a última “primeira classe” do ano

mais uma vez, decepção com o concurso literário e artístico cidade de são luís. não que eu ache que eu devesse vencer (concorri, este ano, à categoria jornalismo, prêmio bandeira tribuzzi). mas saber que há gente boa concorrendo e as comissões dizerem que em algumas categorias trabalhos não obtiveram um mínimo de qualidade é, no mínimo, um exagero. ou falta de conhecimento, pseudoconhecimento, sabe-se lá…

abaixo, a última modesta colaboração deste blogueiro para a primeira classe, jp turismo, jornal pequeno. em 2006, é claro. quando digo, aí no texto, que o livro deveria ser lido por colunistas sociais, não enganem-se, caros leitores: o livro é bom e deve ser lido por vocês também.

antes, uma ampliação do trecho do livro que usei em meu texto. acrescente-se aos que devem ler o livro, além de colunistas sociais e seus pares, alguns membros da comissão julgadora do concurso cidade de são luís:

“A nossa era é, cada vez mais, a era do pseudoconhecimento, o modo pelo qual tentamos tolamente nos diferenciar da maioria medíocre. Sentar-se ao redor de uma garrafa de suco de uva azedo, falando de toques delicados de groselha-preta, fumaça de carvalho, trufas ou de qualquer outro absurdo refinado que a natureza teria usado para enriquecer o seu sabor é ser um cafone de primeira grandeza. Porque, se há algum toque delicado a ser percebido em qualquer vinho, é provável que seja o de pesticida e esterco. Sobre um Château Margaux 1978, um connaisseur pronuncia: “Após uma hora exposto ao ar, este vinho desabrocha, revelando aromas de cassis doce, chocolate, violetas, tabaco e doce baunilha acarvalhada. Em cerca de dez anos, este vinho pode evoluir para a clássica mistura Margaux de cassis, trufas negras, violetas e baunilha”. Como se isso não fosse absurdo o bastante, “um traço de pimentão se esconde no cassis”.

Como um nariz tão sofisticado pode não ter detectado a merda de vaca com a qual essa celebrada propriedade de Bordeaux fertiliza suas videiras? Um verdadeiro conhecedor de vinhos, se tal coisa existisse, detectaria o pesticida e o esterco antes de tudo: ele não seria um goûter de vin, e sim um goûter de merde. Mas não existe conhecimento real de vinho sem ser o daqueles que sabem que a verdadeira alma do vinho, l’âme du vin, é o vinagre. Só saboreia realmente maravilhas quem bebe, puros, aqueles raros vinagres envelhecidos, denominados da bere: a coisa pra valer, um néctar bem distante do suco glorificado dessa indústria de adjetivos e falsidade, que já foi bebida simples e nobre de camponeses simples e nobres – bem mais nobres e conhecedores que os otários endinheirados de hoje em dia, engambelados a acreditar que a degustação de vinho pede mais palavras do que “bom”, “ruim” ou “cala essa boca e bebe logo”.” (p. 13-15)

Um conhecedor da verdade

Sem escrever meramente um elogio ao ópio – ou tão somente fazer-lhe apologia – Nick Tosches alia temas como pseudoconhecimento e o vício. Com conhecimento de causa.

por Zema Ribeiro*

A alucinada – porém lúcida, diga-se – busca de um viciado por uma casa de ópio onde a droga já (quase) não existe. Eis o mote – e isso não é pouco – de “A última casa de ópio[“The last opium den”, tradução de Michele de Aguiar Vartuli, Conrad Editora, 2006, 93 páginas, R$ 25,00], de Nick Tosches, jornalista, poeta e romancista de quem este aspirante – confesso – ainda não tinha ouvido falar.

O autor está, na orelha do livro, colocado ao lado de gente grande, dos naipes de Truman Capote, Hunter Thompson e Lester Bangs. Antes de mergulhar em busca da última casa de ópio, o livro inicia-se com uma crítica ao pseudoconhecimento, tão em voga e tão celebrado hoje em dia. Tivesse este livro sido escrito no Brasil, certamente os exemplos sobre o assunto seriam outros, abundantes. Por lá, um deles é pagar-se algo como 25 ou 35 dólares por meia cebola.

Um trecho, certeiro: “A nossa era é, cada vez mais, a era do pseudoconhecimento, o modo pelo qual tentamos tolamente nos diferenciar da maioria medíocre. (…) Foda-se este mundo de otários pseudo-sofisticados, incapazes de reconhecer as melhores coisas da vida – desde uma dose daquele vinagre até os primeiros sinais do outono numa árvore –, quanto mais apreciá-las”.

O livro foi escrito em 1985 e falava de um século XXI que já chegou, infelizmente sem erros nas “previsões” do autor.

Talvez alguns preconceitos ainda não expurgados me atirem à vala comum dos pseudoconhecedores de que fala Tosches. Mas, sem dúvidas, eis um livro que deveria ser lido – urgentemente – por colunistas sociais e seus pares.

* Zema Ribeiro é correspondente para o Maranhão do site Overmundo e escreve no blogue http://zemaribeiro.blogspot.com

0 resposta para “a última “primeira classe” do ano”

diga lá! não precisa concordar com o blogue. comentários grosseiros e/ou anônimos serão apagados