Chorografia do Maranhão: Raimundo Luiz

[O Imparcial, 15 de setembro de 2013]

Diretor da Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo e titular do bandolim do Instrumental Pixinguinha, Raimundo Luiz é o 15º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão

Foto: Rivânio Almeida Santos

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Bandolinista, cavaquinhista, violonista, violinista. Músico, enfim. Raimundo Luiz está em São Luís a passeio. Quer dizer: ele nunca retornou à cidade natal depois de chegar à Ilha entre 1975 e 76, movido pela curiosidade de descobrir o que era “a cidade”. Atualmente, visita Cedral e a baixada a trabalho, difundindo o choro e pesquisando-o, num movimento de mão e contramão como o da maré que o trouxe para cá, numa época em que para se chegar à São Luís eram necessários dois ou três dias de barco.

Raimundo Luiz Ribeiro nasceu em 15 de junho de 1960 no povoado Jacarequara, em Cedral – então Guimarães –, Litoral Ocidental Maranhense. Sobre a origem do nome de seu lugar, ele explica: “tinha uns alagados, os jacarés quaravam, ficavam lá de papo pra cima, quando tinha um sol quente”.

Sua genética musical talvez se explique pelo fato de o pai, o lavrador e carpinteiro Lucílio Ribeiro, ter sido “uma figura que adentrou muito na coisa do boi de zabumba, na época era o Boi do Jacarequara. Ele fazia parte do cordão, era um brincante”. O pai construiu a maioria das casas do povoado e outros adjacentes, por onde andava, entre o boi e a carpintaria. “Segundo alguns documentários históricos, o boi da região de Guimarães nasceu por ali, outros interiorezinhos, Damásio”, remonta Raimundo. Edite Rosa Ribeiro, sua mãe, era também lavradora, primeiro campo em que atuou o bandolinista do Instrumental Pixinguinha, hoje diretor da Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo.

Raimundo Luiz recebeu a chororreportagem nos jardins da EMEM, quando findava a tarde. Durante a conversa, tocou Elegante, choro de sua autoria, gravado em Choros Maranhenses, disco de seu grupo que registra o que entrega o título, e Flor Amorosa, de Joaquim Callado.

Entre discos que já tocou, lembra, além do citado Choros Maranhenses, do primeiro disco do Cacuriá de Dona Teté, onde compareceu de banjo e violino, além de Hongolô, de Cláudio Pinheiro – é dele o violino em Tocaia, de Cesar Teixeira, vencedora do Festival de Marabá/PA, em 1994. Aos pais, já falecidos, deixou um agradecimento: “Eu queria deixar um recado a meus pais, que mesmo na labuta da roça, no seu dia a dia de lavradores, mesmo sem me propiciar grandes condições de educação, me propiciaram estar aqui agora. Isso pra mim é extremamente saudável, enquanto homem e enquanto músico”.

Foto: Rivânio Almeida Santos

Jacarequara já virou nome de choro? Ainda não [risos], mas há perspectivas pra isso.

Você ainda visita a região? Jacarequara eu estou tendo a satisfação de ir mensalmente. Nós colocamos no ano passado um projeto de interiorização do choro, eu e Zezé [Alves, flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013], e eu coloquei dentre as seis cidades de minha região, o município de Cedral, como coloquei Cururupu, Guimarães e outras pra cá [mais perto de São Luís]. Justamente pra tentar buscar essa coisa da música instrumental, que eu vi lá desde criança, molequinho, 10 anos. A minha cidadezinha, embora seja um povoado bem rural, tinha nem luz elétrica na época, tinha um quarteto de música na cidade, um quarteto de irmãos, um tocava trompete, outro a zabumbinha, pandeiro, a percussãozinha e um banjo. Esses homens adentravam em todas as manifestações folclóricas e religiosas dos povoadozinhos: festa de São Luís, Santa Luzia, São Sebastião, Santana, Divino, Pastor, até hoje é muito forte pra lá o pastoral. Eu adorava ver esses senhores tocando! Paralelo a essa coisa, a essa prática instrumental dele, também tinha as radiolas, que não são as radiolas de reggae de hoje. Eram pequenas radiolas de festa, que tocavam na época muita música instrumental, muito [o saxofonista] Saraiva, [o cavaquinhista] Waldir Azevedo, principalmente a música de sopro. Aquela coisa foi nascendo em mim esse desejo, esse sabor pela música instrumental. Daí eu comecei esse gosto musical.

Você se lembra de estar inserido nessas festas a partir de que idade? Acho que 12, 13, 15 anos. Até então a gente não ia pra festa, os pais não deixavam.

Dá para perceber nessas suas falas, a vivência musical na cidade, no povoado. Como era a vivência musical em casa? A vivência dentro da minha casa, não tinha. Praticamente assim, só rádio mesmo. Lembro que papai tinha rádio, escutava muito a Rádio Educadora de madrugada. Mas a gente não tinha radiola, não tinha nada de som na minha casa. Até pela própria carência mesmo, a gente morava em uma casinha de taipa, coberta de palha, não tinha luz, não tinha nada.

Com essa idade com que você começou a frequentar as festas já se interessou por querer aprender a tocar? A vontade de tocar era imensa, mas a condição, entendeu? Daí a primeira oportunidade que eu tive de vir morar em São Luís, até por uma curiosidade que eu tinha, de saber o que era a cidade. Só se viajava pra cá de barco, barco a vela. Eram dois, três dias pra chegar aqui, principalmente no inverno. Meus dois irmãos já moravam aqui, só os via de dois em dois anos. Eu ficava me questionando e aos meus pais, “pra onde meus irmãos tão?”, “tão pra cidade”, “e o que é a cidade?, eu também quero conhecer a cidade, como é que esse barco chega toda semana cheio de arroz, lata de querosene, onde é que se faz isso?”, eu ficava com aquela coisa em mim.

E o impacto com a cidade? Pode crer! Eu cheguei ainda na época dos jipes, achei uma coisa, a minha cabeça pirou. Tanto é que eu não voltei mais, já procurei meios de ficar por aqui mesmo. E fui buscando meu caminho musical.

Tua vinda, então, foi a passeio, e você não voltou mais? Eu tinha uma necessidade de ficar, uma necessidade pessoal mesmo. Eu queria fazer algo diferente. Essa coisa da música que eu tinha como raiz, lá não ia me proporcionar. Procurei alguns serviços, trabalhei em inúmeros locais, em casa de umbanda, como atendente, fazer os banhos, defumador. Vendi livros. Depois consegui um emprego de auxiliar de serviços operacionais numa empresa, e com esse primeiro emprego eu tive meu primeiro salário e comprei meu primeiro violão, novembro de 79.

Você chegou a trabalhar na roça? Literalmente na roça. Com 12, 13 anos. Capinando, abatendo, roçando, plantando, as mais diversas colheitas. Quando eu não ia pra roça, eu ia pra pesca, por que como eu já tava meio taludinho, como papai dizia e Luiz Gonzaga, que ele gostava muito de ouvir, enquanto ele ia pra roça eu ia pra pescaria, botar uma rede, tirar um sururu, de alguma forma, pra quando ele chegasse meio dia já ter o sustento [alimento].

Quais são as melhores lembranças desse período? Sinceramente, além desse sabor musical que eu adquiri na infância, mesmo sem saber tocar nada, essa cultura que eu tive, familiar, de respeito, de admiração pelo que eu sou hoje, por essa relação que meus pais me deram de entendimento, de família.

E na Escola de Música, você entrou quando? Trabalhando como operacional nessa empresa, eu tive o prazer de sair dessa coisa de rua, de office boy, e fui trabalhar numa sessão de fotocópias. Essa empresa ficava na rua Treze de Maio, que era próximo à Rua da Saavedra, onde era a Escola de Música. Sempre ia uma senhora lá, dona Maria José, chegava semanalmente com uma pilha de material de música pra tirar cópia. Eu tinha chegado na sessão na época e fiquei loucamente curioso pra saber que monte de coisa pretinha era aquela. “Ah, isso aqui é música, é partitura!”. Ela me levou à Escola de Música, em 1980, já fora do período de inscrição, me apresentou para a então diretora Olga Mohana. Ela já tinha esse sonho que nós temos até hoje, de ter uma Orquestra Sinfônica no estado. Ela já me viu tocando violino, já me ofereceu o violino pra estudar. Eu não tinha instrumento e queria isso mesmo.

Então você passou por violão, por conta própria… É, estudei esse violãozinho lá no bairro do Monte Castelo, morava lá com os parentes. Tive certa resistência por parte da família daqui: vim do interior, fui logo comprar um violão. Enfim, consegui mostrar pra todo mundo, que a partir do violão eu consegui chegar onde eu queria.

Você concluiu o curso de música por aqui? Me formei em violino. Comecei a estudar o violino, trabalhava fora também o violão, que eu tocava na Igreja da Conceição, no Monte Castelo, em grupo de jovens. Em 1984, sempre tinha em Brasília, Curitiba, esses festivais de verão, festivais de inverno, eu procurava sempre me aperfeiçoar no violino. Ia eu, várias pessoas aqui da Escola, pegava o ônibus, ia pra Curitiba, pra Brasília, fiz vários cursos, e consegui trabalhar o violino. Mas sempre, paralelo ao violino, eu estudava também o violão. Cheguei a estudar também cavaquinho, toquei em grupos de samba. Em 1987 eu peguei dois serviços com música, já era monitor na Escola de Música, de solfejo, teoria musical, e fui convidado pra ministrar aulas no [Colégio] Marista e nesse mesmo período fui convidado a fundar um coral com os funcionários dos Correios. Eu louco pra viver de música, aceitei os serviços. Trabalhava duas vezes por semana nos Correios e tinha uma carga horária no Marista também, trabalhando com educação musical em sala de aula, para o fundamental e também para o ensino médio. Passei quase 12 anos no Marista como professor de música, a [cantora] Flávia Bittencourt foi minha aluna lá.

A partir daí você passou a viver de música? Literalmente. Viver de música. O trabalho com o coral dos Correios foi tão bacana, viajamos vários regionais Norte e Nordeste. A Associação dos Correios, que na época era o [bandolinista] César Jansen, o [percussionista] Carbrasa, era todo mundo de lá, “vamos criar um grupo de samba”, e lá vem o professor Raimundo Luiz, criamos o Arco Samba, tocamos aí na época no Dunas Center [centro comercial, na Cohama], Maré Chic [próximo ao retorno do São Francisco]. Foi uma boa temporada também com a coisa do samba. Daí eu comecei a gostar do cavaquinho, viajei várias vezes para Brasília, estudei com [o cavaquinhista] Henrique Cazes, depois fiquei só com o bandolim.

Como se deu essa passagem, em definitivo, para o bandolim, que é o instrumento pelo qual você é mais reconhecido hoje?

Ele veio, acho que pelo gosto do choro, da coisa pequenininha lá do interior. Eu escutava o chorinho no bandolim, no cavaquinho, no saxofone, na sanfona e me identifiquei com a coisa do bandolim, abracei o bandolim. Embora eu nunca tenha abandonado o violino. Achei também mais vantagem financeira no bandolim, a gente estava sempre tocando o bandolim.

O sonho da orquestra vem desde a época de Olga Mohana. Como está esse processo hoje? Nós temos um núcleo de cordas que sustenta ainda esse sonho. Temos uma mini orquestra de 20, 25 músicos, uma pequena orquestra de câmara, sob a coordenação do professor Joaquim Santos [violonista]. O que falta para essa orquestra é vontade política. Pra que ela cresça, nesse ponto de vista da orquestra sinfônica, precisa ter muita força de vontade. Uma orquestra sinfônica eu a vejo vinculada à instituição, eu não vejo a Escola de Música tomando conta de uma orquestra, por que nós vamos deixar nossos afazeres didático-pedagógicos pra tomar conta de uma orquestra. Uma orquestra sinfônica, ela, em si, é uma instituição, e muito grande, por sinal. Muita gente pergunta por que a Escola não faz uma orquestra, não tem uma orquestra? Não tem que ter! A Escola já tem uma função, que cumpre muito bem. Eu acho, né? [risos].

Quando é que você passa a atuar como professor da Escola de Música? Em 83 eu já comecei a ministrar aula. Quando eu formei em 88, violino, eu fui nomeado. Nessa época não tinha concurso. Eu, [o violonista sete cordas] Domingos Santos, Zezé, Paulinho [Paulo Santos Oliveira, flautista], todo mundo trabalhava como monitor.

E o choro? Quando é que começou efetivamente? Minha participação no choro, eu entrei no Pixinguinha em 94, 95, o Pixinguinha começou em 90, eu entrei cinco, seis anos depois, comecei a trabalhar o bandolim no choro.

Você entrou no Pixinguinha tocando cavaquinho ainda, não é? Foi, no cavaquinho, fazendo base. O bandolinista era o Jansen. Carbrasa na percussão, depois entrou [o percussionista] Quirino, ou foi o contrário. Paulinho já foi do Pixinguinha, Zezé, [o violonista] Marcelo Moreira, Garrincha fez a percussão um bom tempo.

E a sua chegada à diretoria da Escola? Eu fui convidado em março ou abril de 2009. Ligaram da Secretaria [de Estado da Cultura, à qual a EMEM é vinculada] se eu aceitaria, passei umas horas pensando. Resolvi aceitar, não pelo cargo, mas pelos quase 30 anos que eu tinha, na época, de Escola de Música. Eu tinha na cabeça as necessidades que a gente desejava, enquanto professor. A gente já tem uma noção das perspectivas, acredito que eu já realizei algumas delas, estamos realizando outras. Há coisas muito boas que temos feito por aqui, sinceramente. Dentre elas a conclusão de nosso plano político-pedagógico. Não tinha! Era um documento antigo, metodologia antiga. Fizemos várias equipes, caímos para pesquisar, desde 2010. Terminamos em 2012, agora. Dois anos de pesquisa bibliográfica pra arrumar, adequar essa nova metodologia, novo padrão de ensino, baseado no currículo nacional.

Qual a diferença que hoje tem o processo de ensino-aprendizagem na Escola para o que era antes? O que significou a consolidação desse documento? Esse documento, diga-se de passagem, ainda não está aprovado no Conselho Estadual de Educação, embora já o estejamos utilizando. Ele traz de diferente uma série de fatores, entre eles as diversas metodologias de ensino que nós usamos hoje em sala de aula, tanto na teoria quanto na prática, os padrões de estudos, os novos métodos de teoria musical, ritmo, solfejo, que você aplica, estudos práticos em turmas coletivas, a descentralização dos cursos. Por exemplo, hoje nós temos cursos básico infantil, fundamental infantil, fundamental adulto e técnico profissionalizante, separou tudinho. Estamos reduzindo esse curso técnico profissionalizante, que era de cinco anos, para três anos.

Teoria e prática caminham juntas agora? Teoria e prática, não tem mais essa coisa de passar um ano na teoria para depois chegar na prática. Entrou, caminhando junto.

Durante muito tempo a Escola de Música teve um perfil erudito. Como está o espaço da música popular hoje, na formação? A gente sempre tem procurado acabar com essa linguagem, que é pejorativa. A gente tem que procurar fazer a música, a boa música. A Escola de Música está mais aberta, hoje a gente vê muito evento popular, dizem que “a música popular chegou à escola de música”; não é isso: não se trata de música popular ou erudita, é a música, o povo quer ouvir música de qualidade.

Mas durante muito tempo as escolas de música e os conservatórios meio que negligenciaram a música popular. Em Pernambuco o choro está tendo um papel fundamental no conservatório de música, o próprio Marco César [bandolinista] esteve aqui recentemente e disse que foi uma luta, uma conquista recente. Nós fizemos ano passado, isso também foi uma conquista, nós tínhamos aqui na Escola encontros que a gente denominava de semanas. Semana de piano, semana de canto lírico, semana de violão. A partir do ano passado, nós decidimos fazer encontros de música de câmara. Aí você junta, esse aqui do piano, com aquele ali do canto, com esse aqui do violão erudito e trabalha conjuntamente e no final da semana, você está trabalhando vários núcleos no mesmo período e no mesmo palco e fica a coisa camerística. Foi um ganho que a Escola teve. Para esse ano nós já estamos pensando, nesse segundo encontro, que será agora em novembro, dentro do Encontro de Música de Câmara, a primeira Oficina de Choro do Maranhão. Eu tive um contato há duas horas com [o flautista] Toninho Carrasqueira, ele já está fazendo contato com outros. Em breve teremos a definição desse grupo, da oficina que estará dentro do encontro.

Falando em choro, qual a situação do Pixinguinha hoje? E o que significa este grupo para você? O Pixinguinha, para mim, é minha identidade pessoal maior. É o que eu mais trabalho, o que eu mais toco, o choro é o gênero que eu abracei, com que convivo diariamente. O Pixinguinha tocou nove anos na Lagoa da Jansen e depois que eu assumi a Escola não tive mais tempo. Preocupado com a gestão, eu não tinha como sair daqui sete da noite, chegar lá, tocar até meia noite. Eles ficaram lá os quatro, depois resolveram deixar. De lá para cá temos tocado muito em eventos particulares. Ao menos duas vezes por mês a gente toca. Nossa perspectiva é trabalharmos o segundo cd.

O que significou para você o fato de o Pixinguinha ter sido o primeiro grupo a gravar um disco de choro no Maranhão, registrando músicas tanto de vocês, membros do grupo, quanto de chorões que estavam inéditos? Isso foi uma pesquisa muito interessante que a gente começou a fazer logo que pensamos em gravar. Saímos buscando as pessoas. O choro de Zé Hemetério [Viajando pra Carajás], eu pensei logo, eu morava próximo dele no Monte Castelo, próximo à Estrada de Ferro na época. Toquei com ele no Canta Nordeste [festival de música da Rede Globo], defendemos a música do César Nascimento. Zezé procurou outros e assim a gente saiu caçando, Nuna Gomes [Um Sorriso]. Esse registro, pra mim, foi fantástico, não pelo fato de ser o primeiro grupo, mas por registrar, ver a coisa acontecendo, colher a partitura, copiar, registrar.

Esse disco foi registrado nos estúdios da Escola de Música? Como está esse estúdio hoje? Tudo foi feito lá, masterização, uma parte foi feita com o Henrique Duailibe, que na época era técnico do estúdio. Hoje ele está um pouquinho a desejar, mas muito em breve, já estamos com os recursos alocados para dar uma recauchutada. Vamos trocar toda essa parte de informática e de áudio.

Choros Maranhenses. Capa. Reprodução

O [disco] Choros Maranhenses me parece ter tido um desdobramento com o Caderno de Partituras de Zezé. O que o Pixinguinha está pensando para o segundo disco? Há alguma relação com esse caderno? Com certeza! Esse segundo disco a gente vai tirar uma boa parte do que já pesquisamos por onde andamos, com esse projeto no interior, e buscar outras pesquisas, até pra fazer um segundo caderno, se for o caso, e ampliar esse repertório do choro, o qual já vai fazer parte do nosso acervo bibliográfico. A Escola de Música tem um projeto apoiado pela Fapema [Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Científico do Maranhão] de digitalização de todo o acervo. Todos os equipamentos já estão chegando, pra gente digitalizar tudo o que nós temos, fitas k7, VHS, LPs, tudo vai ser digitalizado e vamos criar também um banco de partituras de autores maranhenses. É bom que toda a cidade esteja sabendo, os artistas que não têm suas músicas copiadas, escritas, podem trazer que a Escola vai fazer isso. Já temos profissionais e bolsistas contratados para isso.

Como você está observando a cena brasileira do choro hoje? Cada dia que você põe um programa, assiste um canal, a gente vê coisa nova, impressionante, a gente pira. Novas invenções, novos retratos da música, do choro. Pra mim é extremamente inovador, criativo, interessante. É uma nova roupagem. É igual aquela capa do cd do Pixinguinha: aquele monte de tinta, vem a do meio, a de fora, é tudo se renovando.

Que nomes você destacaria? Pelo Maranhão mesmo eu falaria do Robertinho [Chinês, bandolinista e cavaquinhista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013], acho que é um grande nome que temos por aqui, tem uma pegada própria dele, tem uma versatilidade muito boa, acho muito interessante o trabalho.

E dos grandes mestres, de outras gerações? Quem é a sua grande referência? Não vamos falar do Jacob [do Bandolim], por que Jacob é Jacob e é de todos. Eu pessoalmente adoro o Joel [Nascimento, bandolinista], estudei três vezes com ele, em três oficinas. Foi o Joel quem me deu um laboratório de bandolim. Fui o bebezinho do Joel. É um cara que tem um jeito todo especial de lidar com o aprendiz.

Hoje os bandolinistas mais jovens, todo mundo cita, é quase uma unanimidade, o Hamilton de Holanda. Com certeza! O Hamilton é uma referência. Em 90 e alguma coisa eu era aluno do Joel e o Hamilton também era aluno do Joel. Nós éramos da mesma sala, nos encontrávamos. Nessa época o Hamilton já era o Hamilton. As palavras do Joel para o Hamilton eram “você já é músico, já faz o que faz, tem o domínio do instrumento, o que você faz é seu, é isso mesmo”, isso em sala de aula.

Se a gente observa bem o choro feito em São Paulo, Rio, Porto Alegre, Recife, Pará, tem estilos particulares. Você consegue identificar isso? O disco do Pixinguinha meio que deu uma mostra do nosso estilo. Você acha que temos um jeito próprio de fazer choro no Maranhão? Essa mistura, essa identidade do choro do Maranhão está nessa riqueza rítmica que a gente absorve, não tem como se livrar disso. Se você vai no Recife tem algo diferente, o Pará tá bem aqui, a gente tá nesse meião, sem falar nessa polirritmia que a gente tem aqui. O cd do Instrumental veio com essa cara.

Você se considera um chorão? Com lágrimas! [risos]. Eu gosto. Gosto muito de choro, mas eu não sou só choro. Mas eu diria que 90% do meu eu é choro.

Isso te faz um chorão. Isso me faz um chorão [risos].

A guerra dO Imparcial contra Jean Wyllys

Deputado psolista volta a ser atacado por O Imparcial. Foto: portalmidia.net. Reprodução

O jornal maranhense O Imparcial voltou à carga hoje (30) contra o deputado federal Jean Wyllys (PSol/RJ), que protocolou projeto de lei que prevê a regulação da produção, industrialização e comercialização de maconha no Brasil, o que é bem diferente de propor o uso da erva, como estampou o jornal na manchete Deputado propõe uso da maconha (de 19 de março).

Em A guerra de Jean pela legalização, o periódico afirma que a matéria citada era de autoria da Agência Brasil, onde a mesma traz a seguinte manchete: Deputado propõe descriminalização do uso e produção da maconha. Percebem a diferença?

A colagem de releases, textos de assessorias e agências de notícias é prática cotidiana no jornalismo cometido no Maranhão desde sempre. Muda-se o título (às vezes) para engabelar o leitor mais desatento, mantém-se o texto, sem tirar nem por vírgula, e tem-se “outra” notícia, mesmo que seu conteúdo não condiga com a manchete.

Hoje o jornal “defende-se” dA fúria de Jean Wyllys contra a imprensa (outra manchete hodierna) alegando que o texto é da Agência Brasil – por que, na ocasião, não manteve o título da agência e/ou não lhe deu o devido crédito quando de sua publicação?

A página inteira [Política, 2] dedicada a “combater” Jean Wyllys e a maconha fecha-se com um perfil em que o deputado é tachado como alguém que “se diz defensor das minorias”. Lembremos que o psolista é o primeiro representante orgânico do segmento LGBT eleito para a Câmara Federal em tantos anos de história. Não é O Imparcial quem vai lhe dar, tirar ou atestar títulos. Cereja do bolo, ainda na página inteira: cinco políticos conservadores atacando o socialista e defendendo o jornal: Eliziane Gama (deputada estadual/ PPS), Pedro Lucas Fernandes (vereador/ PTB), Magno Bacelar (deputado estadual/ PV), Barbara Soeiro (vereadora/ PMN) e Afonso Manoel (deputado estadual/ PMDB).

O jornal afirma ainda que “O parlamentar foi procurado inúmeras [sic] ao longo da semana pela reportagem de O Imparcial para falar sobre o assunto, mas não quis se manifestar sobre o assunto [sic] em nenhum momento, sempre colocou a sua assessoria de imprensa para responder aos questionamentos [sic], os quais não foram respondidos em relação as [sic] críticas feitas a [sic] imprensa e ao imprenso [sic]”.

Só para lembrar: Jean Wyllys esteve em São Luís sexta-feira passada (28), ocasião em que participou de coletiva de imprensa na Quitanda Rede Mandioca e de Seminário Programático de Direitos Humanos de seu partido, no Sindicato dos Bancários.

Chorografia do Maranhão: Ronaldo Rodrigues

[O Imparcial, 1º. de setembro de 2013]

O blogue voltará ao assunto em tempo hábil, mas avisa, de já: Ronaldo Rodrigues tocará na próxima terça-feira (28), às 19h, no Teatro da Cidade (antigo Cine Roxy), ocasião em que se apresenta naquele palco o grupo Jorge Amorim e Tribo. Os ingressos custam R$ 20,00.

Do rock e blues ao choro: 14º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão cursa bacharelado em bandolim na UFRJ e planeja para breve uma apresentação de seu grupo, Novos Chorões, em São Luís

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Era um sábado ensolarado e o Regional Tira-Teima passava o som para uma apresentação na Barraca Paradise (Av. Litorânea). Naquela ocasião o músico Ronaldo Rodrigues daria uma canja com eles, antes de receber alguns amigos na casa dos pais, onde se hospedava, para uma deliciosa favada.

Bandolinista e chorão, Ronaldo já foi – ainda é, melhor dizendo – guitarrista e bluesman. Teve passagens por grupos em São Luís – Palavra de Ordem, Bota o Teu Blues Band e Som do Mangue, hoje Nego Ka’apor – além de uma temporada em Londres, onde chegou a tocar no palco paralelo de um festival que tinha ninguém menos que James Brown no palco principal.

Ronaldo Pinheiro Rodrigues Filho nasceu em 28 de março de 1977, filho dos administradores de empresas Raimundo Pinheiro Rodrigues e Maria Ceci de Miranda, que a princípio desencorajaram-no do ofício. Mas Ronaldo teimou. E considera seu tio Solano [Francisco Solano, violonista sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 26 de maio de 2013] – integrante do Regional Tira-Teima, ele acompanhou parte da entrevista – o maior responsável pelo que é hoje.

Cursando o bacharelado em bandolim na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ronaldo tem vindo semestralmente à Ilha, matar as saudades de familiares e amigos. Planeja para entre dezembro e janeiro trazer para cá uma apresentação de seu grupo, Novos Chorões, chancelado pelo homem-dicionário musical Ricardo Cravo Albin. Voltar à Ilha em definitivo não está em seus planos. Ao menos não por enquanto.

Além de músico, você tem outra profissão? Não. Hoje em dia sou só músico. Estou estudando na UFRJ, fazendo o bacharelado em bandolim, com o professor Paulo Sá. É o primeiro curso de bacharel na América Latina, não tem outro. Não tem ninguém ainda que tenha se formado, tem três alunos na minha frente, mais antigos. São duas vagas por ano. A tendência é aumentar. Por ser a única da América, o pessoal de fora, até dos Estados Unidos, está procurando vir para cá.

Eu sabia de cursos de bandolim na Itália. O [bandolinista] Jorge Cardoso foi estudar lá. Então, o Paulo Sá, o doutorado dele é de lá.

Quando você partiu para o Rio? Em 2007. Eu trabalhava com navegação e larguei tudo para ir pra lá, pra arriscar, como tou arriscando até agora.

Você atuou em outras áreas antes de se dedicar integralmente à música. Eu morei quatro anos na Inglaterra, onde aprendi a falar bem o inglês. Devido ao inglês, quando voltei pra cá, eu consegui um emprego com navegação, que exige inglês. Aí fui pegando jeito e passei cinco anos fazendo isso.

Como era o universo familiar na infância? A música era forte? Não. Música lá em casa é bem difícil. Meus pais não têm esse costume de escutar música, não é uma prática deles.

Como é que começou teu interesse por música? Através dos amigos, que gostavam de música, pelas amizades da adolescência. Eu tenho um amigo chamado Cassiano Viana, jornalista, está lá no Rio, a gente se fala com frequência.

Quais foram as primeiras descobertas musicais? Parece que antes de cair no choro você passou pelo rock. Pelo blues. Então, esse Cassiano Viana tinha uma banda chamada Palavra de Ordem aqui, bem antiga, era pop rock. Eu comecei tinha 11, 12 anos, ele me ensinou a tocar baixo. Aliás, eu tava pegando baixo, e pedi à minha mãe um contrabaixo e ela veio com uma guitarra, que ela não sabia a diferença de baixo e guitarra [risos]. Como eu não sabia tocar nada também, peguei a guitarra. Aí começou o rock assim, fiz parte de uns grupos de blues.

Você lembra o nome desses grupos? Tem a Bota o Teu Blues Band, foi uma delas, e a Palavra de Ordem, antes de ir pra Londres. Na família, além de Solano, tem Jean Carlos, que escuta muito rock progressivo. Ele ia muito no [programa de rádio] Vertentes, que era na Mirante, com [o radialista] Gilberto Mineiro. Com ele eu escutei muito progressivo, ele sempre me apoiava pra tocar, o filho dele tava morando uma época na Inglaterra e ele ofereceu, se eu quisesse ir pra lá passar um tempo. Eu não tava conseguindo passar em vestibular nenhum aqui. Aí eu fui pra lá, com a guitarra debaixo do braço.

Lá você também estudou? Lá eu toquei em várias jams de blues, jam sessions, aí teve um grupo de rock chamado Plastic Grapes, Uvas de Plástico. Com eles eu até toquei num festival, que é comparado com o Woodstock, o Woodstock que rendeu. Quando a gente tava num palco paralelo que dava uma parada a gente escutava James Brown, que ainda era vivo, no palco principal. Acho que em 1999 ou 2000.

Você aprendeu a tocar com mais ou menos que idade? Que já sentia certa segurança… Acho que com 15, 16 anos.

Lá em Londres você passou quatro anos só tocando? Não. Lavei e limpei muito prato [risos]. Mas tentando sempre na música. Aí com quatro anos resolvi voltar. Até então eu escutava muito rock e muito blues. Fui me interessar por música brasileira lá. A concorrência, é que nem um gringo chegar aqui e querer tocar choro e samba. Um dia eu toquei Garota de Ipanema [Vinicius de Moraes e Tom Jobim] sem querer, brincando, e todo mundo ficou assim, ahn?

E como é que começou essa história do choro? Quando eu voltei de Londres eu falei “vou tocar choro, quero tocar choro”. Liguei até pra Solano pra pedir umas aulas de violão. Eu não fazia noção do que era. Ele disse: “traz teu instrumento aqui, vamos fazer uma roda”, e eu cheguei com um violão de aço. Aí ele disse: “não, encosta teu instrumento aí”, e eles ficaram tocando, eu fiquei vendo, acho que tava o Tira-Teima todo. No final, eu falei que tocava guitarra, e Celson [Mendes, violonista] tirou uma guitarra do carro dele e um amplificadorzinho. Aí eu falei “eu não toco choro. Eu toco blues, jazz”, ele tirou um tema de jazz, e aí eu fiquei à vontade.

Voltando pra Londres: tua descoberta da música brasileira, digamos assim, ela começou com aquele brincar com Garota de Ipanema ou houve algum disco? Como foi? Eu paguei uma aula para um professor do Rio Grande do Sul, não recordo o nome dele agora, eu o vi tocando uma vez num barzinho, música brasileira, peguei um cartão e ele dava aula e eu comecei a ter aulas com ele, aulas muito boas. Ele perguntou: “você quer fazer o quê?” “Eu quero tocar música brasileira”. Tinha muita MPB, bossa, Vinicius de Moraes, Chega de Saudade [Tom Jobim e Vinicius de Moraes], Tom Jobim.

No teu universo familiar não teve muita vivência musical. Teus pais nunca te atrapalharam? Nunca pediram que você se desinteressasse pela música? Um pouquinho. Aqui em São Luís tem pouco acesso à cultura, à arte, é uma coisa meio assim, underground, eu acho até normal eles se preocuparem em ter um filho que vai se especializar em uma coisa que vai dar o quê, né? Demorou um pouquinho para eles apoiarem. Hoje em dia eles apoiam muito. Tanto é que eu estou lá, graças ao apoio deles.

E o bandolim? A partir de quê a escolha por este instrumento? Solano viu que eu tinha facilidade com melodia e o bandolim é um instrumento melódico e ele sugeriu que eu comprasse um. Solano é da família, eu chamo de tio, primo do meu pai. Eu lembro muito bem de um barzinho que tinha lá perto do Barramar e Solano falou pra papai: “Ronaldo tá nesse negócio de música, então vai pra Escola de Música [do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo], bota na Escola”. Mas conselho que é bom… Se fosse desde aquela época…

Então Solano tem uma grande responsabilidade pelo que és hoje. Se perguntarmos então quem foi a pessoa que mais te influenciou? Claro! Foi Solano, sem dúvida. E o Tira-Teima [Solano diz que o levou para o regional].

Ele foi estagiário do Tira-Teima? [risos] Foi. Inclusive fui eu quem apresentou o [flautista] João Neto pra vocês [fala diretamente para Solano, que concorda]. Eu já conhecia João Neto de outros carnavais. Ele tava no Rio, na Escola Portátil, ele apareceu aqui, a gente se encontrou, e eu disse: “rapaz, tem um pessoal aqui que é bom pra porra!”.

João Neto também é um cara que vem do blues e do rock para o choro. Vocês já tinham tocado juntos antes? Juntos não. Eu tocava no Som do Mangue [banda liderada por Beto Ehongue, hoje Nego Ka’apor], ele na [banda] Mandorová, a gente dividiu uma noite uma vez. Era a mesma turma.

Como foi a tua inserção no choro no Rio de Janeiro? Você hoje ocupa um espaço, é reconhecido por nomes como Ricardo Cravo Albin. Como é que foi esse processo? Foi aquilo, assim, eu cheguei com meu instrumento debaixo do braço.

Quem te deu aula aqui de bandolim? Ninguém. Foi sozinho. Tem uma figura muito importante, que foi o Moraes, toca violão, é um bom compositor, foi até certo estágio na Escola de Música. Com ele eu estudei teoria musical. Eu pensei que quando acabasse o livro de teoria musical todas as perguntas estariam respondidas, mas só fez aparecer mais perguntas. Música instrumental, não só o choro, mas o jazz, o Moraes me ajudou muito. Eu cheguei no Rio com uma bagagenzinha, tanto teórica quanto prática. Fui à Escola Villa-Lobos, um curso técnico, onde encontrei o Paulo Sá, ele estava montando ainda o curso da UFRJ, e ele deu esse toque logo no começo e propôs que eu fizesse o vestibular quando acontecesse. Na Escola Villa-Lobos foi que eu conheci os meninos, que a gente formou o grupo lá. No dia da prova [de seleção].

O que tem nesse disco? [um demo com que Ronaldo presenteou a chororreportagemEsse disco é um cartão de visitas. Tem músicas, tem nossos contatos, ele só roda no PC, tem um releasezinho. Tem três composições. Choros, que a gente sentou pra conversar, criar um conceito. Dois nomes surgiram: [os grupos] Água de Moringa e Tira Poeira. Era mais ou menos alguma coisa entre as duas coisas o que a gente estava querendo criar. Era mais esse conceito de fazer uma música instrumental, além de choro, bem elaborada, com um toque mais moderno, sofisticado. A gente está tentando pegar essa cara.

Qual a idade dos Novos Chorões? Vai fazer seis anos. Eu falo seis anos, mas os dois primeiros anos foi mais a gente aprendendo mesmo, todo mundo se juntando com o objetivo de tocar bem e sabendo a deficiência de cada um, mas cada um batalhando, evoluindo, estudando.

Vocês saíram já chancelados pelo Ricardo Cravo Albin. O que isso significa? A gente fazia um choro na feira de antiguidades da Praça XV, a gente arriscou fazer passando o chapéu, sem nenhum patrocínio. Em um desses o Ricardo estava lá presente e convidou a gente a abrir os saraus que ele fazia no Instituto Cravo Albin, na Urca, lá onde ele administra, toma conta. Aí tivemos a chance de tocar com [o bandolinista] Joel Nascimento, o Sarau com Joel, a gente fez umas quatro, cinco vezes com ele.

Quando você faz a transição do blues para o choro, houve um abandono do blues ou hoje você usa elementos do blues para tocar choro? Eu carrego muitos elementos da guitarra para o bandolim, mas eu parei de fazer isso por que estava atrapalhando. São duas linguagens diferentes. Eu vejo mais hoje em dia na faculdade as técnicas do instrumento. Eu pensei que o bandolim fosse me ajudar na guitarra, mas não ajuda muito não. São técnicas realmente diferentes.

Você continua tocando guitarra? Continuo.

Em grupos de rock? Não. Lá no Rio eu estou acompanhando um baterista chamado Jorge Amorim, que é um baterista de música autoral, tem muito da world music, morou mais de 19 anos fora, nos Estados Unidos, na Europa, e nos encontramos lá no Rio e propôs a gente levantar o trabalho dele aqui. Eu tinha outros músicos com quem estava tocando guitarra, jazz. A gente levantou esse repertório e tem tocado por aí.

Você foi para o Rio, se inseriu na movimentação chorística carioca, conquistou um espaço considerável para o grupo. Dá pra viver de música lá? Dá pra sobreviver. Falta muito. Acho que a gente dá um passo de cada vez, priorizando a qualidade do trabalho, pra gerar trabalho, bons trabalhos. Trabalhando em projetos também. A gente tem projetos separados, a maneira como vamos preparando, a gente vai estudando, já conseguimos algumas coisas com Sesc, Prefeitura, faz muito barzinho. Ainda é meio apertado, mas é questão de tempo. Todos do grupo vivem de música. Eu vim aprender a ser músico há pouco tempo: tem que se dedicar muito.

As coisas têm mudado de uns tempos pra cá, mas no Maranhão o artista ainda é o faz tudo: pensa projeto, carrega caixa, ensaia, toca, canta. Existe alguma diferença do Rio? Como é a realidade de vocês, hoje? Tem isso no Rio também. O produtor só vai se interessar em produzir algo, quando aquele algo tá pronto ou meio pronto. A gente continua se produzindo ainda, mas vai chegar um ponto que vai despertar interesse do produtor que faça isso pra gente. Antes da internet o mercado era outro, o artista não estava tão na pista como está hoje. Mas ainda é isso, a gente fazendo projeto, ensaiando, carregando as coisas.

Você toca em outros grupos? Acontece de fazer substituições, principalmente entre alunos da escola, quando alguém não pode, me indica e vice versa. Mas basicamente eu tenho tocado só com os Novos Chorões e com o Jorge Amorim.

Você se considera um chorão? O que significa ser chorão, para você? Eu me considero um chorão. Ser chorão é você saber aplicar a linguagem que o choro oferece. Cada estilo de música tem sua linguagem, os seus detalhes específicos. Ser chorão, acho que é isso, é saber que gênero é aquele, de que maneira aquilo é tocado, é composto. Ser chorão é mais aquele músico que se especializou naquele gênero, no caso o choro, e que muitos [músicos] não são abertos a outros [gêneros]. O choro está na música instrumental e a música instrumental é bem abrangente, tanto é que o choro abrange outros ritmos, não só o choro: você tem a polca, tem o maxixe, o frevo, a valsa, a ciranda lá em Pernambuco, o bumba meu boi aqui.

Tem o Beatles in choro [caixa de discos em que diversos instrumentistas tocam músicas dos Beatles em ritmo de choro, sob a batuta do cavaquinhista Henrique CazesPor que os Beatles, as composições deles são bem tonais como é o choro. O blues, por exemplo, já não é. Eu tive muita dificuldade para partir para a música popular brasileira por que meu ouvido sempre foi modal, por que o blues é modal. Os Beatles é isso, as composições dão certinho com o choro por que tem todo esse tipo de composição, tônica. O choro vai mais ainda, tem as modulações, são três partes. Os Beatles normalmente são duas partes, tem choro de duas partes, mas encaixa legal. Antigamente eu tentava fazer uma comparação do choro com o jazz, mas tem mais diferenças do que semelhanças. A semelhança é justamente na mistura da música erudita com a música negra.

O improviso. O improviso nem tanto, por que o choro ele é mais preso pra improviso do que o jazz, o jazz é muito mais aberto. É uma característica do jazz. Até harmonicamente ele te dá liberdade para o improviso.

A semelhança talvez seja mais cultural. O jazz ainda é uma manifestação de confirmação das raízes negras. Aqui não tem isso. O choro foi elitizado.

Mas você não acha que dá pra dizer que o jazz é o choro dos Estados Unidos e o choro é o jazz do Brasil? Acho isso muito perigoso. Outra semelhança que tem é justamente a acessibilidade do negro, através das bandas militares. Lá também, quando surgiram, muitas bandas marciais deram chances a pessoas sem condições de uma educação musical e onde foram expostas ideias.

Qual a importância do choro para a música brasileira? O choro representa o que a música brasileira tem de melhor pra mostrar. É o que o Brasil tem de melhor para mostrar com relação à música. É o mais elaborado, é o bem feito, mostra o poderio de composição dos brasileiros, sua identidade.

Você parece muito à vontade na seara do blues e do choro. Você se sente mais à vontade na tristeza do blues ou na alegria do choro? Boa pergunta! Não sei. Acho que as duas coisas. É o yin e o yang. Eu nunca tinha pensado nisso.

Como você observa o movimento do choro, a cena, hoje no Brasil? Durante muito tempo o choro foi associado à “música de velho”. De uns tempos para cá parece ter havido uma mexida nessa ordem. Com certeza! A gente vê no Rio a Escola Portátil. É de super importância o que o pessoal está fazendo: pegar uma garotada, muita gente nova se interessando, vendo a importância que o choro tem e eu acho muito legal a oportunidade de ter o pessoal tarimbado dando os toques específicos daquele gênero de música. Quem quiser tira bom proveito daquilo e tem muitos jovens que estão fazendo isso. O cenário da música lá no Rio, tem muita gente nova, muita gente boa.

Como é a relação dos mais novos com os mais velhos? É generosa, de competição, de desconfiança? Acho muito bem vinda. Eu costumo fazer parte de uma roda de choro todos os sábados na [loja de instrumentos musicais] Bandolim de Ouro. Tem muita gente com idade, que eu considero chorões. Sempre que a gente chega eles gostam. Falam “ah, vocês que vão continuar” e tal. Voltando a falar da cena, acho que o Rio caiu um pouquinho. Teve um boom, mas acho que está aparecendo mais coisas em São Paulo. Recife sempre foi um polo diferente e independente, tem a sua escola. Até [o bandolinista] Luperce Miranda, falando de bandolim, lógico, Jacob [do Bandolim] foi a escola que mais foi passada, mas Luperce é uma escola completamente diferente, é outra técnica. Depois de formar estou querendo fazer um doutorado sobre isso, a influência italiana no Brasil. A maneira que ele toca é um bandolim napolitano, a maneira que Luperce toca tem mais trinado, estou estudando ele.

Qual o significado de Jacob para o bandolinista moderno? Jacob além de fazer muitas composições clássicas de choro, fez muitas composições moderníssimas, apesar do discurso conservador que ele tinha. Tem que passar por Jacob, não tem jeito!

Quais as tuas maiores referências para blues e para choro. Olha, blues, eu escutei muito Clapton. Sou fascinado por Eric Clapton [guitarrista e cantor]. Tive tudo dele. Estou passeando mais pela praia do jazz hoje em dia. O blues eu larguei um pouquinho. O blues te limita um pouco, esse ouvido tonal, eu fiquei muito preso ao blues. Tenho escutado muito jazz, escutado as guitarras de Charlie Christian, o primeiro jazzista que tirou a guitarra do acompanhamento e botou no solo, [os guitarristas] West Montgomery, aí vem Joe Pass, George Benson, eu tenho ouvido mais isso. Mas o blues é essencial pra tocar jazz. No choro tem Pixinguinha. Acho que é o grande mestre, até mesmo em relação a essa mudança do choro bem tradicional, que veio de Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazaré. Aí Pixinguinha vem e dá uma quebrada, depois daquela viagem à Europa com Os Oito Batutas. É a referência mais completa.

Que chorões, hoje, te chamam mais a atenção? Eu tenho admirado muito o maestro Laércio de Freitas [pianista]. Ele seria um. No bandolim tem o Ronaldo do Bandolim [do Trio Madeira Brasil], que é muito bom, pra mim é o melhor, com relação ao instrumento, hoje em dia. Tem o Danilo Brito, que tem uma técnica, uma mão direita impressionante, com muita naturalidade. Vi um show dele no Rio, fiquei impressionado. Admiro muito os professores também. O Paulo Sá toca choro, mas o disco dele é bem eclético. [O cavaquinhista] Henrique Cazes, peguei aula de prática de conjunto, [o violonista] Marco Pereira, harmonia profissional, tem uma cabeça muito moderna, excelente improvisador.

A renovação de que você fala que acontece no Brasil, você também tem percebido no Maranhão? Sim, sim. Quando eu saí daqui, tinha o Tira-Teima fazendo, era só o Tira-Teima. Apresentei João Neto pra Solano, ele passou a ir com frequência e era só isso. Agora, depois de uns anos, quando eu voltei, já tinha uns três bandolins. Eu fiquei impressionado a última vez que eu estive aqui, toquei com o Tira-Teima no Barulhinho Bom e o João Neto trouxe o Robertinho [Chinês, cavaquinhista e bandolinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013], impressionante. Ele tem uma facilidade, uma técnica apuradíssima. Fiquei feliz de ver.

Chorografia do Maranhão: Arlindo Carvalho

[O Imparcial, 18 de agosto de 2013]

“Eu nasci pra tocar tambor”. A frase é do engenheiro, professor de artes e percussionista – não necessariamente nessa ordem – Arlindo Carvalho, 13º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão. Ela resume bem o espírito de quem encara a música como um ofício, um prazer.

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Filho dos piauienses Caio José de Carvalho e Margarida Pinho de Carvalho, ele de Teresina, ela de Parnaíba, Arlindo José Pinho de Carvalho é o caçula de uma família de cinco irmãos: Michol, Alba, Célia, Caio e ele.

A mais velha, a folclorista Maria Michol, falecida em novembro passado, grande incentivadora do irmão, presenteou-lhe com a primeira bateria, comprada a prestações no Armazém Paraíba.

Arlindo nasceu em 2 de agosto de 1954, na Maternidade Benedito Leite, e desde então mora na mesma casa, na Rua dos Afogados, em frente à Padaria Santa Maria, no Centro da capital maranhense, onde ele recebeu a chororreportagem.

Durante a conversa, o percussionista que já tocou “com todo mundo aqui” lembrou a grande amizade com o compositor Antonio Vieira e revelou a vontade de escrever a biografia do pai, um guarda livros que fundou em São Luís o Centro Caixeiral, a Santa Casa de Misericórdia e a Liga Maranhense de Combate à Tuberculose.

Com o Regional Tira-Teima ele tira onda: “eu sou do original, não do genérico”, afirma sorrindo, para depois revelar a admiração, carinho e respeito que tem por todos. Formado em engenharia e artes, Arlindo nunca estudou música formalmente, mas é certamente um dos instrumentistas que mais aparece em créditos de discos e shows no Maranhão.

Você chegou a atuar na área de engenharia? Eu atuo na área de engenharia. Sou engenheiro do estado. Fui da Cohab, meu primeiro emprego, Companhia de Habitação Popular. Quando a Cohab mudou de nome, depois foi extinta, foi criada outra empresa, e todos nós que somos CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] fomos para lá. De lá eu fui pra onde quis: Secretaria de Trabalho e Urbanismo, Ceprama, até chegar na Secretaria de Cultura, Dona Zelinda [Lima, folclorista] me levou pra lá. Depois fui ser diretor do Teatro Alcione Nazaré, quando ainda era TPG, Praia Grande.

Tua família hoje, Michol, você, Alba, vocês são referências na área de cultura. De onde vem essa relação? Eu sempre vi isso e Michol sempre falou isso: papai era uma pessoa que gostava muito de bumba meu boi. Ele trazia muito bumba meu boi, muito tambor de crioula, ele levava Michol. Michol sempre acompanhou papai. Eu muitas vezes não fui, quando papai morreu eu tinha seis anos. As referências minhas são muito poucas, ela já tinha 10 anos, a memória afetiva de Michol é muito maior do que a minha, eu não lembrava muito.

Michol é quem cumpriu um papel central nessa história? Exato! Michol é quem foi a pessoa central. Eu quando comecei a tocar, Michol é que me deu a primeira bateria. Sempre apoiou. Michol, sim, era a pessoa que estava na linha de frente. Fez Serviço Social, depois fez Mestrado em Cultura Popular. Aí ela desenvolveu um trabalho de cultura popular, embora antes ela tenha trabalhado na Universidade, foi diretora do DAC [Departamento de Assuntos Culturais da Universidade Federal do Maranhão]. Quando veio do Mestrado no Rio, ela começou no Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho e fez as casas de cultura todas.

Além da engenharia, você dá aulas. Depois de engenharia, formei em 1980, logo depois, trabalhando com a professora Nerine [Lobão], na Secretaria de Educação, como diretor da parte de engenharia, me deu vontade de fazer outra coisa. Aí eu fiz artes, educação artística na Universidade, me formei na especialidade de teatro. Fiz concurso para o estado e estou hoje no Liceu [Maranhense], dando aula de Artes. Da engenharia estou mais esperando me aposentar.

Então sempre houve outra profissão pra te sustentar, a música sempre foi uma diversão? Não era uma diversão. Mamãe sempre dizia “você quer ser o que quiser, eu apoio; agora peço pra você estudar uma profissão, ter uma profissão”. Por que isso dá uma base muito grande, você não fica tão refém da fragilidade da arte da música. Eu sempre toquei. Eu me formei, antes de me formar era músico, tocava com [os compositores] Chico Maranhão, Sérgio Habibe, toquei com o Coral [São João], com quem estou até hoje.

Qual era o universo musical da tua casa? Uma música que tem na minha memória, que eu nunca esqueci, é Cigarro de Paia [de Armando Cavalcanti e Klécius Caldas], de Luiz Gonzaga, que não é dele, mas que ele canta. Essa música eu ouvia. A gente tinha uma coisa de ouvir rádio, o rádio era o grande lance. A gente ouvia o rádio dia de domingo, e eu me lembro de Cigarro de Paia, mas fora disso nenhuma relação de música. Fora o rádio aos domingos, nada.

Ele não era de comprar discos? Que eu me lembre não. Embora eu tenha uma coleção inteira de discos de [cera de] carnaúba. Tá tudo ali. Deve ser dele, eu não lembro, ele morreu eu era muito pequeno. Mas Caio, meu irmão, que tem uma memória de elefante, se lembra. Mas eu fiquei com a coleção de discos dele, de carnaúba. O primeiro disco de Jackson do Pandeiro tá bem ali guardado.

Quando você começou a se interessar por aprender música? Mamãe ganhou de presente no casamento dela uma bandeja de prata que eu quebrei de tanto tocar. Eu fazia como se fosse uma bateria, intuitivamente, sem ter uma noção do que era uma bateria. Mas eu fazia a mão esquerda de um jeito, a mão esquerda do outro, batia nos copos com os lápis que Michol me dava. Eu tinha minha bateria, mas não sabia que aquilo era música e que eu um dia fosse ser músico. Mas era uma coisa muito forte, embora eu nunca tenha visto ninguém tocar. Eu sempre aprendi minhas coisas sozinho.

Você não teve nenhum estudo formal de música? Nenhum! O estudo formal vem ser agora, com meu professor [Chico] Pinheiro que está me ensinando a escrita da percussão. Entrei na Escola de Música por dois anos, depois larguei, por que a professora Olga Mohana [ex-diretora da EMEM, famosa por determinar que instrumento o aluno tocaria] queria que eu tocasse piano e eu queria tocar era percussão.

O percussionista demonstra o “um, dois, três, quatro” que aprendeu com Mascote para a chororreportagem

Mesmo você não tendo o estudo formal de música, teve pessoas que foram referenciais pra ti. Dá pra citar algumas? [O compositor Antonio] Vieira foi uma pessoa que me ensinou a tocar afoxé e reco-reco. E ele me levou para aprender pandeiro com Mascote [o percussionista e violonista Antonio Sales Sodré]. Vieira disse “olha, Mascote, Arlindo é amigo meu e quer aprender a tocar pandeiro”. Mascote perguntou “meu filho, tu tem um pandeiro? É um, dois, três, quatro” [pega um de seus nove pandeiros e demonstra, acelerando rapidamente a batida]. Aí eu vim pra casa, botava o disco na radiola e acompanhava. Errava, acertava, e assim eu fui. Aprendi ouvindo, tentando imitar o disco.

Então você aprendeu instrumentos soltos? Instrumentos soltos. Eu, no meu tempo de Universidade, tinha um grupo chamado Terra e Chão. E a Universidade comprou alguns instrumentos: uma conga, um bongô, um surdo. Eu nunca tinha visto aquilo, mas intuitivo eu fui batendo as congas, o bongô. Tanto que, por exemplo, eu aprendi a tocar bongô pelo som do disco. Depois é que eu fui ver o pessoal tocando bongô, a técnica do bongô. O som que eu tirava, que eu tiro, é igual, mas o movimento não.  Tudo aquilo é intuitivo, eu aprendi intuitivamente.

Quando foi que começou tua convivência com Mestre Vieira? Vieira foi aluno de meu pai no Centro Caixeiral. Não sei quem me convidou, me parece que Adelino [Valente, pianista], morava aqui no [edifício] Caiçara. “Vai no Caiçara, tem um grupo de chorinho”. Aí eu encontrei Vieira, bate papo, já tinha uma atração mútua, Vieira e eu, depois que ele soube que papai foi professor dele, aí foi que ele gostou de mim mesmo. Aí sim, ele começou a pegar o afoxé, o reco reco, “meu filho é assim”. E eu deslanchei. Eu comecei a tocar bateria no [Colégio] Marista, o professor Celso Raposo, até hoje eu digo o nome dele, foi a pessoa que me desemburrou. Tá-tum-tum-tá, tá-tum-tum-tá [imita o som da bateria com a boca]. Bateria você erra, erra, é igual pandeiro, é igual andar de bicicleta: um dia você acerta e não erra mais.

Quem fazia parte do Terra e Chão? Eu, Wellington Reis, Joaquim, um garoto chamado Magno, depois passou o irmão dele, Frias. Aí tem Eliezer, que era flautista, Celso Raposo, nesse tempo não era mais baterista, era tocador de viola.

Isso era que ano? Foi antes do Tira-Teima? O Terra e Chão foi antes, 74, acho. O Tira-Teima é outra história.

E o repertório? Era autoral, a maioria [das músicas] de Wellington. Tinha um lance de um jazz nordestino, Luiz Gonzaga, aqueles grupos de pau e corda, Jackson do Pandeiro, minha referência.

Teus pais e irmãos te impediram de alguma coisa, em algum momento? Não. Pelo contrário. Mamãe sempre me deu muito apoio. Quando eu viajava, que acabava o dinheiro, ela mandava as passagens para eu vir. Sempre me deu muita força, sempre pedia pra eu estudar, pra eu não ficar refém de uma coisa que podia dar certo ou não. Michol me deu congas, bateria, ela tirava à prestação no Armazém Paraíba. Foram grandes incentivadores da minha carreira.

Em que mais Michol te inspira? Leitura. Ela me inspirou a ler, a perceber que você tem que ter uma bagagem literária muito grande, até para você pensar a música. Se você não tem sentimento, a gente não pensa à toa, tem que ter bagagem. Ela me inspirou nesse sentido.

Ser irmão de Michol, extremamente mergulhada no estudo da cultura popular, você um artista do ritmo. Há uma influência muito estreita aí, não é? Eu acredito que sim. Não vejo outra explicação. Até essa coisa intuitiva. Quando eu chegava em casa, que eu era mais garotinho, a primeira vez que eu peguei as congas e transmiti para as congas o tambor de crioula.

Você já viveu de música? Quando eu era estudante, no tempo do Terra e Chão, tinha uma bolsa, que eu dividia com Wellington, era muito boa. Agora viver, de no fim do mês esperar ter algum dinheiro…

De sustentar a casa, a família? Não, não. Eu sempre vivi música, engenharia, trabalhos de arte, que eu desenhava muito bem, pintava, essas coisas. Nunca vivi especificamente de música. Gostaria de ter vivido essa experiência.

De algum modo isso te frustra? Se a gente pensar numa perspectiva de carreira do Arlindo Carvalho percussionista. De jeito nenhum! Eu, por exemplo, quando fui tocar com Chico Maranhão, [a cantora] Diana Pequeno que era o grande nome daquele tempo, ela gostou tanto da gente, que ela foi 16 vezes ao show. Chamou a gente e convidou eu, Zezé [Alves, flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013] e Ubiratan [Sousa, compositor e instrumentista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 12 de maio de 2013]. Ubiratan ficou ainda com ela, Zezé veio embora. Eu lhe pedi perdão, “Diana, você me perdoe”, faltava um semestre pra eu terminar engenharia. Eu não ia abandonar tudo por um sonho. Mas não me arrependo. Eu construí uma carreira aqui, e falei uma vez num seminário desses de música, que sucesso é isso: é você na sua terra desenvolver um projeto. Até hoje eu sou uma pessoa respeitada, tenho o meu lugar garantido dentro da história da música popular maranhense.

Você chegou a tocar com Diana Pequeno? Não. Eu toquei aqui uma vez com Sérgio Ricardo [compositor, autor de trilhas do Cinema Novo, parceiro de Glauber Rocha]. A gente fazia a abertura do show dele aqui no Teatro Arthur Azevedo. Quando acabou o show, eu estava guardando meus instrumentos quando chegou um recado para eu ir falar com ele. “Olha, gostei imensamente de você. Eu quero que você toque comigo pelo menos quatro músicas”, aí eu toquei. Toquei com aquele [grupo] Água de Chile, que gravou com Milton Nascimento. Mas pra mim o mais importante é tocar com o pessoal daqui.

Entre nacionais e locais, sabemos que a lista é grande. Ah, toquei com tudo mundo aqui [gargalhadas dos chororrepórteres]. Não tem nenhum. Faltava Papete, outro dia eu toquei com ele. Antigos, novos, novíssimos e geração nova que é Caio [Carvalho, percussionista, filho de Arlindo], que já toquei com ele, muito.

Além do Terra e Chão de que outros grupos você participou? Terra e Chão, o Tira-Teima original. Eu sou do Tira-Teima original, o genérico não [risos]. Do genérico, Paulo [Trabulsi, cavaquinhista] era. É o único remanescente. Todos eles são excelentes. Eu vou ver o Tira-Teima lá naquele hotel, eu adoro ver Paulo tocar.

Urubu Malandro. Urubu Malandro eu fiz com Vieira. Eu fundei também o Sururu no Galinheiro.

O Surra Curuba? O Surra Curuba foi Vieira quem deu esse nome. Vieira foi uma pessoa importantíssima na minha vida.

A última cena dele em palco foi lá no Clube do Choro Recebe. Foi. Quando eu deixei ele em casa, ele sempre dizia “até o outro se nós vivo for” [sic]. Deixei na casa, sempre esperava ele abrir o portão. O mesmo procedimento. Eu sempre passo agora, a hora que eu passo, eu grito “ê, seu Vieira!”, e vou muito na sepultura dele. Eu sempre digo “seu Vieira, reze por mim”. A pessoa mais digna que eu vivi na minha fase mais adulta. Na fase de criança a minha meta era meu pai. Mamãe sempre falava muito bem, estudei muito a vida dele depois, pretendo lançar um livro sobre a vida dele, o que ele fez aqui dentro [de São Luís].

Dá pra dizer que teu pai foi tua maior inspiração enquanto homem e seu Vieira enquanto músico? Isso. Por que Vieira era uma pessoa que não deixava a gente criar nenhum tipo de soberba. Ele sempre colocava a gente no patamar da humildade. A referência de homem é meu pai, de dignidade, honestidade, de ser uma pessoa batalhadora, respeitadora. Vieira é uma figura que eu vejo como músico. Me inspirei muito nele.

Além de instrumentista, você desenvolve alguma outra habilidade na música? Arranjador, compositor… Não. Se algum dia eu compus alguma coisa eu escondi muito bem [risos]. A gente tem que saber o que a gente faz bem. Eu faço bem tocar tambor. Violão eu comprei, toco, mas nunca serei um bom violonista. Agora, tocar tambor, eu nasci pra isso.

Você não tem disco solo, mas já tocou em inúmeros discos. Os de Rosa [Reis], quando ainda eram vinis. O primeiro cd de Sérgio [Habibe], os discos de Chico Maranhão, Lances de Agora [1978] e Fonte Nova [1980]. Eu gravei com muita gente boa. Outra referência agora é [a cantora] Alexandra Nicolas, gravei uma única faixa [São Luís do Maranhão] do disco dela [Festejos, 2013], que foi gravado no Rio. É um bumba meu boi meio estilizado.

Ela fez aquele disco dentro do universo do choro. Os grandes nomes do choro. Como é que foi pra ti estar ali no meio? Eu toquei muito com Alexandra, o último show que ela fez aqui. Eu fiz uma amizade muito grande com Luciana Rabello [cavaquinhista, esposa de Paulo César Pinheiro, compositor]. Aí Luciana me ligou junto com Alexandra e queria que eu participasse desse disco tocando essa música. Fui para o Rio e tive a honra de ser dirigido no estúdio por Paulo César Pinheiro. Lógico que tinham os músicos que assinavam a direção, mas tudo eles se reportavam a Paulinho. Nada que ele não quisesse sairia no disco.

Ele foi uma espécie de supervisor. Ele foi uma espécie de supervisor geral. Ele dizia “é isso que eu quero”. Eu entrei com uma ideia de uma gravação mais lenta, um boi de sotaque de Pindaré. Ele disse “eu quero mais rápido”, mudou algumas coisas, pra mim foi uma honra. A própria Luciana, [o violonista] Maurício Carrilho também.

Você acompanha os grandes nomes da percussão no Brasil? Eu tenho loucura por Naná [Vasconcelos, percussionista]. Eu nasci no mesmo dia dele. A grande loucura que eu vivi foi quando eu ouvi o disco de Santana, Carlos Santana, guitarrista. A base dele era percussiva.

Qual foi o disco? O primeiro dele, que tem uma joia na capa. Quando eu ouvi aquele disco, Celso Raposo botou lá no Marista, eu pirei. Eu não consegui entender o que era aquilo, mas era aquilo que eu queria. Eu tenho discos e discos de percussionista. Escuto, tenho discos de percussão de todo o mundo. Robertinho Silva, adoro ouvi-lo tocar. Tem um cara da bateria que eu digo que eu incorporo, eu adoro: Edson Machado. Dois caras: Jackson do Pandeiro é minha grande paixão. Esse ano eu quero ir ao memorial, na terra dele, Alagoa Grande [Paraíba].

Na tua opinião, o que é o choro? O que significa este gênero? Se a gente for ver é a primeira música genuinamente brasileira. Carioca. Mas não ficou só no Rio. Hoje em dia a nova geração está voltando a ouvir chorinho, embora as rádios não toquem. Quando eu comecei a ouvir chorinho, a gente não percebe, mas se torna apaixonado, vai comprar discos. Você pode nem saber o que é, mas se torna apaixonado por chorinho. É uma coisa de alma, chorinho tem isso.

Você se considera um chorão? Eu sou um profissional. Profissional é você se dedicar. Eu não sei se sou chorão por que eu gosto de tudo. Eu gosto daquelas músicas do tempo da colônia, lançaram agora quatro discos, as músicas no tempo de D. João VI, eu gosto de ouvir uma coisa africana anterior a choro, lundu, eu escuto tudo. Eu escuto um choro de Anacleto de Medeiros, eu choro. Se ser chorão é ter essa alma, se identificar, você chorar até ouvindo. Mas choro também no lundu, no blues, no jazz.

Você passeia com a mesma desenvoltura por ritmos brasileiros, pelos ritmos de nossa cultura popular, por jazz. Em que praia você se sente mais à vontade? Eu me sinto à vontade em todas. Eu só toco bateria no Quarteto Insensatez. Chorinho, eu adorava tocar com Vieira. Era uma brincadeira! A gente nunca ensaiava. Era um ensaio, um dia antes do show, aqui em casa, a gente passava os tons e o resto era brincadeira. Eu quero é estar onde eu me sinta feliz, dentro da música. É ali que eu quero estar.

Você acha possível falar em um choro genuinamente maranhense? Maranhense, paulista, carioca, qualquer um é choro, é samba. É a mesma coisa do samba genuinamente maranhense. O que é o samba genuinamente maranhense? É a batucada dois por um, dos Fuzileiros [da Fuzarca, imita o som da batucada com a boca]. O grande erro nosso foi a gente tentar imitar as escolas de samba do Rio. Uma vez [o compositor baiano] Riachão estava numa discussão com [a cantora e compositora] Dona Ivone Lara, se o samba nasceu no Rio ou na Bahia. Eu, calado, chamaram Vieira. “Vieira, o samba nasceu aonde? No Rio ou na Bahia?” Ele disse “nem um nem outro, nasceu no Maranhão!” [gargalhadas]. E acabou a discussão.

Chorografia do Maranhão: Luiz Jr.

[O Imparcial, 4 de agosto de 2013]

12º. entrevistado da série, Luiz Jr. recebeu os chororrepórteres nas instalações do estúdio Sonora, de sua propriedade, que está registrando momentos importantes do atual momento da música do Maranhão

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

A vida de José Luiz Carvalho dos Santos Júnior começa na música: além de ter nascido em berço musical, a pérola de João do Vale pode lhe servir de trilha sonora para a infância: aos quatro anos de idade ele veio De Teresina à São Luís, onde faria história.

Filho do músico e escritor José Luiz Carvalho dos Santos e de Auzair Leite Carvalho dos Santos, ele ainda formou trio com os irmãos Carlinhos Carvalho e Virna Lisi, ele tecladista, ela cantora. Nascido em 1º. de janeiro de 1974, o músico é casado com a jornalista Valquiria Santana, pai de Dandara Liz, 16, e Jean Lucas, 13. Recentemente instalou em sua casa o estúdio Sonora, em que recebeu a equipe da Chorografia do Maranhão para a 12ª. entrevista da série publicada em O Imparcial.

Em seu estúdio também estão acontecendo momentos importantes da música do Maranhão: o Sonora abrigou os ensaios para Milhões de Uns, show em que se registrou ao vivo no Teatro Arthur Azevedo, a estreia do compositor Joãozinho Ribeiro em disco; lá também, atualmente, estão em processo de produção os discos de Célia Maria, Cláudio Leite e Patativa, todos a serem lançados em breve.

Luiz Jr. tem um disco gravado, Instrumental (2009), e já participou de inúmeros trabalhos, entre os quais se destacam Shopping Brazil (2004), de Cesar Teixeira, Canção de Vida (2006) e Samba de Minha Aldeia (2010), ambos de Lena Machado, Emaranhado (2007), de Chico Saldanha, Balançou no Congá (2008, póstumo), de Lopes Bogéa, e Made in Brazil (2009), de Robertinho Chinês [bandolinista e cavaquinhista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013]. É o violonista que detém o maior número de troféus no anual Prêmio Universidade FM em sua categoria.

O ambiente em tua casa sempre foi muito musical? Muito, muito. Tenho boas recordações. Inclusive da [cantora] Alcione lá na casa do meu avô. Meu avô era muito amigo do João Carlos [Nazaré, pai de Alcione]. Por que João Carlos fazia parte da banda de música, que ele [seu avô] era o maestro da banda da polícia militar. Então, eles trocavam informações, fizeram até músicas juntos. Meu avô vinha pra cá, ficava na casa dele. Ele também ia lá pra Teresina ficava na casa do meu avô. E quando Alcione foi embora daqui, o primeiro lugar que ela foi, foi prá lá, Teresina e ficou hospedada na casa do meu avô. Lá em casa qualquer motivo era motivo de festa, da gente tocar. Meu avô batia muito nessa tecla: “toca pra mim aí uma música, um choro, não sei o quê”. Ele gostava muito de choro, tem choro inclusive no seu repertório de composição. Então, ouvia muito isso.

Tua infância então foi vivida entre Teresina e São Luis. Você ia e vinha? Como é que era isso? Quando eu vim pra cá, não tocava nada, mas sempre tinha essa influência de ouvir meu pai. E aqui eu comecei, meu pai me levando nos bares da vida com ele, passeando em São Luis, vendo a cultura popular também, eu comecei a pegar violão. Em duas semanas eu tava tocando um monte de música, papai levou um espanto. Nem sabia que eu tava tocando violão. Aí pronto, me colocou debaixo do braço e começou a me levar sempre nas rodas de choro lá do Bateau-Mouche, lá no Monte Castelo, vendo lá o [músico] Zé Hemetério, a turma, o Solano [o violonista sete cordas Francisco Solano, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 26 de maio de 2013], o Gordo Elinaldo, Neres no Trombone.

Bateau-Mouche era o nome do bar? Era. Na feira do Monte Castelo. É por que alagava tudo lá, quando tava rolando choro, caía aquela chuva, alagava tudo que ninguém conseguia sair [risos].

Teu pai dava aulas de música em casa. Como era tua vivência com os alunos? Fale desses dois aspectos: da tua casa enquanto escola de música e da vivência em família. Aconteciam saraus com a família tocando? Eu sempre via meu pai tocando algum instrumento. Quando não era violão, era teclado, numa época em que ele estudou muito piano. Tinha uma época em que ele estudava clarinete direto, depois passou pro sax. Então, sempre a gente teve essa interação, de ouvir algum instrumento em casa tocando. Depois meu irmão começou a tocar, a minha irmã cantava. Eu era o único que cantava lá em casa, aí minha irmã começou a cantar e eu dancei [risos]. Aí eu passei pro violão, depois a gente começou a fazer uma dupla e o Carlinhos começou também a tocar, aí pronto, formou o trio.

Com tantas possibilidades que te eram oferecidas por conta dessa família musical e de teu pai transitar entre tantos instrumentos, por que a tua escolha pelo violão? Como é que se deu essa escolha? Acredito que foi por que era o instrumento mais próximo que tava ali. E também por que eu tinha alguns eventos lá na escola em que estudava. Tinha uns eventos lá e sempre, “ah, o cantor daqui da escola”, me botavam pra cantar no evento lá do Dia dos Pais. Aí eu sempre pedia, “papai, me acompanha lá”, “tá bom, eu vou meu filho”. No outro ano: “papai…”, “meu filho, vai aprender a tocar violão”. Aí, eu peguei essa música que é a música, na verdade foi Dia das Mães [cantarola]: “Ela é a dona de tudo, ela é a rainha do lar…”, aí depois, pronto. Só que o choro foi muito tempo depois já.

Você já teve outra profissão que não a música? Já pensou em fazer outra coisa? Se você não fosse músico, o que você seria? Ninguém. Eu não existiria, com certeza. A música, pra mim, ela tá fincada.

Você está cursando música na UFMA? Sim, terceiro período, licenciatura.

Como é que está? O que você está achando? É um curso novo, tem seus problemas, mas eu tou adorando, por que pra mim tá sendo a realização de um sonho, na verdade. Quando eu morei em São Paulo eu tentei fazer pela Unicamp. Não consegui, porque também não tive muita base em escola, porque quando comecei a tocar, pronto, aí a escola começou a ficar difícil. Então, eu terminei o estudo na marra mesmo, minha mãe empurrando: “vai terminar o segundo grau”, aí eu fui terminar.

Na família todos te apoiaram na escolha de fazer de músico a tua profissão? Ou houve alguém que disse “não, Júnior, vá fazer outra coisa porque ser músico não é o grande barato”? Todos apoiaram assim com relação a essa minha decisão. Eu sempre tive isso na cabeça, mesmo estando ainda na escola, eu já pensava “eu nunca quero ser outra coisa, a não ser um instrumentista, tocar”. E sempre enveredando por uma música de qualidade. Eu curto essa minha vida de músico como a melhor coisa que aconteceu na minha vida.

Você é mais conhecido como violonista, mas tu toca outros instrumentos: o violão sete cordas, guitarra, cavaquinho, viola. O violão é teu instrumento preferido ou hoje você já prefere o sete cordas ao de seis? Por conta de ter montado este estúdio, isso me forçou a tocar outros instrumentos, por conta de produções. Eu tenho pego muitas coisas, muitos discos para produzir, fazer arranjos, então eu tive que realmente cair na guitarra, tocar um pouco de teclado, cavaco também. Mas, o meu violão mesmo, o instrumento que eu gosto mesmo de tocar é o violão sete cordas, o que me dá mais prazer. Principalmente tocando choro, música instrumental.

Você está produzindo vários discos. Pode anunciar alguns? O primeiro disco que eu produzi foi o da OAB [a seccional maranhense da Ordem dos Advogados do Brasil], do aniversário da OAB, com vários intérpretes advogados. Foi o primeiro projeto do estúdio. Aí depois veio o DVD do Roberto Brandão, que ainda vai ser lançado. Aí Patativa, Célia Maria, Joãozinho Ribeiro agora, Cláudio Leite, que a gente tá finalizando aqui, o cd da minha irmã, Virna Lisi.

Estes discos têm um prazo para serem finalizados? Quando é que vão chegar ao mercado? O primeiro da Patativa e o da Célia são dois discos do edital promovido pelo Governo do Estado. No caso da Célia foi pago a parte de gravação, arranjos e músicos; não está previsto prensagem, projeto gráfico e lançamento. Já o de Patativa estão previstas gravação e prensagem. Como eu pensei assim: “vou finalizar o disco da Patativa, entregar pra ela e aí, e o disco da Célia?” São dois projetos que saíram juntos lá da Secma, né? Então eu pensei em juntar esses dois projetos e vou captar pra esses dois projetos e isso vai ajudar, inclusive,  pra prensar o da dona Célia e pro lançamento das duas. Me veio à cabeça essa ideia e eu finalizei o projeto agora pra captação através da Lei de Incentivo, e fazer um grande lançamento. A minha ideia é fazer um lançamento em São Paulo e depois trazer pra cá; e tudo isso requer um pouco de tempo. Fugiu do cronograma de prensagem. O disco, no caso da Patativa, tá pronto. Inclusive, ela colocou a voz aqui, foi numa manhã e de tarde; foi impressionante a forma, eu até perguntava pra ela: “Dona Patativa, a senhora não tá cansada não, a senhora não quer parar? De repente amanhã a gente volta?”. “Não, eu quero é gravar”. Foi ótimo assim, a forma que ela cantou foi espetacular. E pra mim, foi até surpreendente, porque palco é uma coisa e estúdio é outra. A forma que você aplica a voz. Eu não falei praticamente nada, ela cantou da forma que realmente ela canta, foi ótimo. O que eu quero é terminar logo esse trabalho, mas que eu faça uma coisa bem feita, faça um grande lançamento compatível ao nível artístico das duas, que eu acho que são as duas maiores cantoras aqui do Maranhão.

Você é um dos instrumentistas mais requisitados aqui no Nordeste, dirige vários trabalhos, hoje tem um estúdio. Dá pra viver de música com dignidade? Essa é uma pergunta complicada, mas assim, eu acima de tudo amo muito o que eu faço. Nada veio de graça também pra mim. Ralei muito pra ter as coisas, já fiz milhões de estilos de trabalhos; não fiquei só no choro, fiquei também em outros estilos, inclusive até tocando música que não é do meu gosto musical, mais popular, vamos dizer assim, axé, sertanejo… a gente ia tocar. Isso também me deu muita bagagem. Aparece muita coisa [trabalho] pra mim, graças a Deus. E hoje eu tou me dando ao luxo de fazer só show, de produzir discos e tocar. Fazer shows. Saí de bar, toquei 10 anos em bar. Ou seja, dá pra se viver de música.

Dos muitos discos que você produziu, que você participou, qual aquele ou quais aqueles que você teve mais satisfação em fazê-los? Rapaz, é difícil porque todos eles eu encaro como uma aprendizagem, que eu possa crescer como músico instrumentista, até pra entender o que o produtor quer. Se eu estiver dirigindo, buscar entender o que o artista quer, entrar nesse universo de cada artista. E eu me envolvo 100%. Por isso é que acredito que eu tenha conseguido dar um direcionamento mais fiel a cada trabalho. Os trabalhos que me marcaram bastante, foram dois na verdade; um foi o da Cáritas, com a Lena Machado [Canção de Vida, 2006, disco de estreia da cantora, celebrava os 50 anos de atuação da Cáritas no Brasil], que foi depois; o primeiro foi o do Cesar Teixeira [Shopping Brazil, 2004], foi o trabalho que pra mim, eu me lembro assim, eu fico super emocionado, tenho uma admiração muito grande pela obra do Cesar; acho que partiu dali pra que eu tivesse uma visão muito mais ampla.

Acontece de ouvir o trabalho depois de pronto e não gostar? De pensar que não ficou como você queria? Não, porque eu me envolvo tanto com a coisa. Não sei nem como eu posso explicar isso, eu me apego duma forma como se fosse meu. Não me recordo de nenhum trabalho em que isso tenha acontecido. Claro que a gente sempre busca fazer melhor a coisa, mas eu não penso nisso.

Mas você faz autocrítica? Sempre faço. Em primeiro lugar eu procuro escutar as críticas. Inclusive eu busco mais as críticas mais pesadas, eu encaro tudo como uma crítica construtiva, eu busco isso.

Você produz, arranja, dirige e executa. Qual dessas porções musicais que te deixa mais realizado, mais satisfeito? O que te deixa mais feliz dentre essas habilidades todas? É a pergunta mais difícil [risos]. Antigamente que eu só tocava, eu achava que faltava alguma coisa por que eu via meus amigos todos produzindo; eu sou da época do [guitarrista] Edinho Bastos produzindo, [os pianistas] Henrique Duailibe, Marcelo Carvalho. São figuras que pra mim são referências, fizeram uma história muito bonita com relação à nossa música. Mas eu pensava “poxa, porque é que eu não produzo assim?”. Mas, claro que eu era muito novo. Inclusive, Marcelo Carvalho produziu o primeiro disco da minha irmã Virna Lisi e eu fui lá no estúdio, assim, olhar  os caras gravando; os caras eram os tops, a turma que mais gravava, mais tocava aqui em São Luis: o Leônidas no violão, e eu vendo Marcelo Carvalho ali no piano, chamava Eliézio do Acordeom, Jeca na percussão, Fleming na bateria, eu ficava “puxa, será que um dia eu vou tocar com esses caras?” Aí, eu doido pra gravar e os caras “não”, mas deixaram eu gravar uma faixa, graças a Deus! Depois que eu comecei a produzir eu sinto o mesmo amor: de estar no palco tocando, no estúdio gravando, numa mesa de bar tocando, é o mesmo prazer, é impressionante, basta eu ter o instrumento na mão.

Você anda bastante ocupado, estudando, produzindo, tocando em shows. Certamente está recusando trabalhos. Que critério você utiliza para isso? O critério que eu uso hoje é dar um novo direcionamento à música produzida no Maranhão. Dar uma nova cara da música brasileira. É essa a minha busca, de buscar novos elementos, de usar a nossa cultura popular como base, como influência. Dar uma nova cara pra nossa música. Eu não encaro a coisa com relação a ganhar dinheiro, senão eu tava tocando sertanejo, tava com os artistas mais populares, com mais público.

Quando você fala de transformar o Maranhão num novo polo da música brasileira é no sentido de São Luis ser a próxima Recife, por exemplo, de ter um manguebit aqui? No sentido de ter um movimento organizado, que os artistas tenham essa repercussão nacional? Com certeza. De preparar esses artistas, esses talentos que nós temos pra que se crie um mercado em nível nacional, que eu acho que a nossa música já é uma música de muita qualidade, o que a gente produz aqui. Então, é transformar isso como um produto que chegue como uma nova referência, como um novo momento da nossa música.

Quem você pode citar entre esses artistas que precisam ser trabalhados para cumprir essa vocação, essa transformação? Ah, tem muita gente. Tem muita gente. Tem compositores, que são também intérpretes de suas músicas, grandes artistas como o Cesar Teixeira, uma referência; deixa eu ver, aí da nova geração tem a Milla Camões, a Lena Machado, que pra mim tem uma voz maravilhosa.

Dá pra lembrar os grupos musicais de que você já fez parte? O primeiro grupo que eu fiz parte foi um grupo chamado Choque. Era formado, eu, minha irmã cantando e o Carlinhos, meu irmão, no teclado. A gente tocava em tudo que é lugar a gente possa imaginar, Vila Embratel, tocava nos inferninhos ali do João Paulo, toquei muito no Juvêncio. A gente sempre trilhava alguma coisa assim de mais qualidade, Luiz Gonzaga, seresta, Perfídia, Orlando Silva, essa galera, por conta da influência do meu pai. Depois veio a primeira banda de baile, Os Incas, juntamente com Marcos Lussaray. Depois, grupos de samba: Futuro do Samba, Sindicato do Samba, Sambaceuma, Sem Dimensão, que foi o primeiro grupo de samba raiz. Depois entrei no Sindicato do Samba, lá com Gordo Elinaldo. Aí parti pras bandas, Sambauê, Bicho Terra, aí entrei no Barrica. Grupo instrumental fiz parte do Choro Pungado, tinha o grupo chamado Made In Brazil também, que era eu, [o percussionista] Carlos Pial, meu irmão, o Bumba Jazz, o Toque Brasileiro.

O que significou o Choro Pungado para você? Foi uma experiência interessante, a gente poder trabalhar usando os elementos da cultura popular. Isso refletiu muito no meu pensamento de produtor de uma nova música, de uma nova marca, isso me influenciou.

Para você o que é o choro? Qual a importância dessa música, desse gênero para a musica brasileira? O choro é nossa base! Praticamente tudo saiu do choro, tudo teve um pouco de influência do choro.

Você se considera um chorão? Que pergunta! [risos] Eu, no fundo, no fundo, me considero. Por que quando me lembro do ser músico, desse universo todo, eu me lembro das influências que tive, participei muito dessas rodas de choro quando era criança lá no Monte Castelo, meu avó lá também em Teresina, tocando Espinha de Bacalhau [de Severino Araújo] no trompete e eu tentando acompanhar tudo.

Quem é a maior referência no violão no país? Penezzi!  Alessandro Penezzi. Tive uma experiência agora com ele, de tocar com ele, dele improvisar aqui. Também tive uma experiência com Yamandu Costa, uma pessoa genial, um ser humano fantástico. Mas o Penezzi me tocou mais por tudo o que já ouvi dele. Tem o Zé Barbeiro, que tive a honra de tocar com ele lá em São Paulo, é uma pessoa interessante, que além de ser tradicional, é contemporâneo pra caramba, a forma que ele toca, a forma harmônica, e eu me identifiquei com ele assim.

Como foi a experiência de trabalhar com Zeca Baleiro? Foi uma das surpresas mais incríveis que tive na vida. O Zeca é uma pessoa tão maravilhosa, deixa a gente tão à vontade, que a gente conseguiu alinhar os pensamentos e construir muita informação no projeto do Lopes Bogéa e depois do Chico Saldanha. É fantástico, uma experiência única.

Um craque das letras

[Íntegra da entrevista publicada hoje no Alternativo, O Estado do Maranhão]

O escritor e jornalista Xico Sá, autor convidado da 7ª. Feira do Livro de São Luís, falará ao público sobre jornalismo, literatura e futebol, temas da palestra que fará dia 2 de outubro no Teatro João do Vale auditório da Faculdade de Arquitetura. Na entrevista concedida aO Estado ele abordou ainda cinema, a viagem que fará à Espanha, a obra de Bruno Azevêdo e arriscou um palpite sobre a ascensão do Sampaio Correia à série B

ZEMA RIBEIRO
ESPECIAL PARA O ALTERNATIVO

Nascido no Ceará, formado jornalista em Pernambuco, Xico Sá há muito está radicado em São Paulo. Já desfilou seus textos, dos mais elegantes da literatura e do jornalismo brasileiros, por veículos como Veja, Folha de S. Paulo, Playboy, Trip, TPM, V e muitos outros.

É autor de livros tão diversos como Nova Geografia da Fome – parceria com o fotógrafo Ubirajara Dettmar, que percorreu os caminhos iniciais do Programa Fome Zero no Brasil –, Modos de Macho e Modinhas de Fêmea, Se um cão vadio aos pés de uma mulher abismo, Catecismo de Devoções, Intimidades e Pornografias e o mais recente, Big Jato, espécie de autobiografia inventada que virará filme em breve (leia um trecho).

Também se aventura com a mesma elegância e desenvoltura por terrenos difíceis como o consultório sentimental – o que fez no Saia Justa, do GNT, e continua em seu blogue, hospedado no site da Folha de S. Paulo – e na crônica esportiva – aos sábados os leitores da mesma Folha deliciam-se com seu inconfundível jargão, “amigo torcedor, amigo secador”.

Outras aventuras de Xico dão-se ainda no campo da música e do cinema. O jornalista é parceiro de bandas como a mundo livre s/a e estrelou videoclipes de Sidney Magal [Tenho] e Junio Barreto [Passione], além de ter feito pontas como ator em filmes como Crime Delicado (baseado no livro homônimo de Sérgio Sant’anna) e O cheiro do ralo (baseado idem em Lourenço Mutarelli).

Convidado da 7ª. Feira do Livro de São Luís, Xico Sá estará numa mesa mediada por este jornalista, no Teatro João do Vale auditório da Faculdade de Arquitetura (Rua da Estrela), dia 2 de outubro (quarta-feira), às 18h. Ele falará sobre Literatura, jornalismo e futebol. Por e-mail, o candidato a galã da 7ª. FeliS concedeu a entrevista a seguir a O Estado.

O Estado do Maranhão – Quais as expectativas para um retorno à São Luís, desta vez, finalmente, na condição de autor convidado do maior evento literário do Maranhão?
Xico Sá – Voltar à São Luís é bom de qualquer jeito. Até quando eu viajava ao Maranhão apenas como repórter, para trabalhar, já era bom, imagina agora, quando poderei trocar uma ideia com os leitores e, quem sabe, conquistar novos olhos e atenções para minhas crônicas e livros. Não vejo a hora.

Big Jato é um romance que funcionaria bem também como um livro de contos. Em tempos de redes sociais, em que as linhas que dividem palco e plateia, formadores e consumidores de informação estão cada vez mais tênues, você é um dos que joga nas onze: é Jornalista com J maiúsculo, cronista esportivo, consultor sentimental, ator e galã. Como diz o título da biografia do Simonal escrita por Gustavo Alonso, também convidado da 7ª. Feira do Livro de São Luís: é preciso ter suingue pra não morrer com a boca cheia de formiga? Só o suingue salva. Minha história sempre foi assim, uma viração danada, tenho a peleja nordestina n´alma. Já fui de tudo nessa vida: vendedor de passarinho, garçom, porteiro de cabaré, vendedor, fiscal de trânsito no Recife etc. Agora essa vidinha burguesa tá é uma moleza. Doce de mamão com coco. Gosto dessa embolada de fazer de um tudo ao mesmo tempo. Coisa de artista moderno [risos].

Seu mais novo livro é mais ou menos uma autobiografia inventada, isto é, mescla realidade e ficção em torno de um caminhão limpa-fossas, o personagem título. Nessa salada literária eu penso em cinema, no que você já atuou como roteirista e ator. Big Jato daria um ótimo filme, concordas? Rapaz, o livro foi adaptado e será filmado no próximo ano pelo diretor Claudio Assis [de Febre do Rato, Amarelo Manga etc.]. O roteiro está pronto e agora só falta um pouco ainda da grana, mas já vai entrar em fase de captação.

Sua passagem pela FeliS é uma espécie de última escala no Brasil. Fale um pouco do que vai fazer na Espanha [o autor viaja para lá logo após a 7ª. FeliS]. O que trará de lá na mala e no bolso? Tenho uma ligação muito forte com a literatura picaresca espanhola, muito parecida com tudo que a gente faz no Nordeste em matéria de narrativa. Do cordel ao mar das nossas histórias orais. No Big Jato uso muito desse traço. Estou indo para uma pequena temporada estudar esse tema na Espanha. No próximo ano, no entanto, vou para ficar um ano.

Você assinou a quarta capa dA Intrusa, de Bruno Azevêdo e já o apontou como o maior escritor em atuação no Brasil. Na 7ª. FeliS ele lançará Baratão 66 [nota do blogue: a hq será lançada somente em novembro], graphic novel em que uma casa de depilação durante o dia funciona como puteiro à noite. O que acha da ideia, seja na ficção seja na realidade? Bruno Azevêdo é um dos maiores, sem dúvida, talvez o mais moderno e invocado dos nossos narradores, com múltiplos recursos e uma formação que junta o erudito, o popular e toda a bagaceira do que se convencionou a chamar de brega no Brasil. Ainda não me curei ainda da paixão pelA Intrusa e o cara já me lasca esse Baratão 66. Acompanho com prazer e curiosidade a trajetória desse rapaz.

Amigo torcedor, amigo secador! Sua palestra na FeliS tem como tema “Literatura, jornalismo e futebol”. Nestes campos, quais são as suas principais referências, seus escritores, redatores e jogadores de cabeceira? Tem saído coisa muito boa na literatura contemplando o universo do futebol. O que mais me empolgou ultimamente foi o livro Páginas sem Glória, do Sérgio Sant´Anna. Genial o conto homônimo sobre um craque amador que experimenta o sucesso rápido no Fluminense e depois cai em desgraça de novo no subúrbio carioca. Ando às voltas com um personagem de futebol no romance que estou escrevendo. Não é obrigatoriamente um livro sobre futebol, mas o personagem principal é um angustiadíssimo goleiro na hora do gol, como na canção do Belchior.

Este ano o Sampaio Correia sobe? Tomara Deus. Merece pela performance que mantém desde o ano passado. Estou na torcida boliviana e bolivariana.

Chorografia do Maranhão: Zeca do Cavaco

[O Imparcial, 21 de julho de 2013]

“A vida é a arte do encontro”, já ensinava o centenário Vinicius de Moraes. 11ª. entrevista de Chorografia do Maranhão marcou o encontro casual de Cesar Teixeira com um dos seus maiores intérpretes, Zeca do Cavaco, entrevistado pelos chororrepórteres no quiosque-bar de Dona Lulu, em pleno burburinho da Feira da Praia Grande

 

TEXTO: CESAR TEIXEIRA, RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

“A resistência Tira-Teima se apresenta toda sexta-feira no Brisamar Hotel, na Ponta d’Areia. Começa às 19h30min e vai até 22h30min”, anuncia Zeca do Cavaco, indagado, a quem interessar possa, quando e onde vê-lo e ouvi-lo.

A 11ª. entrevista da Chorografia do Maranhão foi marcada por uma feliz coincidência: na Barraca do Corinthiano, na Feira da Praia Grande, combinaram os chororrepórteres de se encontrar. Ali encontraram, bebendo uma “temperada”, o jornalista e compositor Cesar Teixeira, que acabou somado ao time.

“Se fosse combinado não daria certo”, afirmou Zeca do Cavaco, cumprimentando o ídolo confesso, de quem é, depois do próprio, o maior intérprete, na opinião modesta da chororreportagem.

A ideia era procurar, naquela quinta-feira abafadiça, um ponto silencioso na Casa das Tulhas, ou ir entrevistar o cavaquinho centro do Regional Tira-Teima noutro ponto da Praia Grande.

Nem tão silenciosa assim, acabaram conversando no quiosque-bar de dona Lulu, feirante simpática que regou a ocasião com cervejas geladas, como era merecido.

José Cândido dos Santos Silva, o Zeca do Cavaco, nasceu em São Luís em 11 de março de 1960. Mais precisamente no Monte Castelo, bairro em que começou a formar-se o chorão que não se considera. É filho dos já falecidos Jaime de Oliveira e Silva, militar, e Carmina Maria dos Santos Silva, doméstica.

Ao longo da entrevista, Zeca do Cavaco ainda tocou Sapo já foi na Lua (Cesar Teixeira), Adeus, batucada (Sinval Silva) e Das cinzas à paixão (Cesar Teixeira). Ao final, Zeca e Cesar, com este ao cavaquinho, cantaram juntos Folhas secas (Nelson Cavaquinho).

Além de músico, você tem outra profissão? Sou engenheiro eletricista de formação, é com o que sustento a família, é minha profissão. A música é minha paixão.

Quando começou essa paixão? Eu fui aluno da antiga Escola Técnica, depois Cefet, hoje Ifma. Lá, em 1976, eu tinha um irmão, já falecido, ele ouvia muito choro, Nelson Gonçalves, Paulinho da Viola. Aquilo ali já acendeu em mim o gosto por aquele tipo de música, Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim… Foi ali que eu tive contato com o disco Vibrações, do Jacob, aquela maravilha de disco, e por aí vai. Ele tinha alguns amigos que já mexiam com música e a gente sempre estava perto. Mas, na verdade, comecei ouvindo. Depois é que comecei a conhecer as pessoas. Na [rua] Raimundo Correia, eu tinha um amigo, Zé Carlos, hoje pandeirista do Tira-Teima, ele fazia parte de um grupo em que ele tocava com [o violonista] Mascote. Eles tinham uma roda de samba na Vila Passos e o Mascote descia da Vila pro Monte Castelo, ali pra Raimundo Correia e iam tocar. E ali eu ia vê-los tocando e me admirava daquilo. Só ouvia e me arriscava uma coisa ou outra ao violão.

E quando foi que você começou a pegar em instrumento e a cantar? Ali já com 17 anos, em 77, eu comecei a pegar o violão e fazer ali os primeiros acordes, aquela coisa de principiante… A casa do sol nascente [The house of the rising sun, cuja versão em português teve intérpretes como os Agnaldos Rayol e Timóteo].

Você teve algum professor? Nenhum.

Sempre autodidata? Sempre autodidata. Mais tarde, com o conhecimento do choro, Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim, ouvindo muito, é que eu me apaixonei pelo cavaquinho. Aí eu comecei a dar as primeiras palhetadas, e não parei mais. Daí pra frente fui só conhecendo as pessoas e olhando. A primeira oportunidade que me deram de participar de um grupo, não de choro, de samba, em que se tocava Geraldo Pereira, Ataulfo Alves, Noel Rosa, foi Mascote. Finado Mascote. Quem conhece a Vila Passos conhece Mascote, tocava violão de seis cordas, vocalizava, era uma figura! E ali tinha um cavaquinhista conhecido nosso, o Raul, que por um motivo ou outro se afastou do grupo. Aí Mascote me chamou. Eu ali ainda com três acordes, quatro acordes, fui pra casa dele, e ele começou a me passar coisas, acompanhamentos. Ali foi o começo.

Em teu universo familiar, além do teu irmão, teus pais te incentivaram à música? Nenhum incentivo. Só comigo mesmo.

Mas também nenhum desincentivo… Não, não. Nenhum. Eu aprendi olhando, arriscando, ouvindo. Às vezes a gente começa a pegar as informações e, de repente, cria uma própria personalidade instrumental, vamos dizer assim. Ninguém toca igual a ninguém.

A que se deveu a escolha pelo cavaquinho? A escolha pelo cavaquinho se deveu, e se deve, não é?, ao meu contato com o chorinho, o conhecimento que eu tive. Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim, esses discos, e outros discos de cantores que se acompanhavam de regionais, como Nelson Gonçalves, Paulinho da Viola e outros.

Você já tinha conhecimento do Regional Tira-Teima? Não. Eu tive conhecimento do Tira-Teima através de um disco do Chico Maranhão chamado Lances de Agora. Aquele disco pra mim também foi um grande professor. Eu escutava muito e olhava naquele encarte Adelino Valente, Ubiratan Sousa [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 12 de maio de 2013], Paulo Trabulsi, Chico Maranhão, Vanilson, um flautista que foi embora daqui. Então ali eu lia Tira-Teima, mas só muito tempo depois é que eu fui ter contato com Paulo Trabulsi, a primeira pessoa do Tira-Teima com que eu travei amizade, conhecimento, por conta da música.

O Tira-Teima parece uma referência para o choro no Maranhão. Você concorda? O Tira-Teima é uma referência e mais importante: é uma bandeira. É uma baita de uma bandeira. Os grupos se formam, se reformam, várias formações, e o Tira-Teima está lá. Nós, enquanto Tira-Teima, eu vou falar por mim e pelos outros, a gente tem essa responsabilidade e sabe que tem. Daí o grupo não se desfaz, se renova, e está aí.

Nós já entrevistamos Ubiratan, que é de uma das primeiras formações do grupo, e já entrevistamos Solano [o violonista sete cordas Francisco Solano, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 26 de maio de 2013], da formação atual. Ambos falaram do processo de gravação do primeiro disco do Tira-Teima, até que enfim. Vocês vão deixar essa bandeira hasteada ou vão deixar a bandeira arriar? Não, a bandeira está hasteada. Já se tentou hastear várias vezes, já se chegou a meio mastro, aí bate o vento. O mastro tá fincado e a bandeira tá amarrada, é só uma questão de deflagrar o processo. Não tem mais volta: o Tira-Teima tem que fazer um registro!

Quem é o instrumentista que mais te influencia? Eu, particularmente, sou assim apaixonado por um sambista, que é o Paulinho da Viola, eu escutei muito, tem em mim muito da influência dele.

Ele é sambista e chorão. Sambista e chorão, uma grande figura da música brasileira.

Zeca, você já falou de sua porção instrumentista, primeiro o violão, depois o cavaquinho, que te deu sobrenome artístico. E o canto, quando foi que você começou a cantar? A história do intérprete já vem depois. Eu só vou completar um pouco mais para não cometer o pecado de não esquecer alguém ou alguma informação. Naqueles encontros da Vila Passos foi que eu conheci Solano, ele também começando no violão de sete cordas. A gente se identificou, ele gostava muito do Cartola e eu já cantava um monte de coisas do Cartola, eu tinha dois discos e cantava os dois de cabo a rabo, e por isso a gente travou uma amizade. Vamos voltar para a Raimundo Correia. Lá, no bairro do Monte Castelo, eu conheci ainda uma figura ímpar: seu Zé Hemetério. Eu conheci o Gordo Elinaldo, sete cordas, e por conta de Gordo eu conheci Zé Hemetério, que era professor dele. Pra lá desciam Biné Gomes, filho de seu Nuna Gomes, Bastico, e se criou ali uma forte célula de choro. Começaram a aparecer o bandolinista Carequinha, que tocava com o violonista Luiz Sampaio, depois apareceu Paulo Trabulsi. Ali foi um negócio forte de choro, e de samba. Mas nós estamos nos atendo mais ao choro.

Era o quê? Era uma quitanda? Era um bar, chamado Ângelo. O quê que era o Ângelo? Era um carioca, que tinha um restaurante de luxo lá no Calhau. Ele talvez tenha sido pioneiro nessa história de você entrar no restaurante, tem aquele moço de terno, tinha um piano-bar. Mas, por um motivo ou outro, ele faliu. O nome do restaurante era D’Angels, salvo engano. Ele saiu da elite e veio para a Raimundo Correia, alugou um negócio ali e botou um boteco fino, a que não estávamos acostumados. Ali se reuniam as pessoas. Mais tarde o professor Zé Luiz [saxofonista] começou a frequentar também, já trazia [o violonista] Luiz Jr., garoto, acompanhava [a cantora] Virna Lisi, irmã dele. Aos sábados se reunia aquela roda: Gordo, Biné, Solano, Chiquinho, um violonista sete cordas que já se foi… às vezes Agnaldo [Sete Cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 17 de março de 2013]. Então, virou aquela coisa.

A gente falou do primeiro disco do Tira-Teima e sabemos que algumas faixas serão cantadas. É por que no Tira-Teima a gente sempre trabalhou assim, a nossa cara é essa: a gente toca o choro, executa o choro e canta o choro, por que tem os choros cantados. A gente é isso. Eu vou cantar duas, Léo Capiba vai cantar duas, e o resto choros autorais, de Paulo, Solano, seu Serra [de Almeida, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 3 de março de 2013] da flauta.

O disco do Tira-Teima é importante, mas não vai suprir tua porção cantor. E teu disco? Eu quero gravar só inéditas. As pessoas regravam, tudo bem, é importante. Mas quero fazer com 10 músicas, gravando só inéditas. Já pedi música pra Cesar, estávamos até conversando sobre isso. Vai haver. Vamos fazer o registro.

Você já viveu de música? Já. Uma época da minha vida os dividendos da música eram muito bem vindos. Mas já passou e tá tudo certo.

De que grupos você já participou? Do regional de Mascote, um grupo que foi formado por mim, Biné Gomes, Gordo Elinaldo e Zé Carlos, que o Biné colocou, naquela impetuosidade dele, “Conversa de Gente Grande”. Ele botou esse nome, a responsabilidade é dele [risos]. Depois a gente formou outro grupo, eu, Gordo Elinaldo, Zé Hemetério, que ora tocava o bandolim, ora tocava o violino, e pela percussão ora passava o Marciano, ora Zé Carlos. Não nomeamos esse grupo, mas tocamos muito.

Existem sambistas que te influenciaram a cultura musical daqui do Maranhão? Cristóvão Colombo da Silva, Antonio Vieira, eu estou do lado de outro, Cesar Teixeira, Josias Sobrinho, Chico Saldanha. Essa turma já deu muito de si pra gente, e ainda tem muito que dar. Tá todo mundo trabalhando a música.

Este parece ser um momento interessante para o resgate de alguns nomes esquecidos de nossa música, além de Cristóvão, como Luís de França, Veríssimo, Sapinho, entre outros, por meio do seu trabalho. O que você acha? Eu lamento não conhecer, até por que eu não sei nem se existe esse material ou se está só na memória de algumas pessoas. Eu realmente não sei onde beber dessa fonte, eu não sei onde está essa fonte. Mas se soubesse seria uma coisa sensacional.

Vamos trabalhar em cima disso? Vamos! Conheço todos de nome, mas não sei onde buscar.

E para disco, shows e o repertório cotidiano, tocar em casa, nas casas dos amigos, qual é a fonte em que você bebe? Como eu ouço muito, já há muito tempo, eu geralmente bebo lá atrás. Ano passado, na época do mês de aniversário de Noel Rosa, eu fiz um projeto chamado Dezembro de Noel, e eu gosto muito de Noel, então, eu achava que sabia alguma coisa de Noel Rosa. Quando eu fui pesquisar, é muito… É uma coisa assim, entendeu? Conseguimos mostrar. Quem sabe nesse dezembro agora a gente não repita? O show está ensaiado, todo bonitinho, todo escrito. A fonte que eu bebo é essa, são os grandes sambistas, os artistas de música popular brasileira. Eu não ouço só samba, eu ouço tudo, choro, todos os ingredientes.

Há gente da nova geração que te chame a atenção? Tem. Não sei se a gente pode chamar de nova geração. Por exemplo, eu não falo mais em nível local, não se fala mais em MPM, a gente até aboliu isso, né? Cesar Teixeira, Josias Sobrinho… A gente tem certo, eu não diria nível de exigência, mas um gosto, que a gente acha que é bom gosto. Mas a gente é um pouco seletivo. Está se fazendo muita coisa por aí, adoidado, com aquela sede de chegar ao sucesso. Há quem me chame a atenção como intérprete, como compositor, não. Ou estou ouvindo pouco o novo.

E quem te chama a atenção como intérprete? De samba, de cantor de samba… de cantora, por que o Brasil é um país de cantoras. Se você vir, estão surgindo várias cantoras. Roberta Sá é um bom gosto, Mariene de Castro, Mariana Aydar.

De que discos você participou? Eu participei de um disco, lá atrás, do Serrinha & Cia. [Na palma da mão], eu gravei a música de Cesar, Das cinzas à paixão. Eu acho que a música se tornou conhecida ali, eu fui muito feliz, as pessoas gostaram, começaram a cantar. Eu participei de um disco, Antoniologia Vieira [vários intérpretes cantando músicas de Antonio Vieira], produzido pelo Adelino Valente, cantando uma música chamada Vou pro mar. Isaac [Barros] me chamou pra cantar um samba num disco dele, o Samba pra Rosana.

Existe uma aura positiva, um espaço para o samba do Maranhão? Existe um coração mais coletivo ou as pessoas continuam trabalhando o samba individualmente? Eu acho que hoje a gente está carente desse espaço, o Tira-Teima que o diga. Antigamente a gente saía, procurava um bar, sentava ali, e tocava o samba. Tá aqui, o exemplo está acontecendo aqui [aponta na direção de onde vem a música brega que, tocada em alto volume, ocupa as barracas próximas]. Então hoje, a gente se sente bem na casa da gente, na casa de um amigo, onde a gente sabe que as pessoas vão acolher a nossa música, o nosso jeito de tocar, o nosso repertório. Fora isso…

Pra você, o que é o choro e qual a importância desse gênero para a música brasileira? Eu costumo dizer que o choro nunca foi sucesso. A origem do choro, se a gente for buscar uma origem histórica que vocês conhecem, começa com a invasão portuguesa. Historicamente é isso, todo mundo conhece. Nunca foi sucesso, nem no tempo em que se vendiam partituras na feira, Antonio Calado, Chiquinha Gonzaga… Olha de onde viemos e onde chegamos! Nunca foi sucesso, por que naquela época era discriminado e rechaçado, nunca vai ser sucesso, mas sempre vai ser eterno. Pode até ser chamado de gênero marginalizado, no sentido de que está sempre ali à margem, passa ali aquele monte de coisas que vão, criam mais um ritmo, mais um sucesso, e vão embora. E o choro tá ali. Quero lembrar uma época, faço um filme, uma novela, uma série de época, aí vão buscar os chorinhos, tudinho.

Nunca vai ser sucesso e sempre foi à margem. Então qual a tua pretensão ao fazer choro? Nenhuma. Só perpetuar a música, só continuar trabalhando essa coisa, para ela continuar ali. É eterno, vai embora. E o que tá aqui pelo meio, o turbilhão de sucessos, vão e vêm, vão e vêm, e acabou.

Como é que você percebe o choro hoje no Brasil? Mudou um pouco. Evoluiu. O choro tinha aquela formação tradicional, cinco, seis músicos, às vezes dois violões. Começaram a se formar os músicos virtuoses e o choro foi evoluindo com isso. Antigamente a gente tocava Doce de coco [de Jacob do Bandolim] com um regional de seis pessoas. Hoje os músicos, graças a Deus, evoluíram tanto, que hoje se juntam dois e tocam tudo. Evoluiu nesse sentido.

Você se considera um chorão? Não, eu sou uma pessoa que gosto de choro.

Você é um cavaquinhista centro. Qual é o cavaquinhista que mais te influenciou? A gente toca, a gente é uma mistura, uma reunião de um monte de coisas. Tive a influência de Paulinho da Viola, Jonas [do Conjunto Época de Ouro]. Escutei muito aqueles discos de Jacob do Bandolim, Época de Ouro, muitos sambas de Paulinho da Viola. Hoje eu gosto muito do centro de Luciana Rabello, muito bonito, também. Essas pessoas todas me influenciaram.

Algum jovem da nova geração do choro que te chama a atenção? Vários. Hamilton de Holanda, Danilo Brito. Violonista a gente tem vários, o próprio Yamandu Costa, Alessandro Penezi, que a gente teve a oportunidade, enquanto Tira-Teima, de abrir o show que ele fez no Barulhinho Bom, Marcelo Gonçalves, e por aí vai. Mas a gente tem aqui também nossa resistência, nossos virtuoses, Solano Sete Cordas, Gordo Elinaldo, Paulo Trabulsi, [João] Neto da flauta, João Eudes, Luiz Jr., Robertinho [Chinês, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013], Wendell, Tiaguinho.

Existe choro maranhense? Um repertório de choro maranhense? Ou é tudo muito ocasional? Acho que a gente ainda não pode dizer isso, ainda não podemos dizer isso, mas vai ter. Tem choros de ocasião, alguém faz ali, outro faz aqui, mas acho que daqui pra frente a gente vai ter. Já se começou a trabalhar nesse sentido. O Zezé Alves [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013] produziu um livro de partituras, com um disco. É uma iniciativa brilhante e considero aquilo um começo, outras virão. Começou o caminho. Daí a ideia do Tira-Teima de fazer um disco todo autoral.

Quando você chegou, cumprimentou Cesar Teixeira como um ídolo, que também é nosso. Em que ocasião você o conheceu? Na verdade eu comecei a conhecer Cesar através de suas músicas, conheci sua arte. Muito depois a gente começou a travar, a conviver etilicamente, se encontrar, conversar, tocar. Uma vez eu fiz no antigo projeto Clube do Choro Recebe um show cujo repertório era de Cesar e Noel, uma de cada. Cesar é importante, tudo o que ele faz é maravilhoso.

“Fui em direção ao jornalismo movido pelo interesse pela linguagem poética”

[Íntegra da entrevista publicada hoje no Alternativo, O Estado do Maranhão]

Jornalista, poeta e letrista de música, Ademir Assunção fará três participações na 7ª. Feira do Livro de São Luís. Com nove livros publicados, um cd lançado e outro a sair ainda este ano, ele concedeu entrevista exclusiva a O Estado do Maranhão

ZEMA RIBEIRO
ESPECIAL PARA O ALTERNATIVO

Jornalista, poeta e letrista de música, Ademir Assunção tem nove livros publicados: LSD Nô (poesia, 1994), A Máquina Peluda (prosa, 1997), Cinemitologias (prosa poética, 1998), Zona Branca (poesia, 2001), Adorável Criatura Frankenstein (prosa, 2003), A Musa Chapada (com Antonio Vicente Pietroforte e Carlos Carah, poesia, 2008), Buenas Noches, Paraguaylândia (poesia, Assunção, Paraguai, 2009), A Voz do Ventríloquo (poesia, 2009) e Faróis no Caos (coletânea de entrevistas, 2009). Em 2005 lançou o cd Rebelião na Zona Fantasma, com participações dos parceiros Edvaldo Santana e Zeca Baleiro. Tem inéditos um cd – que lança ainda este ano – e quatro livros – três de poesia e uma coletânea de reportagens publicadas em diversos veículos. Alô, editores do meu Brasil!

Já ganhou alguns prêmios com sua produção, mas não é o tipo de cara que espera por bons ventos ou tempos de vacas gordas: o lance dele é o mar bravio, em que se mete a largas braçadas e pernadas, cara e coragem. Para lançar seu primeiro disco, por exemplo, à época, vendeu um carro. Para selecionar as 29 entrevistas de Faróis no Caos, passou dois meses isolado em uma praia.

Formado na Universidade Estadual de Londrina, o autor, convidado da 7ª. Feira do Livro de São Luís, passou pelas redações da Folha de Londrina, O Estado de São Paulo, Jornal da Tarde, Folha de S. Paulo, Marie Claire, Veja São Paulo, além de frilar por outras: Revista dos Bancários (SP), O Tempo (Belo Horizonte), Gazeta do Povo (Curitiba), A Notícia (Joinville), Cult, IstoÉ, Revista Educação e Caros Amigos. Quando o jornalismo, sobretudo o cultural, começou a ficar careta ele caiu fora – um de nossos mais interessantes jornalistas está exilado das redações.

Ademir Assunção fará três participações na 7ª. FeliS: dia 28 de setembro (sábado), às 18h, no Auditório da Associação Comercial do Maranhão (Praça Benedito Leite), com mediação deste jornalista, ele profere a palestra “A farsa da big mídia e as revistas fora do centro: uma outra história”. Domingo (29), às 19h30min, apresenta-se no recital Poesia no Beco, no Beco Catarina Mina (Praia Grande), acompanhado do guitarrista Marcelo Watanabe. Dia 30 (segunda-feira), às 16h30min, divide um Café Literário com o também jornalista e poeta Eduardo Júlio. “Poesia rima com rebeldia: Leminski, Torquato e cia. Ilimitada” é o tema da conversa, que acontece na Galeria Valdelino Cécio (Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, Praia Grande).

Em entrevista por e-mail a O Estado, Ademir Assunção falou de poesia, jornalismo, música, revistas literárias, sua trajetória, redes sociais e da expectativa por sua primeira visita à São Luís do Maranhão.

ENTREVISTA: ADEMIR ASSUNÇÃO

O Estado do Maranhão – Ano passado você lançou o livro de poemas A voz do ventríloquo e a coletânea de entrevistas Faróis no caos. Sua trajetória parece desde sempre marcada por essa, digamos, vida dupla: a poesia e o jornalismo. Em que sentido um e outro se ajudam e completam e/ou atrapalham?
Ademir Assunção – Fui em direção ao jornalismo movido pelo interesse pela linguagem poética. Peguei um período em que era possível praticar um jornalismo bem mais instigante do que o atual. Era possível desenvolver um estilo, ou vários estilos de escrita, e discutir questões relevantes com mais profundidade. Sempre fui fascinado pela página grande de um jornal, com todas as suas possibilidades criativas, desde a linguagem gráfica, fotográfica, até a própria escrita. O jornalismo me ajudou a criar uma disciplina e a procurar uma poesia mais impura, mais misturada ao cotidiano. E o estudo da tradição poética me ajudou a praticar um jornalismo mais criativo, enquanto foi possível. Embora sejam linguagens e meios bem diferentes, procurei contaminar um ao outro, levando uma consciência poética ao jornalismo e trazendo um pouco das impurezas da linguagem jornalística para a poesia.

Poesia “é saber usar a língua para extrair gemidos, uivos e palavras obscenas das mulheres mais vagabundas”. Esta é a resposta que você deu ao também poeta Edson Cruz, em O que é poesia? [2009], livro que ele organizou. O que mais é poesia? E levando em conta essa definição, você arriscaria um chute? Há muitos ou poucos poetas por aí? Bons ou ruins? Não gosto da poesia como algo puro, uma espécie de virgem imaculada no alto de um pedestal. Prefiro a poesia que vai para o meio da rua, que lambe as feridas dos trombadinhas, que se deixa violentar por tudo o que é humano, que se arrisca aos altos voos mas que tem consciência de que o asfalto é duro é áspero. Como diria Nietzsche: “de tudo o que se escreve, aprecio somente o que é escrito com o próprio sangue.” Sim, há muitos poetas que escrevem com essa fúria e essa urgência. São esses os que mais me interessam.

A mediocrização do jornalismo cultural brasileiro te obrigou a um exílio voluntário. Entrevistas como as reunidas em Faróis no caos estão cada vez mais raras na chamada grande mídia. Neste aspecto, uma volta ao passado parece mesmo impossível? Nada é impossível e o tempo não é linear como pensamos. É possível que a qualquer momento surja uma nova tribo de jornalistas que encare o exercício da escrita e da informação de maneira apaixonada e ousada, e não apenas como uma profissão, onde “quem pode manda e quem tem juízo obedece”. Para mim, isso é uma total falta de juízo. É preciso também que as condições se apresentem para que essas mudanças aconteçam. Quanto ao meu exílio, não foi tão voluntário assim. Passei períodos difíceis, sem grana, sem conseguir trabalho em jornal ou revista algum. Mas nunca estive disposto a vender o que tenho de mais precioso: a minha inquietação.

Muito do conteúdo dos poemas de A voz do ventríloquo é uma crítica a essa sociedade do espetáculo e do consumo desenfreado, que vai mais a um show ou a um restaurante para postar a foto do artista no palco e da comida no prato que para apreciar um ou outro. A experiência parece só existir se compartilhada. Escrever é um exercício solitário, que vai na contramão disso tudo. Como você dosa o exercício de escritor com a exposição na medida que o mesmo deve ter, divulgando a obra, conquistando leitores? Sinceramente, nunca me preocupei em conquistar mais leitores. Sigo fazendo o que tenho que fazer. A escrita, para mim, é vital. Tenho tanto prazer em passar madrugadas escrevendo solitariamente quanto em subir em um palco e apresentar meus poemas com minha banda. É claro que tenho intenção de influenciar mais pessoas, de interferir no resultado do jogo, mas que isso aconteça sem concessões descabidas. A poesia é capaz de abrir o olho de muita gente. Não a encaro como um entretenimento. Não tenho nenhuma dúvida de que minha percepção seria mais pobre se não tivesse lido Uivo, de Allen Ginsberg, ou a tradução da Ilíada por Haroldo de Campos, para citar dois exemplos.

Além dos livros de poesia e prosa e da atividade jornalística, outra atividade sua é a música. Para você, há diferença na hora de compor uma letra de música ou escrever um poema? Apenas diferenças técnicas. No meu caso, a maior parte das minhas parcerias musicais nasceu de poemas já escritos. Poucas vezes escrevi poemas para harmonias ou melodias já prontas. Acho um equívoco pensar que a “grande poesia” só pode existir no livro. Itamar Assumpção, por exemplo, é um poeta de altíssima voltagem. Só que em vez de publicar livros, gravou discos. São meios diferentes, com possibilidades diferentes. Gosto muito do poema cantado de Gilberto Gil [Metáfora, do disco Um banda um]: “Na lata do poeta tudo nada cabe / Pois ao poeta cabe fazer / Com que na lata venha caber / O incabível.”

Depois de Rebelião na Zona Fantasma você está preparando um novo disco, fundindo poesia com rock e blues, numa experiência para muito além de recitar poemas com fundo musical. A banda que te acompanha se chama Fracasso da Raça, um belo nome que já traduz uma opinião, uma visão de mundo. Deste novo disco – como se chamará? – já tive a oportunidade de ver o clipe de Bang bang no sábado à noite e ouvir Lena [enviada por e-mail em primeira mão]. Em ambas estão referências fundamentais para tua literatura, como Bob Dylan, John Lee Hooker, Sérgio Leone. O que mais esperar? E qual a previsão de lançamento? Este novo disco, que se chama Viralatas de Córdoba e será lançado em novembro, está mais radical do que Rebelião na Zona Fantasma. Das 14 faixas, há apenas uma cantada, um blues interpretado pela cantora Fabiana Cozza. É um poema que Edvaldo Santana musicou, sem nenhuma alteração. Todos os outros são entoados, com ritmos, com modulações, com intenções de voz diferentes. Porém, meticulosamente encaixados em harmonias e compassos musicais. Como você frisou, não se trata de poemas falados com um “fundo musical” aleatório, improvisado. O processo de composição com os músicos Marcelo Watanabe [guitarrista que o acompanhará em Poesia no Beco, durante a 7ª. FeliS], Caio Góes e Caio Dohogne foi muito curioso. Os próprios compositores jamais haviam trabalhado desta maneira. Gravei também O Deus, parceria com Edvaldo Santana e Paulo Leminski e Nossa Vida Não Vale um Chevrolet, do Mário Bortolotto. Ambas são canções, originalmente cantadas, mas fiz uma versão falada (ou “entoada”, como prefiro). Em Chevrolet acrescentei o poema Eu Caminhava Assim tão Distraído, do poeta e dramaturgo Maurício Arruda Mendonça.

As revistas literárias e culturais são tema de uma das mesas de que você participa na 7ª. Feira do Livro de São Luís. Recentemente a editora Abril fechou a Bravo!, que apesar de já não ser como quando iniciou, ainda tinha alguma importância. É um sinal dos tempos? Ou sempre foi assim: a tesoura que corta o orçamento pega primeiro na cultura? Essa é a realidade do mercado editorial. Se uma publicação comercial não dá lucro financeiro, acaba sendo extinta. Não era um leitor assíduo da Bravo!, mas lamento seu fim. Particularmente, preferia que a Veja fosse extinta e a Bravo! continuasse.

Você é um dos editores da revista Coyote, que já conta 10 anos, 24 edições, um pequeno apoio da Prefeitura de Londrina e muita paixão e teimosia dos editores – a teimosia uma espécie de sal da poesia, tempero que não pode faltar. A meu ver é a mais importante revista de literatura do Brasil, hoje. Como surgiu a ideia e o que os leva a resistir? Rodrigo Garcia Lopes [também convidado da #7felis], Marcos Losnak e eu fizemos outras revistas antes, juntos, ou separados. A Coyote nasceu de uma necessidade nossa de mostrar autores, tanto do passado quanto do presente, que considerávamos importantes e que não víamos em outras publicações. E há uma particularidade da Coyote que as pessoas notam de cara: a linguagem gráfica. Para mim, Losnak é um gênio do design gráfico. Não entendemos a revista apenas como “suporte” para textos. A própria linguagem gráfica assume um papel de altíssima significância.

Que outras revistas literárias te fizeram e/ou fazem a cabeça? Várias, da Navilouca à Azougue. Muitas revistas surgiram nas últimas décadas, a maioria desapareceu, mas deixou contribuições importantes. Para citar algumas: Bric-a-Brac (Brasília), Orobóro e Medusa (Curitiba), Imã (Vitória), Ontem Choveu no Futuro (Campo Grande), Carioca e Inimigo Rumor (Rio de Janeiro), Pulsar (Teresina, se não me engano), Pajeurbe (Fortaleza) e Revista de Autofagia (Belo Horizonte). Há várias outras que me escapam à lembrança no momento.

Você conhece a Pitomba, editada aqui por Bruno Azevêdo, Celso Borges e Reuben da Cunha Rocha? Qual a Coyote, também tem periodicidade de-vez-em-quandal e é feita com pouquíssimo apoio, no fim das contas sai do bolso do trio mesmo. O que acha da publicação? Gosto do tom de provocação e irreverência da Pitomba. Cada poeta ou grupo de poetas traz suas referências críticas e criativas. É importante que elas apareçam, que causem atritos. Os atritos provocam movimento, abrem novos horizontes perceptivos.

Outro tema que você debaterá é relação entre poesia e rebeldia, passando por obras de Paulo Leminski e Torquato Neto, entre outros, poetas que também influenciaram teu trabalho, você um rebelde. Quem são os rebeldes de hoje, que nomes valem a pena e mereceriam uma indicação tua, a um amigo, dentro de uma livraria? É preciso situar o termo “rebeldia”, para que não se torne algo caricato. Atitudes rebeldes surgem da necessidade de se firmar outras maneiras de viver e de fazer as coisas. Elas são vitais para ampliar a percepção, as experiências, para não cair na vala da acomodação, do mais-do-mesmo. Espíritos rebeldes sempre existiram, no passado, no presente e existirão no futuro. A lista dos poetas vivos que mais me instigam não é pequena. Para citar apenas cinco deles, eis alguns que procuro acompanhar com grande interesse: Douglas Diegues, Rodrigo Garcia Lopes, Fabrício Marques, Celso Borges e Micheliny Verunschk. Mas há um punhado de outros, que podem se sentir incluídos.

Você participa ainda do Poesia no Beco, em um espetáculo de voz e guitarra, espécie de miniatura do que será o disco. Quais as expectativas para esta apresentação e em geral, nesta sua primeira visita à Ilha natal de Ferreira Gullar? O que vou apresentar em São Luis do Maranhão, com o guitarrista Marcelo Watanabe, é uma versão, digamos, mais descarnada das composições que estão nos dois discos, o Rebelião e o Viralatas. Não tem os arranjos, com bateria, baixo, backing vocais, percussão, que estão presentes nos discos. As composições serão apresentadas mais próximas da raiz, de como elas nasceram. Tomara que as pessoas se sintam estimuladas com o que vão ouvir. Quero aproveitar essa minha primeira viagem ao Maranhão para mostrar o que estamos fazendo e também conhecer o que os criadores daí estão aprontando.

A música de Paulo Leminski

[O Estado do Maranhão, 1º. de setembro de 2013]

Digitalização de acervo e livro de partituras mostrarão outra porção de um múltiplo Leminski, cuja poesia foi recentemente reunida em livro

ZEMA RIBEIRO
ESPECIAL PARA O ALTERNATIVO

A coleção de poemas que Paulo Leminski publicou em livros, inclusive póstumos, reunida em Toda Poesia [Companhia das Letras, 2013, 421 p.], bateu recordes: alcançou os 50 mil exemplares vendidos, soma nada desprezível para o mercado livreiro, e particularmente de poesia, no Brasil.

Leminski foi vários: poeta, publicitário, jornalista, tradutor, professor, judoca, romancista, contista. E músico. Revoltava-lhe, aliás, ser reconhecido apenas como letrista. Tinha razão: embora compusesse em parceria, e muito de sua obra musical ter surgido pelas mãos de parceiros que musicaram versos publicados em livros, o samurai malandro compunha letra e música.

Casos de Verdura, gravada por Caetano Veloso em Outras palavras [1980], e Luzes, gravada por Suzana Salles e Arnaldo Antunes, ela uma das Orquídeas do Brasil, banda de mulheres que acompanhou Itamar Assumpção – parceiro de Leminski – no triplo Bicho de Sete Cabeças [1993].

Não à toa, antes dos apêndices – orelhas, prefácios e tais – de Toda Poesia, lemos Notas sobre Leminski cancionista [p. 385], breve artigo assinado por José Miguel Wisnik – que já musicou tradução de Leminski. Entre as histórias que conta, aliás, está a de como Luzes chegou, através de recados ao telefone, aos ouvidos e mãos de Suzana e Arnaldo, num episódio que envolve, além dele, Alice Ruiz e Zé Celso Martinez Correa.

Wisnik diz que se o projeto de um Leminski músico não se concretizou plenamente, encontra na obra do ex-Titã sua mais perfeita tradução: a combinação entre o poema grafado na página do livro e a canção gravada no disco. Canção pop.

Através de sua obra, Leminski permanece vivíssimo hoje. É inegável que a gravação de Verdura por Caetano tenha colaborado para sua popularidade na década de 1980, quando Caprichos e relaxos [1983] esgotou edições na saudosa Brasiliense, que teve como editor Luiz Schwarz, que devolve Leminski às estantes em Toda Poesia, e que lançou no Brasil autores fundamentais como Jack Kerouac e John Fante – este, aliás, traduzido por Leminski.

Leminski músico – No campo musical Leminski tem obra curta, mas nada desprezível. Só as duas aqui citadas já lhe garantiriam lugar no panteão de nossos grandes compositores, merecendo mais espaço no dial. Entre outras de sua lavra poderíamos citar rapidamente Custa nada sonhar, Dor elegante, Filho de Santa Maria, Vamos nessa (as quatro com Itamar Assumpção), Mudança de estação, sucesso dA Cor do Som, Promessas demais (com Moraes Moreira e Zeca Barreto), gravada por Ney Matogrosso, Polonaise (com José Miguel Wisnik, gravada pelo próprio), Além alma (com Arnaldo Antunes), O velho León e Natália em Coyoacán (com Vitor Ramil), Reza (com Zeca Baleiro) e O Deus (com Ademir Assunção e Edvaldo Santana).

Leminski com Caetano Veloso e Alice Ruiz, em Curitiba (1976)

Leminski colecionou histórias engraçadas envolvendo sua produção musical. Uma delas a citada revolta confessada quando queriam rotulá-lo simplesmente letrista. “Eu sou músico!”, bradava, revoltado. E sonhava com o dia em que todas as pessoas fossem músicos, tocassem algum instrumento.

Com a grana dos direitos autorais da gravação de Verdura, por Caetano Veloso, comprou um fusca verde, justamente batizado de… Verdura. Detalhe: Leminski não dirigia. Foi Leminski quem deu ao xará Paulo Diniz o título de uma de suas mais famosas músicas: Ponha um arco-íris na sua moringa. Era uma frase do Catatau, que estava escrevendo quando os dois moravam no Solar da Fossa. Diniz usou-a para intitular a música e o poeta, em homenagem ao amigo, retirou-a do livro.

Também é famosa a correção que o poliglota Leminski aplicou ao mesmo Paulo Diniz na construção da letra de Quero voltar pra Bahia, cujo refrão é em inglês: “I don’t want to stay here/ I wanna to go back to Bahia”. Mexer na letra e retirar o verbo duplicado, como queria Leminski, iria acabar com a métrica e a homenagem do baiano ao conterrâneo exilado acabou saindo com o erro com que a conhecemos.

A obra musical de Paulo Leminski será sua próxima porção a chegar ao público. Aprovado pelo Programa Petrobras Cultural, o projeto A obra musical de Paulo Leminski – um patrimônio cultural do Paraná e do Brasil prevê a digitalização das fitas cassetes deixadas por Leminski (contendo dezenas de canções inéditas) e a posterior organização de um livro de partituras com sua obra musical completa.

Sobre este e outros assuntos, em entrevista por e-mail, uma das responsáveis pela empreitada, a musicista Estrela Ruiz Leminski, filha de Alice Ruiz e Paulo Leminski, deu detalhes sobre a produção.

Poeta, musicista, professora: Estrela Leminski seguiu os passos do pai

“NÓS JÁ SABÍAMOS DA FORÇA DA POESIA DELE”
ENTREVISTA: ESTRELA RUIZ LEMINSKI

A compositora, escritora e professora Estrela Leminski, filha do poeta, é responsável pelo resgate da obra do pai. Na entrevista, ela comenta essa fase da redescoberta do público em relação a grandiosa obra do pai.

O Estado do Maranhão – A Companhia das Letras publicou recentemente Toda Poesia, que reúne a obra poética publicada em livro por Paulo Leminski. A editora anunciou para breve a reedição de Vida, livro que reúne as quatro biografias que o poeta escreveu, de Bashô, Cruz e Souza, Jesus Cristo e Trotsky. Agora, a digitalização de fitas com músicas de Leminski e a produção de um livro de partituras com sua vasta obra musical foi recentemente selecionada num edital da Petrobras. Qual a importância de fazer Leminski, sempre vivo entre nós, voltar a circular?
Estrela Ruiz Leminski – Acho que a resposta se justifica na tua pergunta. Tudo também se deve ao fato da gente ter se mobilizado para segurar as rédeas da obra dele. Resolvemos ir atrás de tudo que faltava fazer para a obra dele, tão múltipla, vir à tona! Nessa tua lista ainda falta pontuar a exposição Múltiplo Leminski, realizada em Curitiba, no MON [o Museu Oscar Niemeyer], que vai circular o país.

Quando o projeto foi apresentado já se tinha dimensão do tamanho da obra musical de Leminski? Ou as coisas foram sendo descobertas ao longo da jornada? O aspecto musical dele é uma empreitada minha. Eu cresci ouvindo essas músicas, ele cantava muito em casa, e depois sempre curti o que foi gravado. O público vai se surpreender com a variedade e com o lado cancionista da obra dele.

Lembro-me de uma entrevista [ao jornalista Aramis Millarch] em que Leminski mostrava-se indignado quando as pessoas o chamavam letrista, já que ele compunha letra e música. Na mesma entrevista, ele afirmava sonhar com o dia em que todas as pessoas fossem músicos, isto é, que tocassem algum instrumento ou cantassem. Você, que acabou seguindo os passos de seu pai, na música e na poesia, acredita que esse dia vai chegar? Sonha com isso? Além de ser compositora e escritora sou professora de música. É isso que eu busco. É uma inquietação minha. As pessoas têm que ter pelo menos o direito de compreender os contextos culturais musicais, ter ferramentas críticas ao que escutam. Isso não acontece e se agravou muito com a falta do ensino da música nas escolas.

O que achou da poesia de Leminski desbancar os tons cinzentos de uma literatura pobre em uma rede de livrarias? O boom do livro não foi surpresa, foi alívio. Nós já sabíamos da força da poesia dele, da atualidade. Para a gente é a sensação de que ele está começando a ocupar um espaço merecido há tempos.

O retorno de Leminski às livrarias dá um gás no culto ao poeta, mas ele sempre teve um grande número de leitores, admiradores, fãs, seguidores. Enfim, de gente que consome e faz circular sua obra. O poeta e jornalista Ademir Assunção, que já organizou uma exposição sobre a vida e a obra de Leminski, teve dificuldades, por exemplo, para publicar uma entrevista de Raul Seixas em Faróis no Caos [Edições Sesc-SP, 2012, 407 p.], coletânea de entrevistas que ele fez ao longo de quase 30 anos de atividade jornalística. A entrevista de Leminski está lá. Como você, enquanto herdeira, lida com a obra de seu pai? Tem um aspecto de ser herdeira que é o fato de ser artista. E ainda por cima artista auto-produtora. Por um lado batalho mesmo que cada vez mais gente tenha contato com a obra dele como um todo, mas por outro não faço isso na ingenuidade. Conheço o caminho da roça e como negociar as coisas. A burocracia que isso envolve é chata, mas é necessária. Não vou julgar as famílias que por algum motivo causem entraves. De qualquer forma, sei que essa dinâmica, sendo parceira na empreitada com minha mãe e irmã [Aurea Leminski], dividindo as tarefas, tem dado cada vez mais certo.

Chorografia do Maranhão: Rui Mário

[O Imparcial, 7 de julho de 2013]

Rui Mário é uma espécie de camisa 10 de nossa música: aos 30 anos é o sanfoneiro preferido de 11 entre 10 artistas maranhenses. Não por acaso é o 10º. entrevistado da Chorografia do Maranhão.

 

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Rui Mário é uma espécie de camisa 10 de nossa música. O talento de sobra lhe garante vaga em qualquer seleção destas plagas. Sua musicalidade está nos genes: é filho de Raimundo dos Reis Lima, ou simplesmente Seu Raimundinho, e neto de José Reis Lima, ambos sanfoneiros.

Não por acaso o 10º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão, Rui Mário nasceu em Santa Luzia do Tide, em 13 de fevereiro de 1983, e veio para a capital em 1989, por conta das viagens a trabalho do pai, que se dividia entre a música e o trabalho com carnes e linguiças. Aos sete anos começou a tirar sons de uma sanfona e aos 11 a tomar aulas com Eliézio, até hoje uma referência.

Preferido por 11 em cada 10 artistas de nossa música, o filho de dona Maria Mendes Lima, tem quatro irmãos, todos criados ao som de muito choro e forró. “Eu acordava com o som da sanfona de meu pai”, lembra. Aos sábados e domingos, às tardes, Seu Raimundinho organizava um sarau famoso em sua casa, no São Bernardo, no quintal de um pequeno comércio. Certamente o ambiente da infância e adolescência ajudou a moldar a versatilidade de Rui Mário, admirador confesso do pai, um grande exemplo.

Na diminuta temporada junina recente da capital maranhense o músico fez 27 apresentações, entre shows com um trio de forró no Barracão do Forró, Casa do Idoso e Ipam, e como sanfoneiro das bandas de sete artistas: Carlinhos Veloz, Chico Saldanha, Fátima Passarinho, Gerude, Josias Sobrinho, Papete e Ronald Pinheiro.

O pai da pequena Maria Eduarda, 3, conversou com os chororrepórteres no Bar do Léo – que desligou o som para colaborar com a transcrição da entrevista e, aqui e acolá, ouvir a sanfona de Rui ilustrando um pedaço da conversa. Chovia forte em São Luís, o que levou o ensaio para onde o músico seguiria dali, com o cantor e compositor Erasmo Dibell, a ser cancelado. Um caso raro de dedicação ao trabalho, no seu caso, sinônimo de música.

Tua casa sempre foi um ambiente musical? Sempre teve um trio de forró? Com certeza! Eu acordava com o som da sanfona do meu pai tocando e contando histórias do meu avô, que também tocava, que era um bom sanfoneiro, naquela época tocava sanfona de botão. Ele era praticamente o braço direito de meu avô. Onde meu avô tava, ele tava junto, tocando. Então, ele contava muito essa história pra gente, sempre tocando junto, e botava o vinil pra tocar chorinho, Luiz Gonzaga, Dominguinhos, sempre foi isso. A gente o acompanhava, tocando. Eu comecei tocando triângulo. Então era mais ou menos isso, a gente sempre esteve junto ali. Sempre teve um trio. Inclusive tá se formando um agora, que tem dois sobrinhos, que um é sanfoneiro, outro toca zabumba, e já nasceu outro: com certeza vão formar um trio de [forró] pé de serra.

Sempre teve o encorajamento a seguir carreira de músico ou em algum momento teu pai desencorajou por certo preconceito que ainda possa haver contra músicos? Não. Lá em casa, nunca, ninguém… Minha mãe, sim, sempre, “Ó, estudo na frente da música”. Ela incentivava muito a gente, “vai estudar, vai estudar sanfona, vai estudar o teu instrumento”. A gente brincava demais, principalmente eu, então ela sempre pedia, meu pai também, pra que eu estudasse meu instrumento. Na verdade nunca teve ninguém que dissesse “eu acho que esse não é o rumo certo”, sempre foi encorajando mesmo.

Desde pequeno você tinha vontade de aprender sanfona ou durante algum tempo achava que era um instrumento démodé? Como é que foi tua escolha pela sanfona? Foi intuitivo, uma coisa que eu nunca imaginei, nunca pensei que fosse ser. Tocava triângulo, gostava de tocar, acompanhar meu pai, ouvir as músicas, mas nunca pensei nem em pegar no acordeom. Mas um dia eu peguei, e ao mesmo tempo em que peguei derrubei, então já se tornou aquela coisa traumática, “não pegue mais”. Aí eu participei de um grupo pé de serra com um tio meu que tocava sanfona também, Nunes do Acordeom. Lá tinha muita sanfona pequena e tinha um primo que tocava sanfona também, Ronaldo, eu olhava ele tocando e achava bonito, então partiu dali aquela vontade de também querer. Depois de eu ter derrubado a sanfona de meu pai, eu disse “rapaz, essa daqui eu não pego mais”, ele já tinha brigado, não ficou zangado, “olha, tem cuidado!”. Então eu fui lá, na casa do meu tio, comecei a pegar, a sanfona era menor, então mais leve, e comecei aí, meus primeiros acordes.

Com quantos anos? Sete anos, quando eu comecei a dar meus primeiros acordes mesmo, Asa branca [Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira] como sempre, já foi na mente, é a primeira coisa que a gente escuta, a melodia tava na cabeça, e foi na intuição mesmo.

Você nunca seguiu outra profissão, nunca estudou outra coisa, sempre música? Sempre música. A gente nunca teve outra profissão, eu nunca tive, meu irmão, minha irmã, sempre música na nossa cabeça e levando como profissão mesmo.

Isso já responde uma pergunta que a gente faz para todos os entrevistados: você vive de música? Vivo de música. A minha vida toda, tudo o que eu tenho hoje foi a música que me deu.

Quem foram os teus mestres? Teu pai parou para te ensinar? Ele não parou pra me ensinar, tipo “ó, Rui, acorde tal, solo tal”, mas ele parava para me educar musicalmente. Quando eu tocava uma música e fazia alguma coisa errada, ele dizia “não é por aí, a nota é essa, o dedo é esse”, o ensinamento dele foi mais esse. Tenho um irmão mais velho, por parte de pai, que chegou a me ensinar alguns solos, passar algumas coisas, e já com 11 anos comecei a pegar aulas com Eliézio do Acordeom. Passei um ano com ele, meu pai conseguiu falar com ele e pediu que ele me passasse uma coisa a mais.

Vamos fazer um parêntese antes de continuar: pra ti o que significa Eliézio enquanto acordeonista? Pra mim um mestre do acordeom. Um cara incrível que chegava lá em casa e mostrava tudo o que sabia. Uma pessoa por quem tenho admiração, meu pai principalmente. Às vezes ele chegava quatro da manhã lá em casa e a gente tinha que acordar pra recebê-lo. Mas por que isso? Pela admiração que a gente tem por ele, pelo privilégio de tê-lo lá em casa, perto da gente. Meu pai fala que aprendeu muito com ele, só no olhar, só de vê-lo tocando.

Quem conhece Eliézio e te vê tocando percebe traços da sofisticação. É impressionante como a gente percebe aquele requinte que ele tem. Ele foi o cara em que eu me inspirei, me espelhei. Eu sempre busquei isso, sempre quis estar perto dele.

Você teve outros professores? Tive, mas na área harmônica, mais pra parte de teclados, Silvano, Jecivaldo, apesar de ser guitarrista, Israel Dantas, mais a parte teórica.

Você estudou na Escola de Música? Passei um ano lá, mas não deu para conciliar com o trabalho. Fiz um ano com Zezé Alves [flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013] e a professora Kátia [Salomão, violoncelista].

Parece um caminho meio natural, quem toca sanfona tocar teclados, piano. Você tem preferência por um instrumento ou por outro? Eu digo que meu grande amor é a sanfona, e a paixão é o piano, devido a harmonia, a delicadeza que o piano tem, o sentimento, que a sanfona também com certeza tem. Minha preferência é o acordeom, foi ali que eu comecei. Se me perguntarem se eu considero sanfoneiro ou pianista, com certeza sanfoneiro.

Como foi o início de tua carreira em São Luís? Você participou de grupos, além do Choro Pungado? Quando pequeno, participei de um grupo chamado Trio Mirim, que era desse meu tio, Nunes do Acordeom. Depois a gente foi crescendo e virou Ronaldo e seus cabra. Teve outro grupo que eu participei, esse já tocando sanfona, antes eu tocava triângulo e cantava, o Pimenta de Cheiro. Daí por diante, meu pai começou a trabalhar com alguns artistas daqui, mas ele não se adaptava, não se sentia bem, e me colocou. Eu comecei praticamente com Gabriel Melônio, aos 13 anos de idade. Depois as pessoas foram vendo, ligando, aí eu comecei a participar de quase todos os shows de artistas daqui.

Hoje tu tens a agenda sempre muito cheia, és o preferido de 11 a cada 10. [Gargalhadas]. Sempre muito cheia, graças a Deus! A gente se empenha, eu me empenho muito pra fazer um bom trabalho.

Além de instrumentista, você desenvolve outras habilidades na música? Como eu montei um home studio, eu tive que me empenhar em arranjar músicas, então eu tou correndo atrás disso, desse lado arranjador. A parte mais difícil da música é essa: ali é sua identidade, sua assinatura. Eu tou estudando pra desenvolver esse lado. O lado compositor ainda não consegui encaixar. Eu acho difícil compor. Qual a área que você vai? Chorinho, forró, baião, jazz. Eu tou buscando o elemento crucial pra poder compor, pra diferenciar, uma linha.

Mas a gente tem ouvido coisas tuas, o Baião de doido [música de Rui Mário gravada pelo Choro Pungado em um disco demonstrativo do grupo]. O Baião de doido eu fiz como tema para abertura de um show do [cantor e compositor] Chico Viola. Então eu fiz aquele início e começou dali, “dá pra terminar”, comecei a desenvolver.

Você se considera um chorão? Não. Eu me considero um admirador do choro. Chorão, eu imagino assim, aquele cara que vivencia, onde tem choro, tem que estar lá, onde está a turma do choro tem que estar junto. Eu não sou desse jeito, eu sou muito caseiro. Eu não me considero chorão por isso.

Um momento muito importante do choro recente aqui no Maranhão é o Choro Pungado. Você se saiu com bastante desenvoltura e competência entre os chorões. Ali foi um tempo muito bom, eu acho que aquela época do Clube do Choro [Recebe] a gente gostava de estar ali, o público prestava atenção. O mais gostoso era isso, você fazia e tinha a resposta do público. A gente se empenhava, estudava.

No Brasil a sanfona, sobretudo depois de Luiz Gonzaga, ficou muito atrelada ao forró, a ritmos nordestinos. A gente conhece um episódio envolvendo o Radamés [Gnattali, maestro e pianista gaúcho] e o Chiquinho [do Acordeom, que depois viria a integrar grupos de Radamés], de início por certo preconceito de Radamés com a sanfona, por não gostar do som do instrumento, por achar que a sanfona não era instrumento de choro, superado depois que ele ouviu Chiquinho tocar. A gente te ouvindo em disco ou em show, percebe que tua sanfona cabe em choro, [bumba meu] boi, rap, no que vier. Você já sofreu algum tipo de preconceito por conta do instrumento? Não. Inclusive eu mesmo já fui um que disse, em determinada ocasião, que achava que a sanfona não cabia ali. Mas o cara por querer, por achar bonito o som do instrumento, insistiu. E tava certo. A sanfona é um instrumento universal, cabe em qualquer tipo de música.

Você já tocou em discos de Cesar Teixeira [compositor, Shopping Brazil, 2004], Josias [Sobrinho, compositor, Dente de ouro, 2005], Lena [Machado, cantora, Samba de minha aldeia, 2010], Gildomar [Marinho, compositor, Olho de boi, 2009], Joãozinho [Ribeiro, compositor, o inédito Milhões de uns, gravado ao vivo no Teatro Arthur Azevedo em novembro de 2012], quer dizer, grandes compositores, grandes intérpretes. O que significa, pra ti, participar destes registros? Ah, eu fico muito satisfeito, por que você trabalha pra ter um espaço e ser reconhecido. Quando pessoas desse nível te chamam para participar de um cd, você percebe que o seu empenho, no seu instrumento, na música, deu certo, você tira por esses chamados. Eu me sinto orgulhoso, fico muito satisfeito.

Tem algum disco preferido entre os que você já participou? Eu gosto muito daquele cd do Cesar Teixeira, gosto muito dos arranjos. Outro cd que eu gosto muito, uma coisa mais moderna, é o da Lena, esse último, arranjado pelo Luiz Jr., bem moderno. São dois cds que eu gosto muito.

Tem algum artista com quem tu gostaria de tocar em show ou disco e ainda não o fez? Tem um artista que esse ano, eu tava correndo atrás, era o Papete. Esse ano eu tive a honra de tocar com ele no São João, e participar do disco dele [Sr. José… de Ribamar e Outras praias, 2013].

Rui, uma vez você recebeu um elogio de Dominguinhos… Ah, isso foi… [emocionado] Eu estive com Josias Sobrinho em Porto Alegre, um festival do Sesc, algo assim, um evento do Sesc, e a gente encontrou lá com Dominguinhos, uma pessoa humilde, conversou com a gente, a gente passou o dia no hotel conversando. Quando foi no dia do show, a gente tocou antes dele, foi quando ele entrou, tocou três, quatro músicas, e ele me anunciou lá: “rapaz, aqui nesse evento tem um pessoal do Maranhão, e tem um sanfoneiro que tá com eles, filho de um amigo meu, Raimundinho, lá do Maranhão, que tá tocando muito bem, e eu vou chamar ele aqui pra tocar uma comigo”. Eu fiquei sem chão. Foi bom demais, lembrei demais do meu pai, queria que meu pai estivesse lá. Foi emocionante.

Qual a importância do choro, na tua opinião? Como você percebe o choro? Qual o papel que o choro cumpre na música brasileira instrumental? O choro, na minha vida, fez e faz parte da minha formação musical. Eu considero o choro um estilo musical que exige muito do instrumentista. Em todos os aspectos, o cara tem que ter muita velocidade, percepção, improviso, então, o choro é a raiz da nossa música brasileira, é o princípio. É um estudo, um aprendizado, uma escola.

Você tem acompanhado o desenvolvimento do choro no Brasil hoje? Percebe diferença nessa nova geração? Com certeza! Uma mudança incrível! Um nível jazzístico, apesar de o choro ser mais antigo, uma praia diferente. Eu aceito isso por que traz novos músicos, pessoas jovens a gostar do choro. Concordo com essa mudança, abrindo mais.

Durante muito tempo o acordeom sofreu preconceitos, como já abordamos. Hoje ele ganhou mais autoestima, mais juventude? Sim, mais juventude. Acho que a tecnologia ajudou muito. Antigamente a gente não via quem tocava, quem tava se destacando. Hoje em dia muitos jovens tão tocando, “poxa, esse cara tá tocando muito”, aí as pessoas se dedicam.

Quem são os grandes nomes do acordeom no Brasil hoje que a gente tem que ouvir? Primeiramente Dominguinhos. Aí Sivuca, Oswaldinho… O engraçado de Oswaldinho, apesar de eu ouvir muito Dominguinhos quando criança, o Dominguinhos mudou a história do choro, ele pegou a linha do choro e passou pro baião, ele criou isso; ele sempre foi muito mais tema, aquela coisa mais elaborada. Oswaldinho fazia o tema, mas no meio da música ele improvisava. Quando eu pegava o vinil para ouvir, era sempre primeiro o Oswaldinho, pra poder escutar o improviso dele.

E dessa nova geração de acordeonistas, quem te chama a atenção? Cesinha, Mestrinho, Chico Chagas. Linhas diferentes. Cesinha e Mestrinho a mesma linha de Dominguinhos, já o Chico Chagas, uma coisa mais clássica, mais pro [Toninho] Ferragutti.

Em que linha tu te encaixarias? Ainda não me achei [gargalhadas]. Eu gosto muito do clássico, eu corro muito atrás disso, talvez por escutar muito Sivuca, mas também amo Dominguinhos, e tento buscar um pouco ali dele. Eu tento mesclar.

E do choro? Escapando do fole? Aponta um nome da antiga e um da nova geração que te faz parar para ouvir com prazer. Ernesto Nazareth. O acordeonista Orlando Silveira, muito bom também. Da nova geração o Hamilton de Holanda, o Trio Madeira Brasil.

E o choro no Maranhão, como é que tu tens observado? Com Hamilton de Holanda, como ele modificou um pouquinho o choro, isso atrai os jovens para essa área, pro choro. Eu acredito que tem crescido, nós temos Robertinho [Chinês, bandolinista e cavaquinhista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013], Wendell [Cosme, bandolinista e cavaquinhista], tem o grupo do Wendell, o Quarteto Cazumbá. Eu acredito que se aqui tiver mais incentivos, vai pra frente.

Como é tua relação com as tecnologias, seja operar softwares no estúdio, seja, por exemplo, e-mails, redes sociais, a internet em geral para divulgar teu trabalho? A tecnologia eu uso mais para trabalho. Eu tento me sair o máximo dessa tecnologia de rede social, de colocar minha imagem para todo mundo ver, eu sempre fico muito apreensivo com isso. É claro que eu uso, eu tenho que usar. Você arruma contratos para trabalhos, eu corro mais atrás disso do que [expor] a minha vida pessoal.

Os músicos em São Luís se ressentem da falta de um palco, depois do Clube do Choro Recebe. Como você enxerga o mercado para o músico em São Luís, sobretudo para quem toca na noite? Acho que cresceu. Antigamente você não via os bares com música ao vivo, inclusive com músicos daqui. Era muito difícil. Apesar de a música não ser “a” música, mas acho que cresceu o mercado pro músico aqui no Maranhão.

Se você tivesse que eleger um músico maranhense? Posso dizer meu pai? Meu pai eu admiro demais. Ele não teve o que a gente tá tendo. Tecnologia realmente. Antigamente era rádio. Tocava uma música uma vez numa rádio e ele já tinha que pegar. Ele não pergunta. Ele aprende ouvindo. É um músico indo e voltando, autodidata, improvisador, é uma coisa dele mesmo.

Além dele, algum outro? [O contrabaixista] Mauro Sérgio, um cara que se destacou nacionalmente, [o violonista] Luiz Jr., Robertinho Chinês e [o guitarrista] Israel Dantas são os caras que eu admiro.

O punk lírico Marcos Magah, um autobiógrafo musical

[Vias de Fato, agosto/2013]

Marcos Magah prepara O homem que virou circo, sucessor de Z de vingança, a bem sucedida estreia, discos de uma trilogia sobre mágoa, solidão e morte. Autobiógrafo musical, o punk lírico conversou com o Vias de Fato, vindo diretamente de uma sessão de gravação.

TEXTO E ENTREVISTA: IGOR DE SOUSA E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: ZEMA RIBEIRO

Los Perros Borrachos já haviam pedido a conta e estavam prestes a ir embora, quando o cantor e compositor Marcos Magah, mais de uma hora de atraso, adentrou o Cafofo da Tia Dica, aconchegante boteco por detrás da Livraria Poeme-se, na Praia Grande. Chegou desculpando-se: estava no Paranã, em uma sessão de gravação de seu novo disco, O homem que virou circo. “Todo mundo só fala desse negócio de Praia Grande. Ninguém cita o Paranã. O Paranã é um bairro importante, cara”, protestou. A conta foi reaberta.

Magah quer armar o circo, digo, lançar o disco, até o fim do ano. Trata-se do aguardado sucessor da estreia Z de vingança, que chegou ao mercado no fim de 2012 e rapidamente esgotou a tiragem inicial, de 700 cópias. Uma nova fornada foi providenciada e tem saído bem, nas melhores casas do ramo e nas não poucas apresentações que o músico tem feito em palcos diversos na capital maranhense [nota do blogue: a mais recente, domingo passado, 18, no Sebo no Chão, no Cohatrac].

O processo só foi possível graças a um produtor de Manaus, que se deslocou até São Luís com todo o equipamento de gravação – as sessões duraram oito dias, na casa do músico –, e ao escritor Bruno Azevêdo, que, maravilhado com o som punk rock bregadélico do artista, resolveu assinar o projeto gráfico e bancar a prensagem do disco, lançado por seu selo Pitomba.

“Primeiro disco, até onde eu saiba, a não recalcar o elemento do brega local como parte da música que ajuda a definir o lugar, que não faz brega involuntário. Magah raciocina através do brega, saca de rock e escreve pra caralho! O resultado é um disco poderoso, tristíssimo e de peito aberto”, classificou Bruno Azevêdo ao justificar seu voto em Z de Vingança, o único que Magah levaria na lista dos 12 discos mais lembrados da música do Maranhão, publicada no Vias de Fato de abril/maio.

Aos 42 anos, ludovicense, o autor de Viagem ao centro da queda é um “homem lúcido e perigoso” “fazendo rocks duros e pensando em Dolores Duran”, para tentarmos explicar o homem através de sua própria obra. Autobiográfico, Magah é punk e lírico. Integrou a banda Amnésia, que ajudou a consolidar uma cena punk em São Luís, na segunda metade da década de 1980. Não nega influências que vão dos Rolling Stones a Pinduca, passando por Cólera, Ratos de Porão, Richard Hell e Voidoids. E é capaz de fazer música sobre os olhos de uma camelô que “vende bugigangas no centro da cidade”.

Vias de Fato – Como está o processo de gravação do disco novo. E você pretende lançá-lo quando?
Marcos Magah – Rapaz, eu queria lançar no final do ano, está indo bem devagarzinho, com cuidado. Eu acho que essas são as melhores músicas que eu já fiz, então eu estou sendo cuidadoso. O Z eu gravei dentro de oito dias. A gente trabalhava de oito horas da manhã até às três da madrugada, saca? A gente comia em cima dos equipamentos. Era um negócio assim porque o produtor só tinha 10 dias para passar aqui. Ele veio de Manaus. O jeito que eu gosto de trabalhar é assim. Esse jeito que eu estou trabalhando agora eu não gosto. É tudo muito moroso. Eu não tenho esse pique da morosidade, eu sou um cara agoniado demais [risos].

O que você considera mais relevante para a produção do teu som? O que é que você ouve e que faz a tua cabeça? Rapaz, eu mesmo na época do punk, sempre escutei esse negócio da música brega. Odair José, por exemplo, hoje é muito badalado, mas naquela época gostar de Odair José era quase uma ofensa. Precisa entender também o que era o movimento punk naquela época, para as pessoas que não viveram aquela época, porque o movimento mudou tanto desses vinte anos pra cá, que eu falo algumas coisas e ninguém entende. Esses dias eu estava comentando com um cara que em 1985, 86 eu tinha 13 anos e você pegava um ônibus com aquele pessoal, aquela coisa punk e as pessoas… o ônibus ia lotado e as pessoas ficavam em pé, mas o banco do teu lado ninguém sentava. É uma coisa assim, parecia que tinha uma baba em cima de ti, sabe? Era um negócio desgranhento, não tinha MTV, essas revistas sobre rock, não tinha nada disso. Então, a Amnésia [banda em que Magah tocou e ajudou a consolidar a cena punk ludovicense], pra tu entender, surgiu num terreno limpinho, não existia banda de hardcore, por exemplo. As influências que a gente tinha era Dead Kennedys, Exploited, Cólera, Ratos de Porão. A gente passava o dia ouvindo música, era uma loucura, uma paixão maluca, era uma doença.

A gente quem? Eu, Carlos Pança, Carlos Amaral, que hoje mora em Salvador, que era o baterista do Amnésia, era uma pequena turma. E o Cohatrac tinha uma pequena turma do punk. Essas influências, por exemplo, eu vejo até hoje no meu som. Na forma do Redson, do Cólera, de tocar guitarra. É uma coisa que eu trago até hoje comigo. Inclusive coisas de palco, aquela coisa “eu vou morrer hoje aqui, cara!” [risos]. Mas sem aquela coisa dramática, tu tá entendendo?

Você tocando guitarra lembra muito o Keith Richards [guitarrista dos Rolling Stones]. Ah, tem muito de Stones, sempre teve. Tem uma coisa do Stones que não é uma coisa deliberada, “ah, eu vou imitar”. Mas de tanto ver, de tanto escutar, é uma coisa que peguei do Keith Richards por osmose de tanto ouvir. Foi essa coisa do jeito de corpo, sabe? Aquele negócio que ele bate a guitarra e meio que solta, como quem diz “eu não tenho nada a ver com esse crime” [risos], “não fui eu que atirei nesse cara” [risos]. Essa coisa assim, meio interpretativa, cara, eu trouxe. Tem um negócio maluco que no meio do punk eu sempre fui um cara meio esquizóide. Nunca fui um cara muito bem aceito. Porque, por exemplo, naquela época eu adorava discos de Pinduca [cantor paraense, maior expressão do carimbó], eu tinha, era meio maluco. Então, ontem eu tava conversando com um cara e ficava “pô, eu preciso voltar a escutar Pinduca”, tem um clássico dele, “vou tomar banho de cheiro, pra ficar cheirosinho pra Iaiá” [cantarolando]. Aí tinha aquela guitarra [imita o som da guitarra]. Até hoje tem esse negócio dessas palhetadas. Eu tenho uma música chamada Levada do despejo que se tu olhar a guitarra é Pinduca. Agora o jeito é tosco, é punk mesmo [risos].

A Amnésia não deixou registro? Foi até que ano? A Amnésia lançou demos que ficaram assim… até as pessoas esquecerem. A Amnésia foi uma banda muito popular, cara. Não só dentro de São Luís, mas no nordeste inteiro. Brasília, por exemplo, a gente vendia demo adoidado. Durou de 87 a 2002. Durante esse tempo a gente tinha uma popularidade enorme, de ir para outra cidade e parecer que [os fãs] iam virar o carro. Quando a gente saía da cidade jogavam camisas pela janela do ônibus. E a galera correndo atrás e continuavam a jogar camisa. Aqui em São Luís se for procurar pelas pessoas que viram e acompanharam esse processo, o público tinha uma adoração absurda, a tal ponto que as bandas de abertura tinham um público de 600 pessoas. Se eu tivesse o público da Amnésia… Eu fiz um péssimo negócio, cara! Entendeu? Em lançar o Z de vingança e abandonar o Amnésia. Se eu fosse um cara com o mínimo de visão, eu deveria continuar tocando aquela porcaria daquele som velho. Mas como eu sou um cara corajoso…

Mas o Amnésia acabou por causa da sua carreira solo? Não. Acabou, porque, cara, banda de rock tem uma hora que… o cara com 17 anos fazendo um underground bravo, acaba com qualquer pessoa. Viajar em ônibus, em pé duro, fazer circuito pesado, tocar aqui em São Luís, como a gente tocou, saca? E aquelas outras coisas, muito álcool, muita droga. Tem uma hora que neguinho pira! Fica meio doido, tá entendendo? Cansa. Já tinha integrante vendendo instrumento pra comprar disco. Daí não dá! Não dá! Chega um momento que não dá! E como eu sou obcecado, se a gente tiver uma banda junto, eu vou te enlouquecer, porque eu vou querer que tu trabalhe o mesmo tanto que eu trabalho. E os outros caras não tinham o mesmo foco que eu tinha. E aquilo, cara, é uma frustração terrível. Tanto que eu não sinto saudade dessa época. Eu sofri pra porra, porque eu queria que as coisas andassem. É o tipo daquela coisa de moleque, a coisa não parou, eu fui dando seguimento àquilo ali. Por mim, a banda não teria durado tanto assim. Apesar de ser uma das pessoas que a carregou nas costas.

E nesses 10 anos entre o fim da Amnésia e o Z de vingança, o que você fez? Eu fiquei de bobeira por um tempo, bebendo muito. Frustrado, pelo final do casamento. Depois, eu me aborreci de vez e fui para o interior. Nesse intervalo eu morei duas vezes no interior. Morei em São Mateus e Pedreiras. E passei tempo em outras cidades, como Santa Inês, por exemplo.

E o que você foi fazer nessas cidades? Eu fui trabalhar. Fui trabalhar num depósito de madeira, onde eu peguei a manha de vender madeira. E depois em serraria. Fazer porta, janela, lixar porta. Sempre fiz uns trabalhos meio malucos, uns trabalhos de estivador, carregando caminhão. Em Pedreiras eu montei um lance com computador, fazia uns trampos. E eu, como sempre gostei muito de ler, adaptei muita monografia. Acho que isso dá até cadeia, né? Mas eu me formei, mais ou menos, em umas cinco, seis áreas [risos]. Era isso que eu fazia. E paralelamente a isso, eu fiquei tocando em bandas de brega, saca? Tinha umas bandinhas de brega por lá, eu me inseria e ia tocar com os caras, foi onde eu aprendi muito.

Sempre guitarra? Sempre guitarra. Sempre mal tocada.

Magah, você tem formação acadêmica? [Espantado] Eu? Não, cara! Eu tenho paixão por livros. Todo mundo me pergunta, quando a gente começa a conversar sobre literatura, “mas tu te formaste em quê?”. Eu não me formei em nada. Eu sou estivador. Tá entendendo? [risos]

Se você fosse dizer que tem outra profissão além de músico. Eu diria que tenho um carinho pela estiva. Eu gosto de trabalhos braçais. Eu gosto de fazer força.

E esse carinho por livros, você mantém uma biblioteca em casa? Eu tive uma época em que eu pirei completamente, falo isso até em Dedos e anéis [faixa de abertura de Z de vingança]. Lembrando que todas as minhas músicas são reais. Tinha uma época que eu tinha uma biblioteca grande e ela foi se espalhando por vários locais. Grande não, razoável. Grande quem deve ter é Sarney. Sarney deve ter uma biblioteca grande. Mas esses livros foram se espalhando. Eu ainda tenho coisa como John Fante, por exemplo, que eu não deixo, não largo. Tem umas coisas como Émile Zola, que neguinho acha chato, Germinal, por exemplo, que acho interessante. Os livros do coração eu mantenho até hoje. Mas tem coisa que dei. Eu sou um cara muito roubado até hoje. Acabaram de me roubar o [dvd] No direction home, do Bob Dylan. Eu não tenho muito apego a essas coisas. Quem não tem apego nesse mundo, se fode. É o mundo do material, do tátil. E se você não se apega, as pessoas te roubam.

Você não trouxe nadinha aí, não? [risosTá querendo me roubar, sacana? [risos] E eu acabo perdendo também. Tem a coisa também de andar muito. Eu moro numa cidade, moro um tempo numa casa, aí saio daquela casa. Na época em que fui morar em Santa Inês, eu trabalhava numa serraria e morava num quartinho dos fundos, cortando tábua. Nessa época eu fiquei com roupa, guitarra e livro. Não tinha como. Muita coisa ia se perdendo. Tu não tem onde guardar.

Dá pra dizer se houve alguma fase da tua vida que você viveu de música? Rapaz, eu sempre vivi pra música.

Mas nunca viveu da música? Hoje eu vivo disso. Eu até estava tendo uma discussão com um cara: que não existe, na minha cabeça, um mercado de música no Maranhão. Existem caras que se grudam na aba do Estado e conseguem viver desses projetos. Esses caras vivem de brechas que o Estado dá pra eles, de amizades. Mas, se eles fossem largar o Estado e tentar viver de música, talvez não vivessem. Vivem de concessões fraternais e generosas. Mas, assim, não existe um trabalho como o meu… viver de música é um ato muito louco. De heroísmo, de paixão. Porque eu produzo um show aqui, faço um show acolá, é assim que eu vivo. Produzo não sei o quê… o cara me dá, tipo, R$ 2.500,00. Eu pego essa grana, vivo muito humildemente assim. E me viro. O que me propus a fazer bem feito e que eu tento fazer 24 horas. Eu me propus a viver disso e segurar as consequências, mas não é fácil. Eu acho que a gente está tentando dar um norte para uma galera que tá vindo aí. Porque, pra mim, a galera que vai fazer a música maranhense bacana tá por aí. Eu escutei o disco da Nathália Ferro, eu adorei o disco dela. Eu gosto da menina, da Acsa Serafim, muito bacana o trabalho dela. Então, a gente está tentando dar um norte pra essa galera. Tem que ter algum louco, lunático que diga é possível a gente fazer esse caminho dessa maneira. Mas tem que ter entrega e coragem, porque senão não faz.

Você acha que a música brasileira e a música maranhense, em particular, padecem hoje de originalidade? Eu acho que a música mundial está passando por uma crise de originalidade. Quando eu falo que sempre volto pras antigas é por causa disso. Me parece sempre muito parecido, copiado, “eu quero ser um Neil Young”. Eu, particularmente, não quero ser ninguém. Agora, eu acho que aqui em São Luís, as pessoas que eu fico vendo que fizeram um trabalho, esse menino, por exemplo, o Phill Veras, eu o considero realmente um menino com um talento maravilhoso, mas ele, a meu ver, padece dessa coisa.

A los-hermanização. Exato! Eu acho que o Los Hermanos já faz o seu trabalho muito bem feito, são os caras mais indicados para fazer a música dos Los Hermanos. Eu, Magah velho aqui, acho que tenho que descobrir o meu jeito e escutar meu som interior. Se eu for fazer igual a eles, eu vou fracassar, porque não é real. Aí o cara diz assim, o cara não fracassou, porque ele está em São Paulo e indo bem. Quando eu falo fracassar não é mercadologicamente, tá entendendo? É artisticamente. Esse é que é o problema, porque às vezes você… há brechas para o copia e cola, tanto é que eles é quem povoam e poluem por aí, nas rádios e nas TVs. Mas quando você vai embora desse planetinha é sua honra que você vai deixar. Esses dias eu estava conversando com um amigo meu sobre a Rita Lee. Pô, Rita Lee passou os anos 80 até pouco tempo só fazendo disco porcaria, cara. Agora Rita Lee tá indo embora. Eu acredito que um artista dessa ordem diz assim: “pô, eu bem que podia ter tido um pouco mais de coragem e ter lançado um puta disco, com a bagagem que eu tenho”. Eu acho que tem um pouco disso. Quando eu for embora, o que vai ficar aqui é a obra. É a única vaidade que eu tenho. No dia que eu for embora daqui, a única coisa que eu quero que fique é a minha obra. Os homens vão, mas as obras ficam.

Você considera a sua obra original? Eu não tenho o direito de dizer isso, cara. Não sou eu que tenho que dizer isso. Isso quem diz são as pessoas. Ou não. Dizem que é uma porcaria. Mas também não me importa, não.

Mas a pergunta é no sentido crítico mesmo. Quando você fala que fulano está fazendo uma música que é copia de Neil Young ou Los Hermanos, eu sei que não está apontando o dedo na cara de ninguém. Estou fazendo a pergunta no sentido de uma autocrítica mesmo: como tu percebe a tua obra? Eu acho que, na verdade, esse disco, estou muito ansioso para terminar de gravá-lo e lançá-lo, O homem que virou circo, porque eu ainda nem arranhei o que quero fazer. Ainda não dei o primeiro arranhão na superfície. Mas eu acho esse trabalho um trabalho de referências. Se você, por exemplo, escutar os teclados e escutar o cd de Jerry Adriani, você vai identificar os teclados, com umas guitarrinhas fuleiras que são muito parecidas com os do primeiro disco do Camisa de Vênus, o baixo típico do brega dos anos 70. Eu acho que eu usei as referências que eu tinha, que eu queria dar. Mas é preciso entender que meu trabalho é um trabalho com conceitos. Eu não faço assim: componho um monte de músicas, acho elas legais, vou e gravo. Não. Eu tenho um conceito. Eu quero trabalhar o tema da solidão. Eu vou desenvolver em cima desse conceito. Aí eu vou desenvolver uma sonoridade que também seja cabível com esse tema. Eu tenho uma trilogia: mágoa, solidão e morte. É um tema alegre, não? [risos] A trilogia dO homem que virou circo é isso: o Z é sobre mágoa, O homem que virou circo é sobre solidão e o MIF – cemitério dos cachorros é sobre morte. Eu trabalho assim. Eu tava numa fase meio braba da minha vida, e me propus a fazer três discos para não enlouquecer e resolvi dividir os temas. Peguei o Z, e comecei a escrever músicas só sobre mágoa, sobre a possibilidade de sair dali. Às vezes eu brinco que o Z é um manual de práticas de fuga, como fugir, como se livrar de uma mágoa violenta. Um manual de mágoa e fuga. Aí eu comecei a escrever músicas que só tinham a ver com esse tema. Pra isso eu desenvolvi um personagem que no Z é um homem lúcido e perigoso, nO homem que virou circo é o próprio, e no MIF também. É o mesmo personagem, só que em cada disco ele vai tendo um nome, agregando novos valores e a personalidade dele meio que vai se transformando nesse processo todo. Até a onda da morte.


Vingança com Z. Por que Z de VingançaEu sou apaixonado por essa letra, bicho. E é um trocadilho gostoso, pra deixar no ar. Porque se eu dissesse V de Vingança, pô, tem filme. E todo mundo sabe que vingança se escreve com V. Um dia eu acordei, morava eu e meu baterista aqui na [rua] Jansen Müller, levantei, sem molecagem nenhuma, e esse título me veio à cabeça. Antes de eu começar a escrever o Z. Eu passava o dia todinho falando isso, Z de Vingança. Porque eu tinha um negócio com o Z. Porque eu falava assim “esses caras me estreparam, mas vai ter a volta do Zorro”. E aí eu comecei com essa onda de a volta do Zorro e o Z do Zorro sempre me acompanhando. Aí eu montei um estudiozinho chamado A Volta do Zorro e fiquei com essa coisa do Z, do Z, até que pipocou. E eu sou um cara vingativo pra porra. Dentre outras qualidades nobres, a vingança [risos]. Eu achei bacana assim, me veio, pá, abracei!

Como foi o processo de financiamento do Z de Vingança? Normalmente se mascara esse lado da música. Ele custou 65 centavos. Porque eu pensei primeiro. [Fala como se se dirigisse diretamente aos leitores do Vias de Fato e não aos repórteres:] Vocês que têm raiva de mim, eu estou desinflacionando o mercado da música no Maranhão [risos]. Foram dois pães que eu comprei com o próprio corpo. Então, se você não gosta de mim, se manque, porque eu estou transformando o mercado da música no Maranhão. Sabe por que 65 centavos? Porque eu enviei as músicas pro cara e ele ficou alucinado e se tocou de Manaus pra cá. Nós gravamos em oito dias, mixamos em um e masterizamos em outro. Ele me entregou e foi embora. Saca? Super feliz! Não me cobrou nada. O cara cobrava cinco mil reais num estúdio onde ele morava lá. O cara se tocou de lá pra cá. Então, quer dizer, eu só posso acreditar no que eu faço. Tá entendendo? Porque para eu convencer um cara com umas músicas gravadas fuleiramente num computadorzinho e esse cara se tocar de lá pra cá, meu brother, chegar e dizer “vamos!”, e pegar o equipamento dele, bancar passagem de avião ida e volta, ficar na minha casinha velha e dizer “vamos montar a porra desse disco” e “isso aqui vale ser registrado. O que tu vai fazer com isso, eu não sei. Mas, eu quero gravar isso aí”. E aí, em vez de eu ir até Manaus, Manaus veio até mim.

Eu me lembro do Bruno [Azevêdo] falar muito entusiasmadamente do disco. “Rapaz, tu tem que ouvir isso aqui”. E que era uma coisa nova na música do Maranhão. Qual foi o papel de Bruno nesse processo? Qual foi a importância? Porra! Toda. Total. Porque eu não conhecia Bruno, nem sabia quem era ele. Quer dizer, já o tinha vista algumas vezes pela rua. Sabia de uma banda em que ele tocava. Mas ter visto assim, como estamos aqui, eu o via passando na rua. Uma vez um cara falou “ó, aquele é o baixista da Catarina Mina [banda de que Bruno Azevêdo foi baixista, com Djalma Lúcio (voz e violão) e Eduardo Patrício (bateria)]”. Não sabia quem era o cara. Pablo [Habibe, guitarrista, editor da revista Bezouro] uma vez chegou na minha casa… pra tu ver, por isso que tem aquela frase em Caixa de Pandora [faixa de Z de vingança], “o que eu sinto é o que eu mais sei”. Eu sou um cara que acredito na minha intuição, porque se eu negar a minha intuição, velho, eu tou fodido. Um belo dia eu estava em casa sozinho andando alucinadamente de um lado pro outro. Já estava com esse CD gravado, pensando “o que eu vou fazer com isso?” Bateu na minha porta o senhor Pablo Habibe, que eu não conhecia… não conhecia ninguém! Eu sou um ermitão. Fico trancado em casa. Não saio de casa pra nada. Só saio à noite para ir ao Chico [Discos, bar], porque nós já somos amigos seculares. Você não vai me ver em noite, em festa. Eu não vou pra essas coisas. Eu sou um cara caseiro. Passo o tempo todo em casa. Eu sou chato. Só. Eu gosto de viver só. Bateram na minha porta, Pablo Habibe, Acsa Serafim e Fábio Pereira, que hoje está substituindo o Pablo, que quebrou o braço. E falaram “e aí, o Ryan tá aí?”, meu baterista estava morando comigo e tava fazendo bateria pra eles. Aí eles entraram lá em casa e eu falei assim, “cara eu tenho um disco. Vocês são músicos?” Porque a solidão tem uma hora que ela enche o saco, você precisa falar com alguém. Tem um limite. Tu passa três, quatro, cinco dias trancado em casa, mas tem uma hora que tu pega uma sacola da Vivo e começa a conversar com ela [risos]. Eu mostrei o disco pra eles. Porra, o Paulo ficou “éééguas”. Ele e o Fábio ficaram alucinados. Aí ele começou, “porra, rapaz, que diabo é isso?” Eu lavando louça e a gente conversando. O Pablo levou o disco, “tem um cara que precisa escutar isso aqui: Bruno Azevêdo”, eu não sabia quem era. Levou. Fiquei preocupado. Quando eu vi estava correndo atrás, “vamos lançar, vamos lançar!”, começou a jogar na internet, ficou mais empolgado do que eu. Fiquei surpreso, o disco começou a vender e gente dizendo “legal”. Pra mim era um disco muito a cara de [rádio] AM, um toque de experimentalismo. O Bruno é responsável por tudo, eu chamo ele de meu patrão, ele fica puto quando eu digo isso [risos]. A Pitomba bancou, eles acreditam em mim. Eu sou um cara feliz, sem nenhum tostão no bolso [risos].

Uma vez, conversando com Bruno, ele disse que não teria lançado O Monstro Souza [Pitomba, 2010] se não tivesse o investimento do Souza [proprietário da barraca de cachorro quente mais famosa de São Luís, que inspirou o livro de Bruno], que deu uma grana e ele pode imprimir o livro. Z de Vingança não existiria sem Bruno. Quem Marcos Magah financiaria se tivesse grana? Eu financiaria o disco do Tiago Máci. Pra mim, esse cara é um dos melhores que já pintou de música em todos os tempos aqui. É um compositor de calibre pesado. De todo coração: um dia eu vou produzir o disco do Tiago Máci. Eu quero fazer. Eu acho muito bom, cara. Ele me lembra um pouco o [compositor] Cesar Teixeira, um gênio. Às vezes eu o olhava com fascínio, apesar de ele [Cesar] não ter nenhuma influência na minha música. Que às vezes tem aquela coisa que você olha para o cara e ele não tem nenhuma influência na tua música, mas que tu admira ele pra cacete.

Eu li em algum lugar que você está produzindo o novo cd de Claúdio Lima. Eu estou fazendo uma pré-produção do disco dele. Na verdade ele quer produzir com um cara de Londres. Ele me chamou para acrescentar esse lance que ele viu no Z e gostou muito, aqueles efeitos que tem de psicodelia e aquela guitarrinha fuleira. Cláudio é muito doido! O primeiro cd dele é genial, ainda bem que entrou lá [na lista do Vias de Fato], eu me senti vingado.

E qual seria a tua lista? Pô, mas tu tá me sacaneando! Eu não sou homem de lista! [risos]. O que eu posso te dizer é que entraram coisas ali que me… pô, olhar ali Nonato e seu conjunto [O som e o balanço, 1975], o próprio disco do Claudio [Claudio Lima, 2002], o Bandeira de Aço [de Papete, 1978] eu sabia de ia dar, pá, pá, pá, na cara de todo mundo. Mas, agora, por exemplo, tiveram coisas que não entraram e poxa…o segundo disco de Raimundo Soldado [Raimundo Soldado, 1981] tinha que aparecer [risos]. Mas tudo bem. Raimundo Soldado perdoa todos vocês! Vocês estão salvos.

Nem com o Z de Vingança nem no Amnésia você tocou em evento público bancado pelo Estado? Com a Amnésia eu fiz coisas muito esdruxulas. Em 1989, todo mundo era anarquista e os caras do Amnésia tinham uma tendência meio marxista. E eu nunca fui um cara muito ligado nessa coisa, sabe? Aí a gente tocou em 1989, no Comício do Lula, aqui na Praça Deodoro, pra umas 12 mil pessoas. Eu acho que poucos sabem disso. Falam muito bem da Amnésia. Ninguém fala mal. Parece que quando a gente morre ninguém fala mal. Mas, eu não, nunca toquei. Eu toco em barzinho, nessas casinhas, no Chico, não chamando o Chico de casinha. Toco no Chico, no Odeon [bar recém fechado na Praia Grande], toco, sei lá, no Miguelitos [casa de comida mexicana no Vinhais]. Entendeu? É uma coisa pequena. Toco por 300 contos. Eu pretendo fazer um caminho que brinque com essa coisa do popular e tal, mas que seja o meu caminho. Eu acho que meio que todo mundo tá num caminho padrão: vou fazer não sei o quê, vou ser contratado, vou para São Paulo. Eu vou fazendo um caminho mais mambembe. E a obra vai te respaldando ao longo dos dias, porque Z de Vingança é um disco, mas isso é trabalho longo. Vou fazer outro [disco], com uma sonoridade que acredito. É a construção. Ter credibilidade perante as pessoas que gostam do meu trabalho. Eu sou franco e jogo duro, não abro mão daquilo que eu gosto. Eu acho que é isso que constrói uma carreira. Não só boas músicas, mas um caminho que o público meio que se orgulha. Que aquela meia dúzia de pessoas olhe pra ti e diga “eu respeito esse cara”. Eu admiro muito o Marcelo Nova [roqueiro baiano, vocalista e guitarrista do Camisa de Vênus], uma cara de público pequeno, mas que você respeita o cara. Eu acho que credibilidade também é importante, porque neguinho pelo sucesso tá querendo fazer qualquer coisa. Eu também não sou um ingênuo de dizer “não, eu não faço isso”. Eu não tenho esses pudores, essa coisinha da culpa cristã. “Eu sou limpinho, eu não faço, eu não me envolvo”. Se eu quiser fazer uma turnê no interior, eu utilizo os mecanismos que estão à minha disposição para poder chegar nesse público que eu quero chegar. Eu vejo a coisa beligerante, de guerrilha, eu uso as armas que eu tenho. Mas eu também não vou pegar uma lança e enfiar no meu rabo e dizer “ah, morri como herói”. Não é assim.

Mas você tocaria num evento patrocinado pelo governo do Estado, por exemplo? É uma pergunta boa, cara. Eu nunca pensei sobre isso. Eu acho isso tão improvável que nunca me passou pela cabeça. Eu não acho que o governo do Estado um dia vá me chamar para tocar num evento seu. Eu acho que o governo do Estado tem o seu time. Eu não estou nesse time. É uma situação hipotética inimaginável. Eu sou um marginal!

Você falou sobre a intuição que permeou a construção de Z de Vingança. Você acredita em Deus? Porra, quando neguinho fala em Deus é esse papo sempre muito complicado. Eu sou um homem de muita fé. Existe algo que é muito complicado. Eu creio que a gente, em termos de física, a gente não sabe de nada. A luz é a coisa mais rápida que viaja no universo, talvez seja só brincadeira de criança. Rapaz, eu não gosto de fugir de pergunta assim [risos]. A pergunta é se eu acredito em Deus. Sim. Da forma como eu o concebo. Eu acredito mais nas coisas que eu não vejo, do que nas coisas que vejo [risos].

E qual é a forma que você concebe Deus? Não sei. Acho que a gente vai cair num lugar comum. Energia. É muito difícil trabalhar com esse tipo de coisa. Eu acho que passa mais pelo campo do sentimento. O vocabulário humano é muito pobre para tentar te dizer em palavras como concebo Deus. Acho que essa é uma questão metafilosófica muito complicada. É um sentimento bom. Eu gosto de ser ingênuo.

Uma coisa que eu tendo a comparar quando te escuto é com Wander Wildner. Gosto demais. Apesar do Pablo, meu guitarrista, dizer “não deixa esse cara ser comparado contigo, aquilo é uma desgraça!” Eu adoro Wander Wildner. Inclusive eu vejo similaridades não só com a nossa música, mas no jeito de viver. Wander é assim também. Esses tempos ele largou a profissão de músico e foi trabalhar numa funilaria na Alemanha. Trabalhava durante o dia na funilaria e à noite tocava. Eu vejo similaridade no jeito de pensar, de viver, a trajetória no punk também. Wander Wildner sou eu. Eu sou Wander Wildner [risos].

Intuindo que você não se preocupe muito com isso: Marcos Magah está pronto para subir ao palco do Teatro Arthur Azevedo e receber um Prêmio Universidade, seja lá em que categoria concorrer? Eu tou pronto pra tudo. Sou um homem de combate. Não tenho medo de nada. E outra coisa, esse negócio de “ah, eu não vou”. Eu não tenho medo de sujar minha mão. Depois eu limpo no paletó do garçom que estiver passando, ou do governador, melhor ainda se ele estiver de branco. Eu não penso nessas coisas, nem passou pela minha cabeça. Eu nunca fiz música para receber prêmio. Tanto que quando eu fiz o Z ele ia ficar pra mim.

Você não se preocupa, então, com o público, quando compõe? Nem um pouco. Se eu me preocupar, eu já fracassei. Isso é conversa de perdedores. Quando eu falo fracassado não é o fracasso construído pela sociedade de consumo. É uma coisa da tua verdade. Eu faço música pensando em mim, tanto que eu sou um cara egoísta pra caralho, moro sozinho e não consigo dividir a casa com ninguém.

Marcos Magah é MPM? Eu nem sei o que diabo é isso.

Música Popular Maranhense. Eu não! Eu faço música pro mundo, para todo mundo que quiser ouvir. Eu não tenho nada a ver com isso aí.

Como você define a música que faz? Rapaz, infelizmente a gente tem trabalhar com rótulo. Eu sempre brinquei em dizer que eu primeiro fazia “magahlismo”, assim, muito pretensiosamente. A arrogância também tem o seu lado romântico, mas é uma brincadeira, lógico. Eu brinco de chamar de rock-bregadélico, que é um termo que acho legal. Essa é a definição mais próxima do que eu faço. Também não estou preocupado em ser original não, cara. Agora eu escuto um som interior, que vem de dentro de mim. Quando eu lançar O homem que virou circo, eu vou mostrar para vocês, é um disco que não tem começo e não tem fim. Sabe no cinema, que os atores ficam na frente e a trilha sonora fica atrás?! O que eu fiz com esse disco, a trilha sonora vai pra frente e o ator fica atrás. Quando a música termina, o diálogo dos atores continua. O disco nem começa e nem tem fim. Ele começa com a voz de um menino dizendo “ei, moço, por que o senhor virou circo?” Então ele não tem começo, porque o começo dele é o fim do Z e termina com uma vaia sonora, que é o que vai começar o MIF também. Esses três discos estão interligados. Aí tem um lance da literatura e do cinema também. É isso O homem que virou circo, ele não tem fim, nem começo. É muito doido esse disco. É gente falando, é gente vaiando, cadeira quebrando, copo… enquanto isso a música tá rolando.

Chorografia do Maranhão: Osmar do Trombone

[O Imparcial, 23 de junho de 2013]

Osmar do Trombone está prestes a lançar seu disco de estreia, gravado em Belo Horizonte/MG. Para o nono entrevistado da série Chorografia do Maranhão, falta apoio para a consolidação da cena choro em São Luís

Osmar do Trombone, o “pequeno gigante”

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Técnico em eletrotécnica, Osmar Ferreira Furtado enverga dois apelidos. Um, o nome artístico, Osmar do Trombone, que ganhou após escolher o instrumento de sopro para chamar de seu; o outro, “pequeno gigante”, que faz jus, primeiro por sua altura física, segundo pelo que se torna quando sopra seu instrumento.

Osmar nasceu em 1º. de junho de 1950 em uma família de músicos. Não à toa, sua composição mais conhecida, inicialmente intitulada Quatro gerações, foi rebatizada Cinco gerações depois de ele descobrir mais um avô que tocava.

Sua mãe, a grajauense Julieta Pereira Furtado, 87, sempre cantou acompanhando seu pai, José Antonio Furtado, 92, ainda hoje soprando “seu saxofonezinho de vez em quando, dentro das limitações”. Osmar não poderia fazer trocadilho com seu sobrenome, portanto não se furtou a herdar-lhes a aptidão musical.

Hoje divide o tempo que sobra de curtir a aposentadoria entre a música e a Pizzaria Lauletas (ex-Stop, Cohab). Acabou de gravar seu disco de estreia em Belo Horizonte, a capital mineira para onde viajou para visitar o filho Osmarzinho, saxofonista que o acompanhou no grupo Os Cinco Companheiros, o grupo de Osmar que toma emprestado nome de clássico de Pixinguinha.

O nono entrevistado da série Chorografia do Maranhão recebeu os chororrepórteres no restaurante que Chico Canhoto mantém – embora sem espaço para um retorno do Clube do Choro Recebe – nas imediações do Aririzal. Ele nasceu em Barro Vermelho, à época povoado de Cajari, quando a cidade ainda pertencia à Penalva. É lá que se inicia a trajetória de Osmar, abordada nesta entrevista, que se inicia justo por sua vinda para a capital.

Então se empregaria aquela frase que dá título à música de Josias [Sobrinho, compositor], você veio de Cajari pra capital? Também, né? Primeiro de Cajari pra Pindaré, e de Pindaré pra capital.

Teve escala, né? Teve escala. Em Pindaré city [risos].

Como era o universo musical, em casa, na tua cidade? Quando tu começaste a se envolver com música? Que tipos de estímulos recebia? Tu nasce no meio musical, tu já fica… [chora. Continua depois de uma longa pausa] Tu já fica contagiado. Aí papai começou a me ensinar música com oito anos de idade. Tinha a bandinha, lá tinha banda, eu fui tocar aquela trompinha, o apelido do instrumento na banda era cachorra, a cachorrinha, aquela de marcação, de contraponto, fazia “pom, pom” [imita o som do instrumento com a boca]. Todo dobrado, valsa, tudo era no contraponto. Aí eu toquei na banda, a gente viajava pra várias cidades, Penalva, Pindaré Mirim…

Tu gostavas? Ah, adorava. Sempre no meio dos músicos. Isso por muitos anos. Até 14 anos, nós morávamos em Cajari, quando papai recebeu uma proposta de Pindaré, de um amigo dele, um cara que é conhecidíssimo lá, o Chico Devora, era festeiro, aquele cara que aparecia, que só andava de linho branco, dançando, era o pé de valsa da cidade, todo elegante. Ele convidou papai. “Cajari não dá, o meio musical da cidade, vam’bora pra uma cidadezinha mais adiantada”. Aí papai disse “eu vou”. Mas quem influenciou mesmo foi mamãe: “nós temos que ir, Zé Furtado, ele está convidando, lá a gente vai…” Aí mudamos pra Pindaré em 1964. Só que em Pindaré eu fiquei só de junho a dezembro. Foi quando minha mãe fez uma carta para minha irmã que morava aqui em São Luís e disse que não queria os filhos dela lá no interior, que iam ficar só pescando, que aquilo não era vida. Mamãe já tinha uma visão de crescer, que os filhos fossem alguém na vida, que viessem pra São Luís estudar. Aí eu vim, peguei aquela lanchinha lá, tradicional, de Pindaré, passando por Cajari, Viana, fazia escala, Penalva e São Luís. Passava dois, três dias viajando. Cheguei em 64, fui morar no pensionato com minha irmã e aquela vontade de estudar na escola. Fiz exame de admissão, passei.

Em que escola? Na Escola Técnica Federal do Maranhão, na época. O sonho era tocar na banda da escola. Na época era o… o nome dele eu não recordo, mas era conhecido como o velho Dó, o maestro. Logo depois foi o João Carlos Nazaré [maestro, pai da cantora Alcione], o nosso mestre.

Além de teu pai, quais foram teus principais mestres? Quem mais te orientou na formação musical? Importante na minha formação foi João Carlos Nazaré e mestre Nonato [do grupo Nonato e Seu Conjunto]. Além de meu pai foram estes dois músicos, estes dois maestros, que me orientaram. Depois que eu saí da escola, e mesmo quando eu estava lá, já trabalhando, fui bancário, antes de ir pra Cemar [Companhia Energética do Maranhão], eu já era convidado pra tocar em vários grupos de música. Toquei na Banda Reprise, Banda O Peso, Banda Reluz, Mákina du Tempo, e outras. Nessa época não tinha a influência do choro aqui em São Luís, a não ser aqueles velhos chorões. Eu não tava no meio musical, mas já ouvia falar, [o multi-instrumentista] Zé Hemetério tocava choro, Agnaldo Sete Cordas [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 17 de março de 2013]. Quando eu já estava tocando no Barrica, aí eu encontrei [o violonista sete cordas Gordo] Elinaldo, e comecei a despertar para o choro, comecei a curtir. Peguei um vinil do grupo Chapéu de Palha, no qual [o trombonista] Zé da Velha tocava. Silvério [Pontes, trompetista], acho que tava molequinho ainda. Eles tocando sambas bonitos. Tem um chapéu na capa, acho que ainda tenho o vinil. O choro mesmo chegou pra mim depois que eu larguei o Boi Barrica, ainda toquei em alguns grupos de bumba meu boi, foi o tempo que me aposentei da Cemar, aí eu gostei mais de choro.

Nestes grupos que você citou eram tocadas mais músicas de baile, não é? Sim, músicas de baile. Mas também samba, muito samba, gafieira.

E na tua experiência anterior, ainda lá na baixada, Cajari, Pindaré? Ah, tocava muito com meu pai. Tocava sambas, maxixe, bolero, tudo na festa de meu pai. Cheguei a tocar até tuba. Quando faltava o contrabaixista, ele: “meu filho…”, ele ficava com pena. O instrumento era muito grande, eu apoiava num tijolo, nove quilos e meio.

E como é que se deu a escolha do trombone? A partir do quê você definiu que era seu instrumento? O trombone, tudo é assim: você focar. É tipo torcer por um time. É tipo o cara quando nasce e vai crescendo, o pai diz “meu filho, torce pelo Flamengo”…

Não dá certo! [risosMas só que eu torci pelo Flamengo. O filho disse; “não, eu não quero torcer pelo Fluminense, eu quero é pelo Flamengo” [o anfitrião Chico Canhoto acompanha a entrevista vestido numa camisa do tricolor carioca]. Então o instrumento, quando eu olhei uns alunos de meu avô, Antonio Cacete, Lupércio, eu achava a sonoridade muito grande. Meu pai foi um grande trombonista.

Teu pai tocou trombone? Ave Maria! O primeiro instrumento de meu pai na orquestra de meu avô foi o cavaquinho. Depois ele gostou, tocou trombone. Então meu pai era um instrumentista que quando dizia assim “faltou trompete”. Aí meu avô dizia assim: “Zeca, dá pra ti tocar trompete?” Aí ele ia lá e tocava trompete. “Dá pra ti tocar não sei o quê?”. Então ele saía tocando tudo. Tocou trompete e hoje toca sax, ainda, dentro das limitações. Aí eu comecei a ouvir a sonoridade. Quando eu cheguei na Escola Técnica, eu já tocava. O trombone de vara não era muito comum. Mandaram buscar quatro trombones de vara. Tocava eu, João Carlos Filho [filho de João Carlos Nazaré], Zé Américo [Bastos] tocava bombardino.

Você já viveu de música? Nunca! A música fazia a feira, comprava a cervejinha.

Tu estás aposentado da Cemar? Sim, aposentado da Cemar.

No trombone, quem é tua grande referência? Hoje existem grandes trombonistas, mas minha referência é o Raul de Barros. Quando eu o ouvi tocar Na Glória [de Ary dos Santos, Felipe Tedesco e Raul de Barros], eu pensei: “esse é o cara! Isto é o choro!”, aquela sonoridade linda do Raul. Hoje tem o Vittor Santos, o próprio Zé da Velha. Zé da Velha superou todo mundo, com aqueles contrapontos.

Como está o processo de gravação de teu disco? Graças a Deus terminamos. Está concluindo a mixagem. Osmarzinho [saxofonista, filho de Osmar] me ligou essa semana, minha sobrinha está fazendo a arte da capa. Tem que ter muito cuidado pra fazer a coisa. Sempre o segundo sai melhor, mas o primeiro a gente tem que dar uma caprichada pra sair legal.

É um disco solo? Solo.

Autoral? Autoral.

Todo autoral? Não, só cinco músicas.

E as demais? Uma de Antonio Vieira, O samba é bom, a de Josias é Terra de Noel, a de Joãozinho Ribeiro é Saiba, rapaz, e as duas de Cesar, eu não poderia deixar Cesar Teixeira de fora, Das cinzas à paixão e Rayban.

Todo instrumental? Todo instrumental. Eu sou suspeito pra falar, mas tá uma maravilha. Os músicos lá, não que a minha cidade não tenha grandes músicos, mas foi a oportunidade que me deram pra gravar isso, sem custos, sem patrocínio.

Sonho realizado? Sonho realizado. Tive um grande carinho dos músicos, professores da UFMG. [O trombonista] Marcos Flávio, um dos melhores do Brasil, um cara que tem referência internacional, que já tocou com [o trombonista] Raul de Sousa, com grandes músicos fora do país, gravou com uma simplicidade. Tranquilo! É professor de Osmarzinho em uma cadeira lá de chorinho. Ele me ouvia, cara. E me dizia: “Osmar, todo músico é bom naquilo que ele faz. Eu já ouvi tu tocar, tu é um talento nato”, ele falou pra mim. Não tem como não se emocionar.

Na entrevista anterior Zezé Alves [flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013] comentou a felicidade de saber que tu tinhas gravado o disco em Minas. Parece que foi por acaso, já que tu foste à Minas visitar um filho, não gravar um disco. Como é que foi esse processo? Osmarzinho foi em algumas rodas de choro. Toda vez que ele ia numa roda de choro, ele dizia “papai vem aí, papai toca trombone”. Tem um dia que acontece, que dá tudo certo, aí eu viajei pra Belo Horizonte. Geralmente no Bar Mosteiro, que fica na Savassi, lá em Belo Horizonte, é o point, é o point do choro, é a elite do choro de Belo Horizonte. É só músico bom, só músico talentoso! Osmarzinho disse assim: “papai, eu vou lhe levar primeiro lá no Mosteiro, depois eu te levo no Salomão, no Pastel de Angu, no Bolão”, e eu “tudo bem”. Quando eu entrei, já com trombone e tudo, que a galera olhou, rapaz, tem um pandeirista superengraçado, fora de série, ele levantou a cabeça e disse assim “pode tirar logo, que eu já sei que é pai de Osmarzinho”. Aí eu disse pra Osmarzinho, “e se eu não tocasse? Eu tava ferrado” [risos]. Uma coisa que eu achei muito legal é que o músico que toca em roda de choro é impecável. Uma vez Silvério me falou isso: “Osmar, a música não é brincadeira. A brincadeira tá no meio da música. Mas quando você tá tocando, tem que ter responsabilidade pra tocar certo, fazer tudo pra tocar tudo certinho”. Eu fiquei maravilhado com aquilo que ele me disse. Eu fui sentir lá em Belo Horizonte a capacidade da execução dos músicos. Quando eles perguntaram que música eu ia tocar, eu perguntei qual a música eles queriam que eu tocasse. Altamente sugestivo [risos], sugesta na manha. Mas eu sabia que eu poderia dizer que tava brincando, mas disse “olha, eu vou tocar o hino do trombone”. Eles perguntaram qual era, e eu disse “olha, na minha concepção é Na Glória, é uma música que eu acho que todo chorão tem que saber tocar, e vou tocar um choro que eu compus, chamado Cinco gerações [Osmar do Trombone]”. A paixão pelo choro foi instantânea. Os amigos do choro, tem uma turma lá, que é carteirinha, toda sexta-feira, juízes, advogados, engenheiros, profissionais liberais, aquela galera, alguns que já trabalharam em São Luís, perguntando como estão as praias, “ah, estão ótimas, poluídas, mas estão boas” [risos]. Eu toquei outras músicas, vários choros.

Você listou uma série de grupos de que já participou, mas não falamos ainda de grupos de choro. O que significaram pra ti? A pessoa quando tem na alma a música, qualquer música, soando bem em seus ouvidos, você toca, gosta de tocar. O choro, eu não sei por que, já há uns anos eu me identifico mais com choro e samba, é uma linguagem fantástica, aquela malícia, aquela malandragem da melodia, aquelas armadilhas, aquelas coisas que só a música pode falar por si. Os Cinco Companheiros tem mais de oito anos, foi no bar de meu amigo Chico Canhoto que teve a repercussão de grandes grupos de choro aqui de São Luís, e a gente fica muito feliz de participar, de ter a música na vida da gente, de ter a música como um elemento da vida da gente.

Tu tens quantas composições? Gravada, escrita, tem cinco. Mas já tenho outros seis choros prontos para passar para partitura. E eu pretendo fazer o próximo cd só com músicas minhas. Essas cinco que já estão no primeiro mais essas seis novas, que já estão praticamente prontas, faltando alguns acertos de melodia, algumas notinhas que ficam o tempo todo querendo mudança.

Quanto tempo você demorou para dar o disco por pronto? Olha [pensativo]… em novembro de 2011 a ideia, mas começou mesmo em maio de 2012, então tá com um ano. Sempre com cuidado.

Isso envolveu várias viagens. Cada viagem era uma história. Uma história de conhecer outros grupos, outras rodas de choro.

Dentro do que depende só de ti, tu pretendes colocá-lo na rua, fazer um show de lançamento em São Luís, quando? Depois que o cd estiver pronto eu quero convidar o meu amigo Ricarte para ser o intermediador dessa ideia de fazer um show de lançamento. Ele que tem muita experiência nisso aí, eu quero que ele me mostre o caminho. “Olha, fica melhor por aqui, em ambiente tal”, eu sou todo ouvidos. Foi a primeira pessoa em que eu pensei.

Mas tua ideia é fazer isso quando? O cd estará pronto agora, fim de junho, começo de julho. Eu gostaria de fazer em agosto, por que em setembro já está agendado para eu fazer lançamento em três casas de choro lá em Belo Horizonte: o Bar Mosteiro, o Pedacinho do Céu e o Salomão.

Além deste disco tu tens participação em outros discos? Tem. Na Companhia Barrica, participei de uns dois discos. Participei do cd dOs Foliões, Antonio Vieira ao vivo no Teatro Arthur Azevedo [O samba é bom, 2001], Vagabundos do Jegue, o cd do Fuzarca [grupo carnavalesco que reúne os cantores Cláudio Pinheiro, Inácio Pinheiro, Fátima Passarinho e Rosa Reis], o de Isaac Barros, Cabeh [o póstumo Esquina da solidão].

Você falou que despertou para o choro um pouco depois. O que significa o choro, pra ti, hoje? Ave Maria! É a música! O choro é a música! Não tem outra música. Aprendo muito tocando choro, a cada dia tu tem um ensinamento diferente, é um acorde, é uma maneira, um improviso.

Você gosta de tocar com essa geração mais nova? Adoro! Tem uma galera aí muito legal. Em São Luís, eu não sei, é meu ponto de vista, eu não sei se é falta de formação, de mostrar que choro é uma música legal, tem muita gente nova que não está tocando choro. Por exemplo, Daniel Miranda, que é trombonista do Quinteto de Metais, eu digo “Daniel, tu tem uma sonoridade legal, aprende a tocar choro”, ele não toca. Tocou uma vez, tu lembra, que um quarteto de trombones tocou o Tororoma [Saudades do Tororoma, música de Osmar do Trombone que homenageia um riacho de sua região de origem] lá no Clube do Choro Recebe?

Você ainda participa de algum grupo de choro em São Luís? Só free lance, quando me chamam eu toco.

E Os Cinco Companheiros? Os Cinco Companheiros toca de vez em quando. O problema maior é que não tem onde se tocar, não tem uma casa fixa. Todos os componentes dOs Cinco Companheiros tocam em outros grupos.

Você está vindo de Belo Horizonte, onde pode sentir a efervescência da cena, várias casas, vários grupos, e viveu também a experiência do Clube do Choro Recebe, no Chico Canhoto. A gente via, naqueles três anos em que o projeto existiu, um público cativo. Por que esse público não vai para outras casas, ver outras apresentações, de outros projetos? Eu acredito que pela inconstância. Deixaram de acreditar. Eles acreditavam tanto naquele projeto no Chico Canhoto, que aquilo ali era como se ir pra igreja todo domingo, rezar, já sabiam que sábado tinha. Eu encontro pessoas, “rapaz, era tão bom, por quê que acabou aquilo?” Um dia arrumaremos outra casa.

Como tu tens observado a cena choro, o desenvolvimento do choro no Brasil hoje? Tem muitos grupos no Brasil hoje tocando muito choro. Pode acessar a internet aí que tu vê. Nos Sescs, cada instrumentista fantástico. Tem muita coisa boa. Aqui tem grandes músicos.

Quais os chorões que tu mais gostas, que mais te tocam? Pra te ser sincero, Zé da Velha e Silvério Pontes, musicais, alegres. Tenho cds de [o clarinetista] Paulo Moura, que tá lá no outro andar, grande instrumentista, Yamandu [Costa, violonista sete cordas] tem um cd de samba e choro do Paulo Moura com o professor da Universidade Federal de Minas Gerais, o Cliff Korman [Gafieira Jazz, 2006]. Aquilo ali é uma maravilha, cara!

E no Maranhão, quem é que te enche os ouvidos? Tem uma pessoa aqui em São Luís, que já tocou comigo em vários grupos, que tocou no Osmarmanjos comigo em São João e Carnaval, e participou também de roda de choro, que é Daniel Cavalcante, toca trompete. Juca é excelente cavaquinhista, o [cavaquinhista] Rafael Guterres, [o violonista] João Soeiro, tem o Domingos Santos, o sete cordas, Solano [o violonista sete cordas Francisco Solano, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 26 de maio de 2013] é maravilhoso tocando aquele sete cordas dele, parece que ele tá é navegando, não tá tocando. Serrinha de Almeida [flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 3 de março de 2013] é um cara supertalentoso, concentrado, não é aquele músico de muita firula. Na última comemoração do Dia do Choro [23 de abril de 2013, na Associação Atlética Banco do Brasil, Serra de Almeida foi homenageado em evento anual que reúne diversos chorões de São Luís] eu achei fantástica, impecável a apresentação de Serrinha. [O flautista] João Neto é um excelente músico. Então, pra não ser indelicado com alguns que eu não lembre, aqui tem muitos músicos, estamos bem servidos. Falta é apoio, principalmente dos poderes maiores, culturais, que nós não temos. A sede do Clube do Choro ficou só no papo de político, ninguém fez nada por aquilo.

Com tudo isso que você fala, é possível prever um bom futuro para o choro no Maranhão? Como tou te falando: só se tiver apoio. Eu não digo nem do poder público, mas da iniciativa privada. Vamos investir, vamos patrocinar o músico.

Mas você não acha que falta iniciativa dos músicos, perceberem a capacidade de gerar essa movimentação? Sim, tem essa carência, essa falta de pulso, de chegar e tomar a frente da coisa. A inviabilidade, às vezes, é até pela forma de retorno financeiro. Tem muita gente que vai tocar choro, vai numa roda de choro, e não tem retorno. A cidade não tem grandes empreendimentos para você ter um salário digno. O músico, geralmente, se ele viver só de música, já é precário. Faltam políticas públicas, oportunidades, incentivos. O músico pode se mexer, mas ele tem que ter pra onde se mexer.

Chorografia do Maranhão: Zezé Alves

[O Imparcial, 9 de junho de 2013. Cá no blogue um tantinho maior

Oitavo entrevistado da série Chorografia do Maranhão, Zezé da Flauta tornou-se Zezé Alves e investe na formação para a continuidade da cena.

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Estavam enganados os que pensavam que uma cirurgia cardíaca diminuiu a atividade e/ou a intensidade musical de Zezé Alves: ele apenas mudou o foco, trocando os palcos pelas salas de aula. Trocando, não, que o professor já dava aulas enquanto o artista apresentava-se nos bares e bailes da vida.

É o próprio músico, nascido no Maracanã, em São Luís, em 8 de dezembro de 1955, “dia de Nossa Senhora da Conceição”, ele emenda à data, quem faz a distinção entre o Zezé Alves de hoje e o Zezé da Flauta de outrora. Filho do paraibano José Alves da Nóbrega e da doméstica Inês Alves da Costa, ele chegou a morar em Bacabal, onde lembra de ter ouvido choro pela primeira vez na vida, ainda criança: “Palito, mestre Palito, José de Brito, que era dono de um conjunto em Bacabal. Saxofonista, dono do Brito Som Seis. Chegou a ser um dos maiores do nordeste. Era meu vizinho, morava de frente a minha casa. Eu saía, chegava na porta, ele estava tocando Saxofone, por que choras? [de Ratinho].

Sua mãe “fazia aqueles reisadinhos, aqueles autos, tocava cabaça, gostava muito de cantar, talvez esta seja a origem familiar”, afirma, sobre sua musicalidade. “Sempre fui muito musical”, continua. “Quando comecei, criança, eu cantava, eu era cantor, cantava Waldick Soriano. Talvez a coisa da minha musicalidade seja a seguinte, tem uma história muito interessante. Quando eu era criança eu era muito fraquinho das pernas, cheguei a ir a médicos, tomar remédios, pra ficar mais forte. E tinha um rádio e eu ficava sentado debaixo desse radio, num caixotezinho, um banquinho, um tamborete, ouvindo todas as músicas do rádio da época, da década de 1950, virando pra 60, Orlando Silva, Waldick Soriano, eu repetia todas essas músicas”, começa a contar antes mesmo da primeira pergunta.

Além de flauta, Zezé toca violão, para compor e estudar harmonia. Depois de ter ajudado a formar muitos músicos que hoje tomam conta da cena local, o professor da Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo considera-se uma espécie de “Bota pra Moer”, apelido de Antonio Lima, folclórico personagem ludovicense que carregou uma bandeira numa passeata contra o governador Eugênio Barros, em 1951. “Até aqui eu vim, mas daqui pra frente arranjem outro que seja mais doido do que eu”, teria afirmado, conforme relata Lopes Bogéa no raro Pedras da Rua (1988).

Zezé Alves recebeu os chororrepórteres em casa. Isto é, na Sala Leny Cotrim Nagy, na EMEM, a mesma que serviu de cenário para uma das fotografias do encarte de Choros Maranhenses, disco de estreia do Instrumental Pixinguinha. Estudantes de música em aula em duas salas contíguas garantiram a boa trilha sonora da conversa.

Além de músico, qual a tua outra profissão? Eu fui criado por outra família e essa família não queria que eu fosse músico, pois o pai desse pai que me criou não se deu bem, era saxofonista. Eles não queriam, eu tive que sair de casa. Eu comecei a tocar, tocar mesmo, com 22 anos já. Mas eu só vivia cantando. Na realidade me formei em contabilidade, sou contador, técnico em contabilidade. A outra profissão seria essa, por que eu trabalhei com meu pai por muito tempo num comércio, eu sei muito de comércio.

Você exerceu a profissão? Não, não exerci a contabilidade. Mas trabalhei junto no escritório dele muito tempo, ajudava nessa área. Aqueles irmãos do Six [o cavaquinhista Francisco de Assis Carvalho da Silva] eu conheci todos do Banco do Brasil por que eu ia pagar as duplicatas do comércio do meu pai e os via lá.

Quando tu falas que começaste a tocar com 22 anos, isso tu falas profissionalmente? É, por que eu cantava, eu já arranhava um violãozinho, tocava Eu só quero um xodó [de Dominguinhos e Anastácia, sucesso na voz de Gilberto Gil], tocava flauta doce, pra cima e pra baixo, pra cima e pra baixo [repete enfatizando]. Quando chega em 77, em 76 eu saí de casa, em 77 é que aí eu digo que é o meu marco: eu participei de um show chamado Boca do Lobo, de [o compositor] Sérgio Habibe. Esse show foi o primeiro com características de show, com banda, com [o violonista] Joaquim Santos, [o compositor] Ronald Pinheiro, e eu na flauta começando. Por que na realidade, meu professor de música, meu primeiro mestre de música, é o Sérgio Habibe, é meu mestre mesmo! Quando [o violonista] João Pedro [Borges, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 14 de abril de 2013] volta à São Luís, em 97, eu já o conhecia, ele de certa forma passou a ser o meu mestre, me convidou para trabalhar no Musiceuma junto com ele, aí foi que eu comecei a reforçar mais a ideia de ser educador musical. Ele reforçou isso. Eu comecei essa carreira, de 77 pra cá, comecei no show dele [de Sérgio Habibe], ele trouxe uma flauta do Rio de Janeiro, daqui a pouco eu tava tocando com todo mundo. Eu é que fui o “Bota pra Moer”, até enquanto surgiu o [flautista João] Neto, Paulinho, Lee Fan. O que eu quero agora é a função de educador. Até por que eu gosto de ensinar, sempre gostei de ensinar, eu ficava dando aula em mesa de bar [risos].

Se tu pudesses citar três músicos que foram bem influentes pra ti, do começo até agora… Palito foi o primeiro cara que eu ouvi tocar. Mas, claro: Sérgio Habibe, Chico Maranhão e João Pedro Borges. Por que Chico Maranhão também influenciou muito na minha vida, estive em São Paulo, acompanhando-o no Lances de Agora [1978]. As pessoas às vezes dizem [imita um cochicho] “ah, por que Chico Maranhão é um cara chato” [volta ao tom normal], quem é amigo dele não acha. Eu sou amigo dele, de ele ligar “vem comer aqui um tabule comigo”.

Esses três nomes que tu citaste, de João Neto, Lee Fan e Paulinho, seriam os nomes de destaque, na flauta, hoje, no Maranhão? Sim, sim. A gente não pode negar o Serra [de Almeida, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 3 de março de 2013], o grande Serra, pelo tempo, pela história dele, aquela qualidade que ele tem de tocar, lembrando Copinha, lembrando Carrilho, inclusive o Sérgio me disse isso uma vez, “Zezé presta atenção, toca igualzinho”.

Você vive de música? Vivo de música como professor de música. Sou funcionário do Estado e hoje, depois de uma pós-graduação, estou professor substituto na UEMA. Como instrumentista, o que eu ganhava era pra pagar a passagem no outro dia e tomar uma e tal. Então, sobrevivo de música, como professor, dou aulas particulares.

Tu tens uma preocupação muito grande com o registro da obra de chorões, seja no disco [Choros Maranhenses, de 2006] do Instrumental Pixinguinha, seja no Caderno de Partituras [2012]. A gente percebe que o registro ainda é uma fraqueza, mesmo com todas as tecnologias hoje disponíveis. A que tu creditas essa pobreza de registro? O pouco registro se deve a certo descaso nosso mesmo. Nós admiramos muito o que é dos outros, muita besteira. Se você ver pessoas como Cleômenes [Teixeira, compositor], Tomaz de Aquino, eram grandes professores, saxofonistas, mas não houve nenhum registro. As condições técnicas não havia, agora é que estão surgindo gravadoras com nível, mas na década de 70 não havia onde, edição de partituras era raridade. Agora é que a Escola de Música vai ter um banco de partituras, quer dizer, quase 40 anos depois [da fundação da EMEM]. O Rabo de Vaca foi um grupo que eu sempre disse que é uma escola, muita gente passou por ele: Ronald Pinheiro, [o compositor] Josias Sobrinho, [o compositor] Beto Pereira, [o contrabaixista] Mauro Travincas, todo mundo passou, mas tem pouco registro. Josias deve ter uns k7s. A gente não ligava para registrar, não havia recursos tecnológicos, nem apoio.

O Rabo de Vaca foi importante para o desenvolvimento da música do Maranhão. De que outros grupos você participou? O mais importante foi o Rabo de Vaca. O Rabo de Vaca é a cabeça de Josias. Ele tinha saído do Laborarte e eu entro no Laborarte, era muito amigo de Nelson Brito [ator e diretor teatral, ex-diretor do Laborarte], que trabalhava numa loja de discos de um tio dele, tava todo mundo debandando, e havia um departamento de artes, eu entrei, o período em que fiquei no Laborarte, Josias saiu, mas o [a peça] Cavaleiro do Destino ainda estava sendo encenado. Eu entrei para tocar violão nas peças. Em outubro [de 77] o Aldo Leite monta uma peça chamada Os Saltimbancos, e se não me engano, foi o segundo lugar em que foi feito com músicos ao vivo. No Rio de Janeiro era feito com músicos, depois no Maranhão. Nos outros lugares era playback. Na do Maranhão o Aldo Leite convidou Josias, “monta um grupo”, e se fez ao vivo. Josias convidou Beto Pereira, Mauro Travincas, acho que [o percussionista] Manoel Pacífico e Vitório Marinho, um cara que pouca gente fala, um moço cego que tocava violino. A gente tinha público. Foi um grupo muito importante para a música maranhense. Depois disso, Beto Pereira fez um grupo para tocar música maranhense em barzinhos, tocou muito, o Amor de Canela, era eu, [o percussionista] Carbrasa, Mauro, [o percussionista] Jeca e Beto, o banda líder [aportuguesa o band leader]. E no Maçaroca [1986], disco dele, ele gravou uma música nossa [Campo Cidade, parceria de Zezé Alves e Paulinho Lopes]. Depois teve outro grupo, eu, Omar Cutrim, Fazendo Mel, que era uma música dele…

E o [Instrumental] Pixinguinha? Aí sim, aí é que vem o Pixinguinha. A gente já era professor da Escola de Música, eu, Marcelo [Moreira, violonista], [o bandolinista] Raimundo Luiz, quando [Francisco] Padilha chegou, começou a ser diretor da Escola, teve essa ideia, junto com Marcelo, que era carioca, a escola precisava criar um núcleo de música popular, criaram a Big Band junto com Tomaz e Marcelo encabeçou, de certa forma, a criação de um grupo de choro. Por que um grupo de choro? Por que é a nossa música, com raiz no samba. Por que Instrumental Pixinguinha? Por que foi o maior arranjador e não sei o quê e não sei o quê. O Instrumental Pixinguinha vingou, tocamos em muitos lugares, fez um trabalho belíssimo, aquele cd, Choros Maranhenses, pioneiro, que esse caderno [aponta para o Caderno de Partituras] é uma continuidade dele, aqueles dez choros e mais alguns. Pra não falar dos compositores que eu acompanhei. Com [o cantor, compositor e violonista] Chico Nô e Lazico [o percussionista Lázaro Pereira] a gente teve um trio chamado Trio Tom, tocávamos Bossa Nova, é outro grupo de que participei. Toquei muito no Cacuriá de Dona Teté. De início era só caixa, depois tiveram a ideia de botar flauta, depois eu fiquei tocando, viajei o Brasil todo por conta do Cacuriá de Teté.

E atualmente? Atualmente eu sou titular, fundador do Pixinguinha. Emérito [risos]. Atualmente o que eu quero mesmo é essa coisa de educador musical.

Quando tu começaste a dar aulas na Escola de Música? Essa coisa da Escola de Música é interessante. Teve um governo, na época da Olga Mohana, ela foi ao Rio de Janeiro, e alguém escolheu para ela, uma porção de professores. Estes professores moravam no Seminário Santo Antonio, ela era irmã do padre João Mohana. Os caras ganhavam uma grana, na época coisa de 10 salários mínimos. Nós tivemos Watanabe, grande violinista, Emanoel Martinez, hoje regente do coral de Curitiba, Mércia Pinto, Cidinho Ornelas, então foi um naipe incrível. De repente foi todo mundo embora. Dessa leva o cara que ficou e hoje é uma figura importante é o Marcelo Moreira. Quando Padilha chega, pegou os alunos mais avançados e transformou em professores. Era eu, Raimundo Luiz e alguns outros.

Uma das críticas recorrentes à Escola de Música é a erudição, o distanciamento da pulsação de São Luís, uma coisa mais de cultura popular. Isso parece que vem sendo equacionado nos últimos anos. Vem sim. A Escola, quando ela foi lançada, na época da professora Olga, ela foi pensada nesses moldes, de formar músicos de orquestra. Ela era meio mãe, e dizia “tu vai estudar viola e tu vai estudar piano”, ela era quem dizia. Por um bom tempo ela ficou nisso, ficou nessa insistência. A primeira aluna formada aqui, grande pianista, com [o então governador do estado] João Castelo entregando diploma e tudo, foi a professora Rosimary Fontoura. Hoje em dia se forma muito aluno na área popular, violonista, baterista, cavaquinhista. Quando chega a música popular na escola, que é quando a direção chama Jayr [Torres] pra dar aula de guitarra, Diógenes pra dar aula de contrabaixo, Jeca chegou a dar aula de percussão, abriu concurso, hoje em dia Rogério Leitão é professor de bateria da casa. Essa vertente, chamada núcleo de música popular, ainda hoje em formação, com isso a escola se tornou uma coisa mais popular, encheu. O Jayr Torres faz toda sexta uma coisa chamada Sexta Musical, Sexta Jazz, enche. 90% dos alunos da escola são evangélicos. Isso mudou, se não a escola estaria do mesmo jeito.

Tu tocaste em alguns discos importantes, como Lances de Agora, Pedra de Cantaria [disco coletivo gravado em Belém, reunindo diversos compositores maranhenses, entre eles Chico Maranhão, Josias Sobrinho e Giordano Mochel], Maçaroca, Choros Maranhenses. Eu queria que tu lembrasses outros discos que têm tua flauta. O de Fátima [Passarinho, Voos, 2007] eu fiz uma flauta lá. Com Joãozinho Ribeiro eu participei daqueles shows do Samba da Minha Terra [temporada de 18 shows em bairros ludovicenses produzida por Vanessa Serra] e agora da gravação do Milhões de Uns [estreia de Joãozinho Ribeiro em disco, gravado ao vivo no Teatro Arthur Azevedo, a ser lançado em breve], em que ele gravou uma parceria nossa [a música Rua Grande, interpretada por Lena Machado]. De Sérgio eu nunca toquei em nenhum disco dele, ele gravava quase tudo no Rio. Fiz pontas em outros.

O que é o choro pra ti? Que importância tem para a música feita no Brasil? A visão que eu tenho é a que todo mundo tem: o choro como raiz dessa música popular urbana. Tem essa história toda que vocês já conhecem, da década de 30 pra cá, com Noel Rosa, com Pixinguinha. Como raiz dessa música, a mistura do batuque com a música que veio com o colonizador europeu, que criou a escola nacional, tocaram juntos com os músicos que vieram nas caravelas, e daí, teve o momento de renascimento, a partir do momento em que os caras vão estudar em Berkeley, depois a chegada da Odete Ernst Dias, que é uma mãe de todos os flautistas. O choro, a importância dele é inconfundível, inegável. Tem que estudar o choro para compreender a música brasileira. Aquela máxima de que tudo é choro, de repente vale, tudo é choro, tudo é baião. Luiz Gonzaga quando chegou no Rio, chegou tocando choro. Aliás, Gonzaga é nosso primeiro músico pop.

Como tu observas o choro hoje? Já está começando a se universalizar. Já está tendo outras influências, já estão fazendo choros mais modernos. Se você pegar o [violonista] Guinga, já faz choros mais elaborados, com a influência do jazz – Influência do Jazz [Carlos Lyra] é o nome de uma música da bossa nova [risos] – ele não tá parado, ele tá evoluindo. A pessoa hoje em dia já não estuda choro só pra tocar choro como antigamente. Ele está enriquecendo. O cara pega, estuda, vai atrás, vai fazer uma boa música.

Que nomes tu destacarias nessa cena? Gostei muito do [saxofonista] Eduardo Neves. Alguns que eu nunca mais ouvi falar, mas são muito interessantes, o [saxofonista] Zé Nogueira, o [saxofonista Mauro] Senise, assim, que eu conheço mais. Atualmente, que eu conheço, o Guinga, que a gente pode considerar um cara do choro. Tem aqueles já mais tradicionais, [o trombonista] Zé da Velha, [o trompetista] Silvério Pontes. É tanta gente que não dá para dizer um ou dois só, tem muita gente fazendo choro.

Tu disseste que tua obra como compositor é pequena. Saberias precisar em números? Quantas composições? Ah, poucas. Por que na realidade eu fiz esse choro, Candiru [parceria com Omar Cutrim gravada em Choros Maranhenses], tenho duas músicas só, mais, assim. O resto tudo tá no baú, eu toco quando me lembro. Choro é só essa. O resto são baladas, são músicas seis por oito. Com Paulinho Lopes eu tenho umas coisas que nunca foram gravadas.

Independentemente de compor choro, tu te consideras um chorão? [Pensativo, demora a responder] Não. Não. Essa resposta é meio doída, mas eu não me considero um chorão, não. Por que eu me interessei pelo choro quando foi criado esse grupo que eu tive que aprender a tocar, a mergulhar. Por que com o Rabo de Vaca eu tocava era os bois da gente, os baiões, frevo, xote, xaxado. Quando era criança, o primeiro cara que eu ouvi tocando Saxofone, por que choras?, mestre Palito, todos aqueles discos de Pixinguinha, Altamiro Carrilho na banda do Palhaço Carequinha, tudo aquilo eu ouvia.

Como tu observas o atual momento do choro no Maranhão? O choro no Maranhão, se for pegar na raiz, a gente tem sempre os antigos, por que eles tocavam choro mesmo, todo mundo tocava, tocou-se muito choro. Se você pegar, todo mundo, Cleômenes, Palito, seu Raimundo Amaral. Aqui em São Luís, a referência que eu tenho é o [Regional] Tira Teima, é Ubiratan [Sousa, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 12 de maio de 2013], Paulo Trabulsi. O Pixinguinha foi o segundo grupo. Depois do Tira Teima e do Pixinguinha, não demorou muito, o Pixinguinha reinou um pouco, aí começaram a surgir, por exemplo, o Chorando Callado, com Tiaguinho [o saxofonista e clarinetista Tiago Souza], hoje tem Wendell [Cosme, bandolinista e cavaquinhista], que tá um figura, indo gravar em Brasília, São Paulo, tem esse menino do bandolim, o Robertinho Chinês [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013], tem o João Eudes, os filhos de Osmar, tem Osmar [do Trombone], que eu fico muito feliz por ele, foi visitar o filho, os colegas adoraram, ele virou estrela, está gravando o disco lá em Minas. Quer dizer, continua aquela coisa, Clube do Choro sem sede, o povo se reunindo aqui, aqui, ali, mas tem uma geração boa tocando. Meus alunos, quando eu falo, dou o caderno pra todo mundo, “ah, tocar choro” e tal. Tá todo mundo tocando choro.

Nesse processo de pesquisa para o Caderno de Partituras, quais foram as principais dificuldades? Não houve muitas dificuldades. As 10 partituras do disco eu já tinha. Minha ideia foi recolher mais uma de cada. Eu editei, fui nos autores pra corrigir. Escolhi algumas que achava muito importantes. Cesar Teixeira não podia deixar de ter. Algumas partituras eu escrevi, mas a maioria os autores já me deram.

Quem são os teus compositores preferidos da música popular no Maranhão? Aí vão entrar as paixões. A ordem é aquela mesminha: Sérgio Habibe é um cara maravilhoso, o Chico, Josias, tem um cara que eu tenho lembrado muito dele agora, por causa dessa história do Bandeira de Aço, que é o Mochel. Cesar Teixeira inegavelmente, tem características muito próprias, de samba, tem aquela consciência política dele muito forte. É um cara muito especial.

Quais os teus próximos projetos no campo da música? Me aprofundar mais. Fazer um mestrado, se der. Aprofundar.

Qual é a diferença entre o Zezé da Flauta e o Zezé Alves? O Zezé da Flauta surgiu a partir do momento em que eu peguei uma flauta e comecei a tocar em shows, com todo mundo. É a história do “Bota pra Moer”, eu chegava e o pessoal, “olha Zezé!”, e eu onde chegava tirava, e tocava, de graça, toquei muito, tava aprendendo, toquei muito romanticamente. Esse é o Zezé da Flauta. O Zezé Alves é o educador, que começa a racionalizar mais as coisas. Todos dois são legais [risos]. As pessoas me chamam de Zezé da Flauta, gente que me reencontra depois de não sei quantos anos. As pessoas que me conhecem hoje já me chamam de Zezé Alves.

Essa distinção entre um Zezé e outro tem a ver com o consumo de álcool? Não. Por que Zezé Alves ainda bebeu pra poxa [risos]. Todo mundo que passa por essa cirurgia do coração muda muito. Eu acho que é por que o cara vai lá e volta [risos]. Mas não tem a ver não.

Você vê algum futuro para o choro no Maranhão? Não só para o choro. Teu programa [o Chorinhos e Chorões que Ricarte Almeida Santos apresenta aos domingos, às 9h, na Rádio Universidade FM, 106,9MHz], uma iniciativa como a do Alê Muniz, lembrar os 35 anos de um disco [o show em que o projeto BR-135 homenageou o Bandeira de Aço no Teatro Arthur Azevedo]. A música do Maranhão precisa se organizar. Elizeu Cardoso, Bruno Batista, há uma moçada nova muito boa, são mais organizados. A gente era mais romântico.

Tu hoje estás mais concentrado na função de professor. Mas o que te tiraria de casa para um palco ou um estúdio? O convite de grandes amigos, participar de um projeto interessante, com minha turma. Mas mesmo para pessoas de hoje eu não me nego. É só me ligar e marcar que eu vou.

Novo?

Novo?

Está nO Imparcial de hoje (18). O Seminarista, o “novo” livro de Rubem Fonseca, lançado em 2009, sobre o qual eu mesmo escrevi no comecinho de 2010. O mestre já lançou ao menos dois livros depois deste “novo”.

 

Chorografia do Maranhão: Francisco Solano

[O Imparcial, 26 de maio de 2013

Sete cordas do Tira Teima é o sétimo entrevistado de Chorografia do Maranhão: acaso ou destino?

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Francisco Solano Rodrigues Neto nasceu em 1º. de fevereiro de 1953, no centro de São Luís do Maranhão, filho do bioquímico José de Ribamar Nina Rodrigues, falecido, e de Helena Simões Rodrigues, prendas domésticas. Aprendeu a tocar violão ainda criança, por influência do pai, que gostava de tocar em casa e sonhava montar um conjunto com os filhos, para confraternizações caseiras, sem quaisquer pretensões profissionais. Os dois – ele e o pai – chegaram a ser colegas de aula na Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo.

Técnico em equipamento médico, hoje empresário do ramo, Solano é músico por hobby, como ele mesmo afirma. Não sabe precisar a data em que passou a integrar o Tira Teima, mais antigo grupamento de choro do Maranhão em atividade, atualmente às voltas com a gravação de seu primeiro disco.

Atual presidente do Clube do Choro do Maranhão e titular do violão sete cordas do Tira Teima, o músico recebeu a equipe de O Imparcial/ Chorografia do Maranhão no terraço do Brisamar Hotel (Ponta d’Areia), palco do regional às sextas-feiras. A dança dos coqueiros ao vento e o vai e vem da maré fizeram parte da paisagem perfeita para a conversa, descontraída, regada a cerveja e camarões empanados. Era uma noite de terça-feira de clima agradável em São Luís.

Apesar da agenda musical intensa – com o Tira Teima Solano toca ainda às quintas-feiras no Barulhinho Bom (Lagoa) e aos sábados no Restaurante Tai (Calhau) – o músico confessou sua saudade do projeto Clube do Choro Recebe.

Como era teu universo musical familiar? Quem mais te influenciou em casa? Em casa foi meu pai. Ele tocava violão e começou a me ensinar um pouquinho, eu pegava o violão dele. Depois ele começou a tocar flauta, e a gente tocava choro, eu no violão, ele na flauta. Em casa! Fora de casa ele não tocava em lugar nenhum. Antes de eu sair pra tocar fora, de procurar aprender, foi essa minha realidade, só em casa. Ele gostava muito de [o flautista] Altamiro [Carrilho]; e no violão, de Dilermando [Reis]. Ele estudou na Escola de Música [do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo], nós estudamos juntos. Nós saímos quando o [ex-diretor da EMEM e ex-secretário de Estado de Cultura do Maranhão Francisco] Padilha resolveu colocar uma prova para ver em que lugar cada um estava. Por que tinha gente que estava no último período e não sabia nada, e tinha gente que estava no começo e sabia muito. Eu estava no terceiro ano, fizeram a prova e não deixaram eu voltar mais [risos].

Altamiro e Dilermando eram os preferidos dele. Era de quem ele mais comprava discos? De choro ele comprava tudo o que encontrasse, mas também gostava muito de samba, de jazz, tinha de tudo, música internacional e nacional, era música boa [risos].

Tua escolha pelo violão se deve a quê? Meu pai queria que nós tocássemos. Queria que a gente fizesse um grupo. Então ele incentivou meu irmão a tocar violão, ele ia tocar flauta e me incentivou a tocar acordeom. Aí ele comprou pra mim uma sanfona de 120 baixos, eu tinha 10 anos de idade. Contratou um professor ali no fundo do [extinto cinema] Eden [hoje loja Marisa, na Rua Grande], e eu morava na rua de Santana no fundo da [extinta loja de departamentos] Lobras. Pra eu carregar esse acordeom até a casa do professor eu acabei com a caixa, arrastando. E não aprendi nada [risos]. Resultado: larguei o acordeom, meu irmão não quis saber do violão e eu peguei o violão.

Até então seis cordas? Seis cordas, Del Vecchio.

Tinhas mais ou menos que idade? 10 anos, 11 anos… Não houve nenhuma evolução disso aí. Casei, larguei tudo, e fui retomar o violão, já com mais de 30 anos, 33 anos. Foi uma viagem que fiz ao Rio de Janeiro e lá eu conheci o Élcio do Bandolim, e ele me levou para assistir a um ensaio deles. Aí eu me invoquei pelo [violão de] sete cordas.

Teu pai tinha vontade de que vocês tocassem, isso na década de 1960. Não havia aquela preocupação com o estereótipo do músico? Boêmio, vagabundo, o preconceito da época? Tinha. Ele gostava, considerava que a coisa da música a gente levasse a sério, mas sem pensar em profissionalismo. Se desse, tudo bem. Mas a música como um motivo para a gente confraternizar, a finalidade que ele imaginava era essa.

Além de teu pai, quem foram os teus principais mestres no aprendizado do violão? Marcelo [Moreira, violonista, professor da EMEM; Solano se confunde com as datas em que tomou aulas com ele, inicialmente chutando a década de 70], anos 90.

Depois daquela viagem ao Rio? Sim. Foi em 1983 a viagem.

O fato principal de tua retomada à música foi essa viagem ao Rio?Brenha Neto tinha muita amizade com Raul [do Cavaco], com [o percussionista] Mascote. Eles se encontravam todo sábado, eles chamam de Navio, [um bar] ali perto do Nhozinho Santos. Eles começaram a me levar e isso mexeu comigo. Aprendi muita coisa ali. Eu conheci Raul lá. Eu tinha uma viagem para o Rio e ele pediu que eu levasse o cavaquinho dele para consertar. Era um Do Souto, eu nem sabia o que era isso. Levei, fui lá na Bandolim de Ouro [famosa luteria carioca], e conheci o Élcio. Aí é que foi a história!

Você nunca viveu exclusivamente de música? Pra te ser sincero, a única coisa que eu fiz com recurso de música foi comprar um violão. Eu fui convidado por Juca [do Cavaco] e [o cantor e percussionista] Zé Costa pra fundar o [grupo] Amigos do Samba. Nós estávamos ensaiando nessa época na minha firma, eu, [o bandolinista] Jansen, [o percussionista] Carbrasa, querendo fazer um trabalho. E Juca apareceu, querendo fundar, eles tinham saído do [grupo] Sambando na Praia. Eu resolvi aceitar. Eu disse: “olha, eu tenho um projeto aqui, que é de comprar um violão “João Batista”. Eu vou tocar até pagar meu violão, no dia que eu pagar, acaba”. Foi um ano certinho [risos], a gente tocando no Caneco [choperia na Rua do Norte, centro, hoje dedicada às serestas de teclado], samba. Aqui e acolá tinha um choro.

Tu estás no [Regional] Tira Teima desde quando? Não tenho a data assim bem definida. Eu comecei no Tira Teima por que Gordo [Elinaldo] sempre foi muito ocupado. Ele que era o violão do Tira Teima [antes de Solano], e ele arranjava os contratos e não ia. Aí ligava pra mim: “Solano, vai lá!”. Aí eu ia, quando estava pra terminar, ele chegava. Mas o violão era ele. Essa situação, nas reuniões ele não estava, aí o pessoal resolveu me assumir [risos]. Ele mesmo abandonou, muito trabalho, Boi Barrica, viagens. Não ficou definida a minha entrada na história.

Você conviveu com [o compositor e instrumentista] Zé Hemetério? Quem era ele? É um de nossos maiores nomes do choro do Maranhão? Convivi. Eu mesmo posso dizer que aprendi muita coisa com ele. Foi um dos maiores músicos que conheci. Era profissional de música. Tocava violino com uma técnica apurada, veio da Baixada [maranhense], estudou com os padres. Era um músico completo, lia partitura, tocava violino. Instrumento de corda ele tocava tudo: bandolim, violino, cavaquinho, violão… É realmente uma grande referência! E principalmente às pessoas a quem ele passou conhecimento. Gordo foi um discípulo de Zé Hemetério. Eles tinham um repertório monstruoso, tudo ensaiadinho.

Qual a outra grande referência para vocês, dessa geração, dos anos 70 pra cá? [Os violonistas] João Pedro [Borges, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 14 de abril de 2013], Joaquim Santos. A Escola de Música pra mim foi muito importante pelos encontros. A gente tinha muita oportunidade de trocar, de conversar. Foi muito importante, pra me trazer o que é a coisa do meio da música. Outra referência muito importante é o Tira Teima. O próprio Gordo, Paulo Trabulsi. O que eu consegui desenvolver com a minha pouca tendência musical eu devo muito ao Tira Teima, muito a Zeca [do Cavaco], muito a Paulo, Gordo. Essa troca, sem ser aquela coisa de sala de aula, a vivência. Isso pra mim foi a minha consolidação.

Tu consideras a roda de choro uma grande escola? Eu acho que é a maior. A escola do choro é a roda. Você pode ir para escola de música desenvolver técnica, mas a escola do choro é a roda, não tem outro caminho. É você sentar e o músico jogar o choro na tua cara e tu ir atrás. O choro nasceu assim e só tem valor se for assim, no meu entender.

Tu estavas na gravação do Tributo a Zé Hemetério [música de Gordo Elinaldo registrada pelo Tira Teima no disco Na palma da mão, estreia do grupo Serrinha & Cia]. Comente um pouco do clima. Eu estava fazendo seis cordas e Gordo sete. Ali eu vi uma coisa que eu já sabia de Gordo, o talento dele, a sensibilidade para dirigir em estúdio. Fiquei impressionado com a competência, era uma experiência que eu não sabia que ele tinha, dirigindo até os cantores.

De que outros grupos musicais tu fizeste parte? O [Instrumental] Pixinguinha foi o primeiro grupo que nós criamos. Fomos nós quem fundamos: eu, Jansen, Marcelo, aí nós convidamos [o violonista] Domingos [Santos] para fazer seis cordas. Nós fizemos um espetáculo tocando a Suíte Retratos [de Radamés Gnattali]. Antes disso nós fizemos o programa de Gabriel Melônio no canal 2, Teclas e cordas. Gravamos Estrela [de Joãozinho Ribeiro] num disco de Rosa Reis. Depois disso acabou o Pixinguinha, deixamos de ensaiar [o grupo existe hoje, com outra formação].

Além do de Serrinha, com o Tira Teima, e o de Rosa, com o Pixinguinha, tu participaste da gravação de outros discos? Toquei em quatro faixas do Memória [Música do Maranhão, 1997]. Botei violão no disco [Esquina da solidão] do Cabeh [Carlos Alberto de Sá Barros], que foi o primeiro diretor da Rádio Universidade FM. Ele deixou só a voz guia, morreu antes do disco ficar pronto. Botei violão em algumas faixas desse, ele queria que eu tocasse em todas, mas achei melhor não, e gravei também num outro disco dele.

Na entrevista anterior da série, Ubiratan Sousa [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 12 de maio de 2013] revelou estar em São Luís para trabalhar no disco de estreia do Tira Teima. Como está esse processo? Nós estamos pleiteando recursos, projeto. A intenção inicial era fazer um disco caseiro, até mesmo buscar um estúdio só para ter qualidade, mas fazer uma coisa nossa mesmo. O próprio Ubiratan conversando com Paulo sugeriu que a gente fosse atrás dos recursos.

Além de instrumentista você desenvolve alguma outra habilidade na música? Tive uma experiência de arranjador naquele show do Pixinguinha.

E composição? Uma música, por acaso o primeiro nome dela era Lembrando Élcio, que eu fiz baseado numa harmonia que ele me ensinou no Rio. Depois eu fiz duas partes e mudou o nome para Companheiro e Paulo fez uma terceira parte. É um choro que vai estar no disco [do Tira Teima].

O repertório dessa estreia do Tira Teima será autoral ou a regravação de clássicos? A nossa ideia é gravar nossas músicas. Há possibilidade de a gente ir buscar alguma coisa fora. Paulo tem três, fora essa que a gente tem em parceria, Serra [de Almeida, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 3 de março de 2013] tem quatro. A gente quer tocar alguma coisa de Cesar Teixeira, mas tudo música maranhense.

Qual a formação atual do Tira Teima? Hoje é eu, Zé Carlos [percussão], Paulo [cavaquinho], Zeca [cavaquinho e voz] e o João [Neto] tá fazendo a flauta. [O flautista] Serra está um pouco afastado, às vezes por problemas de saúde, cansaço. Mas a gente faz questão que ele participe do disco, embora ele não esteja tocando direto com a gente.

Como tu estás observando o movimento do choro no Brasil hoje? No Rio deu uma esfriada. Em São Paulo deu uma crescida. Brasília, acho que continua a mesma coisa, muita gente nova estudando, muita coisa que motiva. Em São Paulo há uma disputa entre os músicos, muito jovem tocando. É incrível, tudo lotado. É realmente impressionante. Eu acho que aqui deu uma melhorada agora, ultimamente. A gente mede por nós mesmos, mas a frequência de público é muito pouca. Eu acho que a gente tem que falar da época do Clube do Choro Recebe, realmente ali foi o auge. Nossa experiência hoje é lembrar daquilo. Com relação à meninada, aos que tocam choro hoje, devem àquela época.

Mas essa melhorada de que tu falas é na época do Clube do Choro Recebe [2007-2010] ou herança do projeto? O Clube do Choro, não só o Clube do Choro Recebe, desde a época que era na [Associação do Pessoal da] Caixa, estimulou muita coisa. Meninos novinhos tocando, da Escola de Música. Houve um estímulo. Você vai estudar um estilo de música pra fazer o quê com ela? A gente criou um palco, as pessoas podiam tocar, choro começou a dar dinheiro. Essa meninada que toca hoje, esses meninos que tocam muito, como [o cavaquinhista e bandolinista] Robertinho [ChinêsChorografia do Maranhão, O Imparcial, 3 de março de 2013], [o violonista sete cordas] João Eudes, João Neto, todos se estimularam muito com aquelas apresentações do Clube do Choro Recebe. Era um palco disputado, as pessoas tinham um cachezinho. Então eu acho que isso foi um negócio marcante para a situação atual do choro no Maranhão. Nós estamos numa entressafra, embora eu acredite que estejamos próximos de uma virada.

Qual o principal sete cordas da história chorística brasileira? E qual a grande referência pra ti, hoje, em vida? Pra mim a grande referência foi uma pessoa que eu tive o prazer de conversar, de ele me dizer muita coisa, que foi Dino. O Dino é a grande referência para o sete cordas. Eu acho que só existe sete cordas por causa dele, a forma de tocar sete cordas foi criação dele. Vivo nós vamos ter que dividir as coisas. Eu estive semana passada com Carlinhos, que é o luthier que recuperou esse violão, e ele me disse, “Solano, a gente fabricava 100 violões seis cordas para fabricar um sete cordas. Hoje em dia ninguém quer seis cordas”. Todo mundo vai pro sete. Meninos que estão estudando violão clássico estudam no sete cordas. Faz tudo o que o seis faz e mais alguma coisa. Tem meninos novos aí que eu gosto muito: Gian Correa, de São Paulo, o Rogério Caetano, uma monstruosidade, Zé Barbeiro, Luiz Filipe [de Lima], maravilhoso, o Carlinhos [Sete Cordas], que é mais pra samba. Se a gente for olhar, hoje, eu acho que o violão mais tocado no Brasil é o sete cordas. Pra onde você vai tem um tocando, e muita gente muito boa.

Além de trazer essa nova geração, de criar um palco para os chorões do Maranhão, que outra coisa importante tu observaste no Clube do Choro Recebe, em quase três anos de atividades? Foi um dos movimentos mais importantes musicalmente falando, com a grata satisfação de ser o estilo que eu gosto. Aquilo ali foi um negócio muito sério! A gente não podia ter deixado aquilo… a gente tinha que ter dado um jeito de continuar.

Que instrumentistas tu observas que merecem destaque do Maranhão? Eu vou ter que começar com minha casa: Serra, Paulo Trabulsi, esse tem espaço em qualquer lugar, eu conheço pouca gente que conhece choro como Paulo. Juca, eu adoro tocar com ele, é uma festa, a gente sai de lá alegre. A gente tem que falar de Robertinho, [o cavaquinhista e bandolinista] Wendell [Cosme] é muito bom. Tá enveredando por fora do choro, mas é um grande instrumentista. João Eudes é muito bom, tem futuro, já dominou o instrumento, é uma questão de evolução, de crescer. [O sanfoneiro] Rui Mário pra mim é um dos melhores, toca qualquer coisa.

O que tu achas que falta para o choro do Maranhão? A princípio falta a gente retomar o Clube do Choro Recebe, reabrir o Clube do Choro, retomar nossos projetos. Isso é o primordial. Estou terminando de regularizar a documentação [do Clube do Choro], a gente precisa retomar as nossas reuniões, para que surjam as ideias, debatermos e retomarmos essa situação.

Consolidar uma cena aqui passa necessariamente pela gravação de discos. Na criação do Clube do Choro, no estatuto, uma das coisas principais, é o Clube do Choro como selo musical. É um negócio interessante, se aproveitar essa situação, pegar toda essa moçada que está produzindo, dar uma orientada. Nós temos gente com experiência. Um dos melhores trabalhos, foi um marco, o disco Memória, mostrou a capacidade de João Pedro Borges [direção musical e arranjos], um trabalho totalmente isento, ele não quis nem tocar. Uma coisa que a gente poderia fazer, que é feito no Clube do Choro de Brasília, é gravar os shows, gravar tudo o que acontece no palco.

Tu fazes música por esporte. Dentro do que tu pretendes, tu te consideras um cara realizado? Não.

O que falta? Eu tenho um conceito: a pessoa que gosta de qualquer tipo de arte e se considera realizado é o que já morreu. Eu tou sempre insatisfeito com o que eu tou fazendo.