A “Divina Dádiva-Dívida” de Celsim (e João Camarero)

(OU: JORNALISTAS TAMBÉM SE EMOCIONAM)

Celsim (voz) e João Camarero (violão sete cordas). Foto: Pablo Saborido/Divulgação
Celsim (voz) e João Camarero (violão sete cordas). Foto: Pablo Saborido/Divulgação

Para quem perdeu ou quer verouvir de novo o Chorinhos e Chorões de domingo passado (18)

“Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, nos ensina Caetano Veloso. E entre as dores e as delícias de trabalhar com jornalismo, e particularmente jornalismo cultural, certas coisas me comovem – nem vou me desculpar caso soe piegas, seria o mesmo que pedir desculpas pela sinceridade.

Uma dessas emoções recentes foi ter entrevistado o ator, cantor e  compositor Celsim (que está mudando de nome artístico após 30 anos assinando como Celso Sim), no Chorinhos e Chorões, da Rádio Universidade FM de domingo passado (18), com operação de Marcos Martins – problemas técnicos tiraram a Rádio Timbira do ar naquela manhã, onde o programa atualmente também é transmitido, em cadeia; na ocasião, substituí, a pedido dele mesmo, que teve uma viagem a trabalho, Ricarte Almeida Santos, titular absoluto do programa, há mais de 30 anos, a quem agradeço a preferência e confiança de sempre.

Admiro e acompanho como posso a trajetória de Celsim desde o final da década de 1990, quando comprei um exemplar usado de “Pedra Bruta” (que tenho até hoje), disco de Jorge Mautner gravado na Áustria entre 1991 e 1992, ano em que foi lançado, que marcava a estreia de Celsim. De lá para cá, foram vários discos, cada qual com sua particularidade, sempre aliando sua voz, uma das mais belas que já ouvimos no Brasil, a repertórios impecáveis.

O mais recente, mote da presença de Celsim no dominical Chorinhos e Chorões, é “Divina Dádiva-Dívida” (Selo Circus, 2022), que ele divide com João Camarero (violão sete cordas), inspirado tributo a Elizeth Cardoso (1920-1990), álbum que começou a ser gestado durante a pandemia de covid-19.

Em pouco mais de uma hora de programa – sorry, Paulo Pellegrini –, Celsim falou sobre a mudança de nome artístico, as parcerias com Camarero e Arthur Nestrovski, as importâncias de Elizeth Cardoso e João Gilberto em sua formação, a paixão por Batatinha (a cujo repertório dedicou “O Amor Entrou Como Um Raio”, de 2017), entre outros, destacando a síntese por trás do conceito traduzido no título de seu mais novo álbum: divina é Elizeth e o Brasil é a dádiva-dívida, tudo isso cerzido por um amor ao Brasil, que, afinal de contas, nos une, força-motriz de seu fazer artístico e de meu fazer jornalístico.

Para quem perdeu (ou quer verouvir de novo) o programa, assista a seguir.

De bônus, uma playlist com o repertório que eu planejava tocar (algumas acabaram ficando de fora, dado o limite de tempo).

Outro bônus é o Radiola Timbira do mesmo domingo, que também abro lembrando a entrevista de mais cedo, tocando faixas de “O Herói das Estrelas e A Anja Astronauta” (Selo Sesc, 2022), que Celsim dedica ao repertório de Jorge Mautner.

Retrospectiva 2022

Balaio Cultural. Aos sábados, das 13h às 15h, na Rádio Timbira AM, com Gisa Franco e este blogueiro: Assis Medeiros, Almeida Marcus, Carlos Rennó, Bárbara Eugênia, Fred Zeroquatro (Mundo Livre S/A), Celso Borges, Carlos Careqa, Pedro Santos, Celia Catunda, Kiko Mistrorigo, Wado, Caetano Brasil, Carolinaa Sanches (Caburé Canela), Jaime Alem, Max Alvim, Fernando Salem, Otto, Angélica Freitas, Vitor Ramil, Péricles Cavalcanti, Gab Lara, Fi Bueno, Héloa, Ubiratã Trindade, Rodrigo Maranhão, Tatá Aeroplano, Maurício Pereira, Xico Sá, Simone Leitão, Luís Filipe de Lima, Pedro Luís, Yuri Queiroga, Zeca Baleiro, Vinícius Cantuária, Cláudio Lima, João Donato, Fernando Abreu, Lívia Mattos, Márcio Vasconcelos, João Cavalcanti, Cesar Teixeira, Rubi, Roberta Campos, Paulinho Moska, Thales Cavalcanti, Hélio Flanders (Vanguart), Lívia Nestrovski, Henrique Eisenmann, Arthur Nestrovski, Carlos Malta, Russo Passapusso, Patrícia Ahmaral, Otávio Rodrigues (Doctor Reggae), Zé Geraldo, Francis Rosa, Ligiana Costa, Bel Carvalho, José Miguel Wisnik, Erasmo Dibell (sábado que vem, 24) e BiD (31 de dezembro). Em 2023 tem muito mais!

O sublime em família

Pós você e eu. Capa. Reprodução
Pós você e eu. Capa. Reprodução

 

Música é música. Sem classificações, amarras ou limites. Prova inconteste disso é este Pós você e eu [Circus, 2016], de Lívia e Arthur Nestrovski, filha e pai, voz e violão.

Americana de Iowa, Lívia é uma grande cantora brasileira, com o talento posto à prova em discos, como por exemplo, o ótimo De nada mais a algo além [2013], antecessor de Pós você e eu, dividido com ninguém menos que Arrigo Barnabé e Luiz Tatit.

Este novo trabalho atesta as competências e qualidades de Lívia como intérprete e de Arthur – diretor artístico da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) – como instrumentista, compositor e versionista.

Das 11 faixas de um repertório rico e diverso, ele é autor da faixa título, Um milhão, Matusalém (as três em parceria com Luiz Tatit) e Canção de não dormir (parceria com o poeta Eucanaã Ferraz) e assina as versões Serenata (Ständchen, de Franz Schubert e Ludwig Rellstab), Adeus, amor (I’m through with love, de Fud Livingston, Matty Malneck e Gus Kahn), Pra que chorar (Ich grolle nicht, de Robert Schumann e Heinrich Heine) e Vejo você (I only have eyes for you, de Harry Warren e Al Dubin).

Pai e filha se expõem munidos apenas de voz e violão, o que torna as exigências – deles mesmos e dos ouvintes – ainda maiores. Em disco denso, entre popular e erudito, passeiam ainda por Arrigo Barnabé (Londrina), Ary Barroso (Folha morta), Tom Jobim e Dolores Duran (Por causa de você), Jaime Florence e Augusto Mesquita (Molambo), estas ligadas pelo tema instrumental Body and soul (Johnny Green, Edward Heyman, Robert Sour e Frank Eyton).

Serenata abre com trecho não creditado de A saudade mata a gente (João de Barro e Antônio Almeida) e Pra que chorar traz, também sem créditos, incidental instrumental de Carinhoso (Pixinguinha e João de Barro).

Comovente, Pós você e eu é sublime do começo ao fim, para além da música: antes ou depois de botar o disco para rodar, o ouvinte já começa a se emocionar pelo texto de Sofia Nestrovski, filhirmã da dupla. “O que eu aprendi com este disco, e que pra mim não é pouco, é que eu não preciso de silêncio. Eu, assim como vocês, assim como todo mundo – vamos abrir a festa –, preciso, sempre, de música”, finaliza.

Ouça Serenata (Ständchen, de Franz Schubert e Ludwig Rellstab, versão de Arthur Nestrovski):