UNHA DE GATO

Hoje, 8 de março, dia internacional das mulheres, data em que dona Solange de Fátima, em nome de quem saúdo a todas as donas deste dia, esta que botou este que vos tecla no mundo, chega aos 50 (brindaremos com ela, logo mais!), posto abaixo a íntegra de materinha que saiu ontem no JP (editada) e antes, no site da Cáritas (idem, mais ainda).

Unha de gato é uma planta com propriedades medicinais e, se bem me lembro, tem espinhos. Mas se você caçar no google vai aparecer planta (e lá diz que é afrodisíaca), bar(es), grupo(s) de samba etc.

No nosso caso, é um povoado encravado no interior do Maranhão, mais precisamente em Lago da Pedra, em fase de reconstrução…

A maioria das fotos é minha. Mas como as máquinas ficavam perambulando de mãos em mãos, iremos creditá-las como “Acervo Cáritas Brasileira Regional Maranhão”, combinado?

Embarquemos pois, no pau de arara. Boa leitura!

ONDE MORA A SOLIDARIEDADE

Em regime de mutirão, comunidade reconstroi povoado arrasado pelas enchentes em 2008 e 2009. Desafio agora é mudar as famílias restantes, livrando-as do risco iminente de novas tragédias.

POR ZEMA RIBEIRO

355 quilômetros separam a capital São Luís do Maranhão do povoado Unha de Gato. Os primeiros 310 em estradas asfaltadas, mais ou menos conservadas, até a sede do município de Lago da Pedra; os 45 quilômetros restantes pela MA-245, que liga a BR-316 ao município de Lagoa Grande, estão em péssimas condições: não há asfalto, está tomada de buracos e animais à beira da pista tornam maior o risco de acidentes; em um pau-de-arara, o percurso entre a sede e o povoado é feito em quase duas horas.

Logo na chegada, pela manhã, um carro de som anunciava a programação do dia, no último sábado, 27 de fevereiro, quando aconteceria a inauguração de 73 casas construídas pela própria comunidade em terreno doado pela prefeitura municipal de Lago da Pedra, em regime de mutirão, com recursos oriundos da campanha nacional SOS Norte Nordeste 2009, da Cáritas Brasileira, e da Catholic Relief Services (CRS). 213 mil reais foi o montante envolvido na operação. As casas não seguiam um padrão, comum em programas habitacionais oficiais: as construções respeitavam a necessidade e a cultura de cada família. O dia de celebração incluía visita às novas moradias, almoço coletivo, culto evangélico, missa católica e um baile de forró pé-de-serra.


[Mais de 500 pessoas participaram do dia de celebração em Nova Unha de Gato]


[Ricarte Almeida Santos, secretário executivo da Cáritas Brasileira Regional Maranhão, discursa ao lado de Antonio Aguiar]

Antonio Aguiar, com experiências como motorista de caminhão e mestre-de-obras, vice-presidente da Cáritas Diocesana de Bacabal, morando na sede de Lago da Pedra, se mudou “de mala e cuia” para o povoado Unha de Gato nos últimos seis meses – o tempo de construção das 73 unidades habitacionais. Agiu constantemente como um mediador de conflitos e a comunidade acabou se irmanando em um propósito comum: sua própria reconstrução após as tragédias das enchentes ocorridas em 2008 e 2009.

Sim, enchentes no plural: o período chuvoso de 2008 destruiu a maioria das casas do povoado, encravado num vale. Uns, fizeram, literalmente, “remendos” nas moradias; outros se abrigaram emergencialmente nas encostas dos morros. A tragédia é reconstituída com riqueza de detalhes pela memória coletiva: por volta de 6h de 31 de março de 2008, um dia que tinha tudo para ser comum, as almas dos ali viventes foram surpreendidas por um motoqueiro que gritava a aproximação de uma tromba d’água, resultado do rompimento de diversos açudes na região. Infelizmente não era cena de um desenho animado qualquer de ficção e as pessoas iam acordando umas às outras, ajudando-se mutuamente a ocupar os telhados das casas.


[Já dotado de infra-estrutura…]


[… povoado foi completamente destruído]

Muita gente conseguiu salvar apenas a própria vida e a de familiares – não houve óbito entre as 206 famílias: casas foram total ou parcialmente destruídas, móveis e eletrodomésticos foram arrastados pelas águas, animais domésticos e pequenas criações sucumbiram às torrentes, lavouras foram arrasadas. Hoje, visitando-se a comunidade, percebe-se uma paisagem fantasmagórica – infelizmente, novamente, não se trata de ficção em desenho animado – resultado da “subida” de parte de sua população ao novo terreno onde se está instalando a agora chamada “Nova” Unha de Gato.

Elzirene, uma das moradoras, lembra momentos de aflição: “Por volta de três horas da tarde, pensávamos que já estava tudo bem, que o pior havia passado, começaram a gritar que nossa casa ia cair. Na tentativa de salvar minha filha, tentei entregar Ana Dalit a umas pessoas e a vi cair naquele mar de água. Por isso agradeço a Deus, por que ele a resgatou”. Ana Dalit, então com sete meses de idade, filha de Elzirene, foi colocada dentro de uma sacola, que se rasgou com a força das águas.

Diversos homens formaram um cordão, amarrando cordas em suas cinturas, resgatando quem e o que podiam. “Foi tudo muito rápido. Em coisa de dez a quinze minutos a água tinha arrasado o povoado inteiro, carregando tudo. Lembro de nossos herois, que tiveram a coragem de se amarrar com cordas, atravessando gente de um lado para o outro. Foi tudo improvisado, não havia barcos, mas deu certo a ideia deles. Até hoje tem gente com marcas na pele, provocadas pelas cordas”, lembra Zacarias, outro morador.

Adiante ele conta, sorriso maroto no rosto, que Kléber, um dos herois, teve suas roupas arrancadas pela enxurrada: “Ele, em cima dos telhados, depois de ter salvo um bocado de gente e seus filhos, com dificuldades, a água tão forte levou as roupas dele. Aí o povo perguntava: ‘Kléber, cadê tuas roupas?’, e ele respondia: ‘a água levou aí dentro dos sacos, dentro do guarda-roupa’. ‘Rapá, tu ‘tá é nu!’, e ele procurou se cobrir até que alguém jogou uma bermuda, que ele logo vestiu para continuar o trabalho de resgate”, conta, com o bom humor peculiar dos brasileiros, mesmo em momentos de tragédia, como a seguir ao pé da letra a máxima bíblica do “por tudo dai graças”.

A partir daquele momento crítico, encerravam-se antigas desavenças: moradores que há muito não se falavam, salvavam-se uns aos outros. Outra ilustração de superação: no processo de mudança do povoado – ainda em curso: a ideia é mudar todas as famílias restantes para a chapada –, durante a construção das 73 casas ora inauguradas, católicos lançaram a pedra fundamental de uma igreja evangélica e vice-versa: ambas devem ser construídas em breve, assim como deve ser terminada a casa de farinha, para uso coletivo. Mesmo nas discussões de quem seria ou não contemplado logo nessa primeira etapa, apesar de atritos iniciais, a seleção ocorreu de forma tranquila.


[Comitiva da Cáritas Brasileira, CRS e moradores visitaram as novas moradias]


[Ruas em Nova Unha de Gato receberam nomes de árvores]


[Casas não seguiram padrões de programas habitacionais oficiais]

“Essa etapa de seis meses foi a coisa mais bonita que já me aconteceu na vida. O que está acontecendo aqui é uma presença divina na vida de todos nós. Trabalhamos juntos, rezamos juntos, oramos juntos e não foi difícil. Primeiro pensamos em escolher os mais pobres. Mas percebemos uma área de risco, então usamos os mesmos critérios da Defesa Civil: tirar primeiro esses. Os telhados das casas eram bons, então já deu para aproveitar. Aí economizamos nos telhados, nos pisos, aumentamos uma janela em cada casa e com o material que foi sobrando, conseguimos chegar a 73 casas”, explica Antonio Aguiar sobre o “milagre da multiplicação de pães e peixes”, ele que acabou sendo laureado pela própria comunidade com uma faixa com o título de “cidadão unha-gatense”, bem mais merecido que muitos títulos do tipo, distribuídos a rodo por câmaras municipais e assembleias legislativas.


[Placa anuncia a construção de escola em Nova Unha de Gato]

A prefeita de Lago da Pedra, Maura Jorge (DEM), esteve presente à solenidade em Nova Unha de Gato. Anunciou a construção de uma escola com seis salas de aula, diretoria e sala de informática, orçada em 280 mil reais: “90% das escolas de nosso município estão caindo aos pedaços. Unha de Gato está sendo ‘privilegiada’ por que as pessoas estavam em cima, cobrando”. Anunciou ainda um convênio – sem dizer com quem o município o firmava – para a construção de mais cem casas no povoado. “O piçarramento [dos 12 quilômetros restantes da estrada que dá acesso ao povoado, quando a mesma se bifurca da MA-245], apesar de importante, vai ter que ficar para depois, pois agora a prefeitura não tem condições de arcar”, completou.

“A medida de ter direitos nunca enche”. Ricarte Almeida Santos, secretário executivo da Cáritas Brasileira Regional Maranhão, adaptou à realidade o dito popular. “Conquistadas as casas, a moradia digna, precisamos conquistar água, energia, saúde, educação. Tudo isso são direitos. Nem a Cáritas nem o poder público estão aqui fazendo favores a nenhum de vocês. Nós nunca chegaremos aqui pedindo votos para ninguém e vocês têm que ter a consciência tranquila e votar em quem achar que devem, em quem quiserem”, continuou.

Vitélio Pasa, assessor do secretariado nacional da Cáritas Brasileira, mostrou-se lisonjeado em participar do momento celebrativo: “Nota-se a felicidade das pessoas em deixar a velha Unha de Gato e virem para a Nova Unha de Gato, mas este é também um momento importantíssimo para a Cáritas Brasileira. Aquilo que foi feito como campanha de solidariedade, com doações de pessoas, de comunidades, paróquias e dioceses, se torna realidade aqui, nesta comunidade, afetava pelas enchentes. Duas enchentes aconteceram aqui: a das chuvas, em 2008, e a enchente que acontece hoje, da solidariedade, da partilha, do mutirão, da alegria e da felicidade”.


[Dom Armando Gutierrez (ao centro) celebrou a primeira missa em Nova Unha de Gato]

Após o culto evangélico e a santa missa, por volta de 19h, uns jantavam. O cardápio era o mesmo do almoço, que já havia alimentado algo em torno de 500 pessoas. No preparo dos alimentos, a solidariedade também imperou: contemplados ou não com novas residências, moradores das Unhas de Gato, traziam panelas com iguarias diversas: arroz branco, baião de dois, feijão, galinhas caipiras ao molho pardo, saladas variadas, cozidão, carne de porco etc., em mesa quilométrica. Ali mesmo na Praça do Cajueiro, onde tudo acontecia e onde foi fincada a placa de Nova Unha de Gato, um cartaz manuscrito, próximo, indicava: “Lave aqui a sua louça”.


[Cardápio variado em almoço festivo. Solidariedade marcou todos os momentos]


[Compartilhamento de tarefas é marca da comunidade]

“A qualquer tempo, quando a gente passava por aqui acompanhando o processo, sempre houve a preocupação, por parte dos moradores, de nos oferecer o melhor, seja em termos de alimentação, as mulheres sempre cozinhando e nos servindo bem e fartamente, seja em termos de hospedagem”, afirmou Lucineth Machado, assessora da Cáritas Brasileira Regional Maranhão. Sob protestos, ela deixou o povoado sem ver/ouvir o pé-de-serra que rolou, solidarizando-se com os demais membros da comitiva, cansados após um dia inteiro de atividades, a escuridão da noite deixando em condições ainda piores a estrada de volta.

DE VOLTA!

Uma pá de acontecimentos e compromissos outros têm me impedido de realizar a Tribuna Cultural regularmente. Conforme prometi a Gojoba no e-mail em que encaminhava o texto abaixo ao Tribuna do Noreste, a gente volta, dessa vez para ficar, como já cantava o “rei”.

É trabalhar por menos interrupções e por apoio cultural.

TRIBUNA CULTURAL
POR ZEMA RIBEIRO

TODA UMA HISTÓRIA PARA CONTAR E CANTAR*

No semi-acústico Ao vivo, cantor e compositor paulista reconstitui sua trajetória ímpar.


[Ao vivo. Capa. Reprodução]

“Eu não como ouro/ por que não sou tolo/ (…)/ meu santo é louco/ meu anjo é barroco/ eu não nasci pra fazer teste/ nem levo jeito pra réu/ eu tenho desde pivete/ ideia, suingue e chapéu/ ideia, motivo e cordel”, anuncia-se, logo na primeira faixa, Edvaldo Santana.

Parceiro de nomes como Itamar Assumpção (por exemplo no Blues caboclo de abertura, do excerto acima), Ademir Assunção (em Cabral, Gagarin e Bill Gates e Samba do japa) e Arnaldo Antunes, e já tendo gravado com nomes como Chico César, Lenine e Zélia Duncan, o cantor e compositor paulista, filho de piauiense com pernambucana, ainda não tem o merecido reconhecimento no cenário da música brasileira contemporânea.

Embora mereça: Ao vivo [2010, independente, distribuição: Tratore] dá provas de sobra disso. Nele, uma seleta de seus discos Lobo solitário (1993), Tá assustado? (1995), Edvaldo Santana (1999), Amor de periferia (2004) e Reserva de alegria (2006), além da quase-inédita O goleiro (Edvaldo Santana), gravada em estúdio e disponibilizada desde o ano passado para download em seu site, e da inédita Santa Clara (Sacadura Cabral) (Edvaldo Santana), cantada à capela e composta em agradecimento pelo brilho do sol em um dia de filmagem de um videoclipe do artista na comunidade que dá o segundo título à música.

Abre parênteses: O goleiro já havia sido tocada por este colunista em alguma edição do Chorinhos e Chorões (Rádio Universidade FM, 106,9MHz) em que tivemos a honrosa e desafiadora missão de substituir Ricarte Almeida Santos em certa manhã dominical. Além dessa faixa, tocamos também a versão original de Choro de outono (Edvaldo Santana), que também aparece neste Ao vivo. Fecha parêntese.

Ao vivo foi gravado em três dias no Teatro Fecap (São Paulo), em junho do ano passado. O ótimo resultado alcançado é fruto do entrosamento entre Edvaldo Santana (voz e violão) e uma banda enxuta, que já o acompanha há tempos, em discos e shows: Luiz Waack (guitarra, guitarra portuguesa, vocal), Ricardo Garcia (percussão, vocal) e Reinaldo Chulapa (contrabaixo, vocal). O disco conta ainda com as participações especiais de Dona Inah (voz) em Luana de maio (Arthur Shaker) e Antonio Bombarda (sanfona) em O goleiro.

Entre blues, soul, choro, samba e bolerock, eis uma ótima oportunidade para se conhecer Edvaldo Santana. Outra será quando algum produtor se sensibilizar e trazê-lo à São Luís. Mas essa pode demorar. No que espero estar redondamente enganado.

*O título desta resenha foi tirado de um pequeno texto de Augusto de Campos sobre Edvaldo Santana, do encarte de Ao vivo.

A ILHA FERVILHA…

Semana corrida ducaray, vou só pendurando aqui o que vai acontecer pela Ilha. Em posts anteriores, outros acontecimentos. Para ver melhor, clica que amplia!:

É HOJE!

Logo mais, em Sampa, meu amigo-irmão Celso Borges lança Belle Epoque, seu novo livro-disco. Quem me lê de Sampa não pode perder. Detalhes aqui.


[Foto: Carllos Boselli]

ALEGREM-SE!: O CHORO ESTÁ DE VOLTA!

Quem abriu o site do Google hoje (e não foram poucas pessoas!) deparou-se com essa imagem:

Terá o Google se musificado todo em reverência ao retorno do Clube do Choro Recebe?

Aqui um emocionado e emocionante relato de Ricarte Almeida Santos sobre a volta do projeto, que passa a acontecer na APCEF (Calhau), onde tudo começou. Neste sábado de reestreia (6), o convidado é Carlinhos Veloz (foto), que terá como anfitriões os bambas do Regional Tira-Teima.

A MÚSICA (TAMBÉM) SALVA

O DJ Pedro Sobrinho comanda as pick-ups nas quintas de março no Cantinho da Estrela. Mais aqui.

TEMPORADA PELLEGRINI

O cartaz ficou bonito paca. A produção não informou nem a duração da temporada nem o valor do couvert artístico. Mais aqui.

QUINTA DE PRIMEIRA (PRA QUEM TÁ EM SAMPA)

Nesta quinta é a vez do lançamento paulista de Belle Époque. Celso Borges aterrissando na Vila Madalena. É daí pro mundo…

Para detalhes, clica que amplia…