PUXÕES DE ORELHA


[Foto: Bruno Torturra Nogueira, no site da Trip]

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Mais do que isso… música popular, por mais que seja um produto, tem um poder político e medicinal, assim como qualquer arte. O poder de tocar o coração, emocionar, ou seja, de fazer os fluidos de uma pessoa circularem melhor, mais rápido, por um instante. Eu digo fluidos querendo trazer o sentido do humor, que é a capacidade de os fluidos circularem. Então, se eu for capaz de emocionar alguém, se eu for capaz de fazer alguém olhar para si mesmo com novos olhos, se essa pessoa tiver vontade de dividir essa bobagem que é uma musiquinha com outro… Então, essa é a minha pequena contribuição para a crise. É uma musiquinha que vai fazer a pessoa se sentir melhor, e talvez reflita numa outra coisinha que ela vai fazer depois. Isso tem um poder político, entende?

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O jornalista tem um papel crucial, ele é o tradutor de mensagens do mundo, ele é o explicador, o denunciador…

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[Sobre se o papel está sendo cumprido ou não] Não, não está. Claro que em determinadas instâncias sim. Existem pessoas excelentes e veículos seriíssimos, mas esses veículos estão sendo sufocados. “Antigamente” é um termo bastante ignorante… mas vou continuar com esse termo. Antigamente as instituições eram quem determinava o que ia ser feito, ou uma censura reacionária, censura militar, que definia o que ia ser exposto e o que não ia. No nosso tempo são os publicitários, ou nem os publicitários, os anunciantes! São os empresários que decidem a que a gente vai ter acesso. Tem muita gente que vai ficar puta porque diz: “Não, o passado era muito pior!”. Não tô dizendo que o passado era melhor. Eu não sou saudosista em momento nenhum, só digo assim: agora quem determina são os comerciantes!

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Aí entra o refinamento do capitalismo. O dinheiro vai comprando as coisas, as instituições e os veículos. E agora é assim, tudo tem um patrocínio [nota engraçadinha: menos este blogue]. Infelizmente, é assim que vejo. E o jornalismo cultural então…

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[Sobre o jornalismo cultural] Tem muito recalque. É uma preocupação muito mais com o bastidor, a vida pessoal. É o bom e velho sensacionalismo, mas na cultura parece que a preocupação é em chegar ao ponto fraco para mostrar o fundilho daquela pessoa. Tá muito mais focado na pessoa do que propriamente no que ela está fazendo. Vamos dizer, você está me entrevistando, mas vamos dizer que você não gosta da minha música. Mas você escreve para quem possivelmente vai gostar – é assim que deve ser.

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[O repórter comenta parecer que a maioria de seus/nossos pares se preocupa mais em parecer fazer parte do circuito que em entendê-lo, fazer parte da fofoca a ir além dela] Isso mesmo. Acho que o recalque vem um pouco daí também, de uma frustração. Aí fodeu, não vai ficar bom mesmo. É aquele mesmo lance da música [citando trecho anterior da entrevista], fazer pra receber em vez de fazer pra dar algo. Principalmente em jornalismo cultural, que envolve muito ego, vira um exercício de chupação do próprio pau, de tentar fazer uma carreira baseada na persona, menos que no conteúdo em si, na visão.

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Trechos da entrevista que Rodrigo Amarante, integrante da banda Little Joy, concedeu a Bruno Torturra Nogueira em Oklahoma City. Tá nas Negras da Trip de dezembro [173].

Não é uma pena a fala do músico ser tão verdadeira? Não deveríamos nós fazer o contrário, para nem ele nem ninguém ter do que reclamar? Reinventar? (Re-)Aprender? Tá na hora, né? É bom aproveitar esse comecinho de ano, época das famosas listas do que vamos e não vamos fazer, para prometer fazer jornalismo (cultural) com mais responsabilidade, aprofundamento, seriedade. É dois mil inove! Leia a entrevista completa aqui.

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