O Samba Pesado do Sandália de Prata: na medida certa.

[Samba pesado. Capa. Reprodução]
“Ei! Sapato de ouro/ eu sou Sandália de Prata/ e te digo meu “cumpadi” nesse chão/ eu sei pisar/ vou seguindo minha vida/ levando o meu samba/ onde o samba me levar/ nos botequins ou grandes palcos,/ morros ou asfaltos/ minha música é minha verdade”. A letra de Sapato de Ouro (Marquinho Dikuã), que encerra Samba Pesado [2009, independente], anuncia o grupo Sandália de Prata, uma verdadeira orquestra: Ully Costa (voz), Dado Tristão (teclado), Carlinhos Creck (baixo), Sandro Lima (guitarra), Paulinho Sorriso (bateria), Tito Amorim (percussão), Marcelo Valezi (saxofone), João Lenhari (trompete) e Jorginho Neto (trombone).
Sandália de Prata é título de dois clássicos da música brasileira: um de Alcyr Pires Vermelho e Pedro Caetano, de 1941; outro, de Ary Barroso, do mesmo ano, também com o título de Isto aqui, o que é?. E agora batiza também este interessantíssimo grupo musical paulista.
Samba Pesado é para arrastar as sandálias – de prata ou não. Além do gênero que dá título ao disco, profundos ecos das variantes samba-rock e gafieira, além de soul e funk – mas este, de verdade. Aqui e ali, pitadas de Jorge Ben, Dorival Caymmi e Criolina (os maranhenses Alê Muniz e Luciana Simões são parceiros da turma em diversas faixas do disco), na levada e/ou nos temas.
“Gildete. Gildete, tô ligado no suingue, no balanço/ Gildete, Gildete parou no ponto, acenou, piloto quase que infartou/ (…)/ até debaixo d’água eu sou, Gildete Futebol Clube” em Gildete (Ully Costa/ Alê Muniz/ Luciana Simões); “Vou ficar perto do terreno baldio esperando a pelada começar/ quero ver você no gol, crioulo/ e Ogum seu protetor/ Na batucada quero Ijexá”, em Dida (Ully Costa/ Luciana Simões); “Você vai dizer que não sabe sambar/ você vai pedir, quem sabe vou te ensinar/ (…)/ Zumbi mandou falar:/ quando ouvir a marcação em forma de oração/ quando ouvir a marcação é hora de oração” em Zumbi (Ully Costa/ Alê Muniz/ Luciana Simões); “Seu beijo é uma delícia, magia de alquimista/ teu olhar, tua malícia/ teu afago, tua carícia/ ô, Letícia, ô, Letícia” em Letícia (Marquinho Dikuã) ou “O tempo fechou, a maré levantou, escureceu/ o pescador não voltou, Maria três velas acendeu” em O pescador (Anderson Vaz/ Robson Capela).
Mas não se trata simplesmente de reverenciar ou apenas imitar o que veio antes – longe disso. As influências são reprocessadas e o som do Sandália de Prata é algo que merece destaque em tempos de velhas bossas, apenas requentadas e apresentadas como novas, ou sambinhas bem comportados e sem sal – e que a crítica conivente não para de apresentar como a nova promessa, a nova revelação, a nova sensação ou a nova não sei o quê do samba ou da emepebê.
[Tribuna Cultural, Tribuna do Nordeste, ontem]
