“Em primeiro lugar, seria muito seletivo ao empregar jornalistas. (…) Gostaria de ter certeza de que sou apoiado por ótimos profissionais à minha volta. Eles deveriam ter habilidade de escrita desenvolvida. Pois não é o suficiente coletar informações. É muito simples coletar informações, qualquer um pode fazer isso. Mas como escrever essas informações é que muda tudo”, Gay Talese, o gênio aí no retrato, aqui.
Nossa miséria cultural (ou: acorda, serpente!)
[Do Vias de Fato de maio]
Pode haver luz no fim do túnel, será um trem vindo na direção oposta?, Nossa Senhora da Vitória, rogai por nós!
POR ZEMA RIBEIRO
Um texto revoltado da cantora Nathália Ferro, publicado primeiro em sua conta no Facebook e depois repercutido por alguns periódicos locais, ganhou certa repercussão, apontando diversos problemas por que passa nossa produção cultural, digo, da Ilha de São Luís do Maranhão e do estado como um todo.
Criticava o marasmo a que está relegada a cena artística na capital maranhense, cujo aniversário de 400 anos se avizinha e sobre o que nada foi feito – aquele relógio ridículo na cabeceira da ponte do São Francisco, não conta.
A cantora criticava a tudo e a todos – e suas críticas, claro, eram merecidas, tendo sido repercutidas e comentadas também pelo poeta e compositor Joãozinho Ribeiro, ex-secretário de cultura do Estado do Maranhão, em sua coluna semanal no Jornal Pequeno.
Keyla Santana, atriz, também colocou a boca no trombone. Ela buscou o financiamento de uma peça em que atuava pela internet, num sistema de crowdfunding, financiamento coletivo já bastante utilizado no centro-sul do país, que aqui sequer engatinha, com razão: a iniciativa estatal aposta em mais do mesmo, a privada faz jus ao trocadilho. Como incentivar pessoas comuns, como este que escreve, o caro leitor, a cara leitora, a enfiar a mão no bolso e bancar o que quer que seja?
Diversos agentes culturais envolvidos com a feitura do projeto BR-135, capitaneado pelo casal Criolina, Alê Muniz e Luciana Simões, têm discutido propostas e possibilidades para que se avance no rumo da implementação de efetivas políticas públicas de cultura por estas plagas. Além de reuniões e debates, a galera está fazendo, se movimentando, mostrando nomes e coisas interessantes, misturando, experimentando. É daí e assim que pode surgir o novo.
Foi justamente o mote para o texto de Nathália Ferro: o pouco público presente às edições do BR-135, realizadas no Circo Cultural da Cidade, fruto inclusive, segundo ela, da desunião da classe artística local – alguns certamente mais preocupados com “meus projetos” e a procura por financiamentos (quase sempre estatais) para “meu próximo disco”, “meu próximo livro”, “minha próxima peça de teatro” ou mesmo para a inclusão de “meu show” no circuito junino.
O BR-135 tem a ideia de mostrar o que de novo a cena ilhéu tem produzido, numa demonstração de altruísmo digna de louvor: com o reconhecimento nacional que têm hoje, Alê Muniz e Luciana Simões sequer precisariam morar em São Luís. No entanto, preferem ficar, tentar fazer algo diferente e mostrar que é possível conquistar o país a partir da Ilha (sem qualquer daqueles adjetivos cuja maioria perdeu completamente o sentido).
Keyla Santana, pela internet, conseguiu algo próximo da metade dos três mil reais de que necessitava para botar seu bloco na rua, isto é, sua peça no palco de um teatro da capital, uma pequena temporada de dois dias. Para não perder o que alguns haviam investido, seu marido completou, do próprio bolso, a outra metade do valor restante.
Experiência bem sucedida de crowdfunding, fora da rede mundial de computadores, foi a realização do I Festival de Poesia do Papoético – Prêmio Maranhão Sobrinho, organizado pelo poeta e jornalista Paulo Melo Sousa. O Papoético, tertúlia semanal realizada no Bar Chico Discos, no centro da capital maranhense, é um espaço privilegiado para a discussão de assuntos relativos à arte e cultura, tendo aberto uma trincheira para os insatisfeitos com o status quo.
Paulão, como é mais conhecido seu mentor, levantou os fundos necessários à realização do festival principalmente entre os frequentadores habituais do debate-papo semanal, além de entre amigos, professores universitários e artistas em geral. O festival, cuja final será realizada dia 31 de maio no Teatro Alcione Nazaré, no Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, na Praia Grande, premiará em dinheiro os primeiros lugares em poema e interpretação e os segundos e terceiros lugares em cada categoria com livros, discos, revistas e outros produtos culturais, tudo arrecadado entre aqueles citados doadores e com a realização de rifas.
A organização solicitou ao Comitê Gestor dos 400 anos de São Luís, integrado por secretarias e órgãos públicos municipais e estaduais, apoio para a realização do festival, de orçamento modestíssimo. Sequer recebeu resposta, mostrando o desinteresse generalizado dos poderes públicos para qualquer iniciativa criativa que não parta de sua burocracia interna. O problema é que nada criativo parece vir dali. O festival recebeu mais de 100 inscrições de diversas cidades do Brasil e custou menos de 3 mil reais, com cortes em gorduras como material de divulgação (folders e cartazes), importantes em qualquer empreitada cultural.
Teimosos, os organizadores do Papoético já anunciam sua próxima invenção: um concurso de fotografia terá regulamento anunciado já em junho, com base no mesmo esquema. Dia 7, Chico Saldanha e Josias Sobrinho apresentam, no Chico Discos, o show DoBrado ResSonante, que estreou em Brasília/DF. Os ingressos custam R$ 20,00 e podem ser adquiridos antecipadamente no local. Toda a renda será revertida para a realização do concurso de fotografia.
O Estado – tanto faz ler prefeitura e/ou governo – é tímido e continua apostando apenas em grandes festas populares, quais sejam, os períodos carnavalesco e junino, salvo raríssimas exceções. É o que dá mídia, é, em tese, o que dá voto – sobretudo, embora pareça óbvio, em ano eleitoral.
Faltam cerca de 100 dias para o aniversário da cidade. Não se ouve falar ainda em programação ou, antes, em planejamento de quaisquer ações comemorativas. Mas não é por isso, ou não só por isso, que clamam os artistas revoltados, aqueles que não se satisfazem com o tilintar de umas poucas moedas nos pires, um tapinha nas costas, a logomarca de um órgão público em seu disco, livro ou programa, e, no fundo, um grande “cala a boca” em qualquer vírgula que se oponha às péssimas gestões que hoje têm o Maranhão e sua capital São Luís. E aqui o comentário não se restringe ao aspecto cultural.
O que estes artistas requerem, com propriedade, é a pulsação constante da Capital Americana da Cultura, é que ela faça jus ao título. Mais que um troféu, um papel, um certificado, um evento, São Luís e o Maranhão precisam deixar o passado e a teoria de lado. É preciso viver o presente e vivê-lo na prática: já não somos Athenas Brasileira – se é que um dia fomos – e mais que bumba meu boi e/ou tambor de crioula para turista ver, é preciso que nossos logradouros sejam ocupados por arte permanentemente. É capital da cultura ou não é?
São Luís e o Maranhão não estão as maravilhas anunciadas na televisão pelas gestões municipal e estadual. Na propaganda, tudo parece correr às mil maravilhas, de propaganda nossos gestores são bons – pudera, é preciso descarregar toneladas de maquiagem para ludibriar o povo e garantir a perpetuação dos grupos no poder. A realidade é outra e é esta que precisa ser enfrentada para que algo mude. Que não emudeçam os artistas que estão corajosamente tocando as feridas para curá-las. E que ao coro dos descontentes somem-se cada vez mais artistas. Ou não, que cultura é coisa de todos nós.
A nossa miséria cultural está exposta, fratura que carece de urgente cura. Só não sente nem vê quem não quer. Já é mais que hora dessa serpente acordar!
Blog do Décio atualizado. Não é estranho?
O jornalista Décio Sá foi brutalmente assassinado há pouco mais de um mês, quando se preparava para jantar em um bar e restaurante na avenida Litorânea, local que habitualmente frequentava. Um pistoleiro descarregou seis balas de uma ponto 40 em sua cabeça e tórax, numa história já por demais conhecida, de tão discutida, mais no início, nas horas e dias que se seguiram ao crime. Embora menos, o assunto ainda é pauta de veículos de comunicação e blogueiros independentes (aqui, no sentido de não vinculados, ao menos não diretamente, a qualquer desses veículos, sejam impressos ou eletrônicos), sobretudo pelo fato de, com mais de um mês, as investigações pouco ou nada terem avançado e o crime continuar sem elucidação e impune.
Muito se viu, ao longo dos dias, óticas as mais variadas sobre o assunto. Hipóteses, críticas ao governo, elogios e críticas à vítima, discussões as mais diversas sobre (a volta dos) crimes de pistolagem ao Maranhão, polêmicas sem qualquer sentido e até aproveitadores de plantão, disputando a audiência do blogueiro assassinado, como se leitores pudessem ler apenas um único blogue diariamente e tivessem a obrigação da fidelidade e de uma monovisão sobre os muitos assuntos que comporta a blogosfera maranhense, com ou sem talento, com ou sem diploma, com ou sem caráter.
Após alguns dias sem acessar a internet, hoje dou de cara com a polêmica já bastante repisada em que insistem em tornar vilão o advogado Luis Antonio Câmara Pedrosa, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Maranhão e, por outro lado, “santificar” Décio Sá, o jornalista assassinado, então funcionário do Sistema Mirante de Comunicação, de propriedade da família Sarney, da governadora Roseana Sarney Murad.
A falsa polêmica plantada já comentei (leia pelos links acima ou nos arquivos deste blogue). O que é estranho é que ela volta à carga em um texto de Haroldo Silva (quem é?), jornalista e radialista profissional, como assina, publicado ontem (domingo, 27) no… Blog do Décio. Não é estranho?
A pergunta se justifica: numa empresa como o Sistema Mirante de Comunicação, é muito provável que o setor de informática detenha informações como logins e senhas e outras de seus funcionários, não no sentido de vigiar-lhes 24h ou cobrar-lhes produtividade, “e aí, meninos e meninas?, estão escrevendo suas matérias do dia ou estão de trololó nos msns e gtalks da vida? O quê?, ‘tão atualizando seus facebooks pessoais e o trabalho atrasado?”, não, não é disso que falo.
Falo do seguinte: uma das primeiras hipóteses levantadas quando do assassinato de Décio Sá, seja pelo mais gabaritado especialista em segurança ou pelo mais leigo leitor/ouvinte/espectador comum que acompanharam o crime, foi a possibilidade de queima de arquivo. A tese seria a de que Décio possivelmente teria publicado algo que desagradou a alguém e foi, por isso, eliminado. Este blogue fica com uma das segundas hipóteses: a de que Décio teria sido eliminado por algo que ainda não havia publicado, alguma informação bombástica sobre sabe-se lá quem, certamente com alguma grana, fama e prestígio (seja lá o que signifiquem hoje e no Maranhão), informação cuja “noticiabilidade”, “interesse público” e outros fatores determinantes em jornalismo para sua veiculação ou não, ainda estavam em debate e/ou disputa (ou negociação).
Uma das chaves para sabermos que hipótese estaria/está/estará correta seria sua quebra de sigilo telefônico e eletrônico: as ligações que fez e recebeu no dia e dias antes de sua morte, as senhas de acesso a e-mails, conta do blogue e aparelhos tecnológicos outros. Confesso que não tenho acompanhado o caso com a mesma atenção e interesse de outros blogueiros, por motivos os mais diversos. Mas a morte de Décio Sá, qual um vídeo “para nossa alegria” no youtube ou fotos de Carolina Dieckman nua (nem de longe estou vulgarizando a primeira ocorrência, diga-se), é coisa que nos chega aos óculos mesmo que não queiramos, basta a leitura diária de jornais e blogues e as passadas d’olhos nos telejornais e quetais: invariavelmente ela estará lá, mesmo trazendo novidade nenhuma, mesmo trazendo abobrinhas desinteressantes, mesmo realimentando falsas polêmicas.
Quem tem alguns dos acessos que apresentamos acima como possibilidades sabe como ler (e apagar, se conveniente) comentários publicados ou não no blogue, e-mails, recados nas redes sociais etc. O texto postado ontem no Blog do Décio, mais de um mês após o seu assassinato, voltava a elogiá-lo e a atacar ferozmente, ainda que sem citar o nome, quem ousou colocar os pingos nos is. Até o momento em que clico em publicar, cá neste blogue, já havia recebido nove comentários, todos elogiosos a Décio Sá e/ou a Haroldo Silva (quem é?), autor dos elogios a ele, ou ainda criticando Pedrosa. Ou seja, possivelmente outros comentários passaram pelo crivo do moderador, que detém a senha de acesso ao blogue. Pergunto-me: seria publicado, ali, algum comentário pró-Pedrosa e anti-Décio e anti-Haroldo?
É ou não é estranho? Para dizer o mínimo…
Prezado amigo Afonsinho
O “prezado amigo Afonsinho” que Gilberto Gil cita na clássica Meio de campo, acima na soberba interpretação de Elis Regina, agora é colunista da revista CartaCapital, do que todos já sabiam.
Em sua coluna de estreia ele cita a canção. Semanalmente na Pênalti, coluna outrora ocupada por outro médico, outro craque da bola e da palavra, Sócrates, a quem a estreia é dedicada/dirigida.
Luta longa
RUY CASTRO
RIO DE JANEIRO – Mês sim, mês não, o caso volta ao noticiário: o processo movido há 20 anos por João Gilberto contra a gravadora EMI por esta ter espremido seus três LPs da Odeon num LP duplo (“O Mito”) e num CD simples (“The Legendary João Gilberto”), “apressando” algumas faixas para encurtá-las, adulterando sua sonoridade e alterando a ordem original para caberem naqueles formatos. Músicos foram chamados a ouvir esses discos e deram razão a João Gilberto.
Enquanto o processo não se resolve, os três discos -“Chega de Saudade”, 1959, “O Amor, o Sorriso e a Flor”, 1960, e “João Gilberto”, 1961- ficam impedidos de sair no Brasil, em CD ou no que for. Com isso, o país da bossa nova é o único proibido de ouvir os discos que formam o seu cânone. Equivale a proibir os meninos brasileiros de ler o Machado de “Dom Casmurro”, “Brás Cubas” e “Quincas Borba”.
Já na Europa qualquer selo se sente à vontade para lançá-los em qualquer suporte. O Él/Cherry, por exemplo, soltou os três LPs em CDs individuais, com as capas originais e enriquecendo-os com gravações raras da época, por outros cantores, todas do acervo da EMI.
É uma edição boa, mas não se compara à da Doxy, que os relançou em LPs mesmo, só que em vinil de 180 gramas (ou seja, virgem). O som é melhor que o dos próprios LPs originais (que a Odeon, na época, certamente prensou em vinil reciclado). E cada LP traz uma cópia-bônus em CD.
Os três discos de João Gilberto estão proibidos no Brasil, mas isso não se aplica ao seu conteúdo. Suas faixas podem ser “baixadas”, avulsas, por quem quiser -tanto as legítimas, que mudaram a história da música brasileira, quanto as adulteradas pela gravadora. Um dia já não se saberá qual é qual, e -isso é que é triste- talvez não faça muita diferença. João Gilberto terá lutado em vão.
[Outra da Folha de S. Paulo de hoje, por que o assunto vale muito a pena, Ruy Castro é autoridade no assunto e Ho-ba-la-lá – À procura de João Gilberto ainda ecoa em minha cabeça]
Educação, só na fachada
Maranhão tem 161 escolas com nome dos Sarney, mas 61% dos moradores não têm ensino básico
CHICO OTÁVIO

No ano em que foi declarado patrono da educação brasileira, Paulo Freire (1921-1997) ficou menor no Maranhão. Por decisão da Secretaria estadual de Educação, o nome do educador será apagado da fachada do prédio anexo de uma escola pública de Turu, bairro de São Luís. Em seu lugar, será pintado o novo nome da escola: Centro de Ensino Roseana Sarney Murad. Os uniformes dos alunos já foram mudados.
No Maranhão, o sobrenome Sarney já está em 161 escolas, mas a mudança em Turu não deve ser interpretada apenas como mais um sinal do culto à família de Roseana. Para a direção da escola, o importante é ter a certeza de que o nome da governadora pintado na fachada atrairá mais recursos e outros paparicos da administração central de um estado onde 61% das pessoas, com 10 anos de idade ou mais, não chegaram a completar a educação básica (de acordo com dados do Censo 2010). Isso é sarneísmo, movimento político liderado pelo senador José Sarney (PMDB), que comanda o Maranhão há quase cinco décadas.
— Sarney nem mora aqui. Seu controle só é ativado em momentos muito específicos — disse o professor Wagner Cabral, do Departamento de História da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Sarneísmo, uma história de 47 anos
Reportagem publicada ontem no GLOBO revelou a existência de uma rede de falsas agências de turismo que fornece mão de obra barata, arregimentada no interior do Maranhão, para a lavoura de cana-de-açúcar e para a construção civil do Sudeste e do Centro-Oeste. Para os especialistas ouvidos pelo jornal, o fenômeno é resultado de uma perversa combinação de fatores, da má distribuição da terra à tragédia educacional no estado, todos fortemente associados ao sarneísmo.
Desde 1965, quando José Sarney (PMDB) assumiu o governo maranhense, o grupo do atual presidente do Senado venceu dez eleições para governador, chefiou o Executivo local por 41 anos e só perdeu o controle político do estado em duas ocasiões: quando o aliado e então governador José Reinaldo Tavares rompeu com o sarneísmo, em 2004, e dois anos depois, quando Jackson Lago (PDT) derrotou sua filha e herdeira política, Roseana, que concorria ao terceiro mandato de governadora. Mesmo assim, por pouco tempo: em 2009, Lago teve o mandato cassado por compra de votos.
O sarneísmo é um movimento diferente de outras correntes políticas, como o getulismo ou o brizolismo. Não se sustenta na adoração da figura do líder e nem tem uma base popular. Em lugares como Codó, Timbiras e Coroatá, cidades a 300 quilômetros de São Luís, que formam uma espécie de enclave do trabalhador barato no interior do estado, só se vê o nome Sarney em prédios públicos. Todavia, a cada abertura das urnas eleitorais, a família reafirma um poder que nem a estagnação econômica foi capaz de ameaçar.
— De um lado, Sarney é homem de ligação com o governo federal. Tem poder em Brasília por ser uma peça fundamental no jogo da governabilidade. De outro, mantém as prefeituras de pires na mão — sustenta Wagner Cabral.
— Ele fala por uma questão ideológica e política. Sarney proporcionou um salto de progresso no estado. Os fatos históricos são diferentes — rebate o jornalista Fernando César Mesquita, porta-voz de Sarney.
No Maranhão, a força do sarneísmo está na pequena política. Quando descobriu que a escola Paulo Freire, onde trabalha, seria rebatizada com o nome da governadora, a professora Marivânia Melo Moura começou a passar um abaixo-assinado para resistir à mudança. A retaliação não demorou:
— A direção ameaçou transferir-me — disse a professora, que mora no mesmo bairro da escola e vai de bicicleta ao trabalho.
A Secretaria de estado da Educação alega que o anexo da escola Paulo Freire mudou de nome porque foi incorporado à estrutura, já existente, do Centro de Ensino Roseana Sarney Murad, “devido à necessidade de uma estrutura organizacional, com regimento, gestão e caixa escolar próprios, no referido anexo”.
O Maranhão, onde quase 40% da população é rural, é uma espécie de campeão das estatísticas negativas. Enquanto o Brasil tem 28% de trabalhadores sem carteira assinada, o percentual no estado supera os 50%. Na relação dos 15 municípios brasileiros com as menores rendas, listados pelo IBGE, nada menos do que dez cidades são maranhenses. O chefe do escritório regional do Instituto, Marcelo Melo, acrescenta ainda que apenas 6% dos maranhenses estudam em cursos de graduação, mestrado e doutorado. Separados, os números já assustam. Se combinados, o efeito é devastador.
— O resultado desses índices de qualificação é uma mão de obra de baixa qualidade.
O professor Marcelo Sampaio Carneiro, do Centro de Ciências Sociais da UFMA, explicou que a estrutura do mercado de trabalho no Maranhão possui duas características principais. A primeira é a elevada participação do trabalho agrícola no conjunto das ocupações, com destaque para os postos de trabalho gerados pela agricultura familiar. Por conta de diversos fatores, ele disse que tem havido uma forte destruição de postos de trabalho nesse setor. De acordo com o Censo Agropecuário, em 1996 existiam 1.331.864 pessoas ocupadas no campo maranhense; em 2006 esse número baixou para 994.144 pessoas. Isso explica, por exemplo, o arco de palafitas miseráveis que cerca o centro histórico de São Luís.
A segunda é a inexistência de ramos industriais dinâmicos que consigam absorver essa oferta de mão de obra, já que a principal atividade industrial no Maranhão é o beneficiamento primário de produtos minerais, como a fabricação de alumínio e alumina pela Alumar e a produção de ferro-gusa por pequenas unidades fabris instaladas ao longo da Estrada de Ferro Carajás. Por esse motivo, o estado, que nos anos 50, 60 e 70 do século passado recebia migrantes, passou, a partir dos anos 1980, a exportar mão de obra. E nem mesmo a sistemática transferência de recursos, via programas sociais, foi suficiente para deter esse esvaziamento:
— A transferência de renda pode até livrar as famílias da fome, mas não é capaz de dinamizar a economia da região — disse Carneiro.
[O Globo, 7 de maio de 2012, grifos do blogue]
A miséria dos turistas trabalhadores
No Maranhão, agências são fachada para exportar operários para obras no Sudeste.
CHICO OTÁVIO
COROATÁ (MA) – Se não havia como vencer a miséria, o motorista Júnior Rachid, de 34 anos, decidiu valer-se dela para sobreviver. Há um ano, comprou um ônibus Scania 112, de 1990, e passou a fazer parte do único negócio que prospera em Coroatá, cidade maranhense a 276 quilômetros de São Luís: o transporte clandestino de trabalhadores para as regiões Sudeste e Centro-Oeste do país, onde o corte da cana de açúcar e a construção civil os espera. A cada viagem, Rachid leva cerca de 50 pessoas, a maioria homens jovens, que apostam na estrada como a única chance de escapar da vida miserável e sem esperança no interior do Maranhão.
— Levo iludidos e trago arrependidos — diz o motorista.
Ao contrário dos migrantes do passado, que fincavam raízes onde desembarcavam, os passageiros de Rachid cumprem jornadas de trabalho temporário e depois voltam. No Maranhão, a migração sazonal movimenta de 500 mil a 1 milhão de pessoas todo ano. Quem quiser conhecê-la, basta chegar cedo às rodoviárias de Coroatá e das cidades vizinhas de Codó e Timbiras, todas as sextas-feiras, e acompanhar as cenas de famílias humildes despedindo-se do filho que sobe no “ônibus de turismo”.
A região dos Cocais, onde fica Coroatá, entre os vales dos rios Itapecuru e Mearim, no centro do Maranhão, é uma espécie de enclave da mão de obra barata que abastece o país. Uma estrutura fundiária extremamente arcaica, caracterizada pela predominância da grande propriedade, pela agricultura de subsistência e pela produção de óleo de babaçu, processo artesanal que lembra o homem coletor da pré-história — somada à ausência de alternativas de trabalho urbano —, faz da população local presa fácil para a indústria do tráfico de pessoas. Muitos que embarcam mal sabem para onde estão indo:
— Estou esperando um companheiro. Se ele aparecer, vou para as bandas de lá. Não sei exatamente onde, mas sei que é São Paulo — comenta Edmilson Gomes, de 46 anos, enquanto aguarda o embarque em Codó.
Ao pegar a estrada, o ônibus de Edmilson passa em frente à Unidade de Ensino José Sarney, em Timbiras. Prédios como este servem muito mais para homenagear a família que, há quase cinco décadas, domina o Maranhão do que para oferecer às cidades dali condições de romper a estagnação econômica. De acordo com o Censo de 2010, do IBGE, 72,15% dos moradores de Codó, com dez anos ou mais, não têm instrução ou não completaram o ensino fundamental.
Para o professor Marcelo Sampaio Carneiro, do Centro de Ciências Humanas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), a onipresença de Sarney nos Cocais vai além de um nome na porta de uma escola. As raízes da estagnação, sustenta Carneiro, teriam crescido nos anos 1960, quando José Sarney, então governador do estado, criou a Lei de Terras, a pretexto de modernizar o Maranhão, e introduziu na região os grandes latifúndios, financiados com recursos da Sudene, e os grileiros:
— Os proprietários usaram a terra para acessar os fartos incentivos fiscais, formaram pastagens de baixa qualidade e compraram gado apenas para justificar o uso desses recursos. Hoje, a pecuária nem sequer é expressiva na região. Não há nenhum argumento que justifique o monopólio da terra.
Sem outras alternativas, essas cidades tiraram da desesperança sua vocação econômica. Na década passada, gente como Beto do Codó, Antônio Grosso, Francinaldo e Suelen começaram a montar uma rede de agenciamento de mão de obra barata nos Cocais. Eles se apresentam como donos de agências de turismo, que estão por toda parte, mas normalmente os ônibus partem cheios e voltam vazios. Uma das agências, em Coroatá, chama-se Clandestur.
O destino do esquema inicial era São Paulo, com suas usinas produtoras de cana de açúcar, mas o crescente processo de mecanização dessa lavoura reduziu as “encomendas” e os obrigou a diversificar o negócio. Na semana passada, por exemplo, a agenciadora Suelen, uma paulista de Pradópolis que não forneceu o sobrenome, embarcou 40 trabalhadores para as obras do programa Minha Casa Minha Vida em Macaé, no norte fluminense. Ela disse que o contrato com o “encarregado da obras”, que identificou apenas como Luís, prevê o envio de um total de 300 homens.
Em Coroatá, segundo a Comissão Pastoral da Terra, mais da metade dos 60 mil moradores são favorecidos com algum tipo de benefício social, principalmente a aposentadoria rural e o programa Bolsa Família. Mas, para os jovens locais, a renda é insuficiente para dar conta de seus sonhos. O maior deles, diz o vereador petista Sebastião Araújo, o Ciba, é a compra de uma motocicleta, ambição de nove entre dez “passageiros” das agências de turismo dos Cocais.
— Eles chegam a trazer as motos de São Paulo no bagageiro do ônibus. Por isso, mesmo com todas as mazelas do emprego que os aguarda, eles sempre querem ir — diz Ciba.
Antônio Carlos Gomes Lobo, de 31 anos, é um deles. Analfabeto, casado, dois filhos, trabalha na roça de mandioca, arroz e milho no povoado Nogueira, área rural de Coroatá. Ele viajou duas vezes — em 2006, para Uberaba (MG), e em 2009, para Guaribas (SP). Só não voltou porque ainda não conseguiu os R$ 170 cobrados por uma passagem nos ônibus de turismo.
— Quando eu conseguia cortar 300 metros de cana por dia, chegava ao fim do mês ganhando R$ 1,2 mil. Aqui, não existe emprego que pague a mesma coisa —garante.
Francisco Gilson Gomes Guimarães, de 33 anos, também gostaria de voltar, mas não poderá mais. Em 2008, conseguiu comprar uma moto com o dinheiro que ganhou no corte de cana em São Paulo. Dois anos depois, acidentou-se em Coroatá. Uma perna ficou mais curta e ele perdeu qualquer esperança de renda.
[O Globo, 6/5/2012, grifos do blogue]
O dono do bigode

Caricatura de vocês sabem quem no traço de Sandro Fortes, que divide com o jornalistamigo Mayron Régis o 2 perdidos numa noite chata.
Entrevista autêntica
Experiências de uma vida inteira me ensinaram uma regra jornalística verdadeiramente perturbadora: a qualidade de uma entrevista não depende do espírito e do saber do entrevistado e sim do grau de inteligência do entrevistador que leva a coisa para a impressão.
A entrevista real
“Shalom, sr. Tola’at Shani. Meu nome é Ben. Fui mandado aqui pela redação. Procurá-lo. Quer dizer: para uma entrevista.”
“Sente-se, jovem. Estou às suas ordens.”
“Nada mau, sua barraca. Tem classe. Palavra. Tem porão?”
“Ao que eu saiba, tem.”
“E ainda tem jardim na frente. Cabanas deste tipo custam caro, não é?”
“É verdade.”
“Pois é. Como já disse, estou aqui para entrevistá-lo sobre o romance histórico que escreveu. Foi o senhor mesmo que escreveu, não é?”
“Acabo de terminar a obra.”
“Ótimo. Então, o senhor já acabou o romance. Como se chama?”
“Tu és pó.”
“Por que me trata por “tu”, de repente?”
“É o título do meu novo livro.”
“Ah, sim. Certamente fará um enorme sucesso. Como todos os seus livros. O senhor só tem escrito sucessos.”
“Faço o possível. Mas se o consigo, isto se deve aos leitores.”
“Palavras de ouro. E por que, sr. Tola’at Shani, escreveu aquele pó, ou melhor, aquele romance ou o que quer que seja, quero dizer, por que escreveu o livro? Justamente agora?”
“Por favor, seja um pouco mais claro.”
“Certo. Para mim, não faz diferença. Quero dizer, o que queria saber é: de que trata a coisa?”
“Se entendi bem, o senhor quer conhecer o enredo da minha mais nova criação.”
“O enredo, correto. Eu já disse isso.”
“Não vai fazer anotações?”
“Não preciso. Guardo na cabeça. Tudo. Inclusive o enredo. O que é o enredo?”
“Meu romance descreve um panorama das fraquezas e paixões humanas. Passa-se durante a Segunda Guerra Mundial. Seu herói é um soldado da Brigada Judaica. A jovem e bonita filha do prefeito de uma cidadezinha no sul da Itália apaixona-se por ele.”
“O senhor disse “soldado”. Na história ocorrem certamente umas pancadarias de primeira, não?”
“Como é?”
“Pancadarias, quero dizer, lutas.”
“Certamente, descrevo algumas ações militares, porém só de passagem. Trata-se, principalmente, do conflito interno, provocado pela guerra cruel, na alma do nosso soldado.”
“O que quer dizer “nosso soldado”? Soldado de quem?”
“O soldado do romance.”
“Ah, isso. O senhor devia ter sido mais claro. Então, o que é que há com ele?”
“No peito desse soldado trava-se uma luta entre seu fervente patriotismo e seus sentimentos de ódio contra a guerra desumana.”
“Quem ganha? E que quadro é esse?”
“Que quadro?”
“Aquele, na parede, ali.”
“Não é quadro, meu jovem, é meu diploma.”
“Diploma. Muito bem. Um diploma de quê? Não importa. Então, seu livro sobre a Itália é uma história verdadeira?”
“Até certo ponto. O cenário é autêntico, mas a história propriamente é uma variação sobre o tema da Antígona, de Sófocles.”
“Do quê?”
“Sófocles. Um autor de tragédias grego.”
“Já ouvi falar. O senhor tem toda a razão. Mas o senhor já disse algo contra a guerra.”
“Antígona era filha do rei Édipo.”
“Claro. Édipo. Aquele da psicanálise. Nada mau. É esta, então, sua story, não é?”
“A story tem, forçosamente, caráter local. Mas sua mensagem é universal. Uma espécie de levantamento da situação da nossa época. O amigo não quer mesmo fazer umas poucas anotações?”
“Para quê? Eu me lembro de tudo. Não se preocupe. Mais alguma coisa?… Ah, sim: creio que o senhor está transbordando de alegria, não é?”
“Por quê?”
“Quando alguém termina de escrever algo, não deve transbordar de alegria?”
“Hum. É possível. Creio que sim.”
A entrevista publicada
TRANSBORDANDO DE ALEGRIA!
É o que diz o autor do romance O aspirador de pó, numa entrevista exclusiva para nosso colaborador.
O conhecido escritor Tola’at Shani me recebeu no seu lar, para uma entrevista exclusiva. Ocasião: a publicação de seu novo romance, para o qual o autor vaticina um estrondoso sucesso.
Estou sentado diante do poeta, em seu estúdio mobiliado com extremo bom gosto. Observo seu perfil de linhas pronunciadas, a figura esbelta, os dedos finos, nervosos. Pela janela, pode-se apreciar a vista do bairro. É tardinha.
Tola’at Shani: Gosta da minha casa?
Eu: Nada mau.
T. Sh. (orgulhoso): Tem jardim na frente, três cômodos e meio e água encanada. Casas assim são muito, muito caras.
Eu: Dá licença de perguntar sobre o enredo de seu novo romance?
T. Sh.: Com prazer. Há um major na Brigada Judaica, pois a história se passa no estrangeiro, num domingo. E há muito tiroteio e outros choques. Em suma, uma tremenda confusão. Há ainda uma jovem filha na cidade italiana, uma figura quase clássica, como se fosse estrela de cinema. Ela tem um caso com um rapaz, um escritor, um que anda sonhando, um sonhador, por assim dizer, um bailarino-no-sonho…
Eu: É um de nossos soldados, não é?
T. Sh.: Correto. Em casa ele ainda é universitário, o soldado, e estuda uma porção de coisas. Mas agora, como soldado, caiu num conflito, quer dizer, numa rivalidade pela moça. Ela se chama Shula…
Eu (interrompo): Um instante, prezado amigo. Shula. Isso soa como tragédia grega.
T. Sh.: Correto. Acertou em cheio. E essa moça, como é seu nome?, é contra a guerra e louca por… por…
Eu: Édipo?
T. Sh.: Exato. Construí a coisa assim, para formular o complexo diretamente da tragédia de Sypholux. Eu devia ter dito ao senhor que nosso soldado tende um pouco para a “coluna-do-meio”, o senhor me entende. Mas não o demonstra. Além do mais, a história é verdadeira.
Eu: Pode-se dizer que se trata de um balanço da época atômica?
T. Sh. (surpreso): O senhor acha?
Eu: Sem dúvida.
T. Sh.: Está bem. Eu não costumo dar muitas voltas para chegar ao assunto. Lá, na parede, o senhor vê meu diploma.
Eu: Magnífico, Tola’at Shani.
T. Sh.: Diplomas não se ganham sem mais nem menos, o senhor sabe. Mais alguma coisa?
Eu: Uma última pergunta: o senhor está feliz por ter terminado O aspirador de pó?
T. Sh.: Estou transbordando de alegria.
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Efraim Kishon, Como aborrecer um guarda (p. 15-18). 3ª. ed. São Paulo: Círculo do Livro, 1988.
De novo: qualquer semelhança com o jornalismo cometido pela maioria absoluta de nossos jorna(l)is(tas) não é mera coincidência.
Jornalismo
Qualquer semelhança com o jornalismo cometido pela maioria absoluta de nossos jorna(l)is(tas) não é mera coincidência.
André Dahmer, gênio!
Maranhão: violência e barbárie
O presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, Pe. Jean Marie Van-Damme, publicou Nota sobre a violência no Maranhão, em que comenta os recentes acontecimentos/homicídios no estado. A nota pode ser lida no site da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, no blogue do Tribunal Popular do Judiciário ou ainda no blogue Outros Olhares, do advogado Igor Almeida.
Nove entidades da sociedade civil maranhense, entre as quais a SMDH e a Cáritas Brasileira Regional Maranhão, ambas com assessoria de comunicação deste blogueiro, publicaram nota convidando a Federação Nacional de Jornalistas (FENAJ) a conhecer o Maranhão e seu ambiente de barbárie.
A nota é fruto de uma polêmica gerada por declarações do jornalista Emílio Azevedo à Rede Brasil Atual, no calor dos recentes acontecimentos/homicídios nas últimas semanas no Maranhão, sobretudo a execução do jornalista Décio Sá. Um dos coordenadores do jornal mensal Vias de Fato, Azevedo se viu alvo de uma campanha covarde e raivosa, por parte de jornalistas que não se veem na barbárie citada por ele, a exemplo do que já havia acontecido com o advogado Luis Antonio Câmara Pedrosa, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA.
Ambos foram atacados diuturnamente por jornalistas ligados à Mirante/Sarney, que preferem se enxergar no mundinho cor-de-rosa, cor-de-roseana que nem o bárbaro, cruel e covarde assassinato de Décio Sá serviu para provar que não existe.
Notícias do “fim do mundo”
A imprensa noticia que, no Tribunal de Justiça do Maranhão, importantes assessores vendem sentenças, sem cerimônia, a qualquer um que queira e possa pagar o alto preço da tabela. Diante do problema, o desmoralizado governo de Roseana se apressa em dizer, sem convencer muita gente, que “não tem nenhum desembargador envolvido” neste propagado mercado…
Junto ao escândalo, prenderam alguns bois de piranha e o assunto circulou a todo vapor na opinião pública. Mas, na Assembleia Legislativa do Estado – o parlamento maranhense – ninguém teve muito tempo para parlar sobre o caso, afinal, os “nobres” deputados, estavam muito ocupados, em reuniões secretas, decidindo se iriam receber 13, 15, 18 ou 50 salários ao longo de um ano.
Assim tem sido o Maranhão. O estado brasileiro conhecido por muitos como “o fim do mundo”, que vive há quase meio século sob o comando e a influência do atual presidente do Senado brasileiro. Um lugar onde, até hoje, existe todo um ambiente para a encomenda de assassinatos de quilombolas, sem terra, assentados, índios, professores, jornalistas… Em alguns casos, as vítimas são executadas com armas de uso exclusivo da própria polícia.
No mês de abril de 2012, dois desses assassinatos, executados por pistoleiros profissionais, nos chamaram a atenção. O primeiro, no dia 14, em Buriticupu, quando mataram Raimundo Alves Borges, o Cabeça, um trabalhador rural. Já no dia 23, a vítima foi Décio Sá, conhecido jornalista de São Luís, funcionário do Sistema Mirante (ligado à Rede Globo).
E é exatamente neste oprimido e roubado Maranhão – violento e com os piores índices de Desenvolvimento Humano do país – que a Alumar, a maior produtora de Alumínio da América Latina, neste mesmo mês de abril, sentiu-se à vontade para fazer um grande jogo de cena, para justificar o pedido de mais e mais isenção fiscal. Enfim, combinado com as autoridades locais, querem continuar tirando vantagens desta sofrida população, onde muitos morrem de bala e outros tantos sucumbem à fome.
Trata-se do mesmíssimo Maranhão, onde as casas dos índios Awá Guajá são literalmente queimadas por madeireiros, com indícios de que uma criança teria sido queimada viva! E os madeireiros em questão, em alguns casos, ocupam cargos de prefeito, deputado ou secretário de Estado. E quando a imprensa alternativa trata dessa violência, como foi o caso da pessoa carbonizada, as autoridades, ligadas ao banditismo reinante, se apressam em querer desqualificar a denúncia e fazer o jogo dos madeireiros chapa branca.
Neste mês de abril, houve uma boa notícia, comemorada por todos que são solidários a causa dos índios. O Tribunal Regional Federal (TRF) confirmou a sentença do juiz federal José Carlos Madeira, em favor dos Awá-Guajá. De acordo com a decisão judicial, ficam demarcadas as terras indígenas nos municípios maranhenses de Carutapera, Bom Jardim e Zé Doca. Pela lei, a terra é dos índios.
O problema é que, nesta mesma região, existe o interesse da empresa Agropecuária Alto Turiaçu (Grupo Schahin): cerca de 90% da área que ela ocupa encontra-se nas terras dos Awá. Esta empresa, entre outras coisas, tem ligações antigas com o atual secretário estadual de agricultura, Claudio Azevedo Donizete, da Associação dos Criadores de Gado do Maranhão (por “coincidência”, é a mesma associação a qual é ligado um dos envolvidos no escândalo do TJ-MA).
Está determinado, pela Justiça Federal, que a UNIÃO e a FUNAI promovam o registro da área demarcada, num prazo de um ano, com a remoção das pessoas não-índias e desfeitas as construções edificadas. O que preocupa é, exatamente, o fato do Maranhão ser essa terra sem lei e, em torno do direito dos indígenas, existir este consórcio que envolve figuras da FUNAI, do Grupo Schahin, madeireiros, prefeitos da região e representantes do governo do Estado, enfim, vários tentáculos das organizações Sarney. E, com um time desses jogando junto, tem restado aos Awá a violência e a morte.
Nesta nossa edição, gostaríamos de falar de tudo isso separadamente e não apenas num editorial. Cada um desses assuntos precisa de muita visibilidade, debate e participação da opinião pública. Por isso, cada um deles merecia uma matéria especial, publicada em pelo menos duas páginas. Mas, hoje, no atual estágio em que nosso projeto se encontra, não temos ainda pernas para acompanhar toda a barbárie vivenciada pela sociedade maranhense. Este editorial, então, foi a parte que nos coube, o que nos foi possível neste momento encharcado de sangue e notícias ruins.
Gostaríamos muito, por exemplo, de ter acompanhado de perto e poder participar das manifestações de protesto, ocorridas em Buriticupu, durante o enterro de Raimundo Alves Borges, o Cabeça. O assassinato dele é extremante simbólico, pois está ligado a um dos problemas mais sérios do Maranhão: o velho e dramático conflito pela posse da terra.
Trata-se de um trabalhador rural, que morava num assentamento e esteve, há mais de 20 anos, na grande luta pela terra que deu origem ao município de Buriticupu, numa guerra onde morreram 54 pessoas. Duas décadas depois, ele é assassinado por que estava denunciando a grilagem de sempre e um esquema de compra e venda de lotes para reforma agrária. Foi mais uma vítima de pistoleiros. Os executores chegaram numa moto e deram vários tiros na cabeça dele.
Raimundo era um militante social, fundou um sindicato ligado a agricultura familiar, era das Comunidades Eclesiais de Base e do Fórum de Políticas Públicas de Buriticupu. Sobre o seu caixão, foi colocada uma bandeira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Tinha 53 anos e deixou mais de 15 filhos. O crime se deu bem próximo da sua casa.
No caso do assassinato de Décio Sá, encaramos o assunto como mais um caso trágico, nesta lista de barbaridades que ocorrem no Maranhão. O que causa perplexidade na opinião pública, é que se trata de uma pessoa bastante conhecida, um profissional liberal, que, além de tudo, trabalhava exatamente para a poderosíssima estrutura de José Sarney. Em nossa opinião, o jornalista foi mais uma vítima deste ambiente de impunidade (e de imenso atraso!) que os ex-patrões dele, fazem questão de manter e aprofundar.
Então, caros leitores, neste momento em que o Maranhão vive agitado por tantas notícias ruins (umas mais divulgadas, outras quase omitidas) estamos publicando uma entrevista que consideramos histórica, com o engenheiro e ex-deputado federal Domingos Freitas Diniz. Ele é, sem sombra de dúvidas, uma das figuras mais importantes da política maranhense dos últimos cinquenta anos. Consideramos sua importância, não pelos cargos e funções de poder, mas, tendo como referência, o interesse público.
Os assuntos que nós tratamos com Freitas, nesta nossa 31ª edição, têm relação, direta ou indireta, com todos estes tristes acontecimentos citados por nós e ocorridos neste abril de 2012. É a questão da máfia, da estrutura oligárquica, do latifúndio, dos enclaves, da violência, da intolerância, enfim, do atraso profundo, deste pedaço de chão que alguns insistem em tratar como o lugar onde o diabo perdeu as botas…
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Acima, editorial e capa da 31ª. edição do jornal Vias de Fato, já nas bancas.
Pequena amostra do jornalismo de Marco Aurélio D’Eça
Marco Aurélio D’Eça é, digamos assim, o que era Décio Sá quando vivo, o que talvez lhe soe como elogio. Espécie de boneco de ventríloquo, extremamente alinhado aos patrões, marionete a dizer ou repetir o que àqueles interessa, subserviente dos pés até o último fio de cabelo. A diferença, mínima, entre um e outro era que o recém-assassinado ao menos sabia escrever, tinha um mínimo de talento. Na verdade, dominava a técnica e tinha objetividade, não era dono de um texto grandioso, rebuscado.
O advogado Luis Antonio Câmara Pedrosa, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Seccional Maranhão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MA) escreveu este texto sobre o assassinato de Décio Sá e o contexto em que o mesmo está inserido. Pedrosa, respeitadíssimo, é uma das maiores referências quando se trata de Direitos Humanos, não só no Maranhão, mas no Brasil.
O jornalista Marco Aurélio D’Eça, na tentativa de desvirtuar o debate, cata uma frase, uma expressão solta, circula-a com uma série de bobagens e impropérios e acusa Pedrosa e a OAB/MA de se eximirem de responsabilidades no caso Décio. Em jornalismo chamaríamos de edição o que fez o blogueiro miranteano, embora seu blogue não mais esteja nos domínios do portal das organizações Sarney.
Edição é algo importantíssimo em jornalismo. É nela que você corta, apara, reescreve, corrige erros, enfim, deixa um texto com cara de publicável. Mas há quem use suas ferramentas para outra coisa. Exatamente como faz D’Eça, com toda desfaçatez, pensando que alguém acredita N’Eça.
A expressão usada por Pedrosa, “gorilas diplomados”, não é, nem quer ser racista, nem se refere a jornalistas em geral, nem sequer à maioria dos profissionais da área. Refere-se a membros de um pequeno grupo de bacharéis em comunicação truculentos, intolerantes, agressivos, gratuitamente violentos e que agem por instinto animal, às vezes tão somente o da sobrevivência. Tampouco faz alusão à cor da pele de Décio Sá, como D’Eça quer fazer crer: há gorilas diplomados de toda cor no grande zoológico da política e do jornalismo cometidos no Maranhão da cachaça, pão e circo.
Por aí há, além de gorilas diplomados, gorilas fardados (disparando contra adolescentes e indefesos de toda faixa etária), gestores gorilas e gorilas virtuais desfilando a máxima ultrapassada de que “direitos humanos só defendem bandidos”.
Criticar a OAB/MA, o presidente de sua Comissão de Direitos Humanos ou qualquer outra entidade ou seus membros por não emitirem nota(s) de repúdio sobre o caso Décio é apenas tentar induzir seus leitores ao erro: jornalistas devem (ou ao menos deveriam) escrever em seus textos o que as pessoas dizem, nunca o que supostamente teriam pensado.
As investigações do caso Décio estão acontecendo em uma velocidade satisfatória, acima da média de inúmeros outros casos envolvendo cidadãos comuns, anônimos que morrem sem às vezes ganhar uma linha sequer em página policial de jornal, quanto mais toda essa discussão sobre o contexto, a violência, a segurança pública e tudo o mais que se tem debatido (ou se tem tentado debater) nos últimos dias. Afinal de contas, o jornalista era amigo pessoal da governadora Roseana Sarney, como já apregoou um ou outro blogueiro em meio à grande repercussão que o crime ganhou.
Com uma amizade dessas, que diferença faz uma nota de repúdio da OAB/MA ou de outra organização?
Pequena amostra do jornalismo de Décio Sá
Quando escrevi Do assassinato de Décio Sá, sob o impacto do choque que a notícia me causou, evitei, na ocasião, momento de dor sobretudo para familiares e amigos, deter-me ao sem-número de adjetivos com que o jornalista foi agraciado, principalmente por pares de ofício e prática.
A notícia me alcançou ainda na noite em que o funcionário do Sistema Mirante foi brutal e covardemente executado em um bar na Avenida Litorânea: um tio meu ligou dando a notícia, rápida e nacionalmente repercutida pelo fato de Décio ser jornalista e ter falado com outros perto de morrer. Na manhã seguinte recebi ainda telefonemas, sobre o assunto, de uma tia e de meu irmão.
Desde a noite em que Décio foi atingido sem chance de defesa pelos tiros que o matariam começaram a pipocar na internet textos revoltados com o crime e carregados de elogios os mais variados a ele, alguns cínicos, outros oportunistas, pouquíssimos sinceros (tem gosto pra tudo). De uma hora para outra, ele havia se tornado, do Maranhão, “o maior/melhor jornalista”, “o maior/melhor repórter”, “o maior/melhor jornalista político”, “o maior/melhor repórter investigativo”, “a maior/melhor figura do jornalismo online”, “o maior/melhor nome de sua geração”, “o mais corajoso jornalista destas bandas”, o “destemido”, o “independente” e por aí vai. Sobre este último adjetivo, diga-se, nunca colou o descolar de seu blogue dos domínios do Imirante (portal de internet do Sistema) à época da mais recente campanha eleitoral de Roseana Sarney ao governo do Estado, repetido por outro blogueiro comprometido única e exclusivamente com os patrões.
Nem me darei ao trabalho de linkar os elogios todos, pois são tantos que não caberiam neste post. Penso até que mais e descabidos elogios só mesmo quando da partida de seu grande patrão, quando esta ocorrer.
Menos, gente! Por favor! Décio Sá era um jornalista extremamente alinhado aos patrões, por vezes um distribuidor gratuito de ofensas (nem tão gratuitas assim, tudo tem um preço), pouco afeito ao contraditório, comprometido até a alma com uma forma de fazer jornalismo que se baseia na chantagem e em ganhos pessoais, às favas a ética, a verdade e o interesse público. Como, aliás, o são muitos dos que ora o elogiam. Como o farão com o próximo jornalista assassinado, que tão logo tombe levará Décio a perder todos os tronos a que foi alçado antes mesmo de sua alma chegar ao destino final.
Eis um assunto extremamente melindroso de se tocar. Mas é preciso colocar os pingos nos is, “cada lugar na sua coisa” (ave, Sérgio Sampaio!), a bem do interesse público, do bom jornalismo, da verdade, enfim. Décio era Sá, não era Santo!
A postura deste blogue permanece a mesma: o frio e planejado assassinato de Décio Sá deve ser investigado e os culpados punidos dentro da lei. Não venham, caros comentaristas de blogues de plantão, inventar a pena de morte particularmente para este caso.
Se imagens de sistemas de segurança fossem usados ou recompensas de cem mil reais fossem oferecidas pela iniciativa privada em outros casos, já teríamos justiça feita a Flavianos, Cabeças, Josimos e tantos outros “anônimos ilustres” (salve, professora Dinacy Corrêa!). Em tempo: muito estranho empresas oferecerem estes pacotes ao Disque Denúncia e não sambarem publicitariamente sobre o corpo do defunto, não lucrarem com a justiça que supostamente estão ajudando a fazer.
Abaixo, matéria de ontem (25) na Folha de S. Paulo (link exclusivo para assinantes com senha; grifos do blogue). Os dois últimos parágrafos dão uma perfeita amostra do que era o jornalismo by Décio Sá. Continue Lendo “Pequena amostra do jornalismo de Décio Sá”
Do assassinato de Décio Sá
A morte parece ser a única forma de anistia ampla, geral e irrestrita. Parentes e amigos vão guardar o lado bom e preferir lembrar o sorriso do falecido, os momentos alegres de convívio. É sempre assim com quem quer que seja.
Não digo isso com ironia, a hora não é para brincadeiras ou desrespeito à memória de quem se foi de forma brutal e covarde.
O jornalista Décio Sá foi executado com seis tiros à queima-roupa na noite de ontem, em um bar na Avenida Litorânea. A arma utilizada é de uso exclusivo da Polícia Militar e tem o mesmo calibre ponto 40 com que, por exemplo, o Grupo Tático Aéreo disparou, semana passada, contra dois adolescentes da Vila Passos, que empinavam papagaios nas imediações do viaduto do Monte Castelo, na Av. Camboa.
O crime contra o jornalista deve ser elucidado. Como qualquer crime contra qualquer pessoa. Como todo crime contra toda pessoa. Os responsáveis pelo crime contra o jornalista devem ser punidos. Como devem ser punidos os que atiraram nos adolescentes. Como devem ser punidos os que atentam ou intentam atentar contra a vida de quem quer que seja.
Embora não concorde com a maioria dos adjetivos dispensados à Décio Sá, na cobertura de seu assassinato, em geral por amigos, admiradores e colegas de profissão, não ousarei discordar, a hora não é para isso, repito.
Mas permitam-me discordar das teses acerca da volta dos crimes de pistolagem e de encomenda ao Maranhão em pleno século XXI, assunto apregoado aqui e ali pela mesma cobertura. Não se trata de volta, pois os crimes de pistolagem e encomenda sempre estiveram por aqui, nunca se foram, nunca deixaram de existir.
Basta lembrar de mártires recentes como Flaviano Pinto Neto ou mais antigos como Pe. Josimo Tavares, entre tantos outros. Crimes precisam ser investigados. Pistoleiros, matadores de aluguel, assassinos, enfim, precisam cumprir suas penas, “aqui na terra como no céu”.
A polícia tem a obrigação, o dever de encontrar e punir os executores (e mandantes, caso existam) de Décio Sá. Como merecem punição os assassinos de Marcos Paulo das Neves Gaspar, o Rato 8, também executado a tiros na mesma Litorânea “palco” da execução do jornalista de O Estado do Maranhão, e tantas outras vítimas da impunidade geral e irrestrita que reina absoluta por estas plagas.
À família e amigos de Décio Sá, os sinceros pêsames deste blogue, comprometido com a verdade, a justiça e a defesa intransigente dos direitos humanos. Luto oficial de quantos dias a governadora Roseana Sarney porventura venha a decretar não basta. O luto tem que ser feminino, pela elucidação do crime e punição dos responsáveis, para que se acabe (ou ao menos se comece a diminuir) o clima reinante de insegurança, injustiça e impunidade.



