Dom Xavier Gilles e Dona Teté, em junho de 2012, por ocasião das celebrações de 50 anos de ordenação sacerdotal do bispo emérito de Viana/MA – foto: Zema Ribeiro
Na família e entre amigos mais próximos, a coisa ganhou ares de piada: sua admiração e profundo respeito por padres a fazia estender tapetes vermelhos imaginários e tratá-los com honras de chefes de Estado, com todas as regalias possíveis.
Brincadeiras à parte, esta era mais uma forma com que Etelvina do Rosário Martins (5/10/1931-31/12/2024) demonstrava sua devoção às coisas sagradas.
“Conheci Dona Teté no ano de 2004 durante a preparação para a minha ordenação presbiteral. De imediato percebi o quanto ela gostava dos padres, pois falava com uma empolgação e um brilho nos olhos, com muita leveza e carinho”, como anota o Padre Orlando Ramos na orelha de “Teté: Uma história de fé e vida” (2021, 108 p.), livro organizado e publicado pela família, por ocasião de seus 90 anos, mais que a simples biografia da homenageada, um trabalho que passa pela formação da Vila Passos, incluindo a construção da Igreja de Nossa Senhora das Graças, que integra a Paróquia São José e São Pantaleão.
Fui casado com sua neta Graziela e a primeira vez que ouvi seu nome achei estranho e até hoje me pego rindo de minha ignorância: achei que sua avó fosse a Dona Teté do Cacuriá (1924-2011). Desfeito o equívoco, foi o período de que mais estive próximo da Igreja Católica, uma demonstração da força de seu exemplo, freireano na prática. Dona Teté foi, aliás, a primeira professora de ensino religioso do município de São Luís.
“O Regional NE 5 da CNBB [a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil] não pode falar de sua catequese da metade do século XX para cá sem citar Etelvina do Rosário”, afirma o Padre João Pedro de J. R. Fonseca na outra orelha do citado livro, destacando a importância de sua atuação.
Liderança religiosa e comunitária, Dona Teté também foi fundadora (e presidente por alguns mandatos) do Centro Comunitário, Cultural e Eclesial da Vila Passos (CCEVP), idealizado como um espaço para avançar nas atividades pastorais e sociais junto aos moradores do bairro, tendo se inserido na Rede Amiga da Criança, articulação de mais de 30 entidades de defesa dos direitos de crianças a adolescentes em São Luís.
Viúva aos 33, após 10 anos de casada, na leitura da Bíblia encontrou sua própria ressurreição: dali tirou forças para criar as duas filhas – Clara de Fátima e Joana Darc. Superado o momento difícil, Teté, que possuía apenas o ensino fundamental incompleto, encontra na educação o seu caminho. Mãe, estudante, trabalhadora, leiga e catequista: acumulando todas essas funções, conclui sua formação, incluindo uma licenciatura aos quase 50 de idade, dando mais um exemplo de força e determinação.
As filhas seguiram os passos e são também professoras, a educação muito além da sala de aula, pelo exemplo. A família cresceu, com a chegada de netas e bisnetos (entre os quais meu filho José Antonio). Cercada de amor e admiração, Dona Teté faleceu nesta madrugada (31), aos 93 anos, em decorrência de complicações de uma pneumonia. Que seu exemplo de força e fé ilumine familiares e amigos neste momento de perda e dor. E que seu legado continue a ser luz no caminho de todos os que tivemos a oportunidade enriquecedora de seu convívio.
Com Yara Medeiros, Alexandre Maciel e Helena DiasDurante a roda de conversaCom Inácio França, na mesa de aberturaTrocando ideias com Seu Francisco e Radassa
TEXTO: ZEMA RIBEIRO FOTOS: ROSANA BARROS
A não ser diante de uma impossibilidade real e incontornável, nunca me nego a conversar com estudantes de jornalismo. Por isso disse sim ao convite recebido do Simpósio de Comunicação da Região Tocantina, que este ano chegou à maioridade.
Com as credenciais da Rádio Timbira FM e Farofafá, dividi a mesa de abertura do evento, “Desafios da produção de conteúdo no jornalismo cultural e independente”, na noite do último dia 11 de dezembro, com os colegas Inácio França (Marco Zero Conteúdo) e Helena Dias (Brasil de Fato Pernambuco).
Falamos para um auditório com bom público, formado por estudantes, professores, profissionais e curiosos em geral. O clima era o melhor possível. Todos saímos impressionados com o evento: grande, organizado, simpático e acolhedor. E se atribuo tais adjetivos ao Simcom, este os deve a todas as pessoas envolvidas com sua produção e organização, a quem saúdo através do casal Alexandre Maciel e Yara Medeiros, professores do curso, sul-mato-grossenses que adotaram o Maranhão como casa e logo se tornaram amigos de infância (não foram os únicos).
Marcus Túlio, Duda, Gustavo, cada professor/a ou aluno/a que travou contato comigo desde o convite, foi sempre super gentil, educado/a, atencioso/a, simpático/a, o que não deve ser tarefa fácil, dada a magnitude do evento. Senti-me em casa, o tempo inteiro, da efígie grafitada (não consegui identificar a autoria, mas terei o maior prazer em editar este texto dando o devido crédito) do professor Sérgio Ferretti (1937-2018), logo na entrada do campus às indicações e companhias para almoços e jantares.
Foram dois dias de muitas trocas e aprendizados. De gaiato, assisti à oficina ministrada por Inácio França, sobre produção de conteúdo para a internet, em que ele trouxe sua experiência de fundador da Marco Zero, reforçando a importância de um jornalismo independente, que pode ser feito em qualquer lugar, com o barateamento dos custos proporcionado pelas novas tecnologias – não há mais as despesas com distribuição, por exemplo, como à época dos jornais impressos, quando começamos.
Na turma, num exercício prático de troca de histórias, que seriam ouvidas e contadas por seu interlocutor, conheci a surpreendente e bonita história de seu Francisco, vítima de paralisia infantil que hoje cursa o quarto período de Jornalismo, e Radassa, que se divide entre a família e os cuidados com o amigo que conheceu no ensino médio – enquanto ela, mais jovem, não se decide pelo curso que irá fazer, já assiste algumas disciplinas de Comunicação como ouvinte, acompanhando o amigo.
A mesa de abertura, mediada por Alexandre, foi bastante participativa. O bloco final de perguntas juntou não sei quantas delas e havia disposição dos que ali estavam para mais, o que demonstra a relevância dos temas propostos. Um desafio comum apontado por nós três é a questão do dinheiro: fontes de financiamento, o custo de se fazer um jornalismo sério, responsável, comprometido com a informação de qualidade e correta. Outros foram servidos pela plateia, entre o desafio e a oportunidade: inteligência artificial, redes sociais, a pauta cultural e sua relação com outras editorias, entre outros.
Otimista incorrigível, banquei o pessimista, ainda que este não supere àquele, em mim. Além da grana, ou melhor, da falta dela, a algoritmização da vida é um desafio, porque sabemos que os algoritmos servem a uma monocultura e o papel do jornalismo como um todo, e particularmente o cultural, é justamente promover a diversidade. Nesse sentido, o jornalismo cultural tem, hoje, um papel curatorial.
Além de fazer amigos, foi também a oportunidade de conhecer pessoalmente gente que eu só conhecia das redes sociais (Dhara Inácio e Rosiane Stefane) e de revê-los: casos dos fotógrafos Daniel Sena e Rosana Barros, dos professores Letícia Cardoso (com quem me encontrei já no aeroporto, para pegar o voo de ida), Ricardo Alvarenga e Marcos Fábio (que ministrou disciplinas de redação em minha graduação), da poeta Lília Diniz, que aqueceu o público com sua apresentação de poesia e coco antecedendo a mesa, e do cantor e compositor Erasmo Dibell, que se apresentou (com o também talentoso Washington Brasil) na tarde do Publisimcom, o evento (dentro do evento) de publicações de livros. Trouxe na bagagem o “Curacanga”, de João Marcos – na graduação, ele me entrevistou para um trabalho acadêmico; hoje aluno do Mestrado, ele pesquisa livros-reportagens, com foco nos trabalhos da jornalista Andréa Oliveira sobre João do Vale (1934-1996) e o bumba meu boi. Instiguei-o a lançar o novo livro em São Luís, ano que vem.
E mesmo as amigas que não revi, era possível sentir sua presença. De certo modo e à distância, acompanhei as graduações de Mariana Castro e Lanna Luiza. Da primeira, ao mencionar seu nome, ouvi um elogioso “ela é babado!” de uma estudante; da segunda, a quem devo o contato e o convite recebido, lembrei-me imediatamente de suas aventuras com o Zine Sibita, que, sagitariano como eu (se não fosse, tornou-se), neste dezembro completou 10 anos, com direito a uma sala, bolo e parabéns, e, ao mesmo tempo que voltava a ser editado em corte-e-cola, já era também site e tv no youtube (para onde cheguei a ser entrevistado por ocasião desta passagem que aqui relato brevemente). Na bagagem trouxe uma ecobag (e ganhei o avatar da Idayane Ferreira, quem me segue nas redes sociais verá) desta importante iniciativa que este ano ganhou o prêmio de melhor Design de Imprensa na Expocom Nordeste, em Natal/RN.
Uma das perguntas desta entrevista eram as três principais razões pelas quais fazer ou continuar fazendo jornalismo: paixão/tesão (gostar do e viver o que se faz é importante), compromisso (com a informação de qualidade e com quem lê/ou/vê) e teimosia (fazer jornalismo apesar de tudo).
Foi animador ver o envolvimento de professores/as e alunos/as, empenhados para que tudo desse certo. Mesmo não ficando o evento inteiro, por força de compromissos outros, foi gratificante constatar que tal grau de engajamento atingiu seus objetivos: deu tudo certo. Fiquei feliz de vi/ver tudo o que vi/vi e espero voltar em breve. Vida longa ao Simcom!
A generosa fatia de pudim servida na Pousada Cristo Rei – foto: Zema Ribeiro
Certa vez perguntei ao compositor e jornalista Cesar Teixeira sobre fama. “Fama é o feirante te chamar pelo nome”, respondeu com a sinceridade e modéstia que lhe são peculiares.
Por dever de ofício lido com famosos, com o constante exercício de não me deixar isso subir à cabeça (eles são famosos, eu não). Mas hoje tive meu dia de VIP.
Entrei para almoçar, já tarde, num restaurante que frequento há mais de 20 anos. Meu prato predileto já havia acabado. Pedi uma bisteca frita, ditei os devidos acompanhamentos e sentei-me a esperar, enquanto esposa e enteada, após também fazerem seus pedidos, aproveitaram o mormaço ludovicense para visitar uma loja de variedades quase vizinha.
A comida chegou, avisei-as por mensagem, enquanto a garçonete servia. Já estava traçando a bisteca quando Dos Anjos – o sobrenome uma redundância: ela é o próprio anjo, com mãos de fada – adentra o salão com mais uma cumbuca, deposita sobre minha mesa e diz: “come este assado, que eu sei que tu veio procurar por ele”.
A porção de assado com molho não serviria uma refeição, mas ela não só sabe e lembrou de minha predileção como me garantiu o prazer gastronômico. Pança cheia, já me dava por satisfeito, levanto para ir ao banheiro e ouço a pergunta dela: “vai querer pudim?”. “Ouvi dizer que não tem”, respondi e fui desmentido. E haja pudim de sobremesa.
Dona Ana está viajando, ela me informou quando perguntei pela proprietária da Pousada Cristo Rei, que segue em boas mãos durante o passeio e descanso da chefa. Seu assado de panela e pudim de leite estão entre os melhores do mundo.
Como já disse Xico Sá: uma das maiores alegrias de um homem é chegar a um bar ou restaurante e ser saudado pelo garçom com um “o de sempre, doutor?”.
Os compromissos da tarde me chamavam, se não era capaz de eu ter ido sentar no sofá para ver o telejornal e talvez ainda estar lá, cochilando até agora, essa crônica esperando por ser escrita.
A quem interessar possa: a Pousada Cristo Rei fica na Rua das Crioulas, Centro (entre Santana e Domingos Barbosa).