A BOSSA DE XANGAI

Há determinados momentos em que São Luís não precisa esperar um resmungo da serpente para acordar. Ontem (4), foi um desses dias. Dois shows bons – fora as merdas da Expoema: no Centro de Convenções, integrando a programação do Circuito Itinerante Centro Cultural Banco do Brasil, Lua em concerto – um olhar erudito sobre a obra de Luiz Gonzaga, com Oswaldinho do Acordeon, Turíbio Santos, Nonato Luiz e Carol McDavit; no Teatro Arthur Azevedo, em caráter beneficente em prol das obras da Unidade Administrativa do Centro Espírita União do Vegetal Pré-Núcleo Sereno do Mar (de São José de Ribamar), Xangai In concert. Os ingressos para o primeiro custavam R$ 15. Para o segundo, com abertura do maranhense Josias Sobrinho, R$ 20.

Mais próximo de minha casa, fui ver mais um show de Xangai. O primeiro em que ele não cantou o ABC do preguiçoso (Ai deu sodade, tema de domínio público recolhido por ele). Explico: entre o bom show de abertura e o do menestrel baiano, dois integrantes do Grupo de Artes Maria Aragão (GAMAR, da Cidade Operária), apresentaram um hilariante esquete que usava a música. Rodou a gravação do Cantoria 1 e Eugênio Avelino – nome de pia de Xangai – não a repetiu ao longo do bom concerto com que nos presenteou.

A “véa da foice” – a morte –, figura que aparece em algumas canções de Elomar Figueira de Melo, mestre sempre reverenciado, merecidamente, por Xangai, teve um bocado de trabalho ontem: subiram o ator Fernando Torres e o cantor e compositor Waldick Soriano. Do último, Xangai cantou Tortura de amor, justa homenagem ao “artista mais carismático com que eu já tive a oportunidade de cantar”, disse.

Lembrei-me de minha infância, menino envelhecido antes do tempo, cantando coisas como A carta, Renúncia, Fujo de ti, Como você mudou pra mim, Justiça de Deus e outros clássicos da música brega, romântica ou seja lá como chamem. Lembrei-me de um livro que li ainda criança, Edições Pasquim, o autor me foge à memória: A vida de Waldick Soriano, que me garantiu (sempre garantiu, sempre que tornei à obra) boas risadas – talvez fosse literatura imprópria para menores, de acordo com as classificações indicativas tão em voga. Eu agradeço.

Xangai mostrou-se sábio (e quem não sabia que ele é?): não sabia como as rádios tocavam tanta porcaria e pouca gente conhecia coisas tão bonitas quanto as que Josias Sobrinho havia cantado no show de abertura. Noutro momento, antes de mandar Na asa do vento (Luiz Vieira e João do Vale), do repertório de João do Vale, afirmou: “podem pegar o baú da bossa nova todinho e só três músicas de João; a bossa nova não chega nem no chulé do nêgo velho”. O que Caetano Veloso dirá dessa heresia?

Corta. Eterna correria, deixei de comentar: o jornalista Jotabê Medeiros escreveu uma crítica sobre o show de Caetano Veloso e Roberto Carlos – de cujo baú Xangai pescou ontem Aquele beijo que te dei (Édson Ribeiro) – em homenagem a bossa nova, só com o repertório de Tom Jobim. Caetano não gostou da crítica, retrucou em seu blogue, Jotabê treplicou. Fico com Jotabê, embora não tenha visto o show (soube que vai passar na Globo; se sim, dependendo de não me atrapalhar outros compromissos noturnos, vejo). Minha pré-opinião é a seguinte: um banco força a barra para fazer propaganda. Dois totens – para usar expressão já usada no meio da confusão – da música popular brasileira, relendo o repertório de outro. Estranho que antes disso, Roberto e Caetano – que tanto já gravaram um ao outro e vice-versa, redundei, professor? – nunca tivessem feito show(s) juntos. Sobre o parangolé todo, mais e melhor escreveu meu amigo Ademir Assunção. O que terá Caetano a dizer sobre o texto de Pedro Alexandre Sanches?

Volta pra Xangai. Sem sair de São Luís, é claro. Erivaldo Gomes faz ponta e toca com ele algumas canções, incluindo a parceria Não rio mais (Erivaldo Gomes e Xangai). Histórias, risos da platéia. “É verdade”, Xangai repete por vezes, fazendo a platéia gargalhar. O Gago grego (Jacinto Silva), no bis. Nem Kukukaya (Kátia de França), nem ABC do preguiçoso. Xangai mostrou ser/ter muito mais que isso.

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