Vísceras sociais vomitadas a uma caixa preta

Com capítulos e páginas numerados de trás pra frente, Sobrevivente [Leya, 2012, 353 p., tradução de Tatiana Leão], segundo romance de Chuck Palahniuk, conta a história de Tender Branson, fanático religioso que sequestra um avião – para irmos direto ao ponto. A contagem regressiva é o tempo de os motores pifarem e a aeronave cair, o tempo em que ele aproveita para registrar sua própria história de vida, que narra à caixa preta.

Branson é o único sobrevivente – daí o título – de uma seita religiosa fanática e o autor se utiliza disso para construir uma obra satírica, criticando costumes e valores da sociedade ocidental. O protagonista, por exemplo, alimenta seu peixinho de estimação com valium, usa ele mesmo um sem número de drogas para manter as aparências, afinal de contas, é um líder religioso que precisa conquistar e convencer, principalmente pelo que expõe em cadeia nacional de tevê.

É também ele um incentivador de potenciais suicidas a consumarem o ato, por telefone. É mais um elemento irônico do texto: qualquer um pode ser promovido a qualquer coisa, tudo depende da intensidade da cobertura da mídia, para citarmos uma passagem em que ele questiona mesmo o martírio de Jesus Cristo. Como convém, a obra é recheada de passagens bíblicas.

Também recheiam as páginas de Sobrevivente dicas domésticas, os afazeres do lar outra das funções do personagem principal, antes de sua vida virar. Com uma narrativa frenética, o livro, que também diverte, talvez seu objetivo primeiro, acaba revelando bastidores de um circo em cuja plateia só se veem palhaços: eu, você, seus leitores e todos aqueles de quem bancos, governos, igrejas e instituições em geral riem da cara a cada quebra de recorde nos lucros.

O peso das escolhas

[O Imparcial, ontem]

Michel Laub lança segundo volume de trilogia em que analisa o peso individual de grandes catástrofes. A maçã envenenada relaciona o genocídio étnico em Ruanda e o suicídio de Kurt Cobain para contar uma história de amor

ZEMA RIBEIRO
ESPECIAL PARA O IMPARCIAL

O gaúcho Michel Laub é um dos mais talentosos escritores em atividade no Brasil – e um dos 70 que está representando o país na Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha. A maçã envenenada [Companhia das Letras, 2013, 119 p., leia um trecho] segue um modo particular de escrever: capítulos curtos e certeiros, espécies de notas numeradas, daquelas que facilitariam ao leitor interromper a leitura, um marca páginas, e continuar logo em sequência – isso se se conseguisse parar.

O título retirado de um verso do Nirvana – de Drain you, do mítico Nevermind, de 1993 – une temas aparentemente sem relação alguma: o suicídio de Kurt Cobain e o martírio de Immaculée Ilibagiza, escritora ruandesa que sobreviveu ao confinamento por 91 dias em um banheiro enquanto sua família era dizimada por um genocídio étnico, ambos em 1994 – a relação entre os dois acontecimentos se dá pelo jornalismo, outro ofício de Laub, e o tom autobiográfico não está aí à toa ou por ego. O título, que caberia a um conto de fadas, deve ser levado a sério.

O que o autor conta é uma dolorosa história de amor, iniciada e terminada nos verdes anos juvenis: uma história de perda. Ou de perdas. A maçã envenenada é o segundo volume de uma trilogia iniciada por Diário da queda [Companhia das Letras, 2011, 151 p.], em que Laub analisa o peso de catástrofes de repercussão global a partir de um olhar particular, mesclando memória, autobiografia e ficção.

O dilema entre ir ou não ao show do Nirvana no Brasil – que o próprio Kurt Cobain classificaria como o pior show da banda em todos os tempos – por um estudante que cumpre o serviço militar obrigatório – uma aberração que sobrevive aos quase 30 anos do fim do regime militar brasileiro – é o ponto de partida para uma trama bem construída, em que cenários e personagens se alternam para contar uma história acima de tudo humana, o início de uma biografia cujos capítulos juvenis morarão na saudade quando um adulto olhar para trás e se perguntar o que poderia ter acontecido se tivesse feito outras escolhas – ir a um show de rock e desertar ou ficar e não ser punido?

O futuro da censura

Entre lançamentos e reedições, outras obras podem ter o mesmo infeliz destino desta

Muito já se falou no assunto e eu só não vi mesmo a opinião do Lobão, que agora engrossa o coro de colunistas reaça da Veja. Em pauta as biografias e a censura prévia. Talvez o velho lobo esteja quieto por já ter escrito – com o grande Cláudio Tognolli – sua autobiografia.

Até aqui, de tudo o que foi dito, fico com Alceu Valença e Benjamin Moser. O grupo formado por Caetano Veloso, Chico Buarque, Djavan, Erasmo Carlos, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Paula Lavigne e Roberto Carlos – perdoem se esqueço alguém – é simplesmente ridículo, a começar pelo nome: Procure saber é um exemplo de pura arrogância.

A meu ver, quem já foi vítima de censura não tem o direito de se tornar censor.

Existem biografias boas e biografias ruins, como tudo na vida. Mas não será a censura que fará este filtro de qualidade. Num momento em que está muito em voga a pauta memória, justiça e verdade, por conta da Comissão Nacional que, apesar dos limites, procura esclarecer crimes de lesa-humanidade cometidos pela ditadura militar brasileira, é no mínimo triste o comportamento da dita elite da emepebê.

Para além do interesse público, pra mim o buraco é bem mais embaixo. Agora censuram biografias. Já imaginou se num futuro próximo tentam censurar a literatura? Deliro? De jeito nenhum. Um ótimo exemplo é a clássica página 73 do Bregajeno Blues – Novela Trezoitão, de Bruno Azevêdo. Leiam-na e tirem suas próprias conclusões.

Este post vai com um abraço ao Paulo César de Araújo!

O maior segredo do Brasil é a tal da perna de pau do Roberto Carlos. Não pode comentar isso. É feio. É errado.

Podem reparar. Já viram isso em alguma revista? Programa de tv? Nada, não sai nada! É a informação mais subversiva do país. Entra governo, sai governo, aparece a nova promessa da música brasileira, morre a nova promessa da música brasileira, fulano chifra cicrano, Nelson Gonçalves abre o jogo, mas ninguém fala da perna de pau do Rei.

Literatura e teatro para crianças de todas as idades

Cena de “O mundo imaginário de Juju Carrapeta”

Engana-se quem pensa que literatura em São Luís somente na Feira do Livro do ano que vem. É certo que muita gente ainda não se curou da ressaca literária, tanta gente boa passou por aqui, tanta coisa boa aconteceu nestes últimos 10 dias.

Com a proximidade do dia das crianças – o que inclui as crianças crianças e as crianças adultas – Júlia Emília e seu grupo Teatrodança relançam, dia 10/10 (quinta-feira), às 19h, na livraria Leitura do Shopping da Ilha, o livro O Baile das Lavandeiras, mistura de sacro, profano, pastor maranhense, pastoril pernambucano, tambor de mina, dança do lelê, São Gonçalo, Maria Firmina dos Reis, Chico Maranhão, Ferreira Gullar, Carlinhos Veloz, Dona Elzita Vieira, Lídia Castro, Lili Sá Marques, Raul Valença, a fundação da cidade de São Luís, a serpente e Ana Jansen: um verdadeiro liquidificador cultural.

Na ocasião será encenada a peça O mundo imaginário de Juju Carrapeta. A entrada é franca. O livro custará, na ocasião, R$ 25,00.

Com Tributo ao Bandeira de Aço, termina hoje a #7felis

A 7ª. Feira do Livro de São Luís termina hoje, após 10 dias (incluindo este domingo) de intensas atividades nos mais diversos espaços da Praia Grande.

Às 21h, na Praça Nauro Machado, diversos artistas relembrarão as nove faixas do antológico disco gravado por Papete para a Discos Marcus Pereira, em 1978, ocasião em que pela primeira vez foram gravadas em disco músicas de Cesar Teixeira, Josias Sobrinho, Ronaldo Mota e Sérgio Habibe.

É um bis do show apresentado em maio passado no Teatro Arthur Azevedo.

Um craque das letras

[Íntegra da entrevista publicada hoje no Alternativo, O Estado do Maranhão]

O escritor e jornalista Xico Sá, autor convidado da 7ª. Feira do Livro de São Luís, falará ao público sobre jornalismo, literatura e futebol, temas da palestra que fará dia 2 de outubro no Teatro João do Vale auditório da Faculdade de Arquitetura. Na entrevista concedida aO Estado ele abordou ainda cinema, a viagem que fará à Espanha, a obra de Bruno Azevêdo e arriscou um palpite sobre a ascensão do Sampaio Correia à série B

ZEMA RIBEIRO
ESPECIAL PARA O ALTERNATIVO

Nascido no Ceará, formado jornalista em Pernambuco, Xico Sá há muito está radicado em São Paulo. Já desfilou seus textos, dos mais elegantes da literatura e do jornalismo brasileiros, por veículos como Veja, Folha de S. Paulo, Playboy, Trip, TPM, V e muitos outros.

É autor de livros tão diversos como Nova Geografia da Fome – parceria com o fotógrafo Ubirajara Dettmar, que percorreu os caminhos iniciais do Programa Fome Zero no Brasil –, Modos de Macho e Modinhas de Fêmea, Se um cão vadio aos pés de uma mulher abismo, Catecismo de Devoções, Intimidades e Pornografias e o mais recente, Big Jato, espécie de autobiografia inventada que virará filme em breve (leia um trecho).

Também se aventura com a mesma elegância e desenvoltura por terrenos difíceis como o consultório sentimental – o que fez no Saia Justa, do GNT, e continua em seu blogue, hospedado no site da Folha de S. Paulo – e na crônica esportiva – aos sábados os leitores da mesma Folha deliciam-se com seu inconfundível jargão, “amigo torcedor, amigo secador”.

Outras aventuras de Xico dão-se ainda no campo da música e do cinema. O jornalista é parceiro de bandas como a mundo livre s/a e estrelou videoclipes de Sidney Magal [Tenho] e Junio Barreto [Passione], além de ter feito pontas como ator em filmes como Crime Delicado (baseado no livro homônimo de Sérgio Sant’anna) e O cheiro do ralo (baseado idem em Lourenço Mutarelli).

Convidado da 7ª. Feira do Livro de São Luís, Xico Sá estará numa mesa mediada por este jornalista, no Teatro João do Vale auditório da Faculdade de Arquitetura (Rua da Estrela), dia 2 de outubro (quarta-feira), às 18h. Ele falará sobre Literatura, jornalismo e futebol. Por e-mail, o candidato a galã da 7ª. FeliS concedeu a entrevista a seguir a O Estado.

O Estado do Maranhão – Quais as expectativas para um retorno à São Luís, desta vez, finalmente, na condição de autor convidado do maior evento literário do Maranhão?
Xico Sá – Voltar à São Luís é bom de qualquer jeito. Até quando eu viajava ao Maranhão apenas como repórter, para trabalhar, já era bom, imagina agora, quando poderei trocar uma ideia com os leitores e, quem sabe, conquistar novos olhos e atenções para minhas crônicas e livros. Não vejo a hora.

Big Jato é um romance que funcionaria bem também como um livro de contos. Em tempos de redes sociais, em que as linhas que dividem palco e plateia, formadores e consumidores de informação estão cada vez mais tênues, você é um dos que joga nas onze: é Jornalista com J maiúsculo, cronista esportivo, consultor sentimental, ator e galã. Como diz o título da biografia do Simonal escrita por Gustavo Alonso, também convidado da 7ª. Feira do Livro de São Luís: é preciso ter suingue pra não morrer com a boca cheia de formiga? Só o suingue salva. Minha história sempre foi assim, uma viração danada, tenho a peleja nordestina n´alma. Já fui de tudo nessa vida: vendedor de passarinho, garçom, porteiro de cabaré, vendedor, fiscal de trânsito no Recife etc. Agora essa vidinha burguesa tá é uma moleza. Doce de mamão com coco. Gosto dessa embolada de fazer de um tudo ao mesmo tempo. Coisa de artista moderno [risos].

Seu mais novo livro é mais ou menos uma autobiografia inventada, isto é, mescla realidade e ficção em torno de um caminhão limpa-fossas, o personagem título. Nessa salada literária eu penso em cinema, no que você já atuou como roteirista e ator. Big Jato daria um ótimo filme, concordas? Rapaz, o livro foi adaptado e será filmado no próximo ano pelo diretor Claudio Assis [de Febre do Rato, Amarelo Manga etc.]. O roteiro está pronto e agora só falta um pouco ainda da grana, mas já vai entrar em fase de captação.

Sua passagem pela FeliS é uma espécie de última escala no Brasil. Fale um pouco do que vai fazer na Espanha [o autor viaja para lá logo após a 7ª. FeliS]. O que trará de lá na mala e no bolso? Tenho uma ligação muito forte com a literatura picaresca espanhola, muito parecida com tudo que a gente faz no Nordeste em matéria de narrativa. Do cordel ao mar das nossas histórias orais. No Big Jato uso muito desse traço. Estou indo para uma pequena temporada estudar esse tema na Espanha. No próximo ano, no entanto, vou para ficar um ano.

Você assinou a quarta capa dA Intrusa, de Bruno Azevêdo e já o apontou como o maior escritor em atuação no Brasil. Na 7ª. FeliS ele lançará Baratão 66 [nota do blogue: a hq será lançada somente em novembro], graphic novel em que uma casa de depilação durante o dia funciona como puteiro à noite. O que acha da ideia, seja na ficção seja na realidade? Bruno Azevêdo é um dos maiores, sem dúvida, talvez o mais moderno e invocado dos nossos narradores, com múltiplos recursos e uma formação que junta o erudito, o popular e toda a bagaceira do que se convencionou a chamar de brega no Brasil. Ainda não me curei ainda da paixão pelA Intrusa e o cara já me lasca esse Baratão 66. Acompanho com prazer e curiosidade a trajetória desse rapaz.

Amigo torcedor, amigo secador! Sua palestra na FeliS tem como tema “Literatura, jornalismo e futebol”. Nestes campos, quais são as suas principais referências, seus escritores, redatores e jogadores de cabeceira? Tem saído coisa muito boa na literatura contemplando o universo do futebol. O que mais me empolgou ultimamente foi o livro Páginas sem Glória, do Sérgio Sant´Anna. Genial o conto homônimo sobre um craque amador que experimenta o sucesso rápido no Fluminense e depois cai em desgraça de novo no subúrbio carioca. Ando às voltas com um personagem de futebol no romance que estou escrevendo. Não é obrigatoriamente um livro sobre futebol, mas o personagem principal é um angustiadíssimo goleiro na hora do gol, como na canção do Belchior.

Este ano o Sampaio Correia sobe? Tomara Deus. Merece pela performance que mantém desde o ano passado. Estou na torcida boliviana e bolivariana.

Colhendo frutos no pé de laranja mecânica alheio

Ou: uma feira também se faz com um tiquinho de improviso.

Logo mais às 18h, na Galeria Valdelino Cécio, rebatizada Espaço Nauro Machado para a #7felis, no Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, participo de um Café Literário com o poeta pernambucano Fabiano Calixto, autor de Música possível [CosacNaify/ 7Letras, 2006] e A canção do vendedor de pipocas [7Letras, 2013], entre outros. Imensa honra, apesar do susto com o convite em cima da hora, para substituir um convidado faltoso por motivo de força maior. Conversaremos sobre “Blogues e criação literária”.

Apareçam!

“Fui em direção ao jornalismo movido pelo interesse pela linguagem poética”

[Íntegra da entrevista publicada hoje no Alternativo, O Estado do Maranhão]

Jornalista, poeta e letrista de música, Ademir Assunção fará três participações na 7ª. Feira do Livro de São Luís. Com nove livros publicados, um cd lançado e outro a sair ainda este ano, ele concedeu entrevista exclusiva a O Estado do Maranhão

ZEMA RIBEIRO
ESPECIAL PARA O ALTERNATIVO

Jornalista, poeta e letrista de música, Ademir Assunção tem nove livros publicados: LSD Nô (poesia, 1994), A Máquina Peluda (prosa, 1997), Cinemitologias (prosa poética, 1998), Zona Branca (poesia, 2001), Adorável Criatura Frankenstein (prosa, 2003), A Musa Chapada (com Antonio Vicente Pietroforte e Carlos Carah, poesia, 2008), Buenas Noches, Paraguaylândia (poesia, Assunção, Paraguai, 2009), A Voz do Ventríloquo (poesia, 2009) e Faróis no Caos (coletânea de entrevistas, 2009). Em 2005 lançou o cd Rebelião na Zona Fantasma, com participações dos parceiros Edvaldo Santana e Zeca Baleiro. Tem inéditos um cd – que lança ainda este ano – e quatro livros – três de poesia e uma coletânea de reportagens publicadas em diversos veículos. Alô, editores do meu Brasil!

Já ganhou alguns prêmios com sua produção, mas não é o tipo de cara que espera por bons ventos ou tempos de vacas gordas: o lance dele é o mar bravio, em que se mete a largas braçadas e pernadas, cara e coragem. Para lançar seu primeiro disco, por exemplo, à época, vendeu um carro. Para selecionar as 29 entrevistas de Faróis no Caos, passou dois meses isolado em uma praia.

Formado na Universidade Estadual de Londrina, o autor, convidado da 7ª. Feira do Livro de São Luís, passou pelas redações da Folha de Londrina, O Estado de São Paulo, Jornal da Tarde, Folha de S. Paulo, Marie Claire, Veja São Paulo, além de frilar por outras: Revista dos Bancários (SP), O Tempo (Belo Horizonte), Gazeta do Povo (Curitiba), A Notícia (Joinville), Cult, IstoÉ, Revista Educação e Caros Amigos. Quando o jornalismo, sobretudo o cultural, começou a ficar careta ele caiu fora – um de nossos mais interessantes jornalistas está exilado das redações.

Ademir Assunção fará três participações na 7ª. FeliS: dia 28 de setembro (sábado), às 18h, no Auditório da Associação Comercial do Maranhão (Praça Benedito Leite), com mediação deste jornalista, ele profere a palestra “A farsa da big mídia e as revistas fora do centro: uma outra história”. Domingo (29), às 19h30min, apresenta-se no recital Poesia no Beco, no Beco Catarina Mina (Praia Grande), acompanhado do guitarrista Marcelo Watanabe. Dia 30 (segunda-feira), às 16h30min, divide um Café Literário com o também jornalista e poeta Eduardo Júlio. “Poesia rima com rebeldia: Leminski, Torquato e cia. Ilimitada” é o tema da conversa, que acontece na Galeria Valdelino Cécio (Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, Praia Grande).

Em entrevista por e-mail a O Estado, Ademir Assunção falou de poesia, jornalismo, música, revistas literárias, sua trajetória, redes sociais e da expectativa por sua primeira visita à São Luís do Maranhão.

ENTREVISTA: ADEMIR ASSUNÇÃO

O Estado do Maranhão – Ano passado você lançou o livro de poemas A voz do ventríloquo e a coletânea de entrevistas Faróis no caos. Sua trajetória parece desde sempre marcada por essa, digamos, vida dupla: a poesia e o jornalismo. Em que sentido um e outro se ajudam e completam e/ou atrapalham?
Ademir Assunção – Fui em direção ao jornalismo movido pelo interesse pela linguagem poética. Peguei um período em que era possível praticar um jornalismo bem mais instigante do que o atual. Era possível desenvolver um estilo, ou vários estilos de escrita, e discutir questões relevantes com mais profundidade. Sempre fui fascinado pela página grande de um jornal, com todas as suas possibilidades criativas, desde a linguagem gráfica, fotográfica, até a própria escrita. O jornalismo me ajudou a criar uma disciplina e a procurar uma poesia mais impura, mais misturada ao cotidiano. E o estudo da tradição poética me ajudou a praticar um jornalismo mais criativo, enquanto foi possível. Embora sejam linguagens e meios bem diferentes, procurei contaminar um ao outro, levando uma consciência poética ao jornalismo e trazendo um pouco das impurezas da linguagem jornalística para a poesia.

Poesia “é saber usar a língua para extrair gemidos, uivos e palavras obscenas das mulheres mais vagabundas”. Esta é a resposta que você deu ao também poeta Edson Cruz, em O que é poesia? [2009], livro que ele organizou. O que mais é poesia? E levando em conta essa definição, você arriscaria um chute? Há muitos ou poucos poetas por aí? Bons ou ruins? Não gosto da poesia como algo puro, uma espécie de virgem imaculada no alto de um pedestal. Prefiro a poesia que vai para o meio da rua, que lambe as feridas dos trombadinhas, que se deixa violentar por tudo o que é humano, que se arrisca aos altos voos mas que tem consciência de que o asfalto é duro é áspero. Como diria Nietzsche: “de tudo o que se escreve, aprecio somente o que é escrito com o próprio sangue.” Sim, há muitos poetas que escrevem com essa fúria e essa urgência. São esses os que mais me interessam.

A mediocrização do jornalismo cultural brasileiro te obrigou a um exílio voluntário. Entrevistas como as reunidas em Faróis no caos estão cada vez mais raras na chamada grande mídia. Neste aspecto, uma volta ao passado parece mesmo impossível? Nada é impossível e o tempo não é linear como pensamos. É possível que a qualquer momento surja uma nova tribo de jornalistas que encare o exercício da escrita e da informação de maneira apaixonada e ousada, e não apenas como uma profissão, onde “quem pode manda e quem tem juízo obedece”. Para mim, isso é uma total falta de juízo. É preciso também que as condições se apresentem para que essas mudanças aconteçam. Quanto ao meu exílio, não foi tão voluntário assim. Passei períodos difíceis, sem grana, sem conseguir trabalho em jornal ou revista algum. Mas nunca estive disposto a vender o que tenho de mais precioso: a minha inquietação.

Muito do conteúdo dos poemas de A voz do ventríloquo é uma crítica a essa sociedade do espetáculo e do consumo desenfreado, que vai mais a um show ou a um restaurante para postar a foto do artista no palco e da comida no prato que para apreciar um ou outro. A experiência parece só existir se compartilhada. Escrever é um exercício solitário, que vai na contramão disso tudo. Como você dosa o exercício de escritor com a exposição na medida que o mesmo deve ter, divulgando a obra, conquistando leitores? Sinceramente, nunca me preocupei em conquistar mais leitores. Sigo fazendo o que tenho que fazer. A escrita, para mim, é vital. Tenho tanto prazer em passar madrugadas escrevendo solitariamente quanto em subir em um palco e apresentar meus poemas com minha banda. É claro que tenho intenção de influenciar mais pessoas, de interferir no resultado do jogo, mas que isso aconteça sem concessões descabidas. A poesia é capaz de abrir o olho de muita gente. Não a encaro como um entretenimento. Não tenho nenhuma dúvida de que minha percepção seria mais pobre se não tivesse lido Uivo, de Allen Ginsberg, ou a tradução da Ilíada por Haroldo de Campos, para citar dois exemplos.

Além dos livros de poesia e prosa e da atividade jornalística, outra atividade sua é a música. Para você, há diferença na hora de compor uma letra de música ou escrever um poema? Apenas diferenças técnicas. No meu caso, a maior parte das minhas parcerias musicais nasceu de poemas já escritos. Poucas vezes escrevi poemas para harmonias ou melodias já prontas. Acho um equívoco pensar que a “grande poesia” só pode existir no livro. Itamar Assumpção, por exemplo, é um poeta de altíssima voltagem. Só que em vez de publicar livros, gravou discos. São meios diferentes, com possibilidades diferentes. Gosto muito do poema cantado de Gilberto Gil [Metáfora, do disco Um banda um]: “Na lata do poeta tudo nada cabe / Pois ao poeta cabe fazer / Com que na lata venha caber / O incabível.”

Depois de Rebelião na Zona Fantasma você está preparando um novo disco, fundindo poesia com rock e blues, numa experiência para muito além de recitar poemas com fundo musical. A banda que te acompanha se chama Fracasso da Raça, um belo nome que já traduz uma opinião, uma visão de mundo. Deste novo disco – como se chamará? – já tive a oportunidade de ver o clipe de Bang bang no sábado à noite e ouvir Lena [enviada por e-mail em primeira mão]. Em ambas estão referências fundamentais para tua literatura, como Bob Dylan, John Lee Hooker, Sérgio Leone. O que mais esperar? E qual a previsão de lançamento? Este novo disco, que se chama Viralatas de Córdoba e será lançado em novembro, está mais radical do que Rebelião na Zona Fantasma. Das 14 faixas, há apenas uma cantada, um blues interpretado pela cantora Fabiana Cozza. É um poema que Edvaldo Santana musicou, sem nenhuma alteração. Todos os outros são entoados, com ritmos, com modulações, com intenções de voz diferentes. Porém, meticulosamente encaixados em harmonias e compassos musicais. Como você frisou, não se trata de poemas falados com um “fundo musical” aleatório, improvisado. O processo de composição com os músicos Marcelo Watanabe [guitarrista que o acompanhará em Poesia no Beco, durante a 7ª. FeliS], Caio Góes e Caio Dohogne foi muito curioso. Os próprios compositores jamais haviam trabalhado desta maneira. Gravei também O Deus, parceria com Edvaldo Santana e Paulo Leminski e Nossa Vida Não Vale um Chevrolet, do Mário Bortolotto. Ambas são canções, originalmente cantadas, mas fiz uma versão falada (ou “entoada”, como prefiro). Em Chevrolet acrescentei o poema Eu Caminhava Assim tão Distraído, do poeta e dramaturgo Maurício Arruda Mendonça.

As revistas literárias e culturais são tema de uma das mesas de que você participa na 7ª. Feira do Livro de São Luís. Recentemente a editora Abril fechou a Bravo!, que apesar de já não ser como quando iniciou, ainda tinha alguma importância. É um sinal dos tempos? Ou sempre foi assim: a tesoura que corta o orçamento pega primeiro na cultura? Essa é a realidade do mercado editorial. Se uma publicação comercial não dá lucro financeiro, acaba sendo extinta. Não era um leitor assíduo da Bravo!, mas lamento seu fim. Particularmente, preferia que a Veja fosse extinta e a Bravo! continuasse.

Você é um dos editores da revista Coyote, que já conta 10 anos, 24 edições, um pequeno apoio da Prefeitura de Londrina e muita paixão e teimosia dos editores – a teimosia uma espécie de sal da poesia, tempero que não pode faltar. A meu ver é a mais importante revista de literatura do Brasil, hoje. Como surgiu a ideia e o que os leva a resistir? Rodrigo Garcia Lopes [também convidado da #7felis], Marcos Losnak e eu fizemos outras revistas antes, juntos, ou separados. A Coyote nasceu de uma necessidade nossa de mostrar autores, tanto do passado quanto do presente, que considerávamos importantes e que não víamos em outras publicações. E há uma particularidade da Coyote que as pessoas notam de cara: a linguagem gráfica. Para mim, Losnak é um gênio do design gráfico. Não entendemos a revista apenas como “suporte” para textos. A própria linguagem gráfica assume um papel de altíssima significância.

Que outras revistas literárias te fizeram e/ou fazem a cabeça? Várias, da Navilouca à Azougue. Muitas revistas surgiram nas últimas décadas, a maioria desapareceu, mas deixou contribuições importantes. Para citar algumas: Bric-a-Brac (Brasília), Orobóro e Medusa (Curitiba), Imã (Vitória), Ontem Choveu no Futuro (Campo Grande), Carioca e Inimigo Rumor (Rio de Janeiro), Pulsar (Teresina, se não me engano), Pajeurbe (Fortaleza) e Revista de Autofagia (Belo Horizonte). Há várias outras que me escapam à lembrança no momento.

Você conhece a Pitomba, editada aqui por Bruno Azevêdo, Celso Borges e Reuben da Cunha Rocha? Qual a Coyote, também tem periodicidade de-vez-em-quandal e é feita com pouquíssimo apoio, no fim das contas sai do bolso do trio mesmo. O que acha da publicação? Gosto do tom de provocação e irreverência da Pitomba. Cada poeta ou grupo de poetas traz suas referências críticas e criativas. É importante que elas apareçam, que causem atritos. Os atritos provocam movimento, abrem novos horizontes perceptivos.

Outro tema que você debaterá é relação entre poesia e rebeldia, passando por obras de Paulo Leminski e Torquato Neto, entre outros, poetas que também influenciaram teu trabalho, você um rebelde. Quem são os rebeldes de hoje, que nomes valem a pena e mereceriam uma indicação tua, a um amigo, dentro de uma livraria? É preciso situar o termo “rebeldia”, para que não se torne algo caricato. Atitudes rebeldes surgem da necessidade de se firmar outras maneiras de viver e de fazer as coisas. Elas são vitais para ampliar a percepção, as experiências, para não cair na vala da acomodação, do mais-do-mesmo. Espíritos rebeldes sempre existiram, no passado, no presente e existirão no futuro. A lista dos poetas vivos que mais me instigam não é pequena. Para citar apenas cinco deles, eis alguns que procuro acompanhar com grande interesse: Douglas Diegues, Rodrigo Garcia Lopes, Fabrício Marques, Celso Borges e Micheliny Verunschk. Mas há um punhado de outros, que podem se sentir incluídos.

Você participa ainda do Poesia no Beco, em um espetáculo de voz e guitarra, espécie de miniatura do que será o disco. Quais as expectativas para esta apresentação e em geral, nesta sua primeira visita à Ilha natal de Ferreira Gullar? O que vou apresentar em São Luis do Maranhão, com o guitarrista Marcelo Watanabe, é uma versão, digamos, mais descarnada das composições que estão nos dois discos, o Rebelião e o Viralatas. Não tem os arranjos, com bateria, baixo, backing vocais, percussão, que estão presentes nos discos. As composições serão apresentadas mais próximas da raiz, de como elas nasceram. Tomara que as pessoas se sintam estimuladas com o que vão ouvir. Quero aproveitar essa minha primeira viagem ao Maranhão para mostrar o que estamos fazendo e também conhecer o que os criadores daí estão aprontando.

Este blogueiro na Feira do Livro

Começa sexta que vem (27), a 7ª. Feira do Livro de São Luís. Os poucos mas fiéis leitores deste blogue já podem ler e baixar a programação completa e escolher o que mais lhes interessa durante os 10 dias de evento. A aba #7felis, aberta aí em cima, trará novidades, matérias, links e, na medida do possível, a cobertura própria deste blogue para o maior acontecimento literário do Maranhão.

Há muita coisa bacana na programação e foi uma honra (e um prazer e uma correria e uma canseira, as dores e as delícias de que fala o poeta) integrar a equipe de curadoria que auxiliou Celso Borges, o homem-poesia, na montagem deste imenso quebra cabeça literário.

Como ele mesmo disse, em matéria que escrevi para O Imparcial, “trata-se de uma feira de retomada. Foi visível o abandono do evento em suas últimas edições”. Não há como discordar.

De outros assuntos falaremos depois. Por enquanto deixo a quem interessar possa, minha agenda na programação da 7ª. FeliS, muy bien acompanhado.

Poeta, jornalista e editor da Coyote, Ademir Assunção virá pela primeira vez à São Luís

Dia 28/9 (sábado), às 18h, no auditório da Associação Comercial do Maranhão (Praça Benedito Leite), eu medeio papo com Ademir Assunção: A farsa da big mídia e as revistas fora do centro: uma outra história.

O jornalista Xico Sá, candidato a galã da 7ª. FeliS

2 de outubro (quarta-feira), no mesmo horário, medeio prosa com Xico Sá, sobre Jornalismo, literatura e futebol, no Teatro João do Vale (Rua da Estrela, Praia Grande).

Nem preciso dizer da imensa honra e responsa em dividir os microfones com estes cabras, importantíssimos em minha formação, a quem só tenho a agradecer o carinho, a paciência e os diálogos de sempre.

Cinema e literatura: dose dupla no Chico Discos

Dose dupla no Chico Discos amanhã (12) à noite: Bruno Azevêdo lança A intrusa e Flávio Reis a edição revisada de Cenas Marginais, sua estreia de 2005.

A bomba da Pitomba nunca fez tanto sentido.

flávio no chicomenor

A criminologia de outrora em livro lançado hoje

José Barros Filho lança hoje (9), às 19h, no Centro de Criatividade Odylo Costa, filho (Praia Grande), o livro Criminologia e modos de controle social no Maranhão no início do século XX.

A obra resulta de pesquisas junto a arquivos públicos maranhenses e de outros estados, visando identificar o modo como as instituições estatais, principalmente jurídicas e correcionais, incorporaram e legitimaram o saber criminológico para atuar na “prevenção ao crime” e no “controle de grupos perigosos”. O controle social do título, aliás, teria hoje outro significado.

Cabe aqui um chute, já que não li o livro ainda e as informações deste texto baseiam-se no release recebido: não me espantaria encontrarmos modus operandi parecidos em pleno início de século XXI, principalmente no Maranhão, mas não só, num tempo em que autores de telenovela internam compulsoriamente uma personagem por suposta dependência química.

O livro de Zé Filho, como é mais conhecido o autor, professor, bacharel em Direito e e mestre em Ciências Sociais pela UFMA, atualmente cursando o doutorado em Ciência Política pela UFRGS, estuda o tempo dos “menores”, dos “vagabundos”, dos “gatunos”, como até hoje a mídia vez por outra (ou quase sempre) trata àqueles que têm problemas com a lei, estou certo?

A pesquisa de Zé Filho teve apoio da FAPEMA e o livro sai às próprias custas s. a. Quem for ao lançamento poderá adquiri-lo, autografado pelo autor, por R$ 25,00.

Na capa, o retrato do “gatuno” Raimundo Timóteo dos Santos, refotografado para Criminologia do Livro Oficial de Registro de Gatunos, de 1926.

A música de Paulo Leminski

[O Estado do Maranhão, 1º. de setembro de 2013]

Digitalização de acervo e livro de partituras mostrarão outra porção de um múltiplo Leminski, cuja poesia foi recentemente reunida em livro

ZEMA RIBEIRO
ESPECIAL PARA O ALTERNATIVO

A coleção de poemas que Paulo Leminski publicou em livros, inclusive póstumos, reunida em Toda Poesia [Companhia das Letras, 2013, 421 p.], bateu recordes: alcançou os 50 mil exemplares vendidos, soma nada desprezível para o mercado livreiro, e particularmente de poesia, no Brasil.

Leminski foi vários: poeta, publicitário, jornalista, tradutor, professor, judoca, romancista, contista. E músico. Revoltava-lhe, aliás, ser reconhecido apenas como letrista. Tinha razão: embora compusesse em parceria, e muito de sua obra musical ter surgido pelas mãos de parceiros que musicaram versos publicados em livros, o samurai malandro compunha letra e música.

Casos de Verdura, gravada por Caetano Veloso em Outras palavras [1980], e Luzes, gravada por Suzana Salles e Arnaldo Antunes, ela uma das Orquídeas do Brasil, banda de mulheres que acompanhou Itamar Assumpção – parceiro de Leminski – no triplo Bicho de Sete Cabeças [1993].

Não à toa, antes dos apêndices – orelhas, prefácios e tais – de Toda Poesia, lemos Notas sobre Leminski cancionista [p. 385], breve artigo assinado por José Miguel Wisnik – que já musicou tradução de Leminski. Entre as histórias que conta, aliás, está a de como Luzes chegou, através de recados ao telefone, aos ouvidos e mãos de Suzana e Arnaldo, num episódio que envolve, além dele, Alice Ruiz e Zé Celso Martinez Correa.

Wisnik diz que se o projeto de um Leminski músico não se concretizou plenamente, encontra na obra do ex-Titã sua mais perfeita tradução: a combinação entre o poema grafado na página do livro e a canção gravada no disco. Canção pop.

Através de sua obra, Leminski permanece vivíssimo hoje. É inegável que a gravação de Verdura por Caetano tenha colaborado para sua popularidade na década de 1980, quando Caprichos e relaxos [1983] esgotou edições na saudosa Brasiliense, que teve como editor Luiz Schwarz, que devolve Leminski às estantes em Toda Poesia, e que lançou no Brasil autores fundamentais como Jack Kerouac e John Fante – este, aliás, traduzido por Leminski.

Leminski músico – No campo musical Leminski tem obra curta, mas nada desprezível. Só as duas aqui citadas já lhe garantiriam lugar no panteão de nossos grandes compositores, merecendo mais espaço no dial. Entre outras de sua lavra poderíamos citar rapidamente Custa nada sonhar, Dor elegante, Filho de Santa Maria, Vamos nessa (as quatro com Itamar Assumpção), Mudança de estação, sucesso dA Cor do Som, Promessas demais (com Moraes Moreira e Zeca Barreto), gravada por Ney Matogrosso, Polonaise (com José Miguel Wisnik, gravada pelo próprio), Além alma (com Arnaldo Antunes), O velho León e Natália em Coyoacán (com Vitor Ramil), Reza (com Zeca Baleiro) e O Deus (com Ademir Assunção e Edvaldo Santana).

Leminski com Caetano Veloso e Alice Ruiz, em Curitiba (1976)

Leminski colecionou histórias engraçadas envolvendo sua produção musical. Uma delas a citada revolta confessada quando queriam rotulá-lo simplesmente letrista. “Eu sou músico!”, bradava, revoltado. E sonhava com o dia em que todas as pessoas fossem músicos, tocassem algum instrumento.

Com a grana dos direitos autorais da gravação de Verdura, por Caetano Veloso, comprou um fusca verde, justamente batizado de… Verdura. Detalhe: Leminski não dirigia. Foi Leminski quem deu ao xará Paulo Diniz o título de uma de suas mais famosas músicas: Ponha um arco-íris na sua moringa. Era uma frase do Catatau, que estava escrevendo quando os dois moravam no Solar da Fossa. Diniz usou-a para intitular a música e o poeta, em homenagem ao amigo, retirou-a do livro.

Também é famosa a correção que o poliglota Leminski aplicou ao mesmo Paulo Diniz na construção da letra de Quero voltar pra Bahia, cujo refrão é em inglês: “I don’t want to stay here/ I wanna to go back to Bahia”. Mexer na letra e retirar o verbo duplicado, como queria Leminski, iria acabar com a métrica e a homenagem do baiano ao conterrâneo exilado acabou saindo com o erro com que a conhecemos.

A obra musical de Paulo Leminski será sua próxima porção a chegar ao público. Aprovado pelo Programa Petrobras Cultural, o projeto A obra musical de Paulo Leminski – um patrimônio cultural do Paraná e do Brasil prevê a digitalização das fitas cassetes deixadas por Leminski (contendo dezenas de canções inéditas) e a posterior organização de um livro de partituras com sua obra musical completa.

Sobre este e outros assuntos, em entrevista por e-mail, uma das responsáveis pela empreitada, a musicista Estrela Ruiz Leminski, filha de Alice Ruiz e Paulo Leminski, deu detalhes sobre a produção.

Poeta, musicista, professora: Estrela Leminski seguiu os passos do pai

“NÓS JÁ SABÍAMOS DA FORÇA DA POESIA DELE”
ENTREVISTA: ESTRELA RUIZ LEMINSKI

A compositora, escritora e professora Estrela Leminski, filha do poeta, é responsável pelo resgate da obra do pai. Na entrevista, ela comenta essa fase da redescoberta do público em relação a grandiosa obra do pai.

O Estado do Maranhão – A Companhia das Letras publicou recentemente Toda Poesia, que reúne a obra poética publicada em livro por Paulo Leminski. A editora anunciou para breve a reedição de Vida, livro que reúne as quatro biografias que o poeta escreveu, de Bashô, Cruz e Souza, Jesus Cristo e Trotsky. Agora, a digitalização de fitas com músicas de Leminski e a produção de um livro de partituras com sua vasta obra musical foi recentemente selecionada num edital da Petrobras. Qual a importância de fazer Leminski, sempre vivo entre nós, voltar a circular?
Estrela Ruiz Leminski – Acho que a resposta se justifica na tua pergunta. Tudo também se deve ao fato da gente ter se mobilizado para segurar as rédeas da obra dele. Resolvemos ir atrás de tudo que faltava fazer para a obra dele, tão múltipla, vir à tona! Nessa tua lista ainda falta pontuar a exposição Múltiplo Leminski, realizada em Curitiba, no MON [o Museu Oscar Niemeyer], que vai circular o país.

Quando o projeto foi apresentado já se tinha dimensão do tamanho da obra musical de Leminski? Ou as coisas foram sendo descobertas ao longo da jornada? O aspecto musical dele é uma empreitada minha. Eu cresci ouvindo essas músicas, ele cantava muito em casa, e depois sempre curti o que foi gravado. O público vai se surpreender com a variedade e com o lado cancionista da obra dele.

Lembro-me de uma entrevista [ao jornalista Aramis Millarch] em que Leminski mostrava-se indignado quando as pessoas o chamavam letrista, já que ele compunha letra e música. Na mesma entrevista, ele afirmava sonhar com o dia em que todas as pessoas fossem músicos, isto é, que tocassem algum instrumento ou cantassem. Você, que acabou seguindo os passos de seu pai, na música e na poesia, acredita que esse dia vai chegar? Sonha com isso? Além de ser compositora e escritora sou professora de música. É isso que eu busco. É uma inquietação minha. As pessoas têm que ter pelo menos o direito de compreender os contextos culturais musicais, ter ferramentas críticas ao que escutam. Isso não acontece e se agravou muito com a falta do ensino da música nas escolas.

O que achou da poesia de Leminski desbancar os tons cinzentos de uma literatura pobre em uma rede de livrarias? O boom do livro não foi surpresa, foi alívio. Nós já sabíamos da força da poesia dele, da atualidade. Para a gente é a sensação de que ele está começando a ocupar um espaço merecido há tempos.

O retorno de Leminski às livrarias dá um gás no culto ao poeta, mas ele sempre teve um grande número de leitores, admiradores, fãs, seguidores. Enfim, de gente que consome e faz circular sua obra. O poeta e jornalista Ademir Assunção, que já organizou uma exposição sobre a vida e a obra de Leminski, teve dificuldades, por exemplo, para publicar uma entrevista de Raul Seixas em Faróis no Caos [Edições Sesc-SP, 2012, 407 p.], coletânea de entrevistas que ele fez ao longo de quase 30 anos de atividade jornalística. A entrevista de Leminski está lá. Como você, enquanto herdeira, lida com a obra de seu pai? Tem um aspecto de ser herdeira que é o fato de ser artista. E ainda por cima artista auto-produtora. Por um lado batalho mesmo que cada vez mais gente tenha contato com a obra dele como um todo, mas por outro não faço isso na ingenuidade. Conheço o caminho da roça e como negociar as coisas. A burocracia que isso envolve é chata, mas é necessária. Não vou julgar as famílias que por algum motivo causem entraves. De qualquer forma, sei que essa dinâmica, sendo parceira na empreitada com minha mãe e irmã [Aurea Leminski], dividindo as tarefas, tem dado cada vez mais certo.

Vinicius de Moraes e a influência do jazz

Livro reúne textos do poeta sobre jazz, escritos quando de sua passagem como diplomata por Los Angeles. Entre artigos e inéditos e publicados em revistas da época, poeta foi pioneiro em apresentar gênero aos brasileiros

POR ZEMA RIBEIRO
ESPECIAL PARA O ESTADO DO MARANHÃO

Vinicius de Moraes completaria 100 anos em outubro próximo. Foi um homem de muitas paixões e é daqueles artistas cuja vida não se dissocia da obra. Sobre o amor, ele mesmo disse, no Soneto de fidelidade, um de seus poemas mais conhecidos: “que não seja imortal posto que é chama/ mas que seja infinito enquanto dure”.

Uma das paixões de um dos inventores da bossa nova é esquadrinhada em Jazz & Co [Companhia das Letras, 2013, 152 p.], livro que reúne textos seus sobre o gênero musical americano, de que o poetinha tomou conhecimento durante sua estada em Los Angeles como vice-cônsul, seu primeiro posto diplomático, em meados da década de 1940 – pré-bossa, portanto.

Tomar conhecimento é mesmo isto que o leitor deve estar imaginando: ver com os próprios olhos, ouvir com os próprios ouvidos, em discos também, mas principalmente ao vivo, em boates, teatros, jams. O jazz surgira um pouco antes, mas estava em pleno desenvolvimento e é isso que deliciosamente nos relata Vinicius no volume organizado por Eucanaã Ferraz, que também assina seu prefácio.

Inéditos – Há artigos inéditos, textos publicados em revistas nacionais – Diretrizes, Flan, Sombra e Vanguarda –, em que um pioneiro Vinicius tentava traduzir ao leitor brasileiro o que é(ra) o jazz, relatos de jam sessions que presenciara, poemas, e o prefácio de Jazz Panorama, de Jorge Guinle, livro inaugural sobre o gênero no Brasil. Em Olhe aqui, Mr. Buster, pergunta ao personagem do título, justificando sua volta ao Brasil, mesmo o cargo lhe prevendo ainda mais um ano, mesmo amargando o prejuízo financeiro que lhe daria a volta ao Brasil: “O Sr. sabe lá o que é um choro de Pixinguinha?”

O formato do volume imita um compacto e é dividido em três partes: Jazz Jazz, onde soa mais, digamos, didático, e onde estão os textos mais compridos, sobre as origens do jazz e do spiritual; Jazz & Cinema e Jazz e a América, onde estão os poemas. Vinicius remonta aos tempos coloniais, escravidão e racismo para explicar como o jazz se consolidaria como a autêntica música americana e conta como o blues foi fundamental para a aparição do jazz.

Vinicius de Moraes cria uma intimidade com o leitor, como se não o lêssemos, mas tomássemos uns uísques com ele, que nos relata suas aventuras jazzísticas. O livro cobre um curto período: logo o poeta-diplomata voltaria ao Brasil e ajudaria a inventar a bossa nova – o que, fica mais claro agora, teve muito a ver com sua estadia americana e o jazz sorvido in loco.

O livro, no entanto, não deve ser alvo da curiosidade apenas de cats, como são chamados os aficionados pelo gênero. O relato que faz da jam, presenciada por ele, graças ao convite do músico amigo Zé Carioca – sim, o personagem de Walt Disney foi inspirado nele –, é de uma leveza e graça certamente perseguida por muito crítico de música por aí. Como, aliás, o livro inteiro.

[O Estado do Maranhão, Alternativo, 29 de agosto de 2013]

Feira do Livro de São Luís cresce em sua sétima edição

[NO Imparcial de hoje; aqui com umas poucas modificações e acréscimos]

Evento acontecerá na Praia Grande e pela primeira vez terá convidados internacionais

ZEMA RIBEIRO
ESPECIAL PARA O IMPARCIAL

A maior Feira do Livro que São Luís já teve. É o que promete a curadoria do evento, coordenada pelo poeta e jornalista Celso Borges. “Trata-se de uma feira de retomada. Foi visível o abandono do evento em suas últimas edições. É também a primeira Feira com convidados internacionais”, adianta.

Auxiliam-no nos trabalhos de curadoria o escritor Alberico Carneiro, o poeta Josoaldo Rego e o jornalista Zema Ribeiro. “São três figuras ligadas ao universo literário: Alberico é editor de um importante suplemento literário, o Guesa Errante, e também um autor de ficção; Josoaldo é um poeta respeitado nacionalmente; e Zema tem praticado a crítica literária num cenário infelizmente hostil”, justifica.

A 7ª. Feira do Livro de São Luís (Felis) acontecerá entre os dias 27 de setembro e 6 de outubro, em diversos espaços da Praia Grande, no Centro Histórico da Capital: Morada dos Artistas, Univima, Teatro João do Vale, Praça Nauro Machado, Beco Catarina Mina, Praça Valdelino Cécio, Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho e Centro de Criatividade Odylo Costa, filho (incluindo o Cine Praia Grande, o Teatro Alcione Nazaré e a Galeria Valdelino Cécio), entre outros.

O tema da 7ª Feira é “Livro e leitura: do impresso ao virtual sem perder a poesia”, que, segundo Celso Borges, busca “tratar de questões como a convivência do objeto livro, o livro de papel que alguns temos tanto prazer em tocar e ler, com os formatos digitais”. Mas as diversas palestras, mesas redondas, oficinas e lançamentos de livros abordarão diversos outros temas.

O poeta em frente à sua efígie na praça que leva seu nome

Patrono – O poeta Nauro Machado é o patrono desta edição, que homenageia ainda o poeta Catullo da Paixão Cearense, por seus 150 anos de nascimento, o escritor Aluísio Azevedo, por seus 100 anos de falecimento, o poeta Salgado Maranhão, maranhense há muito radicado no Rio de Janeiro, e a folclorista Zelinda Lima, que como todos terá um espaço batizado com seu nome, onde será exposta a relação da literatura com a gastronomia.

A cerimônia de abertura será realizada no Centro de Criatividade Odylo Costa filho, a partir das 18h30min de 27 de setembro, com a presença de autoridades. Em seguida, o poeta Ivan Junqueira ministra a palestra “A obra de Nauro Machado no contexto da poesia brasileira”, que será mediada pelo também escritor Ricardo Leão.

Benjamin Moser proferirá a palestra “Que mistérios têm Clarice?”

Entre os nomes confirmados para a 7ª FELIS estão o do americano Benjamin Moser (autor de Clarice, biografia da escritora Clarice Lispector), os jornalistas Xico Sá (Big Jato) e Ronaldo Bressane (V.I.S.H.N.U.), os escritores Mário Prata (Os Anjos de Badaró) e Bruno Azevêdo (A intrusa), o biógrafo Fernando Morais (Os últimos soldados da Guerra Fria), o quadrinista Allan Sieber (É tudo mais ou menos verdade), a professora Lucia Santaella (PUC-SP) e a ensaísta Walnice Nogueira Galvão, estudiosa das obras de Euclides da Cunha e Guimarães Rosa. Também virão a São Luís o poeta Lirinha, ex-Cordel do Fogo Encantado, Bráulio Tavares, letrista, especialista em ficção científica, e a poeta Alice Ruiz, duas vezes ganhadora do prêmio Jabuti de Poesia.

“Será uma grande feira, qualitativa e quantitativamente. A Feira manterá o espaço para o comércio de livros, que sabemos que é importantíssimo, mas deixará de ser somente isto, como foi nos últimos anos. Muita gente interessante falando sobre temas tão diversos, muitos deles pela primeira vez em São Luís”, comemora o curador.

Poesia – A poesia tem especial destaque na programação. O Beco Catarina Mina será tomado por recitais de poesia e música. Deles participarão nomes como Ademir Assunção (A voz do ventríloquo), Marcelo Montenegro (Garagem Lírica), Rodrigo Garcia Lopes (Canções do Estúdio Realidade, cd), Fernando Abreu (aliado involuntário), Oliveira de Panelas, Bráulio Tavares, Artur Gomes, Alan Mendonça, Ricardo Corona (Curare), Lirinha, Lúcia Santos, Reuben da Cunha Rocha, Lilia Diniz e Adeilton Lima, entre outros.

“São Luís tem uma tradição poética bastante forte, portanto é natural que vários dos homenageados desta feira sejam poetas. Os convidados contribuirão com discussões em mesas redondas e palestras e aproveitando a passagem pela ilha também apresentarão seus espetáculos, como têm feito em seus locais de origem e Brasil afora”, anuncia Celso Borges, referindo-se a espetáculos de poesia que ocorrem em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.

Outras linguagens – Engana-se quem pensa que a 7ª. Felis estará restrita ao tripé livro, leitura e literatura. “Já estaria de bom tamanho, mas vamos além”, provoca Celso Borges. A programação contará com shows musicais, esquetes, oficinas de dança, percussão e grafite. Entre os destaques estão o espetáculo Os operários da agonia, de Tácito Borralho, sobre a obra de Nauro Machado, e o show Bandeira de Aço 35 Anos, que homenageia um dos discos mais importantes da música brasileira feita no Maranhão. “Afora a programação que os próprios escritores com certeza irão armar, um circuito alternativo, paralelo, off-feira, durante suas estadas por aqui. Serão 10 dias bastante intensos, para ficar na história. Ao menos até a próxima feira”, finaliza.

O evento é uma realização da Prefeitura de São Luís, por meio da Fundação Municipal de Cultura (Func), correalização do Serviço Social do Comércio (Sesc/MA) e da Secretaria Municipal de Educação (Semed). E, tem apoio das Universidades Federal e Estadual do Maranhão, Associação dos Livreiros do Maranhão (Alem), Governo do Estado Maranhão, por meio da Secretaria de Estado da Cultura (Secma) e da Secretarias Estadual de Educação (Seduc) , e o patrocínio da Vale.

7ª. FELIS EM NÚMEROS: Mais de 100 autores convidados > 38 estandes > 36 palestras > 27 cafés literários> 25 saraus poéticos > 12 espaços culturais > 10 shows de música > 2 convidados internacionais

Cortázar em ritmo de jazz

Um primor a edição em que a Cosac Naify brinda os leitores brasileiros com uma pequena obra prima do galã Julio Cortázar. O perseguidor [2012] é escrito como se o autor tocasse jazz. Como se fosse possível traduzir solos de saxofone – em um improviso interminável, puro êxtase – pelo batuque frenético da máquina de escrever do argentino nascido na Bélgica.

Em 94 páginas são narrados alguns episódios da vida de Charlie Parker, o Bird, um dos maiores nomes do sax alto no jazz em todos os tempos. O talento grandioso, ainda hoje venerado, a vida curta, consumido por altas doses de álcool e heroína, é retratado pela pena precisa de Cortázar e o traço elegante de José Muñoz.

O conto é narrado por um crítico de jazz, autor de uma biografia de Bird – cujo nome é modificado, embora outros personagens reais compareçam ao livro, caso de Miles Davis –, a quem visita, logo no início. Humanamente decadente, o músico não tem sequer um instrumento para iniciar uma temporada dali a dois dias.

A narrativa que mescla a biografia de Parker e ficção entremeia histórias folclóricas (para não dizer engraçadas) e tristes. Neste campo a morte de uma filha e a ruína do músico; naquele, o dia em que chamuscou um colchão em um hotel em que se hospedava, onde desfilou nu pelos corredores.

Originalmente publicado em 1959 – em Las armas secretas, que trazia Las babas del diablo, que inspirou Michelangelo Antonioni em Blow up – e reeditado na Espanha 50 anos depois, o conto ganhou nova tradução, do poeta Sebastião Uchoa Leite. Recomendável não apenas para jazzófilos iniciados.