particularmente o cultural) praticado no Maranhão é, como sabemos, de uma pobreza franciscana. E não vai aqui nenhum trocadilho pela localização geográfica do jornal do outro lado da ponte que, a despeito de sua posição “ideológica”, é o que tem mais “cara de jornal”.

Aí aparece gente boa escrevendo de graça, e os jornais tem a manha de relaxar um bom (pra não dizer ótimo) texto. Para publicar textos “menos bons” (pra não dizer outra coisa).

Flávio Reis, Cientista Político, Professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Maranhão, autor de “Cenas marginais: fragmentos de Glauber, Sganzerla e Bressane” (2005) e Reuben (que dispensa apresentações para os leitores deste blogue) escreveram um texto sobre a obra mais que citada. Tentamos, os dois e este blogueiro, publicá-la, hoje, nalgum jornal. Entre recusas e e-mails que não chegam, o texto não saiu. O Imparcial e O Estado do Maranhão publicaram textos informativos sobre o lançamento. Este blogue publica o texto “recusado”, abaixo. Apareçam!

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Celso Borges e a poesia do atrito

por Flávio Reis e Reuben da Cunha

A agulha não risca mais o disco, a página não prende mais a palavra. O poeta Celso Borges escreveu Música. Babel de linguagens: há muito mais em Música do que música. Também não é apenas um livro, é um livro-limite, uma obra de risco. Poesia é risco. Seria fácil se fosse um livro com um disco encartado. Não é fácil.

Música é uma fina malha de linguagens, um intrincado jogo intersemiótico cuja via fundamental de construção é o som. Ouvinte compulsivo, Celso Borges coloca o headphone para revolver o texto. A poesia (certa poesia) desde o século XIX percorre um perigoso caminho até a implosão. Até o silêncio. Aqui é outra coisa, o avesso do silêncio, a perseguição de uma linha de atrito entre canto e fala. Como anuncia o poeta: dar uma estrutura sonora ao poema, além de sua sonoridade natural.

No lugar do silêncio, então, atrito. Através das apropriações de clichês da poesia, da música e do cinema, sentidos são reinventados, pulsam nos momentos de encontro entre palavra, som e projeto gráfico. Drummond, João Cabral, Oswald, Vinícius, Bressane, Bob Dylan, Nauro Machado, Euclides da Cunha, Dona Teté e Verlaine, Augusto de Campos e o boizinho de Dona Camélia. Tudo misturado, muitas vezes triturado e cuspido, satirizado.

As letras se misturam, as palavras se interpenetram, os ditos se confundem. Um tom de colagem atravessa Música, não apenas nos detalhes da programação visual ou nas superposições de sons, aparece principalmente como texto. Americana: bela balada costurada com versos de Celso e traduções de Bob Dylan. O silêncio dos poetas: poema escrito para acabar nas palavras de Alberto Pimenta. Mural: texto-montagem composto a partir de matérias de jornal, versos de Celso e de outros poetas.

A profusão de referências, que ao longo das últimas décadas tem se refletido no acúmulo crescente de autômatos desatentos na fileira dos humanos, aparece na poesia de Celso com alto grau de concentração, expondo impasses da cultura contemporânea, dando porrada na palavra anódina da “prosa com prazo de vencimento” e dos “verbos de plástico” de rimas gastas e radicalismos de proveta. A palavra banal e fragmentada que se tornou nossa regra de comunicação vira galáxia de significados na poesia de Celso Borges. Do caos de citações Celso fabrica sentido. Volta à lição de velhos iconoclastas da cultura: contra a especialização dos fazeres e a mumificação das formas, o antídoto da experimentação.

As manifestações da memória afetiva que liga o poeta a São Luís, cidade amada e odiada com esquizofrênica intensidade, também são peça fundamental neste trabalho. Pedaços da cidade espalham-se pelos textos e sons. São paisagens, melodias, endereços que se friccionam violentamente com os signos da experiência paulistana do autor, seu presente ausente. Quanto mais pensa ainda ser um retirante com o eterno sentimento da volta, mais Celso se vê “emaranhado em Sampa”. Uma poesia dependente deste afeto e desta dor por uma cidade perdida no passado e ao mesmo tempo uma poesia de procedimentos absolutamente contemporâneos. A rua da infância e o futuro. Olhos sem idade, despidos de saudosismo. S.Luís: segundo movimento: a “ilha cercada de inveja por todos os lados” ridicularizada em seu altivo provincianismo, metralhada pela ira dos versos colados aos de Nauro Machado e pela pancada crua da banda T.A Calibre 1. Compondo o quadro, closes terríveis das carrancas da fonte do Ribeirão.

O projeto conta com a participação de alguns nomes conhecidos da música popular, como Chico César, Zeca Baleiro e Cordel do Fogo Encantado. Outros, como o do ótimo Otávio Rodrigues, DJ e compositor, e Vitor Ramil, compositor precioso que quase apenas o sul do país conhece. Sem falar na pequena multidão que participa do livro/disco em diferentes dosagens, uma rede de poetas, músicos, sonhadores e doidos de vários matizes belamente apresentada na faixa Celebração. Os encontros produzem resultados variados, da palavra cantada à palavra sonorizada. Samplers, fragmentos chapados de significado, ritmos, melodias, cantos e falas. Trabalho de muitas mãos. Verso de muitas vozes.

3 respostas para “celso borges e a poesia do atrito”

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