Guarnicê e(m) silêncio

Está previsto para acontecer entre os dias 3 a 7 de outubro o 34º. Festival Guarnicê de Cinema. Digo previsto, pois, às portas da semana que vem, a cidade ainda não fala nisso, o povo não respira cinema e as agendas culturais dos jornais ainda não ventilam o assunto, não necessariamente nessa ordem.

O festival, um dos mais antigos e importantes do país, vem diminuindo ano após ano, tendo, injustificadamente, deixado de acontecer no período junino – o que lhe justifica(va) o nome – e mudado de endereço: à guisa de suposta “interiorização”, o Guarnicê repete uma atitude condenável do poder público: o abandono do Centro Histórico ludovicense.

Se antes as sessões do Guarnicê ocupavam o Cine Praia Grande e os teatros do bairro homônimo, já tendo inclusive havido sessões no Convento das Mercês, em outro bairro do Centro Histórico, o Desterro, dialogando com a população local, hoje o festival está reduzido ao Campus Universitário do Bacanga, depois de uma passagem desastrosa pelo Centro de Convenções Governador Pedro Neiva de Santana.

Lá, por exemplo, o cineasta Frederico Machado lançou, ano passado, o premiado Vela ao crucificado, baseado em conto homônimo do teatrólogo Ubiratan Teixeira, para uma plateia de cadeiras – uma aqui, outra acolá carregava alguém no colo. Pouco público não é bom nem para o festival, nem para os realizadores, nem para a população.

Se ano passado o público era, mais que pequeno, quase inexistente, podemos arriscar uma repetição do esvaziamento das sessões no Guarnicê deste ano – não que torçamos por isso. Sua realização em um campus universitário pode levar a população a pensar em um evento “de universitários” ou “para universitários”, além dos problemas conhecidos: o eterno canteiro de obras instalado no Campus Universitário do Bacanga e o deficiente sistema de transporte público – mais fácil chegar ao Cine Praia Grande, com um terminal de integração “defronte”, que ao Centro de Convenções, pensado, como sua vizinha Assembleia Legislativa, para as elites que engarrafam cotidianamente a cidade caótica.

São Luís continua carente de salas de exibição que fujam aos ditames hollywoodianos com que trabalham os Boxes e Cinesystems da vida. Cumprem este papel, com todas as dificuldades que enfrentam, o Cine Praia Grande – atualmente administrado pela Lume Filmes, de Frederico Machado – e os festivais e mostras que têm pousado na Ilha: Festival Lume de Cinema, Maranhão na Tela, Mostra de Cinema e Direitos Humanos e Mostra de Cinema Infantil.

O Guarnicê deve cumprir o papel de mais um espaço de afirmação do cinema de qualidade, com quantidade, isto é, com salas cheias e todo o burburinho gerado por suas exibições – quer coisa melhor que enxugar umas cervejas comentando os filmes após a sessão? Manter a tradição por manter a tradição não serve: ou o Guarnicê se reinventa ou é melhor ficar na saudade, perdoem o fatalismo.

Seleção – Os documentários Aperreio, de Doty Luz e Humberto Capucci, e Awàka`apará, de Diego Janatã e Humberto Capucci, foram selecionados para a mostra competitiva Nego Chico Refestança, dentro da programação do 34º. Guarnicê.

Volto às deficiências do festival: este blogue só tem essas informações graças ao empenho dos realizadores supra, que, por e-mail e facebook têm feito contatos no sentido de darmos uma força na divulgação, chamar o público para ver estes filmes, que tratam da realidade contemporânea do Maranhão. Se algum dos poucos-mas-fieis leitores deste blogue perguntar pela programação completa, não sei, não vi, não tenho.

Fora os dois docs maranhenses, sei de outro curta-metragem na programação do Guarnicê: o catarinense Cerveja falada, cuja seleção me foi anunciada por e-mail pelo músico-cineasta Demétrio Panarotto [Banda Repolho]. Este último retrata em 15 minutos a história do Sr. Rupprecht Loeffler, de sua cervejaria, a Canoinhense, e a fabricação artesanal de uma iguaria que figura entre as preferências deste que vos bafeja.

Volto aos docs de Capucci, Janatã e Luz: têm importância fundamental na discussão de problemas do Maranhão contemporâneo. São filmes que põem o dedo em nossas feridas abertas: os desastres “naturais” das enchentes, que têm se repetido ano após ano, caso de Aperreio, e a violência contra povos tradicionais, no caso específico os indígenas Awa-Guajá em Awàka`apará. Só por isso, já deveriam ser assistidos pelo máximo possível de pessoas.

Ambos os filmes foram realizados por encomenda do movimento social maranhense, o primeiro pelo Comitê de Monitoramento das Políticas Voltadas às Vítimas das Enchentes no Maranhão, integrado por diversas organizações não-governamentais, o segundo pelo Conselho Indigenista Missionário – Regional Maranhão (Cimi/MA), mas não soam panfletários.

Filmes que podiam estar na mostra competitiva principal do Guarnicê e, sabe-se lá o porquê, não estão. Aperreio já levou o troféu de melhor documentário em duas ocasiões: Curta Carajás 2010 (Parauapebas/PA) e V Festival de Cinema na Floresta 2011. Fora estes certames, de que saiu vitorioso, já participou das mostras competitivas – as principais: Festival Pan Amazônico de Cinema – Amazônia Doc 2010, 22º. Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo – Curta Kinoforum e III Festival do Filme Etnográfico do Recife.

A seguir, Awàka`apará em três partes:

Aperreio pode ser assistido aqui, em duas partes.

Filmes que escancaram nossos olhos, com alguma dor e um quê de poesia, certamente seu maior trunfo. Talvez esteja faltando poesia ao Guarnicê. Talvez pelo fato de o Departamento de Assuntos Culturais (DAC) da UFMA ter um evento específico em seu calendário anual para a poesia.

Abutres, cinema e direitos humanos

Com satisfação leio nos roteiros de cinema dos jornais da Ilha que o Cine Praia Grande está exibindo o argentino Abutres [Carancho. Argentina, Chile, França, Coreia do Sul, 2010. Drama. Direção: Pablo Trapero, trailer acima], filme excelente, com interpretações monstruosas de Ricardo Darin (Sosa) e Martina Gusman (Luján), a que assisti ainda ano passado, quando o filme integrou a programação da 5ª. Mostra de Cinema e Direitos Humanos na América do Sul, na primeira edição da mesma que abarcou São Luís (creio que a sexta, que a capital maranhense recebe entre os próximos dias 31 de outubro e 6 de novembro, abrangerá todas as capitais brasileiras).

Apesar de ter visto bem menos filmes do que gostaria, só tenho boas lembranças da 5ª. Mostra e a deste ano promete. Como escrevi à época: “Quem, preconceituosamente, pensa que os filmes da Mostra, ou a Mostra em si, são maçantes, cansativos, chatos, enfadonhos, panfletários ou coisas parecidas, não sabe o que está perdendo”. Este blogue falará mais sobre em momento oportuno.

Curiosidade: já vi, em ao menos duas bancas, em São Luís, cópias piratas em dvd de Abutres.

Elza na tela do Maranhão na Tela

Elton Medeiros conta que João da Baiana foi preso diversas vezes pelo simples motivo de andar nas ruas com um pandeiro na mão. No início do século XX isso era sinônimo de vadiagem. Até que um dia, um senador seu amigo deu-lhe um pandeiro e escreveu uma dedicatória no couro, indicando quem tinha sido o autor do mimo. O pandeiro passou a, além de instrumento, servir de documento a João da Baiana.

Elza Soares revela que um dia sonhou ser prostituta. Na inocência de criança ou adolescente, ouvira a mãe de uma conhecida acusá-la de e ouvir um “sou. Sou prostituta, sim. Sou linda, gostosa, maravilhosa”. Para a futura cantora, ser prostituta era isso. “Era tudo o que eu queria ser. Eu achava que tinha encontrado minha profissão”, conta, divertindo-se e a todos nós.

Estes são dois depoimentos marcantes em Elza [documentário, 2008, Brasil, 82min., direção: Izabel Jaguaribe e Ernesto Baldan], que conta ainda com nomes como Caetano Veloso, Maria Bethania, Jorge Benjor, o violonista João de Aquino, o antropólogo Hermano Vianna, Mart’nália, Paulinho da Viola, José Miguel Wisnik e outros.

Bela homenagem a uma das maiores cantoras brasileiras de todos os tempos, o filme poderia ser menor, sem prejuízo ao conteúdo. O encontro com Maria Bethania, em que elas desfilam sambas de roda acompanhadas de um pandeiro, é longo e cansativo, com uma troca de elogios quiçá desnecessária. Noutro momento, Jorge Benjor canta Jorge de Capadócia sozinho, com Elza Soares entrando apenas ao final.

O filme foi exibido ontem, dentro da programação do Maranhão na Tela, no estacionamento da Praia Grande. A exibição foi prejudicada pela iluminação normal do lugar, o burburinho dos passantes, um dos pagodes que infestam o lugar irrompendo antes do fim do filme, a falta de cadeiras e o início antecipado da sessão – quando cheguei, pouco antes das 19h30min, horário anunciado nos folders com a programação, o filme já havia começado. Vi todo o resto em pé.

Penso que a produção poderia potencializar o uso das duas salas onde também está acontecendo o Maranhão na Tela: o Cine Praia Grande, que tem uma programação mais cheia, e o Teatro Alcione Nazaré, que não mais terá sessões a partir de segunda-feira – o festival acontece até sexta (16).

Hoje tem Natimorto [drama, 2009, Brasil, 92min., direção: Paulo Machline], baseado no livro de Lourenço Mutarelli, com o próprio de protagonista.

Doc didático reconta história do rock brasileiro, ainda que de forma superficial

Rock brasileiro – História em imagens [documentário, Brasil, 2009, 70min., direção: Bernardo Palmeiro], exibido ontem (9) no Maranhão na Tela, traça um panorama da cena rock no Brasil desde o seu início até os dias atuais. Do nascimento, entre a Jovem Guarda e a Tropicália, com Roberto e Erasmo Carlos, Gilberto Gil e Os Mutantes, passando por Novos Baianos e Raul Seixas – talvez o nome mais importante do gênero no Brasil até aqui –, até a falta de rebeldia e excesso de emotividade de nomes contemporâneos como Fresno e NX Zero.

É um filme linear e extremamente didático, perfeito para iniciantes no assunto – o filme foi feito para uso em escolas, fico sabendo depois da sessão. A montagem tem seus defeitos, com excesso de branco nos cortes e “colagens” das imagens anunciadas no título – fala-se, por exemplo, em Secos & Molhados, e fotos de Ney Matogrosso, João Ricardo e Gerson Conrad, integrantes do revolucionário conjunto, sobrepõem-se umas às outras, tentando em vão uma unidade. Incomodam também as capas de discos de Raul Seixas passando em frente ao depoimento de Charles Gavin (ex-baterista de Ira! e Titãs, responsável pelo relançamento em cd de discos fundamentais da música brasileira, hoje apresentador de programas sobre música no Canal Brasil).

Outro defeito pode ter sido justo a falta de recorte: impossível cumprir a promessa do título em pouco mais de uma hora de filme. O assunto dá muito pano pra manga e nomes importantes são esquecidos ou subestimados. Tim Maia, por exemplo, tem sua importância para o rock nacional, seja ao ensinar Roberto e Erasmo a tocar violão, seja ao influenciar Os Mutantes – “Qualquer semelhança com Tim Maia é mera coincidência”, nos avisam Rita e os irmãos Baptista no encarte do Jardim Elétrico (1971) –; Chico Science parece ser apenas mais um, surgido nos anos 1990. Não é. Francisco Ciência – como o chamaria um radical Ariano Suassuna – é o responsável pelo último movimento da música brasileira, o manguebeat, uma personalidade importantíssima no panorama da música brasileira recente.

Pitty, num depoimento que soa meio arrogante, diz algo como “não é por eu ser baiana que eu tenho que colocar um berimbau no rock”, referindo-se ao hibridismo que muitos tentaram, sem sucesso – ou com sucesso e sem qualidade. Acerta a moça ao dizer que na Nação Zumbi isso soa(va) natural, sem forçar a barra – eu acrescentaria aí o mundo livre s/a, para ficar apenas em mais um nome do movimento pernambucano. Lobão e Lulu Santos, gostemos ou não, são outros dois nomes simplesmente “esquecidos”. Vivas à lembrança de Júlio Barroso e sua Gang 90.

Embora o filme não traga imagens raras não deixa de ser pelo menos engraçado analisar o figurino de astros como Cazuza – com uma calça coladíssima num Rock in Rio – e/ou as bermudas e camisas coloridas d’Os Paralamas do Sucesso – noutro. Ou no mesmo. Ou num Hollywood Rock, sei lá.

Embora reconheçamos as dificuldades para se conseguir falar com determinados artistas, a voz em off do narrador é recurso que poderia facilmente ser dispensado com mais depoimentos. Os de Liminha são um capítulo à parte: tendo tocado com Os Mutantes, produziu discos d’Os Paralamas do Sucesso, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Nação Zumbi, entre outros. Ele, quase a própria história do rock brasileiro.

Malditos cartunistas, benditos Daniéis

Era de se esperar que boa parte da plateia (pequena) passasse quase todo o filme gargalhando. Malditos cartunistas [documentário, Brasil, 2010, 93min., direção: Daniel Garcia e Daniel Paiva], exibido anteontem (7) no Teatro Alcione Nazaré (Maranhão na Tela), conta com depoimentos importantes de cartunistas, chargistas, quadrinhistas, desenhistas, tiristas – “existe isso?”, um deles se pergunta –, ou tudo isso ao mesmo tempo. Ou, antes de tudo isso, simplesmente humoristas.

De Jaguar e Ziraldo (O Pasquim) a Ota (Mad), passando por Angeli (Chiclete com Banana), Adão Iturrusgarai (Aline), Allan Sieber (Vida de estagiário), Glauco (Abobrinhas da Brasilônia) em sua última entrevista (foi assassinado em março do ano passado junto ao filho Raoni; a eles o filme é dedicado), Laerte (Piratas do Tietê), André Dahmer (Malvados), Lourenço Mutarelli (creditado como o desenhista que abandonou os quadrinhos para se dedicar à literatura), Chiquinha (única mulher do grupo) e Maurício de Souza (Turma da Mônica), entre outros.

O pai de Cascão, Cebolinha e Magali, aliás, destoa dos demais da turma, por ter sido o primeiro a assumir um padrão industrial de produção: muitas das histórias de Maurício de Souza – para não dizer quase todas – hoje são criadas por profissionais contratados por seu estúdio, que há muito já nem se dedica mais exclusivamente aos gibis. Mas disso já sabíamos, antes mesmo de assistir o documentário. O que não tira o brilho do filme. Nem a importância do desenhista.

A maldição dos cartunistas sugerida pelo título é relativa: com Chiclete com Banana Angeli chegou a vender quase 200 mil exemplares da revista em bancas nos anos 1980 e hoje publica tiras na Folha de S. Paulo, como outros noutros jornais; Ziraldo é apresentador de tevê e teve diversos personagens seus levados à telinha (O menino maluquinho, Pererê), Reinaldo era Ótima Bernardes (entre outros personagens) no global Casseta & Planeta Urgente!, vários deles têm sistematicamente sido (re-)publicados em edições de bolso pela L&PM e vários etc.

Os depoimentos de Malditos cartunistas são hilários, constantes a auto-tiração de sarro, a auto-ironia, o rir da própria desgraça (antes de desenhar a própria e/ou a alheia). Os olhares sempre bem humorados acerca de diversas temáticas: a profissão em si, cultura, humor, política, poder, dinheiro, sexo, machismo, censura (engana-se quem pensa que acabou com o fim da ditadura)…

Mutarelli é o mais engraçado, mesmo que não quisesse. Confessa chutar “manicure” quando indagado sobre sua profissão ao preencher fichas em hotéis; e diz que convidado para um evento como cartunista “me pagaram 300 paus; pouco depois, fui como escritor, recebi um pau e 600”; o mais careta, sem graça e, por que não?, sério é Maurício de Souza, em uma imponente “mesa de chefe” – antes, a câmera passeia por seus estúdios, com uma funcionária explicando o passo-a-passo da feitura da Turma da Mônica até os gibis chegarem às mãos de seus filhos. Sobre os cenários, aliás, vale destacar: prestem bem atenção neles e nos trajes de nossas personalidades. Estantes, pilhas de livros, mesas e pranchetas de trabalho, computadores, lixo e camisas com motivos animados nos ajudam a entender um pouco melhor o universo dessas figuras.

São vários “humoristas” falando sobre as mesmas coisas, depoimentos em sequência, um aceso na bagana do outro, mas não acerta quem pensa em cansaço, enfado ou sono durante a sessão – isso seria como acreditar que “quadrinhos são coisa de criança”.  O doc mostra (explicitamente) que não.

Se nem os próprios cartunistas se levam tão a sério, imagine a sociedade em geral: quadrinhos ou são “coisa de criança” ou são apenas para serem vistos e lidos, uma risada rápida e acabou. Ledo engano. Muitas vezes um cartoon, uma charge, uma tira, nos fazem compreender melhor determinada situação, apesar de uma página ou mais, com matéria(s) sobre o assunto, no mesmo jornal. É a tradução risonha do “uma imagem vale mais que mil palavras” – se vier com legenda ou balões, então…

Levando a sério quem ri e tira sarro de si mesmo o tempo todo durante as entrevistas, Malditos cartunistas joga luz em personalidades importantes, quase sempre marginalizadas, em geral rotuladas de produtores de “sub-cultura” ou coisa que o valha. A estrutura do filme em si é simples: depoimentos, depoimentos e mais depoimentos, no melhor esquema “faça você mesmo”. Certamente muito material ficou de fora e as figuraças que desfilam pela tela bem poderiam falar mais e mais e mais. O filme não angariou recursos públicos – é dos raros em que não vemos as logomarcas de sempre no início da projeção – e deve ter saído barato. Entre aspas: seus realizadores também desenham e, fãs do elenco, o que deve ter facilitado um pouco as coisas, pagaram tudo do próprio bolso, às próprias custas s. a., mestre Itamar.

O doc resgata até mesmo um fato ocorrido em Porto Alegre, quando a prefeitura financiou uma revista de funcionários da municipalidade. Anos depois a cena é engraçada, um apresentador de tevê rotulando os editores de pornógrafos, defendendo a moral e os bons costumes, os “réus” nervosos, defendendo seu ponto de vista. Adão respondeu a processo durante anos pelo episódio. E a Prefeitura Municipal da capital gaúcha desde então não mais financiou a produção/publicação de quadrinhos.

Ainda durante a sessão impossível não lembrar de filmes, digamos, correlatos: Wood & Stock e Dossiê Rê Bordosa, baseados em personagens de Angeli. Bom seria um doc para cada um dos malditos entrevistados. Oxalá!

Deixo os poucos-mas-fieis leitores com o trailer do documentário.

A quem interessar possa, haverá outra sessão de Malditos cartunistas no Maranhão na Tela (programação completa aqui; chegar com meia hora de antecedência para retirada de ingressos, gratuitos, na bilheteria): dia 15 (quinta-feira), às 21h, no Cine Praia Grande.

Um assalto hilariante

Assalto ao Banco Central [Brasil, 2011, 104min., ação (comédia?) direção: Marcos Paulo] é um bom filme e justificaria sala cheia. Infelizmente, não é o que acontece – ou fui eu quem demorou muito a ir? Na em que vi, cerca de vinte almas riram bastante durante a sessão. Por que é um filme engraçado. Não faz apologia ao crime, tampouco termina com a moral de “o crime não compensa”.

“Conta”, “detalhadamente”, a história do plano, de sua execução e das investigações do assalto ao Banco Central, acontecido na capital cearense em 2005, o maior do século, como nos lembra o cartaz. Na ocasião foram levados 164 milhões de reais por quem o planejou durante meses, entre conseguir plantas, pensar e executar a obra do túnel, que começa na casa alugada pelos assaltantes e termina no cofre da instituição, fora do alcance das câmeras de segurança e dos sensores eletrônicos.

A riqueza de detalhes me faz crer que há muito de ficção ali, sem tirar-lhe o brilho. Como, aliás, outro filme nacional que narra outro assalto mui famoso: a versão cinematográfica dO Assalto ao Trem Pagador [Brasil, 1962, 102min., drama/policial, direção: Roberto Farias] não tem, por exemplo, Ronald Biggs, o pai do Mike da Turma do Balão Mágico, quem se lembra?: os assaltantes são favelados cariocas. E por lembrar do grupo de Jairzinho e Simony, Os Smurfs estão em minha fila de coisas por ver particular.

Mas voltemos à ficção baseada em fatos reais. Por exemplo, a mulher (Carla, interpretada por Hermila Guedes) do Mineiro (Eriberto Leão), que vira mulher do Barão (Milhem Cortaz, sempre um monstro em suas interpretações) – o líder da gangue – e depois volta ao Mineiro. Ou seu irmão evangélico (Devanildo, interpretado por Vinicius de Oliveira, o menino de Central do Brasil), que entra inocentemente na parada e acaba cometendo vários pecados, roubar o banco apenas um deles.

Tatu, personagem de Gero Camilo, "irado" após o "banho"
Tatu, personagem de Gero Camilo, "irado" após o "banho"

E tem Gero Camilo, que no papel de Tatu (nome mais que apropriado para um cavador de túneis), rouba a cena (como sempre, né?): a em que sua britadeira encontra um cano de esgoto no caminho e ele toma um banho de bosta é um dos momentos de risada geral, mesmo com pouca gente na sala. Ô, Léo! Toca aí Tatu, Engenheiro do Metrô, clássico de Bidu e Antonio Carlos, sucesso na voz de Alcione, que bem poderia ter entrado na trilha sonora da película.

O elenco é carregado de globais (Lima Duarte, Guilia Gam etc.), algo óbvio numa obra da Globo Filmes: mas não encontraremos ali as comédias sem graça do canal dos Marinho (e da empresa cinematográfica “afiliada”), em que A Grande Família é exceção, de onde um Tonico Pereira é pescado para ser um engenheiro “comunista” que vai gastar sua parte do roubo com vinhos em Paris. É possível até que os constantes forwards e rewinds da narrativa confundam algum espectador mais desavisado – recurso necessário: diz se você não acharia chato ver a história de um assalto que começa com o plano, tem a execução no meio e acaba com a condenação/prisão de parte dos envolvidos?

Assalto ao Banco Central não é nenhum Tropa de Elite – e penso que nem queria ser mesmo. Mas merece ser visto por bem mais gente.

Aperreio em mais um festival

Doc de Doty Luz e Humberto Capucci realizado por encomenda do Comitê de Monitoramento das Políticas Voltadas às Vítimas das Enchentes no Maranhão, formado por diversas organizações de direitos humanos do estado, Aperreio cumpriu as expectativas de denunciar as mazelas causadas pelas águas, “quando a seca não mata/ a chuva arrasa” (Joãozinho Ribeiro), e foi além. Tendo participado de diversos festivais desde seu lançamento, há quase um ano, acaba de ser selecionado para mais um: o Curta Kinoforum, o Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, que em 2011 chega a sua 22ª. edição.

O festival acontece na terra da garoa entre 25 de agosto e 2 de setembro e os filmes que integram a mostra competitiva poderão, antes, ser vistos, baixados e votados pela internet, fiquem ligados.

Este blogue já pendurou Aperreio acá em duas partes.

Maranhão quilombola: olhares do cinema na década de 1970

[Não costumo pendurar releases acá. Mas quebro a regra, pois o assunto vale a pena e estes dias a correria não tem sido pequena]

Mostra de documentários de Jean-Pierre Beaurenaut e Murilo Santos

Nos dias 20 (quarta) e 21 (quinta-feira), às 19 horas, na Aliança Francesa (Rua do Giz, Praia Grande), o fotógrafo e cineasta Murilo Santos apresenta dois documentários realizados em meados da década de 1970 sobre comunidades negras rurais. No primeiro dia será exibido o documentário Le Bonheur Est Là-bas, em face, um média metragem (filmado em película 16mm) do cineasta francês Jean-Pierre Beaurenaut e, no segundo dia, A festa de Santa Teresa, um curta metragem de autoria de Murilo Santos, filmado em película Super-8 – ambos os documentários podem ser considerados as primeiras obras cinematográficas a abordarem comunidades negras rurais no Maranhão.

Em 1975, Murilo Santos, então cinegrafista da TV Educativa do Maranhão, teve como professor de cinema Jean-Pierre Beaurenaut, cujas influências o inspiraram em seu trabalho no que tange à forma de fazer documentário, num período também de grande culto ao etnólogo e cineasta francês Jean Rouch. Jean-Pierre filma alguns personagens da comunidade de Ariquipá, antigo engenho e fazenda de cana de açúcar no município de Bequimão, que se deslocam para São Luís em busca de melhores condições de vida – o subemprego surge como única alternativa.  O título Le Bonheur Est Là-bas, em face traduz a frase de um dos personagens ao justificar seu êxodo para a cidade: “a felicidade está lá na frente”.

O documentário de Murilo Santos foi realizado no município de Alcântara, na comunidade quilombola de Itamatatíua – não muito distante de Ariquipá – e aborda a tradicional Festa de Santa Teresa. Ao contrário do filme anterior, este documentário enfoca a comunidade num período em que seus moradores, residentes em São Luís, retornam ao seu local de origem para a festa.  O documentário A Festa de Santa Teresa conta com a participação da antropóloga Maristela de Paula Andrade e de Joaquim Santos que, nessa época, iniciava suas pesquisas no campo da etnomusicologia. A equipe de Jean-Pierre Beaurenaut teve como diretor de fotografia o cineasta Yves Billion, autor de Guerra de Pacificação na Amazônia (1973).

Os dois filmes trazem em seus cenários reais algumas preciosas particularidades. No filme de Murilo Santos o destaque, quanto à raridade de imagens, vai para as cenas do baile em Itamatatíua, ao som de uma das primeiras radiolas de reggae. Em Le Bonheur Est Là-bas, em face Jean-Pierre mostra um antigo engenho de cana de açúcar na baixada maranhense, cujas máquinas vindas de  Liverpool na Inglaterra ainda funcionavam. Outras imagens preciosas em seu filme são locais da capital, hoje completamente transformados, como a região do cais da Praia Grande, o bairro do João Paulo com o Cine Rex ainda em funcionamento e o trem trafegando pela antiga Estrada da Vitória, desde a estação da Rffsa (Rede Ferroviária Federal S/A) na região, onde hoje se situa a Praça Maria Aragão.

Desde então, Murilo Santos não teve mais contato com seu ex-professor Jean-Pierre Beaurenaut, embora tenha estado no Brasil em 1990 para filmar, juntamente com Jorge Bodanzky e Patrick Menget, A Propos de Tristes Tropiques, documentário sobre Claude Lévi-Strauss, com foco em sua presença no Brasil entre 1935 e 1939.

Durante anos Murilo Santos alimentara a esperança de obter uma cópia do filme francês e exibi-lo em Ariquipá, porém, recentemente soube do lançamento na França do documentário de Beaurenaut e conseguiu adquirir uma cópia em DVD. O interesse de Murilo Santos com a comunidade de Ariquipá se dá a partir de um documentário sobre o reggae, para o qual filmou em 1996 os funerais de Antônio José, até então um dos mais famosos Djs de radiolas de reggae, morto em acidente de trânsito. Além disso, Antonio José – “O Lobo” da radiola “Estrela do Som” – era sobrinho de Pedro Silva “Calango”, líder sindical que Murilo Santos conhecera na década de 1970 quando produzia materiais audiovisuais para as ações educativas da Comissão Pastoral da Terra.
 
Pedro Silva e outro companheiro de Ariquipá aparecem ao lado do cineasta Jean Pierre Beaurenaut, na fotografia deixada pela equipe francesa durante as filmagens 1975. Esta imagem, ainda hoje existente na comunidade, é uma espécie de relíquia, que durante décadas parece corporificar a esperança de seus moradores de um dia ver as imagens filmadas pelo francês, especialmente os mais antigos.

A programação do evento na Aliança Francesa inclui fotografias e outras peças audiovisuais que ilustram o relato da experiência empreendida por Murilo Santos ao levar, de forma voluntária, esses dois filmes às comunidades, em 2008 e 2010, possibilitando um encontro dos personagens com suas imagens “congeladas” em películas cinematográficas por mais de 30 anos.

Festival Lume de Cinema segue até dia 23

Muita gente, este blogueiro, inclusive, reclamou do sigilo em torno da programação do I Festival Internacional Lume de Cinema. Explico: na sessão de abertura do citado festival, no Teatro Arthur Azevedo, quinta-feira passada (14), recebemos um panfleto com a programação que aconteceria nas dependências do Teatro Alcione Nazaré. Faltavam detalhes, que não eram conseguidos sequer acessando o site da Lume Filmes, produtora do evento e administradora do Cine Praia Grande, outro espaço em que aconteceria o festival.

Posto abaixo a programação que recebi por e-mail, ainda insuficiente. Não basta saber o nome do filme e a hora e o local em que o mesmo será exibido: carece uma sinopse, o nome do diretor, elenco, classificação indicativa, o cartaz do filme, e chamegos outros etc., etc., etc. No mais, louvável e corajosa a iniciativa de Frederico Machado, sempre homem de frente nas trincheiras que buscam levar cinema de qualidade ao povo cada vez mais refém dos espaços contíguos às praças de alimentação de shopping centers.

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(Só) até amanhã

Só mais hoje e amanhã aos que quiserem (e ainda não o fizeram) ver Maus hábitos, de Pedro Almodóvar, em cartaz no Cine Praia Grande. Sessões às 16h, 18h15min e 20h15min. Ingressos: R$ 10,00 (meia para estudantes). Só mais hoje e amanhã, repito, por que dia 14 começa o I Festival Lume de Cinema, mais uma “presepada” de Frederico Machado e cia.

Doc de Murilo Santos tem pré-lançamento em Alcântara, hoje

A alcunha de “divino artista”, usada por Murilo Santos para definir Antonio de Coló, protagonista de seu mais novo documentário, cabe também a ele. O cineasta e professor universitário tem no amor com que realiza suas coisas o segredo de seu sucesso.

E entendam sucesso aqui, caros leitores, num sentido mais amplo, esqueçam o mundinho podre das celebridades: Murilo Santos ainda consegue fazer supermercado em paz, sem ter que parar a cada passo ou dois para dar autógrafos e não é retuitado ad infinitum a cada bobagem que diz no tuiter – onde nem sei se ele tem conta.

O sucesso de Murilo Santos reside em chegar onde ninguém chega, em mostrar o que ninguém mostra, na dignidade e prazer com que faz isso. Há coisas que só estão na memória desse craque do documentário brasileiro – como muitos outros em outras artes, infelizmente ainda pouco conhecido lá fora, apenas por ter nascido e escolhido viver no Maranhão.

Ou nas memórias, que ele tem muitas: a sua própria, que ele exercita em longos e prazerosos papos por telefone ou quando nos encontramos pessoalmente – ou quando me responde um e-mail quilométrico onde resgata grande parte da história do cinema no Maranhão –, ou seus muitos HDs, onde ele armazena um sem número de filmagens e fotografias que ele realizou e sabe que um dia usará.

Murilo documenta o Maranhão há pelo menos 40 anos, quando participou da fundação do Laboratório de Expressões Artísticas, o Laborarte, de onde se desligaria depois. Semana corrida, poucos mas fieis leitores, vocês devem ter acompanhado o trabalho deste blogueiro na cobertura do Acampamento Negro Flaviano, talvez nem dê tempo de vocês pegarem a lancha para Alcântara, ‘tá em cima da hora, sei: mas lá, hoje (11), às 21h, na Igreja do Carmo (após a missa), acontece o pré-lançamento de Divino Artista: Antonio de Coló, novo doc de Santos (cujo release que recebi por e-mail colo logo abaixo da peça de divulgação), selecionado em edital da Secretaria de Cultura do Estado do Maranhão na gestão Jackson Lago/Joãozinho Ribeiro.

Este, aliás, é outro segredo do sucesso de Murilo: o devolver aos retratados seus retratos. Parece simples, parece básico, mas há documentaristas e fotógrafos incapazes deste gesto, ao mesmo tempo tão pequeno (para quem retrata) e tão grande (para quem é retratado). Viva Murilo Santos!

Divino Artista – Antônio de Coló | Documentário de Murilo Santos | 30 minutos
Apoio:  SECMA (Edital de Apoio à Formação, Produção e Circulação Cultural/2008)

Antônio do Livramento Boaes Tavares, o Antônio de Coló, faz altares e centros de mesa da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara. Também prepara as salas das cerimônias nas casas de festa. Sua preferência pelo estilo que denomina genericamente de “barroco”, faz sua obra espelhar símbolos, ícones da cultura e visualidade de seu habitat, a histórica cidade de Alcântara no Maranhão.

Antônio é também mestre-sala da Festa do Divino Espírito Santo, ou seja, aquele que conduz as diferentes etapas do ritual. Antônio é um dos filhos de Seu Coló, que foi artesão e mestre-sala da Festa do Divino até o final da vida.

O documentário mostra um pouco do universo de nosso personagem: sua história de vida e seu talento nas artes visuais. Narra uma faceta da festa do Divino Espírito Santo sob o ponto de vista de um mestre-sala, trazendo uma nova abordagem acerca do tema.

Céu alcantarense

O lançamento de O céu sem eternidade em São Luís acontece dia 1º. de junho (quarta-feira), às 19h, no Cine Praia Grande (no cartaz acima, o restante da agenda).

O filme foi rodado em Alcântara, e contou com alguns estudantes/bolsistas da UFMA em sua realização. Por falar em UFMA, o pedaço ilheu da programação integra a programação de sua 11ª. Semana de Comunicação (o que me leva a crer que não será cobrado ingresso).

Após a exibição do mesmo haverá um debate, que incluirá questões como a base espacial de Alcântara e a vida de suas comunidades tradicionais, entre outras, com atores do filme, membros da equipe de produção e sua diretora Eliane Caffé. Pra quem não tá ligado, ela dirigiu o ótimo Narradores de Javé.

Expressões da questão social

Curta-metragem de Francisco Colombo, Reverso, filme que abre este post, integrou a brevíssima programação da minimostra que o batiza (ao post), dentro da programação do 32º. Encontro de Assistentes Sociais do Estado do Maranhão, na manhã de hoje (o encontro continua amanhã (19) e depois, no Quality Grand São Luís Hotel, quando será encerrado com a festa Dancing Days, capitaneada pelo DJ Salim Lauande, no Armazém da Estrela, Praia Grande, para os participantes do encontro).

Os outros dois curtas que integraram a minimostra foram O incompreendido, também de Colombo, e Aperreio, de Doty Luz e Humberto Capucci, já exibido neste blogue. As ficções de Colombo e o documentário da dupla Café Cuxá Filmes retratam diversos temas cujos debates do encontro dos profissionais do Serviço Social abordarão: direitos humanos, ética, violência urbana e meio ambiente, entre outros.

A seleção da minimostra Expressões da questão social ficou a cargo deste que vos tecla. Os filmes foram escolhidos por sua relação com as temáticas que serão debatidas ao longo do encontro, como já disse. Mas cumpriu também a função de divulgar algumas das boas realizações recentes da sétima arte no Maranhão.

Aperreio na internet

Doc de Humberto Capucci e Doty Luz, Aperreio foi disponibilizado por sua produtora, a Café Cuxá Filmes, em duas partes, no Youtube (veja abaixo). Já escrevi sobre o filme nO Debate e no Vias de Fato.