O irmão alemão [Companhia das Letras, 2014, 237 p., leia um trecho] é, de longe, o melhor romance de Chico Buarque. A começar pelo mote: a procura por um filho que Sergio Buarque de Holanda, seu pai, teve na Alemanha, em 1930, antes do casamento.
Compositor consagrado, Chico Buarque – que completou 70 anos neste 2014 – já é também, há algum tempo, nome prestigiado no universo literário, dentro e fora do Brasil. Em O irmão alemão ele mescla memória e autobiografia à pesquisa e ficção.
Notas ao fim do livro dão conta de quem foi Sergio Günther, o irmão alemão de Chico Buarque, “filho de Sergio Buarque de Holanda e Anne Ernst”, que “gravou um número incerto de discos, hoje fora de circulação”.
O livro é narrado por um professor de literatura – alter ego do autor –, que se diverte com o cometimento de pequenos delitos – Chico Buarque chegou a ser detido por um furto de automóvel na adolescência –, a boemia, em fazer a corte a moças desvirginadas por seu irmão mais velho e em fuçar cartas ocultas no interior dos livros da vasta biblioteca de seu pai.
As cartas, reais – com reprodução fac-símile de algumas ao longo da obra –, algumas escritas em alemão, dão conta da existência do personagem-título do livro, o que instiga a porção detetivesca de Ciccio, como é chamado o filho mais famoso de Sergio, a cujo amor pelos livros O irmão alemão presta merecido tributo – lê-lo é como mergulhar nas altas estantes do sociólogo, espalhadas pela casa inteira, cujas “paredes eram feitas de livros”. É quase correr os dedos nas lombadas dos incontáveis títulos de sua coleção.
Não à toa o novo romance de Chico Buarque é oferecido a Sergios: o pai e o irmão, ambos já falecidos, de quem o compositor-escritor se reaproxima, permitindo a seus leitores uma espiadela em sua vida privada – mas só o quanto ele mesmo permite ao descortiná-la, senhor absoluto da situação.
O resto é um piano ecoando ao longe, gemidos no quarto vizinho ou o cochilo do pai com um livro no colo e um charuto em uma das mãos.
Hoje o professoramigo Ramusyo Brasil tem dose dupla de lançamento: às 20h no Cine Praia Grande (Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, Praia Grande) ele realiza sessão de pré-lançamento de Maranhão 669 – Jogos de Phoder, um “filme de terror político”. A entrada é gratuita. Os ingressos devem ser retirados na bilheteria com meia hora de antecedência.
Na sequência, às 23h, no Porto da Gabi (Aterro do Bacanga), ele lança O reggae no Caribe brasileiro, fruto de sua tese de doutorado Reggae no Maranhão: música, mídia, poder, defendida em 2011 no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC/SP. Sua pesquisa foi contemplada com prêmios de Melhor Tese de Doutorado da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs, 2011) e Melhor Tese de Doutorado da área de Ciências Humanas e Sociais (Fapema, 2012). O livro, financiado pelo edital de apoio à publicação da Fapema, sai pela editora Pitomba.
Marcelino Freire voltou à Ilha. Premiado escritor, autor do ótimo Nossos ossos, entre outros, ministrou oficina de criação literária, pelo projeto Quebras, e de quebra participou da 8ª. Feira do Livro de São Luís.
Eu que sempre imaginei entrevistá-lo, acabei entrevistado por ele, baita honra e responsabilidade, para o quadro Reverbera, do Quebras. Outros personagens da cultura do Maranhão também foram entrevistados por ele, como Bruno Azevêdo e Celso Borges.
O livro que abre este post merece atenção especial, inclusive deveria ser bibliografia das disciplinas de jornalismo cultural nas faculdades. Depois digo mais dele, num post específico.
Logo mais este que vos perturba debato o “jornalismo cultural nos bastidores da cultura pop” com seu autor, Jotabê Medeiros, repórter e crítico do jornal O Estado de S. Paulo, e aproveito para pegar meu autógrafo. Ele trouxe uns exemplares na mochila e lança esta coletânea de histórias de bastidores fartamente ilustrada, contando encontros, às vezes inusitados, com nomes como Bob Dylan, Axl Rose, Zé Ramalho e Manu Chao, entre muitos outros.
Vai ser às 16h, no Café Literário Odylo Costa, filho, no térreo do Convento das Mercês, na programação da 8ª. Feira do Livro de São Luís.
Amanhã estaremos entre os bastidores e a plateia de Edvaldo Santana.
Com vasta obra dedicada ao público infantil, Wilson Marques é o patrono da 8ª. Felis. Foto: divulgação
É bastante possível que mesmo entre não leitores, digo, aqueles que só leem por obrigação, a memória de algum livro bata forte se perguntarmos sobre a infância, tenha sido esta abastada ou não.
Ainda que os livros fossem castigos, num distante biblioteca do passado, a memória passeará entre Monteiro Lobato, Viriato Corrêa, Lewis Carrol ou Antoine de Saint-Exupéry, entre inúmeras outras possibilidades.
A literatura infantil é o tema da 8ª. Feira do Livro de São Luís, que neste 2014 tem como patrono o escritor Wilson Marques, pai do personagem Touché, que protagoniza diversas aventuras na capital maranhense, ajudando a contar e compreender um pouco de sua história, lendas e encantos.
O personagem de Cervantes por Picasso. Reprodução
O herói-mirim de Wilson Marques é conhecido de muitas crianças, uma espécie de amigo íntimo. Não por acaso o escritor é um dos mais conhecidos destas plagas, requisitado por plateias diversas que, agora, ganha merecida homenagem desta 8ª. Felis. O mercado o chamaria de best seller local.
Como a luta de Dom Quixote contra moinhos de vento imaginários, é inglória a luta de pais e educadores contra concorrentes reais a roubar dos livros nossas crianças: toda a tecnologia existente de diversões eletrônicas e cada vez mais portáteis parece empurrar a literatura para o campo do “chato” e do “desinteressante”.
É para ajudar a compreender e mudar este quadro – ou ainda, aliar as tecnologias (não por acaso tema da Felis passada) – que se propõem tema e patrono da Feira deste ano, evento já consagrado no calendário cultural da cidade de São Luís, não apenas por força da Lei que garante sua realização, constituindo-a em uma política de Estado.
Infância. Capa. Reprodução
“A primeira coisa que guardei na memória foi um vaso de louça vidrada, cheio de pitombas, escondido atrás de uma porta”, relembra Graciliano Ramos na abertura de um de seus clássicos, não por acaso intitulado Infância (1945). Pois não sabemos, mas num futuro que desconhecemos quando de nossas primeiras aventuras literárias, nossas lembranças terão cheiro e sabor, confundindo-se por vezes com a própria infância.
Como a memória olfativa e auditiva do músico João Pedro Borges, que sob o sol de meio dia saiu à rua para comprar um picolé, após o descanso de depois do almoço, o rádio espalhava a melodia de Coração que sente, valsa de Ernesto Nazareth, a música para sempre marcada pelo cheiro de sorvete, quando o menino enfiou a cabeça no carrinho para escolher o sabor. Não é literatura, mas bem poderia ser. Não é?
A paixão do poeta e jornalista Fernando Abreu pelos livros começou quando, ainda garoto, ficou incumbido de ajudar a cuidar da biblioteca de sua escola, em Grajaú. Ali se tornou um leitor voraz, hábito que o para sempre menino carregaria para sempre.
O livro das ignorãças. Capa. Reprodução
Ninguém traduziu melhor em poesia a aventura rumo ao desconhecido que são a infância e a própria literatura do que o poeta mato-grossense Manoel de Barros. A inventividade de sua poesia, o espanto ante o desconhecido – incluindo suas invencionices – dão a exata dimensão do quão bonito e agradável pode ser embrenhar-se em esquinas que não sabemos onde vão dar.
Sandiliche. Capa. Reprodução
Ronaldo Bressane, convidado da Felis do ano passado, acaba de lançar Sandiliche, um conto que remonta a um amigo imaginário do irmão. Nosso Viriato Corrêa conta que seu Cazuza apressou o amor aos livros por amor às calças. Explique-se: o protagonista de seu clássico desejava trocar as roupinhas de menina por calças de menino. E deu jeito de entrar cedo na escola, único rastro de civilização no povoado em que nascera. É assim que começa a sua história.
Bruno Azevêdo e Karla Freire, casal de escritores premiados, contaram os dois primeiros anos de sua filha nos dois volumes de Isabel Comics, que deixaram de publicar para que a menina não crescesse como uma personagem de HQ. Desconheço maneira mais original de tratar uma coleção de fotografias.
Nem tudo porém é alegria na infância. Há relatos trágicos e comoventes de infâncias perdidas, como no poema Paisagem feita de tempo, de Joãozinho Ribeiro: “debaixo da ponte há um mundo/ feito de gente esquecida/ crianças sonhando infâncias/ infâncias queixando a vida”. Ou nos registros “biográficos” dos protagonistas de Pixote – Infância dos mortos e Aracelli, meu amor, ambos de José Louzeiro, e Eu, Cristiane F., 13 anos, drogada, prostituída, de Kai Hermann e Horst Rieck.
Ler é viajar, é dar asas à imaginação, e a literatura nos permite ser criança, super-herói, mocinho ou bandido, poeta, índio, pirata, bicho, qualquer coisa. Aventure-se conosco!
[texto que escrevi pra revista da #8felis, distribuição gratuita pelos espaços da Feira, que segue até 9 de novembro no Desterro (Convento das Mercês e praças da Igreja e da Flor do Samba). Conheça a programação completa]
A Feira do Livro já começou. Bom, de fato começa sexta-feira (31). Mas eu não podia começar essa notícia de forma diferente. É que já estão abertas as inscrições para a oficina Soltando a língua de criação literária que Marcelino Freire ministrará em São Luís, pelo projeto Quebras, dentro da #8Felis.
O autor de Nossos ossos, escritor talentoso e premiado, está rodando o Brasil “soltando a língua”, com patrocínio do Itaú Cultural. Aí, ou melhor, aqui, ele junta a fome com a vontade de comer: participa da Feira do Livro de São Luís como autor convidado e ministra essa oficina, que tem 20 vagas, gratuitas.
Interessados/as podem se inscrever exclusivamente pelo e-mail todasasquebras@gmail.com e conhecer melhor o projeto no belo site do Quebras. Garanta já sua vaga!
Homens não podem fingir um orgasmo se não estiverem de pau duro — disse Sócrates a Xantipa, não sei exatamente em que circunstância. E disse mais: os homens não podem ficar de pau duro se não estiverem com tesão, mesmo tendo tomado alguma dessas pilulinhas mágicas cujo princípio ativo só funciona se turbinado por alguma dose de genuíno desejo sexual prévio. Tá na bula. Tá também no senso comum. O tautológico Conselheiro Acácio, personagem do Eça de Queirós que só dizia chavões e obviedades, poderia ter dito a frase. De pau mole, com certeza.
Já a mulher pode fingir um bom orgasmo a hora que quiser. Tanto a mulher do Conselheiro Acácio quanto todas as demais mulheres do mundo. Orgasmo animal, orgasmo lírico, orgasmo cósmico, a escolha é dela. E, se a trepada for apenas fonográfica, como nos antigos serviços de sexo por telefone, aí fica ainda mais fácil. Qualquer asmática em crise ou maratonista em fim de prova pode simular um orgasmo fonográfico espetacular sem nenhum esforço extra. A atriz e cantora Jane Birkin, que até onde eu sei não é asmática nem maratonista, não fez outra coisa diante de um microfone, uns cinquenta anos atrás, no Je t’aime, moi non plus, clássico romântico de bailecos, boates, hotéis de passe e das rádios dos anos 60. Nessa canção, a bela Birkin protagonizou um orgasmo sexual em parceria com seu então marido e espantalho particular, o compositor, ator, provocador, bebum e anarquista Serge Gainsbourg. Esse Gainsbourg, você sabe, é aquele sujeitinho feioso, baixinho, orelhudo e narigudo, do time do Belmondo. A feiura nunca o atrapalhou, nem lhe diminuiu o carisma, pelo contrário, e ele passou a vida colecionando beldades. Talvez sua frase mais conhecida seja: “A feiura é superior à beleza. A feiura fica, a beleza passa.”
Voltando ao Je t’aime, até hoje fico mexido ao ouvir o Gainsbourg fazendo a Birkin arfar seu orgasmo sonoro enquanto ele vai entoando com sua voz de bebum defumada em milhões de Gitanes sem filtro o grande verso da canção: Comme la vague irrésolue / je vais et je viens / entre tes reins… (“Como a onda irresoluta, eu vou e venho entre teus rins…”). Isso, em meio à melodia ultrarromântica desenhada com pungência no órgão elétrico. A melodia soava como a própria trilha da trepada que as vozes da Birkin e do Gainsbourg encenavam. Era como se o casal de gemedores apaixonados tivesse ido a um motel, ligado o FM e sintonizado justamente o Je t’aime, moi non plus, que passava, então, a ser a trilha sonora da fodelança real. Coisa fina e engenhosa, metalinguística e tudo mais, ouvida e apreciada por casais de quase todas as idades e classes sociais, sobretudo na hora do vamo-vê. Isso no Brasilzão jeca e conservador daqueles tempos, o mesmo que tinha visto se instalar a ditadura militar em 64. E com o Vaticano, ainda acatado cagador de regra na época, indicando o caminho do inferno a quem executasse ou apenas escutasse a música, sem falar no Gainsbourg e na Birkin, os protagonistas do pecaminoso ultraje, esses já com lote reservado na fornalha de Belzebu.
[trecho da crônica safada Catherine, Serge et moi, de O cheirinho do amor, que o grande Reinaldo Moraes lança daqui a 12 dias, o que, como qualquer lançamento seu (até mesmo não menos importantes textos na revista piauí, por exemplo), me deixa curioso e ansioso. Não é de meu feitio comentar aqui livros antes de lê-los, mas em se tratando de Reinaldo Moraes…]
A 9ª. Aldeia Sesc Guajajara de Artes começa amanhã (23), com um cortejo artístico que seguirá da Biblioteca Pública Benedito Leite, na Praça Deodoro, até a Praça Nauro Machado, na Praia Grande. A concentração tem início às 15h30.
O encontro de diversas linguagens artísticas marca a abertura do maior evento de arte e cultura do Maranhão, cuja programação, completamente gratuita, segue até o dia 30 de outubro, em São Luís e Raposa.
Ao longo do trajeto, as ruas do centro da capital maranhense serão enfeitadas pelas artes do Maracatuque Upaon Açu, Núcleo de Formação Artística O Circo tá na Rua, Trupe de Habilidades Circenses, Grupo Officina Affro, Grupo de Artes Maria Aragão (Gamar), Banda do Bom Menino, Xangô Caô (TSI/Sesc), contando ainda com o intervencionismo arte educativo “Piracema Criativa” da Imaginautas_Rede Social.
A trupe será recepcionada às 18h na Praça Nauro Machado, onde acontecerá o Brechó no Olho da Rua, cujo nome surgiu por conta de um despejo, passando o mesmo a funcionar em diveros espaços públicos, de forma itinerante. Dialogar com ações culturais que já acontecem na cidade, caso do brechó, é o mote da 9ª. Aldeia Sesc Guajajara de Artes, cujo tema é “Tecendo Redes”.
Um dos mais refinados e requisitados DJs de São Luís, Franklin Santos, ou simplesmente DJ Franklin, sobe ao palco da Nauro Machado às 19h. Ele comenta a alegria em participar novamente da Aldeia: “é uma grande alegria, ainda mais dividindo a noite com uma das bandas que mais escutei, ao lado de Chico Science e Nação Zumbi, é realmente um sonho”, afirmou, referindo-se aos pernambucanos da mundo livre s/a. “Estou programando uma mistura de reggae, samba e manguebeat para rolar naquele lugar fantástico que é a praça Nauro Machado, outra magia à parte, ambientando tudo isso”, adiantou.
A banda Madian e O Escarcéu, com o premiado Sinfonia de Baticum, também está na programação de abertura da 9ª. Aldeia Sesc Guajajara de Artes, a partir das 20h. O repertório não se limitará ao disco: “Serão executadas em “primeira mão” na ilha canções como Sal de cigana e Terremoteou, que em breve estarão num lançamento do grupo, o álbum Nonada”, adianta o baixista Miguel Ahid.
Para Madian, estar junto de todos os artistas, tornando a noite uma festa, dá “uma sensação de bem estar. Afinal, lugar de índio urbano, lugar de metal do mato, é na aldeia mesmo. E – sendo maranhense – um legítimo tupinambá, é guajajara na veia”, afirma.
“Temos um respeito enorme por todo o trabalho, história e carreira dos expoentes da música pernambucana, de Luiz Gonzaga a Alceu Valença, passando por Chico Science, Nação Zumbi, mundo livre s/a e tantos outros. Todos eles, juntos com outros grandes nordestinos como João do Vale, Ednardo, Jackson do Pandeiro, são exemplos da grandiosidade da força e influência abissal do folclore nordestino na cultura do país”, afirma Erico Monk, que completa a formação do trio.
A banda pernambucana mundo livre s/a, um dos nomes mais importantes do movimento Manguebeat, que eclodiu no início da década de 1990, em Recife, sobe ao palco da 9ª. Aldeia Sesc Guajajara de Artes às 21h30. O repertório passeará por todos os seus discos, com especial destaque para o de estreia, Samba esquema noise, que em 2014 completa 20 anos de lançado.
Para ZéMaria Medeiros, poeta e músico que comanda A Vida é uma Festa, evento semanal que acontece ininterruptamente desde 2002, na Praia Grande, integrar-se à programação da 9ª. Aldeia Sesc Guajajara de Artes é uma forma de reconhecimento. “O Sesc, ao nos incluir em sua programação, coloca-nos em sua rede de diálogo com as diversas manifestações artísticas, o que nos fortalece. É o reconhecimento por um trabalho continuado de afirmação do nosso fazer artístico, do valor que a cultura tem para integrar as pessoas e sinergizar rumo a um mundo harmônico, plural, de paz”, enfatiza.
Este clima de confluência pauta toda a programação da 9ª. Aldeia Sesc Guajajara de Artes. A programação completa, totalmente gratuita, está disponível no site do Sesc/MA.
Ainda em ritmo de dia das crianças, o Grupo Teatrodança, capitaneado pela bailarina e escritora Júlia Emília, apresenta, nesta sexta-feira (17), às 19h, na Livraria Leitura (Shopping da Ilha), o musical O mundo imaginário de Juju Carrapeta.
A personagem-título é protagonista de O baile das lavandeiras, livro que poderá ser adquirido por R$ 10,00 na ocasião. A compra do livro é o ingresso para o espetáculo.
Bruno Azevêdo e Luciano Irrthum colam discurso de Sarney filmado por Glauber Rocha para tirar sarro da cultura (política) oficial. Baratão 66 foi indicado ao troféu HQMix 2014.
Uma das capas de Baratão 66. Reprodução
Um quadrinista que não desenha. Eis uma boa definição para Bruno Azevêdo, que agora foi buscar o Luciano Irrthum para dar vida a Baratão 66 [Pitomba/ Beleléu, 2013, 190 p.], a estória de uma casa de depilação (de dia) que vira puteiro (à noite), o Baratão 69.
A dupla ilustra a história do Brasil profundo, onde puteiros viram extensões dos gabinetes, climatizados ou não, das administrações públicas, as putas espécies de assessoras especiais com sexto sentido e o sonho de fisgar um figurão destes e largar a vida “fácil”.
O livro traz a clássica referência à distinção entre ficção e realidade, o que em se tratando da nossa, torna qualquer linha entre uma e outra bastante tênue. Como o é, bem sabemos, principalmente em se tratando de Maranhão, a que separa interesses privados de interesses (de homens) públicos.
Luciano Irrthum desenha o roteiro ditado por Bruno Azevêdo, autor cujo romance A intrusa foi publicado em capítulos neste Vias de Fato. Com duas capas, a gosto do freguês, como as “estampas” de depilação que ditam moda, Baratão 66, impresso em roxo, apresenta a tragicomédia das pequenas cidades do interior do Brasil – embora o livro seja ambientado em São Luís do Maranhão, capital que delas não guarda lá muitas diferenças.
O traço “grotesco” de Irrthum ilustra a “boca suja” de Azevêdo. Reprodução
Esqueçam a moral e os bons costumes e preparem-se para entrar na rotina dos inferninhos, em uma aventura hilariante, seja pelo traço, propositalmente grotesco, como a traduzir os personagens do livro e de nossa política, seja pelo enredo – “com cu ou sem cu?”, “cu fiado a gente não faz”, “só quem dá cu sem aviso é qualhira”, ouvem-se aqui e ali das bocas sujas que povoam as páginas.
Personagens bizarros, malditos, marginais compõem o cenário: a proprietária da casa de depilação que espera pela volta do “falecido”, herói de guerra com quem sonha, um porteiro “viado” apaixonado pelo padre, pecador mais que as ovelhas de seu rebanho, um carteiro que entrega os catálogos da Piu Piu, franquia em que se tornará o Baratão 66, o governador, habitué da zona. Também aparecem em Baratão 66 Ribamar Willer, taxista fã de Waldick Soriano e música brega, incluindo Adailton e Adhaylton, dupla sertaneja que protagoniza Breganejo blues, outro livro de Azevêdo, além dO Monstro Souza, serial killer e loverboy, saltado das páginas de outra obra-prima do autor, que vai pedir emprego no Baratão.
Não sabemos mesmo o que é mais imoral: se os palavrões ou o discurso de posse de José Sarney quando eleito ao governo do Maranhão em 1966, captado pelas lentes de Glauber Rocha e colado por Bruno Azevêdo e Luciano Irrthum em determinada passagem de seu Baratão 66, numa alusão óbvia à película glauberiana que captou o discurso do então jovem bigodudo, Maranhão 66 – o trocadilho, como nada ali, é por acaso. No fundo, é como se o Maranhão fosse um imenso puteiro a céu aberto – com esgotos a céu aberto, ratos e baratas passeando entre nossos pés.
A política está presente, e Baratão 66 tira um sarro com a cultura dita oficial, infelizmente ainda não completamente democratizada. A HQ de Azevêdo e Irrthum não tem um centavo de dinheiro público.
Não é fácil classificar – isto é, enquadrar em um rótulo – Baratão 66, como de resto, a qualquer livro de Bruno Azevêdo, ele ao mesmo tempo bacharel em História, mestre em Ciências Sociais, professor universitário, músico e escritor. A HQ que assina com Luciano Irrthum demonstra uma série de influências, que passam por literatura, quadrinhos, música, história, cinema e política.
HQMix – Baratão 66 concorre, este ano, em duas categorias do troféu HQMix, a mais importante premiação dos quadrinhos brasileiros: Publicação independente edição única e Novo talento (roteirista) – Bruno Azevêdo. O HQMix chega à 26ª. edição em 2014.
Novidades – Autor, editor e “contínuo” da Pitomba! livros e discos, Bruno Azevêdo atualmente trabalha na edição da fotonovela Nonato, meu tudo. Ainda em 2015 lançará Brega é tu, sua dissertação defendida no mestrado em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), recentemente selecionada em edital da Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Científico do Maranhão (Fapema). Fruto de pesquisa acerca da dita música brega em ambientes como choperias e serestas em São Luís, o livro terá pesquisa iconográfica assinada por ele e pelo fotógrafo Márcio Vasconcelos, que já havia colaborado com a edição de Onde o reggae é a lei, de Karla Freire, livro vencedor do Prêmio Cidade de São Luís, publicado pela Edufma com preparação editorial da Pitomba!
Não poucas vezes adentrei o Bar do Léo e dei de cara com sua figura muito animada, um copo de uísque sobre a mesa, às vezes uma garrafa inteira. Sempre nos cumprimentamos com um abraço efusivo e não era raro ele depois estacionar em minha mesa, entre suas idas e vindas ao banheiro, para continuar uma história iniciada ou explicar melhor algum detalhe. E histórias não lhe faltam.
José de Ribamar Elvas Ribeiro, popularmente conhecido como Parafuso, é uma lenda viva do radialismo maranhense, sua memória viva, não exagera quem o diz.
Sonoplasta, parte delas entregou em entrevista ao hoje presidente da Fundação Municipal de Cultura Francisco Gonçalves e o time de comunicadores que coordenou em pesquisa sobre a versão maranhense da fantástica guerra dos mundos, livremente inspirada em H. G. Wells.
As lembranças de Parafuso sobre este importante, controverso, lendário, curioso e, por que não?, hilário capítulo da radiofonia maranhense estão em Outubro de 71 – Memórias fantásticas da Guerra dos Mundos, livro organizado por Gonçalves que reconta a história do dia em que os marcianos invadiram São Luís.
Lembro que, quando escrevi sobre o livro para a revista Overmundo (donde, aliás, meio que cato a abertura deste texto), tentei entrevistar Parafuso por telefone. Foi a primeira vez em que ouvi falar de Memórias de um Parafuso, que à época nem sei se já tinha esse título, o livro que o mestre lança em noite de autógrafos no Bar do Léo, no próximo dia 2 de julho.
Sem perder a elegância nem a paciência, Parafuso advertiu-me que o que tinha para dizer sobre a “guerra dos mundos” estava no livro sobre o qual eu estava escrevendo (e que obviamente já havia lido). E que sobre outros assuntos ele diria num livro que estava escrevendo com suas memórias. “Aliás, o livro está pronto, falta revisão e dinheiro para imprimir”, confessou-me.
Tornei a encontrá-lo outras vezes, mas não a importuná-lo com perguntas do tipo “e o livro?”. Mas a notícia do lançamento de suas memórias me deixa bastante contente. E ansioso.
Entre as histórias de Parafuso certamente está a de seu apelido, conforme me contou certa vez: “eu era irrequieto e um dia na escola o professor [ou era um inspetor?] chegou e me viu sobre a carteira, sapateando. Ele botou o apelido: parafuso. Dizem que quando a gente se zanga é que o apelido pega. Eu nunca me zanguei e pegou, embora carrapeta fosse mais apropriado. Parafuso você bota ele ali, ali ele fica. Carrapeta, não…”
Ubiratan Teixeira perdeu ontem (15) a batalha que travou nos últimos meses contra um câncer no estômago. Nome fundamental para a literatura, o jornalismo e o teatro maranhenses, Bira, como era conhecido entre os íntimos e os nem tanto, deixa importante legado nas áreas em que atuou.
As áreas, em sua obra, aliás, não raro se confundiam. Transitava com desenvoltura por elas, às vezes mesclando-as. Suas crônicas em O Estado do Maranhão, jornal em que trabalhou desde a fundação, não raro deixavam o leitor na dúvida: o que ali havia acontecido de verdade e o que era pura invenção da cabeça mágica de Bira? A pulga na orelha do leitor que só os melhores cronistas conseguem plantar.
No teatro era autor e crítico. Seu grande Pequeno Dicionário de Teatro é obra que o torna merecedor de respeito em qualquer canto e se Bira não foi mais famoso ou conhecido (respeitado era e continuará sendo), certamente é por ter optado pela província. Seu conto Vela ao crucificado rendeu festejadas adaptações ao teatro, por Wilson Martins, e ao cinema, por Frederico Machado.
Encontros – Em 2007 sua novela Labirintos venceu uma das categorias do último edital para literatura lançado pela Secretaria de Estado da Cultura. Vez por outra, à época, ele ia à sede do órgão, na Praia Grande, saber do desenrolar das coisas para a publicação, prevista no regulamento do certame. Os poucos encontros que tivemos sempre foram muito agradáveis: Bira era muito educado, simpático e engraçado. Adorava ouvir suas lembranças de episódios hilários somadas às de José Maria Nascimento, Nauro Machado e Wilson Martins, gargalhadas às quais por vezes somei as minhas, quando eles se reuniam, para água, cafezinho e prosa, na sala que eu ocupava (naqueles idos eu chefiava a Assessoria de Comunicação da Secma). A burocracia emperrou e as obras vencedoras do edital lançado pelo governo Jackson Lago só foram publicadas no governo Roseana Sarney, quando o golpe judiciário tirou aquele do poder.
Ubiratan merece mais respeito. Foto: Murilo Santos
O Estado da lambança – Se por um lado a oficialidade, em notas de pesar e fotografias aos pés do féretro, parece lamentar realmente a perda de Ubiratan Teixeira, por outro sua memória parece já ameaçada: qual Tião Carvalho apontado como João do Vale, no Parque Folclórico da Vila Palmeira, órgão público estadual, o velho e saudoso Bira aparece, no mesmo “palco”, como Odylo Costa, filho, entre gente – inclusive o com quem lhe confundem – de sua mesma envergadura: Ferreira Gullar e Josué Montello. Nem comentarei a grafia do nome do jornalista que batiza outro importante órgão público estadual.
Homenagem – Ubiratan Teixeira já havia sido escolhido pela Fundação Municipal de Cultura como um dos homenageados da 8ª. Feira do Livro de São Luís, que acontecerá em novembro.
Outra grande perda – Em pouco mais de um mês, é a segunda grande perda para as letras maranhenses: seu confrade na Academia Maranhense de Letras (AML) José Chagas faleceu em 13 de maio passado.
O novo romance de Martin Amis é uma fábula contemporânea sobre o mundinho deslumbrado e tresloucado das celebridades fast food e o ridículo que as cerca.
Lionel Asbo [Companhia das Letras, 2014, 360 p., tradução de Rubens Figueiredo; leia trecho], antes Pepperdine, ganha este nome ao assumir sua “condição de comportamento antissocial” (na sigla em inglês), depois de reiteradas passagens por prisões, graças a crimes em Diston Town, subúrbio londrino em que vive.
Para a criminalidade o personagem-título demonstra predisposição e talento. Não à toa cria dois pitbulls, Joe e Jeff, “ferramentas de trabalho”.
O sobrinho Desmond, que vive com ele, chama-o carinhosamente de Tio Li. O garoto consegue algum futuro justamente seguindo às avessas os conselhos recebidos de Asbo, sobre trânsito – dirige perigosamente – e a universidade – o tio não a valoriza, é semianalfabeto e tem problemas de dicção; o sobrinho torna-se um aluno de destaque, enquanto faz bicos de taxista para se sustentar. O que não o torna um santo: por várias vezes, escondido do tio, Des faz sexo com a própria avó.
Na loteria, um jogo que costuma classificar de “para otários”, Lionel ganha 140 milhões de libras, por meios não convencionais. Torna-se celebridade instantânea, qual um ex-BBB, paparicado por paparazzi e outras engrenagens dessa indústria, o que não o livra de novas confusões.
Ele desperdiça dinheiro com futilidades como as suítes mais caras de hotéis de luxo, farras megalomaníacas e prostitutas, enquanto sua mãe agoniza num asilo. A narrativa é conduzida com bom humor e leva o leitor a reflexões sobre a distância entre gestos e palavras – quantos aspiram tornar-se celebridade no fantasioso mundinho das redes sociais? –, além de ironizar a relação da mídia e da sociedade com astros e estrelas meteórica e artificialmente fabricados.
Like a Bob Dylan terá no palco artistas influenciados pela obra do americano
Like a Bob Dylan é daquelas ideias que surgem de um encontro-estalo e fermentam o tempo necessário até que esteja pronta para ser apresentada. Trata-se de um espetáculo de celebração à vastíssima obra do mais importante poeta da música popular mundial.
A ideia do mix de show e recital surgiu há cerca de dois anos, do encontro do poeta Fernando Abreu e do cantor Wilson Zara, ambos admiradores do repertório dylanesco. A eles somam-se Acsa Serafim, Daniel Lobo e Lucas Sobrinho, todos fortemente influenciados pelo autor de Blowin’ the wind.
O espetáculo passeará pelo repertório de Dylan em inglês e português, através das muitas versões de nomes como Babau, Caetano Veloso, Fausto Nilo, Geraldo Azevedo, Péricles Cavalcanti e Vitor Ramil. Mas nem só à música restringe-se a noite, que incluirá ainda leitura de trechos de Tarântula, livro de prosa experimental lançado em 1971.
A Dylanight acontece dia 29 (quinta-feira), às 22h30, no Amsterdam Music Pub. Os ingressos, à venda no local, custam R$ 20,00.
Sobre Like a Bob Dylan o blogue conversou por e-mail com Fernando Abreu, que produz o espetáculo e subirá ao palco para algumas leituras.
ENTREVISTA: FERNANDO ABREU
Como surgiu a ideia de Like a Bob Dylan? Me ocorreu que o Zara, que já fazia o lance do Raul [o anual Tributo a Raul Seixas] com muita verve, poderia fazer um show dedicado à obra de Dylan. Mas eu não o conhecia. Um dia saí com Nosly e o encontramos com, dei a sugestão e ficou assim. Agora ele me ligou querendo saber se eu ainda tava a fim. Claro!
Os artistas envolvidos têm alguma ligação com o universo dylanesco. Foi fácil escolher? Sim, ja admirava a Acsa Serafim compondo folk lindamente. Foi a primeira pessoa em que pensei, e ela foi muito simpática e receptiva, vibrou com o convite. Lucas Sobrinho é especialista em Beatles, que tem uma conexão forte com Bob Dylan, os dois se influenciaram e trocaram energias criativas. Zara é o homem do violão e gaita, estradeiro, operário da música, e mais o Daniel Lobo, músico experiente, mais chegado ao blues, se despedindo do Brasil. Estas são pessoas que tem referências mais ou menos explícitas de Dylan, mas sua presença é muito disseminada, diluída, está no DNA da música popular dos anos 1960 para cá no mundo inteiro, a coisa da música popular levada ao extremo de suas possibilidades poéticas. Dylan está em todos, de Caetano a Josias Sobrinho.
Bob Dylan é um compositor muito traduzido no Brasil e suas letras quase sempre sofrem poucas alterações para efeitos de adaptação. O que você acha destas versões, em geral? Geralmente se traduz aquilo que é mais maleável, mais aberto a uma tradução mais ou menos literal, como costuma ser a da música pop. Eu mesmo já me aventurei nesse terreno e acho que não me saí mal, comparando depois com outra versão da mesma canção. Mas é Bob Dylan, ou seja, um universo criativo inteiro com suas nebulosas, quasars e pulsars. Boa parte da obra dele é pura pedra no caminho de qualquer tradutor, alguma coisa talvez não funcionasse fora da língua inglesa, porque a poesia de Dylan não pode ser separada de seu caldo cultural, principalmente do falar das ruas, coloquial. Mas aí mesmo é que está o embate amoroso do tradutor, nas promessas mais difíceis de gozo.
O que o público pode esperar de Like a Bob Dylan? Música e poesia, em português e em inglês? Vai ter mais clima de recital, sem performances pirotécnicas. A ideia é exaltar a obra criativa do bardo por meio de suas canções, textos e poemas. Vamos de inglês e português, os textos de Tarântula ganharam versão especialmente feita para o recital, pela tradutora paulista Claudia Freire.
Qual a sua música preferida de Bob Dylan? E o disco? E a versão preferida, entre as feitas no Brasil? Acho que listaria pelo menos umas dez preferidas, tenho períodos de paixão por essa ou aquela canção. No momento, viajo em Sad-Eyed Lady of the Lowlands, linda, do disco Blonde on Blonde. Cara, Negro Amor [versão de Caetano Veloso e Péricles Cavalcanti para It’s all over now, baby blue, gravada por Gal Costa em Caras e bocas, de 1976] é imbatível, primeiro por ser um grande poema. Mas gosto do faroeste do Raimundo Fagner, Romance no Deserto [versão de Fausto Nilo para Romance en Durango, parceria de Dylan e J. Levy, gravada pelo cearense no disco que leva o título da versão, de 1987].
O que você achou de Full Moon and Empty Arms [Mossman/ Keye], sucesso da lavra de Frank Sinatra recém-gravado por Dylan? O certo é que vai rolar esse disco voltado para as canções de Sinatra. Achei a voz de Dylan melhor do que eu seu último disco [Tempest], que chega a causar certo desconforto. De qualquer forma, é sempre bom ver o velho bardo na ativa, um cara que vive para as canções. Gosto disso!
Conheci José Chagas (Piancó/PB, 29/10/1924 – São Luís/MA, 13/5/2014) primeiro por sua poesia, simples, mas não simplória, portanto cativante. Paixão à primeira leitura. Durante certo tempo acompanhei suas crônicas sabáticas nO Estado do Maranhão, valendo-me da assinatura de algum lugar em que trabalhei.
Ainda lembro-me do impacto de ouvi-lo abrindo XXI, livro-disco de Celso Borges. Depois o conheci pessoalmente, já velho e frágil. Dizer conhecer, neste caso, talvez soe um exagero: eu não era um seu amigo, nem fomos próximos, vi-o no máximo duas ou três vezes, em geral em eventos. Numa Feira do Livro o ouvi falar, por ocasião do lançamento de algum de seus muitos livros.
Ele não tardaria a abandonar a coluna e deixar leitores órfãos de sua pena – perdoem se não lembrar aqui a ordem precisa em que os fatos se deram. Depois deixaria de lançar livros. Dizia ter abandonado a poesia. Com sua subida – o poeta faleceu às 13h de hoje, após dias internado em um hospital da capital – familiares certamente descobrirão material inédito. Chagas pode até ter abandonado a poesia, mas esta certamente não o abandonou.
Uma vez pensei em entrevistá-lo por ocasião de alguma efeméride de Marémemória (1973), seu livro-poema tornado peça multimídia (1974) pela trupe do Laborarte, donde vem essa imagem de Josias Sobrinho e Cesar Teixeira que encabeça este blogue. Por qualquer motivo não o fiz.
Como até agora não escrevi sobre o lindo A palavra acesa de José Chagas, obra-prima lançada no posfácio de 2013, pelas mãos “cavando a terra alheia” de Celso Borges e Zeca Baleiro, um disco fundamental, imprescindível. Como a própria poesia de José Chagas.
A exemplo de outros pa/lavradores que de alguma forma relacionaram poesia e música, Chagas será lembrado sobretudo por Palafita (José Chagas/ Fernando Filizola/ Toinho Alves) e, principalmente, Palavra acesa (José Chagas/ Fernando Filizola), versos seus musicados pelo Quinteto Violado ainda na década de 1970 – a segunda fez estrondoso sucesso cerca de 15 anos depois, quando escolhida para trilha sonora de uma novela da Rede Globo. Ambas as faixas estão em A palavra acesa de José Chagas, recriadas, a primeira por Lula Queiroga e Silvério Pessoa, a segunda por Zeca Baleiro.
Era certamente um de nossos maiores poetas, mas nem isso se considerava. E não por modéstia, já que afirmava ser o maior versejador que conhecia. Nesse quesito, todo mundo está certo, todo mundo tem razão. Chagas era grande no que fazia.
Deixa mais de 20 livros publicados, entre os quais destaco (diante da importância no conjunto da obra ou por questão de gosto pura e simples) Marémemória (1973), Lavoura azul (1974), Alcântara – negociação do azul (ou A castração dos anjos) (1994), De lavra e de palavra (ou Campoemas) (2002) e Os canhões do silêncio (2002), entre outros. Obra vasta e profunda que merece ser (mais) conhecida – ainda é tempo.