Hoje: noite preta no Chico

Divulgação

 

Sobrinho do veterano violonista sete cordas Francisco Solano, o bandolinista e guitarrista Ronaldo Rodrigues apresenta-se hoje (8), às 20h, no Chico Discos. Black & Tal, o show, tem três momentos distintos.

No primeiro, ao bandolim, com o tio ao sete cordas, reverencia o universo do choro, lembrando seus clássicos – o músico foi entrevistado pela série Chorografia do Maranhão e integra o grupo Novos Chorões, no Rio de Janeiro, onde está radicado desde 2008.

No segundo momento, também ao bandolim, Rodrigues será acompanhado por Orlando Moraes – autor das composições que serão executadas nesta parte do show –, violonista com quem estudou por vários anos, Jeff Soares (contrabaixo) e Stenio Luz (percussão).

No terço final do espetáculo, Rodrigues ataca de guitarra – o músico integrou a Som do Mangue de Beto Ehongue e cia., antes desta virar Nego Ka’apor. Franklin Nazareno (bateria) e Jeff Soares (contrabaixo) acompanham-no por roteiro instrumental de black music.

Atualmente Rodrigues está concluindo a graduação em bandolim pela Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os ingressos para esta terceira edição de Black & Tal custam R$ 20,00. Chico Discos tem capacidade para 60 pessoas. A noite terá ainda discotecagem da Maré de Som.

A herança musical de Alice Passos

Com o Maranhão e a música no DNA, a cantora e flautista Alice Passos é a convidada da última edição do projeto RicoChoro ComVida em 2015. O sarau musical acontece hoje (19), a partir das 18h, no Bar e Restaurante Barulhinho Bom (Rua da Palma, 217, Praia Grande). A noite contará ainda com as apresentações do dj Marcelo Guzmán e do Regional Chorando Callado, que acompanhará a artista carioca.

O grupo se formou por ocasião do projeto Clube do Choro Recebe, produzido por Ricarte Almeida Santos entre 2007 e 2010, no Bar e Restaurante Chico Canhoto. João Eudes (violão sete cordas), João Neto (flauta), Wanderson Silva (percussão) e Wendell Cosme (bandolim e cavaquinho) – a formação para hoje –, à época eram jovens estudantes de música; hoje são dos mais requisitados e frequentes nomes em fichas técnicas de discos e shows de artistas locais e nacionais.

Alice é filha da cavaquinhista maranhense Ignez Perdigão, irmã da cantora e cavaquinhista Mariana Bernardes e afilhada do multi-instrumentista Egberto Gimonti. Apesar da pouca idade – 25 anos recém-completados – já é vasto seu currículo: aos oito anos entrou para os Flautistas da Pro Arte, passando em seguida a se apresentar com a Orquestra de Sopros da Pro Arte. Integrou por quatro anos a Orquestra Corações Futuristas, fundada e regida por Gismonti.

Em 2006 ela participou do disco Mario Lago – O homem do século XX. Atualmente prepara seu disco solo de estreia. A artista conversou com O homem de vícios antigos.

Alice Passos: vasto currículo, apesar da pouca idade. Foto: divulgação
Alice Passos: vasto currículo, apesar da pouca idade. Foto: divulgação

Homem de vícios antigos – Você é filha de maranhense e já se apresentou em São Luís diversas vezes. Qual sua relação com a cidade?
Alice Passos
– São Luís é minha segunda casa. Tenho diversos tios e primos aqui na ilha e desde que vim a primeira vez que venho pelo menos uma vez por ano. Excepcionalmente nos últimos três anos não pude vir, por isso estou muito alegre de estar voltando pra cá, onde me sinto em casa, onde danço o bumba meu boi, o tambor de crioula… Me identifico muito com a música e a culinária da cidade.

Com que sentimento você recebeu o convite para encerrar a temporada de RicoChoro ComVida em 2015?
Fiquei muito contente, pois já não vinha à ilha há três anos e estava morrendo de saudade da família, das praias, do vento, da comida…

Qual a base do repertório de sua apresentação amanhã?
Mesclei músicas que eu imagino que sejam conhecidas do público daqui e que gosto muito com músicas do repertório que venho pesquisando ao longo dos meus 10 anos de atividade como cantora

Você já conhecia os músicos do Chorando Callado? Qual o clima dos ensaios?
Conhecia o João Eudes do violão e o João [Neto] da flauta. É como se tocássemos juntos há 10 anos.

Seu disco solo de estreia, prometido para ano que vem, terá, entre compositores e participações especiais, nomes como Guinga, Paulo César Pinheiro, Francis Hime, Maurício Carrilho, Egberto Gismonti e Yamandu Costa. O que significa para você o endosso de tantos nomes tão importantes para a música brasileira?
Conheço o Egberto desde criança. É meu padrinho. Engraçado que a nossa relação é muito mais pessoal do que musical, apesar d’eu ter participado da Orquestra Corações Futuristas, regida por ele, durante quatro anos. Fora o Francis, com quem encontrei poucas vezes, tenho uma forte relação de amizade e afeto com todos os outros compositores e músicos citados. Seja encontrando para tomar um chope, seja ensaiando juntos, gravando… Engraçado que, por ter uma amizade com eles há tanto tempo, acho que não tenho muita dimensão do que significa o nome deles no meu projeto. Claro que tenho consciência da importância deles pra a música brasileira, mas pra mim é muito natural tê-los no meu primeiro disco. No caso, acaba que o Yamandu e o Egberto infelizmente não puderam participar. Mas estão no disco Dori Caymmi, Guinga, Sérgio Santos e Théo de Barros. Me sinto muito honrada e agradecida pela generosidade de todos que participaram do meu disco.

Você chegou a tentar outra profissão fora da música?
Nunca! Canto desde os nove anos, tanto em show quanto em gravação.

O fato de ter nascido numa família de músicos ajudou ou atrapalhou em sua decisão de seguir a carreira musical?
Os dois. Atrapalhou no sentido que eu, por rebeldia adolescente, tentei querer outra coisa, só pra ser do contra. Mas não foi pra frente. Ajudou em todos os outros sentidos. Tive muita ajuda.

Você é cantora e flautista. O público de São Luís também terá a oportunidade de ouvir você tocando flauta?
Desta vez não. Toquei flauta praticamente só em orquestras. Faz dois anos que não trabalho mais como flautista, só dou aulas.

Você é reconhecida como um dos nomes que colaborou para a revitalização e o reconhecimento da Lapa enquanto centro sambista do Rio de Janeiro. Você conhece ou acompanha o cenário do samba ou da música popular de modo geral no Maranhão? Se sim, que nomes destacaria?
Muito menos do que eu gostaria. Conheço o grupo Espinha de Bacalhau, Feijoada Completa, torço desde sempre pelo Roberto Chinês que é um baita instrumentista… Sempre que venho tenho pouco tempo pra fazer essa garimpada da música que não conheço. Acabo vendo os mesmo amigos, fico muito tempo com a família. Mas espero voltar a vir anualmente e me inteirar do que tá rolando.

Chorografia do Maranhão: Wendell de la Salles

Abre parêntese: ao tempo em que reproduzo cá no blogue a 49ª (de 52) entrevistas da série Chorografia do Maranhão, tenho a imensa alegria de compartilhar com os poucos mas fiéis leitores deste Homem de vícios antigos: o edital de apoio à publicação de livros 21/2015 da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema) aprovou o projeto Chorografia do Maranhão (clique aqui para baixar o resultado). Muito em breve, caros e caras, as entrevistas realizadas por este que vos perturba, Ricarte Almeida Santos e Rivanio Almeida Santos (fotografias), publicadas entre março de 2013 e maio de 2015 no jornal O Imparcial, reunidas em livro, aguardem! Fecha parêntese.

Bandolinista potiguar radicado há cerca de 10 anos em São Luís, membro honorário do Regional Tira-Teima é o 49º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVANIO ALMEIDA SANTOS

Doutor em engenharia química e bandolinista, o potiguar Wendell Ferreira de la Salles ganhou este sobrenome de uma promessa da avó: com complicações na gravidez, ela batizaria o filho com o nome do santo do dia. Seu pai, o funcionário público João Batista de la Salles, iniciava ali um outro ramo onomástico na árvore genealógica da família.

Grande comprador de discos – “ele comprava mais do que ouvia” – foi seu pai uma das primeiras influências musicais do menino Wendell. Em meio a tão vasto acervo, logo os discos de choro chamaram-lhe a atenção.

Wendell nasceu em 22 de agosto de 1974, filho da professora do ensino fundamental Telúsia Ferreira de la Salles. É casado com Kátia Simone, também engenheira química natalense, com quem tem uma filha de oito anos – que lhe inspirou a música Anjo meu, gravada no disco de estreia do Regional Tira-Teima, que deve ser lançado em breve.

O 49º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão conversou com os chororrepórteres no novo Barulhinho Bom (Praia Grande) e contou, entre outras histórias, como começou a tocar ainda criança, a ida para o doutorado na França, o retorno ao Brasil – hoje é professor da Universidade Federal do Maranhão – e a acolhida entre os bambas do Tira-Teima.

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

De onde vem teu sobrenome? É uma situação estranha. A família de meu pai efetivamente é Melo, exceto meu pai que tem esse sobrenome, de la Salles. Ele nasceu no dia de um santo, São João Batista de la Salles, e minha vó, que parece que teve problemas na gravidez, fez uma promessa, só que na hora do registro ela não botou João Batista de la Salles de Melo, ficou João Batista de la Salles. Aí vem dele.

Seus pais tinham algum envolvimento com música? Não. Meu pai sempre gostou de ouvir música, era um grande comprador de discos, mais comprava do que ouvia. A gente sempre teve uma variedade muito grande, eu sempre ouvi muita música por que meu pai comprava muitos discos, eu ouvia até mais que ele, ele comprava e eu ouvia. Até hoje continua mais ou menos assim. Ele tinha uma tendência a querer agradar os convidados. Se ele tinha amigos que gostavam de rock, ele ia e comprava rock, gostava de samba ele comprava discos de samba, de choro, discos de choro.

Mas sempre com um padrão de qualidade. É, sempre com um padrão de qualidade, sempre com bom gosto, em geral. O rock para ele era aquele rock tradicional, de Beatles, Rolling Stones, Elvis Presley. Mas isso foi mais na infância mesmo, depois ele deu uma parada, hoje é que está voltando [a comprar discos].

Ele tocava alguma coisa? Não. Na família, quem tocava era meu avô, pai da minha mãe. Ele nasceu no interior do Rio Grande do Norte, tocava cavaquinho, mas tocava forró.

E a música nordestina, tinha espaço na tua casa? Tinha. Sempre teve. Forró, eu gosto bastante, daquele tradicional, meus pais também.

No meio de toda essa coleção de discos de teu pai, você lembra o que chamou a atenção? Algo que você queria ouvir sempre, que repetia muito. Aquele disco que você ouviu até furar. É engraçado, realmente a variedade era grande, mas quando eu paro para pensar no que eu queria ouvir, ainda criança, eram discos de choro mesmo. Eu não lembro de botar outras coisas. Lembro das capas dos discos de Jacob [do Bandolim] que ele tinha, o disco de Assanhado, Vibrações, são as que mais vêm à cabeça ainda na época do vinil. Eu não tinha muito tempo para escolher, papai não dava tempo para escolhermos, ele estava o tempo todo botando algum disco, e a gente no clima, ali, sempre tinha festa lá em casa.

Além de músico, você tem outra profissão? Atualmente sou professor da UFMA, formado em engenharia química. Minha profissão efetiva, mesmo, deixou de ser a música há bastante tempo.

Houve algum momento de tua vida em que você atuou como músico profissional? A música permitiu até que eu concluísse uma graduação, que eu fizesse um mestrado em Natal, a situação financeira de meus pais não era muito fácil. Eu nunca tive problemas para fazer o que eu queria devido à música. Comecei a tocar muito cedo, meus pais não tinham muitas despesas comigo. A música serviu como profissão um bocado de tempo na minha vida, tocava na noite, sexta, sábado, domingo, desde oito, nove anos de idade. O primeiro regional que eu toquei foi um que meu pai criou. Ele se empolgou tanto quando me viu brincando com o cavaquinho que era de meu avô, que criou um grupo para eu tocar. Ele pagava os músicos para tocar comigo. Eu não tocava nada, sabia duas ou três músicas, ele pagava os músicos, tinha um cantor, eu entrava, toca minhas duas ou três músicas e eles continuavam, a noite toda.

Então o teu instrumento de origem é o cavaco? É o cavaquinho. Um cavaquinho que tinha na casa de meu avô, que eu achei velho, dentro de um armário, a primeira vez que eu peguei ele se assustou, já veio para tomar da minha mão. Ele já faleceu, uma das filhas guarda até hoje. Era um tonante, preto, nem sei se existe essa marca atualmente. Foi meu primeiro instrumento. Eu comecei a pegar, mesmo forçando a barra, ele não gostava que ninguém pegasse, eu pegava só para fazer barulho. Um dia ele pegou para me ensinar uma música, “quer aprender uma música?”, eu “quero”. Ele tocava poucas músicas, uma das que ele tocava, que ele solava no cavaquinho, era Naquela mesa [de Sérgio Bittencourt, feita em homenagem a seu pai, Jacob do Bandolim], foi a primeira música que ele me passou. Quando eu cheguei em casa mostrando pra meu pai, meu pai já se empolgou, aí pronto.

Você considera seu avô seu primeiro professor? Eu acho que sim. Foi ele quem primeiro me passou alguma coisa.

Como é que foi esse processo de transição do cavaquinho para o bandolim? Eu comecei exatamente nesse grupo que meu pai montou, a ir para o Clube do Choro em Natal. Eu comecei mais ou menos com oito anos. É sempre difícil eu saber a data que eu comecei por que meu pai tem uma tendência a diminuir. Se vocês forem falar com meu pai é capaz de ele dizer que eu comecei com quatro [risos dos chororrepórteres]. Então de tanto eu ouvir meu pai reduzindo, a idade com que eu comecei, eu fico em dúvida. Mas eu acho que eu tinha uns 10 anos mais ou menos, quando ele decidiu me levar para o Clube do Choro. Eles se reuniam acho que quarta-feira à noite. Quando cheguei lá foi um choque de realidade. Eu até ali não estava preocupado com o que eu fazia. Esse grupo que meu pai montou, a gente fazia qualquer coisa e eu estava agradando pela idade. Quando eu cheguei no Clube do Choro, não, o pessoal já comigo completamente diferente, eu comecei a revisar, a estudar, a escutar, montar repertório. Começa a tocar, as pessoas começam a falar, “instrumento para solista não é cavaquinho, é bandolim, tem muito mais possibilidades, uma maior escala, se você começar a tocar bandolim você vai largar o cavaquinho no outro dia”. No Clube do Choro não tinha solista de cavaquinho, mas tinha um solista de bandolim. Na época foi uma de minhas primeiras referências: João Juvanklin. Toca até hoje, tem vários cds lançados lá em Natal, eu toco várias músicas dele, é um excelente compositor. Para mim foi uma inspiração para eu migrar para o bandolim. Não lembro exatamente quando, me deram um bandolim de presente lá no Clube do Choro. E realmente, quando eu comecei a tocar bandolim eu deixei o cavaquinho de lado.

Você desperta para o choro em meados da década de 1980, quando o rock brasileiro estava no auge. Eu nunca fui muito de rock, essa geração do rock brasileiro, a minha esposa, por exemplo, conhece muita coisa dessa época, Capital Inicial, Engenheiros do Hawaii, Legião Urbana, mas essa geração passou meio de lado para mim. Eu acho que eu já estava muito focado nisso aí [no choro], realmente foi muito intenso, eu acho que eu toquei tanto nesse período aí, dos 12 aos 20 anos, que quando eu tive uma situação que me permitiu largar o bandolim eu não senti saudade.

No bandolim você se considera meio autodidata? De início, sim. Mas as coisas foram acontecendo muito rápido. No momento em que eu estive no Clube do Choro eu comecei a aparecer mais e tinha um instituto de Música lá em Natal, o Instituto Valdemar de Almeida, e tinha vários cursos de música, curso de teoria, bandolim, cavaquinho, violão, e na época, o diretor do instituto fez uma apresentação no Clube do Choro e me ofereceu bolsas para eu estudar gratuitamente no instituto. Aí eu perguntei: “bolsa de quê?”, e ele “do que você quiser”. Aí eu disse que ia fazer cavaquinho, bandolim, teoria musical, vou fazer tudo. Ainda nessa época eu estudei cavaquinho, bandolim, com o professor Alexandre Moreira, que é sobrinho do João Juvanklin, que também é bandolinista, é uma família com vários bandolinistas, a esposa do Alexandre também é bandolinista, uma bandolinista canhota, muito boa, eu comecei a estudar no Instituto, bandolim, cavaquinho e teoria musical. Até então, aí, era basicamente de ouvido. Na época, mesmo você estudando, a gente não tinha facilidade de encontrar material como se tem hoje em dia. “Ah, gostei dessa música”, se você for esperar a partitura para aprender aquela música você não aprende. Não ia achar, não tinha internet para procurar, então eu acabei desenvolvendo uma capacidade muito grande de aprender música de ouvido. E eu não precisava estar com o instrumento para aprender, bastava ouvir. Isso acontece até hoje. Eu não perdi o bandolim, deixei de tocar, fiquei praticamente 10 anos sem tocar, mas eu não deixei de ouvir.

Quando você foi para a França você largou o bandolim? Não, na França, até 2004, eu fiquei lá de 2000 até 2004, lá eu cheguei até a fazer algumas gravações, não de choro. Eu participei de um projeto com um cantor que queria gravar a música de Jorge Brassan, era uma música em ritmo de bossa nova, ele queria dar uma mudada. Eu cheguei em Toulouse, eles estavam inaugurando uma linha de metrô e queriam criar uma música para tocar no lançamento desse metrô, e quando eu estava lá eu conheci um grupo chamado Le Famouse T, me disseram que tinha uma brasileira, eu fui me informar quem era, era a irmã do Armandinho Macedo [bandolinista] que fazia parte desse grupo. Ela tinha a intenção de fazer uma música voltada para o frevo, para tocar no lançamento desse metrô. O Armandinho de vez em quando aparecia na França. Ela soube que eu tocava bandolim e acabou me convidando para participar desse cd, que eles lançaram com o patrocínio da empresa de transportes. A gente gravou uma música, eu fui na França o ano passado, estava tocando essa música lá, era uma composição deles e eu gravei uma participação. Eu toquei, mas sempre tinha uma brincadeira lá e eu não abandonei o bandolim, a gente está fora, sente mais saudade da terra, era uma forma de eu me ligar ao Brasil. Mas quando eu voltei ao Brasil, praticamente fiquei sem pegar no bandolim, de 2004 até o ano passado. Pegava em casa, ocasionalmente. Foi um período conturbado, eu era de Natal, fui para a França, voltei para Maceió, fiquei dois anos em Maceió, depois vim para cá, quando eu estava em Maceió minha esposa engravidou, eu vim para cá com uma criança de 20 dias, entrei na UFMA, comecei a focar naquilo ali e a música foi ficando de lado, ficando de lado…

Além de teu avô quem você considera seus principais mestres? Meu avô foi importante no início. Eu diria o João Juvanklin, lá de Natal, nunca foi meu professor de bandolim, mas o fato de eu estar tocando frequentemente ali com ele, no Clube do Choro, aprendi bastante coisa com ele. O João Juvanklin tinha uma coisa que eu admirava bastante nele, era o som que ele tirava do bandolim. A gente encontra muitos bandolinistas bons, mas são poucos os que conseguem tirar do bandolim o som que o bandolim é capaz de fornecer.

Isso tem a ver com técnica? Ou com a qualidade do instrumento? Isso tem a ver com técnica, principalmente. Mas também com a qualidade do instrumento, se você pegar um instrumento ruim é difícil, mas um cara que tem o domínio da técnica consegue até tirar um som bonito num instrumento ruim. Agora tem muita gente com bons instrumentos que não consegue tirar esse tipo de som. E ele tirava. Um dos elogios que me fizeram a vida toda é exatamente em cima disso aí, que eu consigo tirar um som bonito do bandolim, provavelmente inspirado no que eu ouvia dele para produzir esse tipo de som.

Além de técnica e da qualidade do instrumento, onde você localiza o sentimento? O sentimento é importante. Quando a gente fala em técnica a gente só pensa em agilidade. Quando eu falo em técnica eu incorporo a questão do sentimento aí também. Você pega uma música como Vibrações, se você não colocar sentimento ali ela não rende, não flui, é uma música qualquer. Quando você escuta a gravação de Jacob do Bandolim [autor da música] você sente alguma coisa diferente, você sente as emoções que ele estava tentando imprimir quando estava tocando aquela música. Isso é outra coisa difícil também, você sentir que o cara que tá tocando aquela música está sentindo alguma coisa e não tocando mecanicamente. Se for mecanicamente a música não sai com qualidade.

Além de cavaquinho e bandolim você toca algum outro instrumento? Eu toco um pouco de violão sete cordas, um pouco de violão seis cordas, eu nunca tive um violão em casa. Quem toca em grupo de choro sempre vê os outros tocando e acaba aprendendo um pouquinho. Eu gosto de brincar um pouco com o violão, de sete, de seis, cavaquinho. Já toquei um pouco de violino, é a mesma afinação de bandolim, tive um pouco de dificuldade com o arco, mas se adapta, se eu quisesse insistir eu me adaptaria, a escala é a mesma coisa. Basicamente isso aí.

Já que você também toca cavaquinho, que lugar tem Waldir Azevedo em teu repertório? Hoje praticamente eu não toco Waldir Azevedo devido a eu ter focado muito no bandolim. Mas eu tenho um repertório muito grande de Waldir Azevedo, na época que eu tocava cavaquinho era essencialmente Waldir Azevedo. Meu pai tinha a coleção dele praticamente completa em vinil, eu gosto bastante.

E Jacob? Jacob tem um lugar bem especial. Eu tenho um repertório muito bom de Jacob do Bandolim. Na época em que eu comecei a tocar não era fácil encontrar. Eu aprendi muita coisa de Jacob pelo João Juvanklin, não pelos discos, eu olhava-o tocando. Da minha geração é uma das principais referências.

Além de instrumentista você desenvolve alguma outra habilidade na música? Compõe, arranja? Eu nunca fui muito de compor, acho que não tinha nem tempo para parar para compor, sempre fazia várias coisas paralelamente, além da música, várias outras atividades. Mas cheguei a fazer algumas composições, lá atrás. Quando eu cheguei à São Luís, depois que eu conheci o Regional Tira-Teima eles me falaram que estavam fazendo um disco de composições originais e perguntaram se eu não tinha alguma composição. Eu gravei duas no cd deles, minhas, uma que eu tinha feito lá atrás, e uma que eu compus especialmente para estar neste cd. Uma é Aguenta seu Florêncio, que eu fiz em homenagem a meu avô, seu João Florêncio [Ferreira]. Meu avô era daqueles que gostava de música a 150 quilômetros por hora, coisa que exigisse técnica. Eu fiz uma música para ele, faleceu há cerca de três anos. A outra é uma música que eu fiz para minha filha, recentemente, intitulada Anjo meu. Infelizmente não deu tempo de participar mais, o disco já estava praticamente pronto. Eles tinham intenção que eu incluísse o bandolim em outras músicas, mas isso ia terminar atrasando o lançamento do cd.

Você gosta de tocar com o Tira-Teima? Gosto! Foi engraçado, eu tava há quase 10 anos sem tocar, conheci-os meio por acaso, estava na casa de um professor da UFMA, toca piano, Adelino Valente [pianista e bandolinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 20 de julho de 2014]. Desde que eu cheguei na UFMA a gente se encontrava pelos corredores e o pessoal dizia para ele: “ah, ele toca bandolim”, e me dizia: “ah, ele toca piano”, e ninguém botava muita fé: um professor de matemática que dizem que é muito bom e toca piano e um professor de engenharia química que toca bandolim [risos]. Foi passando um ano, dois, três anos, um dia ele me chamou para ir à casa dele, fomos tocar um pouquinho. Quando eu comecei a tocar ele começou a ligar. Ligou pra Solano [Francisco Solano, violonista sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 26 de maio de 2013], pra Paulo [Trabulsi, cavaquinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 22 de dezembro de 2013], o pessoal do Tira-Teima: “venha cá, venha cá”. Eles estavam na época do Tira-Teima Convida [temporada de apresentações em que o Regional recebia convidados, no Terraço do Hotel Brisamar] e eu participei com eles uma sexta-feira. Me convidaram para tocar, mas eu estou tocando sem compromisso. O fato de eles tocarem em uma data fixa, na sexta-feira, pra mim é um pouco complicado. Pode acontecer de um semestre eu ter aulas na sexta-feira à noite, os horários variam. Às vezes eu saio muito tarde. Se eu assumisse o compromisso eu teria que ir, então eu preferi ficar um pouco mais livre.

O que trouxe você à São Luís foi a UFMA? Foi a UFMA. Inclusive foi meio inusitado. Eu não queria vir para os lados de cá. Eu sou de Natal e tinha a intenção de ficar ali perto. Só que quando eu voltei do doutorado eu estava atrás de edital para professor, e dos editais que lançaram na época, normalmente esses editais exigem que você revalide o diploma. Todos os editais exigiam o diploma revalidado, menos o da UFMA. A UFMA não exigia a revalidação para a inscrição, só para a posse. Aí eu vim fazer, vim parar aqui.

Você, como engenheiro químico, com doutorado na área, consegue fazer alguma relação, se é que é possível, entre a música e a engenharia química e em que sentido uma coisa e outra se atrapalham e se ajudam? Eu acho que não atrapalha, mas também não ajuda. Quem trabalha na área da engenharia, se pudesse ter um lazer como a música, seria fantástico. É uma profissão estressante, um pouco pesada, principalmente em nível universitário, pega turmas enormes, conteúdo que envolve muito cálculo. Então você ter a opção de quando estiver estressado pegar um instrumento e dar uma relaxada, é fantástico. Eu me distraio facilmente com outras atividades, não só com música, mas com leitura, com tevê. Agora, relação direta, existem teses que falam da relação da matemática com a música; da engenharia, especificamente, eu não conseguiria fazer.

E os grupos de que você fez parte lá em Natal? Eu fiz parte desse que meu pai criou, eram Os Originais do Choro, deve ter durado uns três anos, aí eu fiz parte do Clube do Choro, enquanto ele existiu, devo ter ficado uns seis, sete anos. É aquele negócio, o pessoal se reunia para tocar, muita gente que tocava no Clube do Choro era músico profissional, depois começou a querer se expandir. Enquanto tocávamos às quartas-feiras, tudo bem, depois começaram a querer fazer sexta e sábado, aí começa a tirar opção de quem vive de música, então o Clube do Choro acabou, se dividiu em dois grupos, eu fiquei tocando em um e o outro foi para outro lado. Quando eu entrei na faculdade eu larguei tudo, sabia que era um curso pesado. Mas a música ainda estava muito perto e o pessoal, “não, vamos montar um grupo”, aí montamos um grupo de samba, Os Engenheiros do Samba. Eu tocava cavaquinho, era uma brincadeira de estudantes. No meio desse curso as bandas de samba sérias de Natal começaram a me ver tocando e eu comecei a receber convites, do Divina Chama, Verdadeira Chama, era outro nível, um negócio maior, multidões, palco grande, algo que eu nunca tinha tido com o choro. Começou a me dar uma renda e não exigia muito de mim.

E discos? Você chegou a gravar? Na época em que eu saí foi que o pessoal começou a gravar. O João Juvanklin gravou um disco patrocinado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, hoje ele tem uns seis ou sete, mas tudo gravado depois que eu saí de lá. Inclusive ele fala, sempre que a gente se encontra, que ele ainda queria que eu participasse de um cd dele. Eu esqueci de falar de um grupo: quando eu estava no Mestrado eu participei de um grupo de choro chamado Choro & Companhia. Foi o último grupo em que eu toquei, até ir embora para a França, de 1998 a 2000, estávamos com um projeto de gravar um cd na época. Não tinha mais nenhum grupo de choro e a gente de algum modo fez ressurgir. Foi interessante por que a gente foi chamado até para participar de festivais internacionais. Antes de eu ir estudar na França eu fui lá com esse grupo tocar, num Festival de Verão. Quando a gente voltou, o flautista desse grupo, é bem conhecido, o Carlos Heinze, estava gravando o cd dele e eu participei de duas músicas, correndo, antes de viajar, uma gravação feita às pressas.

Pra você, o que é o choro? Qual a importância dessa música? O choro foi que me fez praticamente gostar de música. O choro, por incrível que pareça, é uma música interessante para você começar a caminhar pela música brasileira. O choro é meio resultado de vários gêneros que acabaram culminando nesse estilo. Quem pensa em começar a tocar, um bom ponto de partida é o choro. Ele tende a ser um cara bem eclético, tende a ter uma preparação que permita ele transitar entre várias áreas da música brasileira. O músico de choro tem facilidade de se integrar com vários estilos musicais.

Você concorda que quem toca choro toca qualquer coisa? Qualquer coisa eu não diria, mas toca muita coisa. Tem alguns estilos musicais que são diferentes. Um solista de choro tem dificuldades de improvisar no rock, é uma linguagem totalmente diferente. Nessas músicas mais brasileiras ele tem mais facilidade de transitar entre elas.

Você se considera um chorão? Sim. É o gênero em que eu me sinto à vontade. A linguagem é muito comum quando a gente está há muito tempo naquele meio. Você ouve, já começa a improvisar, conhece aquela linguagem. Me considero um chorão, embora goste muito de samba também, devido a essa experiência que eu tive na graduação quando toquei em grupos de samba.

Quem você considera o maior nome do bandolim do Brasil? Em todos os tempos? Jacob!

Por que? Pelas composições dele. ele deu uma cara ao bandolim, se pedir para alguém citar, “diga 10 composições que você gosta ao bandolim”, nove vão ser de Jacob, se não forem as 10.

[O Imparcial, 15 de março de 2015]

Flávia Bittencourt é a convidada da penúltima edição de RicoChoro ComVida

[release]

Quinta edição do projeto terá ainda Quarteto Instrumental e Paulo do Vale

O talento e o carisma de Flávia Bittencourt. Foto: João Rocha
O talento e o carisma de Flávia Bittencourt. Foto: João Rocha

 

A penúltima edição do projeto RicoChoro ComVida em 2015 acontece amanhã (21), às 18h, no Bar e Restaurante Barulhinho Bom (Rua da Palma, 217, Praia Grande). A noite terá como atrações o pesquisador Paulo do Vale – que prefere não ser chamado de dj –, o Quarteto Instrumental e a cantora Flávia Bittencourt.

“Para nós é uma honra poder contar com a presença de Flávia Bittencourt no palco do RicoChoro ComVida, ela que é hoje uma cantora nacionalmente reconhecida, mas que nunca esqueceu de suas raízes, sempre reverenciando os mestres da música popular produzida no Maranhão”, declarou Ricarte Almeida Santos, produtor do projeto.

A cantora tem três discos lançados: Sentido (2005), Todo Domingos (2009) e No Movimento (2014). O primeiro reuniu, entre os compositores gravados por ela, Josias Sobrinho [Terra de Noel, incluída na trilha sonora da novela global América], Cesar Teixeira [Dolores e Flor do Mal, com participação especial de Renato Braz], Chico Maranhão [Ponto de Fuga e Vassourinha Meaçaba], Zeca Baleiro [Berê] e Martinho da Vila [Ex-amor, com trecho em castelhano vertido por Natalia Mallo], entre outros; o segundo é dedicado ao repertório de Dominguinhos, que havia feito uma participação especial com sua sanfona no disco de estreia da artista; no mais recente, ela deixou aflorar sua veia de compositora, além de registrar gravações para projetos especiais, caso da versão voz e violão para Mar de rosas [versão de Rossini Pinto para Rose Garden, de Joe South], hit dos Fevers, e a gravação de Parangolé (Cesar Teixeira) com participação especial de Zeca Baleiro.

O Quarteto Instrumental reuniu-se especialmente para recebê-la no palco do Barulhinho Bom. João Neto (flauta), Luiz Cláudio (percussão), Luiz Jr. (violão sete cordas) e Robertinho Chinês (bandolim e cavaquinho) prometem um repertório de choro com uma pegada vibrante, mesclando clássicos do gênero a células da cultura popular do Maranhão, além de números autorais. No primeiro time, nomes como Severino Araújo, Ernesto Nazareth, Pixinguinha e Jacob do Bandolim, entre outros.

“São quatro dos mais requisitados músicos da cena musical maranhense, não apenas a chorística. Luiz Jr., por exemplo, esteve recentemente acompanhando a compositora Patativa, no lançamento de seu disco no Sesc Pompeia, em São Paulo”, atesta Ricarte.

Com atuação profissional em fotografia e cinema, campos em que seu talento é largamente reconhecido, não é comum ver Paulo do Vale atuar como dj, título que ele rejeita, em respeito aos profissionais da área. Ao projeto RicoChoro ComVida ele abre uma exceção e, antes e depois das apresentações do Quarteto Instrumental e Flávia Bittencourt, mostrará ao público o fruto de suas pesquisas e coleção.

Produção de RicoMar Produções Artísticas, RicoChoro ComVida tem patrocínio da Fundação Municipal de Cultura (Func), Gabinete do Deputado Bira do Pindaré, TVN e Galeteria Ilha Super, e apoio do Restaurante Barulhinho Bom, Calado e Corrêa Advogados Associados, Sonora Studio, Clube do Choro do Maranhão, Gráfica Dunas, Sociedade Artística e Cultural Beto Bittencourt e Musika S.A. Produções Artísticas.

Serviço

O quê: RicoChoro ComVida – 5ª. Edição.
Quem: Quarteto Instrumental, Flávia Bittencourt e Paulo do Vale.
Quando: dia 21 de novembro (sábado), às 18h.
Onde: Barulhinho Bom (Rua da Palma, 217, Praia Grande).
Quanto: R$ 30,00 (reserva de mesas pelo telefone (98) 988265617).

Serra de Almeida recebe homenagem de amigos por seus 80 anos

O flautista durante sua entrevista à Chorografia do Maranhão, que inaugurou a série. Foto: Rivanio Almeida Santos
O flautista durante sua entrevista à Chorografia do Maranhão, que inaugurou a série. Foto: Rivanio Almeida Santos

 

O flautista Serra de Almeida completa, nesta sexta-feira 13, 80 anos de idade, metade deles dedicados à flauta, que aprendeu a tocar já quarentão, como revelou à Chorografia do Maranhão, no depoimento que abriu a série, publicada entre março de 2013 e maio deste ano no jornal O Imparcial.

Há 26 anos o são-bernardense integra o Regional Tira-Teima, mais longevo grupamento de choro em atividade no Maranhão, prestes a lançar (finalmente) seu (aguardado) disco de estreia – incluindo, no repertório, alguns choros de autoria de Serrinha, como é carinhosamente chamado pelos colegas de grupo e por uns mais chegados.

Não poderia haver melhor forma de comemorar a data que com uma roda de choro à altura do talento do mestre. É o que acontecerá hoje (13), às 20h, no terraço do Hotel Brisamar, onde o Tira-Teima costumeiramente se apresenta às sextas-feiras. Mas esta tem sabor especial, por razões óbvias.

Ao grupo, cuja formação atualmente se completa com Paulo Trabulsi (cavaquinho solo), Zeca do Cavaco (cavaquinho centro e voz), Luiz Jr. (violão sete cordas), Henrique (percussão) e Zé Carlos (percussão e voz), se somarão as participações especiais de Anna Claudia, Augusto Pellegrini, Carlinhos da Cuíca, Carlinhos Veloz, Fátima Passarinho, Celson Mendes, João Pedro Borges, Juca do Cavaco, Zequinha do Sax, Zé Luiz do Sax e Osmar do Trombone, além da presença de Bernardo Serra, irmão do homenageado.

Fisicamente, Serrinha lembra o lendário Copinha, mas sua predileção é por Altamiro Carrilho. Merece destaque sua memória prodigiosa: é capaz de tocar incontáveis choros sem qualquer estante à sua frente. Quem quiser comprovar, eis aí uma ótima oportunidade.

A produção não informou o valor do couvert artístico.

Chorografia do Maranhão: Celson Mendes

[O Imparcial, 22 de fevereiro de 2015]

Aviador e violonista, Celson Mendes é o 48º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVANIO ALMEIDA SANTOS

Celson Afonso de Oliveira Mendes Filho nasceu em Barreirinhas/MA em 25 de janeiro de 1952, pelas mãos de freiras da paróquia local. É o mais velho de oito irmãos. Com menos de dois anos foi levado pelo pai para o Rio de Janeiro, morando depois no Recife e em diversas outras cidades brasileiras – incluindo Cururupu/MA, onde chegou a administrar uma destilaria de álcool.

A vida do violonista é feita de aventuras e acasos. Aviador, ele se tornou músico profissional por acidente – não aéreo; é que mesmo tendo descoberto o talento desde muito cedo, ele não tinha essa pretensão, até participar por acaso de um show de Joãozinho Ribeiro [compositor].

Filho de Celson Afonso de Oliveira Mendes, economista e estatístico, e de Maria Leônia Dias Mendes, Celson Mendes concedeu seu depoimento à Chorografia do Maranhão na nova praça de alimentação do São Luís Shopping, onde se apresentaria àquele sábado no projeto Arte Musical do Maranhão, que teve quatro noites dedicadas a ritmos, instrumentistas, vozes e compositores maranhenses, valorizando e apresentando a diversidade da produção musical do estado.

Ao longo da bem humorada entrevista, ele lembra a participação em grupos como o Bom Tom e o Regional Caixa de Música – quando venceu o Prêmio Universidade FM de melhor músico violonista –, as aventuras da vida de aviador, como guardou uma carteira de cigarros de Baden Powell como souvenir e sua relação com João Donato e Antonio Vieira.

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

Como era o universo musical na tua casa? Onde você identifica as primeiras influências? Foi meu pai. A gente morava no Filipinho, e ele era o camarada que agregava. Sempre gostou muito de cultura, artes, esportes. Era estatístico, depois se formou em Economia. Logo depois da Estatística ele resolveu fazer Odontologia. No último ano, os estudantes, formandos, iam para um hospital e operavam pessoas carentes gratuitamente. Uma das pessoas que ele estava tratando, ele arrancou um dente, a pessoa teve uma hemorragia, quase morre. Ele gastou uma grana preta para tratar da pessoa e resolveu que nunca mais [risos]. Quando ele foi para o Rio, tinha uns tios, ele se hospedava no apartamento desses tios, e eles tinham acabado de perder um filho. Aí se apaixonaram por mim, pediram para me criar. Ele falou com minha mãe, “pode ser muito bom para ele”, eu me mudei para Copacabana aos um ano e oito meses de vida, isso em 1953, final de 53. Peguei aquela época boa do Rio de Janeiro, em termos, quando dei por mim, lá por 61, 62, com 10 anos de idade, lembro de muita coisa de quando eu tinha cinco, seis anos. Lembro do célebre assassinato da Aída Cury [atentado violento ao pudor, tentativa de estupro e homicídio, o crime aconteceu na noite de 14 de julho de 1958, em Copacabana], lembro da repercussão sobre o atentado da [rua] Tonelero, de Carlos Lacerda [uma tentativa de homicídio contra o jornalista e político ocorrida na madrugada de 5 de agosto de 1954], era pertinho de onde eu morava. Eu morava a um quarteirão de um prédio onde moravam quatro vascaínos [jogadores do Vasco]. Eram eles: Barbosa [Moacir Barbosa, goleiro da seleção brasileira quando da derrota para o Uruguai, na final da Copa do Mundo de 1950, no Maracanã], o goleiro, Bellini [Hilderaldo Luís Bellini, zagueiro, capitão da seleção brasileira campeã mundial em 1958, na Suécia], parecia um artista de cinema, Sabará [Onofre Anacleto de Souza, atuou 12 anos – a maior parte de sua vida profissional – no clube carioca que lhe deu o apelido], eles moravam no mesmo prédio, na esquina de Nossa Senhora de Copacabana com Barão de Ipanema [não chega a dizer o nome do quarto jogador]. Eu vinha passar férias aqui. Meu pai centralizava. Todo domingo de manhã, ele acordava, tinha uma vitrola enorme, até hoje eu tenho discos dele, e ele colocava discos de música erudita durante uma hora, uma hora e meia, tomava café, depois disso começava a tocar Românticos de Cuba, e lá pelas 10, 11 horas, os amigos começavam a chegar com sacolinhas de cerveja, ficavam ouvindo aquele som e isso ficava até umas duas horas da tarde, sentados numa varandinha. Tio Maniquito tocava bem violão, minha vó dizia que o pai dela também tocava. Isso [as reuniões musicais do pai com amigos] desenvolveu, eu tinha duas irmãs de criação que adoravam música. Quando eu fui para Recife, meu sonho era ser aviador. Eu passei para o Colégio Militar do Rio de Janeiro e não me deixaram entrar, por que eu não era filho de militar. Fui pra Recife, passei de novo, nessa época meu pai era superintendente adjunto da Sudene, trabalhava com Celso Furtado [economista paraibano, autor de Formação Econômica do Brasil]. Ele disse: “venha pra cá e faça o exame de novo”. Passei e Celso Furtado foi lá e disse “agora ele entra”. Ao entrar no Colégio Militar, conheci um rapaz, loirinho, tivemos afinidade, ele gostava de basquete, eu também, de música ninguém sabia nada, ele gostava de tocar bateria, e ele disse “eu tenho um tio que é músico, muito famoso”. Eu não sabia de quem se tratava, ele dizia o nome, eu não sabia quem era. Até que um fim de semana ele me convidou para passar na casa dele. O pai dele era médico, coronel da aeronáutica, fui passar o final de semana na frente da praia de Piedade, onde tinha uma vila militar. Quando chega o irmão da mãe dele. Sabe quem era o cara? João Donato [pianista, um dos mentores da bossa nova]! Um dia eu estou passando por uma rua no Centro de Recife e ouço um som de violão que eu nunca tinha escutado. Uma tia compra o disco [Sambas e marchas da nova geração, de 1967] pra mim, Paulinho Nogueira, tocando Roda [faixa de abertura do disco], de Gilberto Gil. Foi meu primeiro elepê. Peguei esse disco, quase furo de tanto ouvir. Uma tia minha, que cantava muito bem, resolve aprender a tocar violão. Eu assistia as aulas, quando acabava, eu pegava o violão, ia lá para o quarto, e comecei a aprender violão assim. Um belo dia fui procurar um professor, ele me botou para tocar, “você leva jeito para a coisa, eu vou te dar umas aulas. Depois conforme seja, a gente vê o valor”. Eu era doido para aprender música, adorava aquele negócio de alguém botar as bolinhas [as partituras] na frente e sair tocando. Eu disse “eu quero aprender isso”. E ele: “primeiro vamos ver se realmente você tem queda”. E um belo dia eu roubei uma partitura dele. Uma semana depois eu voltei tocando aquele negócio. “Quem foi que te ensinou isso?” “Eu aprendi lendo”. Ele nunca me cobrou. Aí veio a perseguição política, meu pai teve que ir embora pro Chile, por conta da ligação dele com Celso Furtado, ele era padrinho de um irmão meu, inclusive. Meu pai foi embora, minha mãe foi para o Rio de Janeiro, com todo mundo, menos eu, por conta do Colégio Militar. Aí fui adotado pela irmã do João Donato, por isso eu a chamo Tia Eneida. Seguimos juntos, passamos para a Escola de Aeronáutica, eu e o Amim [sobrinho de João Donato], passamos para a preparatória, para a academia, depois me botaram para fora. Incompatibilidade de gênios.

O que foi, especificamente? A tia Eneida resolveu, em comum acordo, ela e o coronel Amim, resolveram se separar. Nessa época era a ditadura pesada, 1970. Nós éramos obrigados a nos recolher às 10h da noite, depois disso não podíamos sair, a não ser em toque de emergência. Eu era de uma turma, A, Amim era da turma H, tinha que atravessar, ele foi lá, chorando, e me disse: “nossos pais se separaram”. Botamos uma roupa, pegamos a carteira de cigarros, fomos para o pátio fumar e conversar. Nessa hora me chega um capitão, a gente vivia pendurado, aprontava muito. Eu era atleta, jogava basquete, jogava vôlei e isso me aliviava. Ele não, o negócio era ser músico, vivia tocando a bateria dele. O capitão disse: “cadeia pra vocês!”. Eu chamei o capitão e disse: “vamos fazer um acordo”. Com o número de dias que ele ia dar para nós, ele estava fora. Eu disse: “me dê os 10 dias de cadeia”, eu não sairia ainda, eu tinha uma reserva [risos], mas não faça isso com ele. Ele disse: “vou dobrar a dele e manter teus 10 dias”. Ele tinha uma .45 bem aqui [aponta para a cintura]. O que eu fiz? Dei um murro no nariz dele. No dia seguinte o brigadeiro comandante chamou: “vou fazer um acordo contigo. Fica aí até o fim do ano, pede teu desligamento”, faltavam dois ou três meses, “se não isso vai prejudicar sua vida toda, vai dar expulsão, e vou segurar o Amim, que é filho do brigadeiro e quem deu o murro mesmo foi você”. Numa boa, eu já estava de saco cheio mesmo. Saí da vida militar, seis meses depois o Amim pediu o desligamento dele também, foi chamado para a Transbrasil. Eu já fiz meu curso para aviação civil, era piloto da Votec [companhia aérea brasileira adquirida pela TAM em 1986], voava para a Petrobras, plataforma. Uns seis meses depois dessa história, mais ou menos isso, ele teve um acidente [chora, sem conseguir completar a informação de que o amigo faleceu].

Quem foram teus outros mestres no violão? Um cego em campos, foi professor também de uma cantora muito bonita, a Marina De La Riva. Os De La Riva eram usineiros, amigos de meu pai, meu pai eventualmente trabalhava para eles. Foi o maior tempo de aula com um professor particular. Depois eu estudei também na Escola Villa-Lobos. Estudei um pouco com João Pedro Borges [violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 14 de abril de 2013], tive aqui o Pixixita [o músico José Carlos Martins, professor da Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo] como professor de harmonia. Minha vida de aviador não me permitia ter cursos regulares. Eu andava com o violão no avião. Depois proibiram. Eu cheguei a ter nove violões em lugares diferentes, ficavam no hotel. Eu ficava danado da vida quando me mandavam para um lugar onde eu não tinha um [risos].

Quanto tempo você passou nessa vida de aviador? De 1973 a 1980.

E depois? Em 1980 meu pai me fez uma proposta indecente. Eu estava indo pros Estados Unidos com a noiva, ele me apresentou um amigo, que estava precisando de alguém de confiança para recuperar um avião dele. Era urgente. Ele cobria a passagem, hospedagem no melhor hotel de Salvador e mais uma grana que cobria qualquer coisa. Acabei não indo, terminei o noivado. Eu tinha recebido proposta da Vasp na época, estava esperando terminar um curso, se não eu ia primeiro para a Táxi Aéreo Marília, que hoje é a TAM. O cara disse que ia pagar todos os meus cursos, era presidente do Santa Cruz [Futebol Clube], o maior advogado e maior fazendeiro de Pernambuco, usineiro em Alagoas, e tinha um projeto enorme no interior da Bahia. Tinha duas filhas, não tinha filhos. Ele me pagava um salário de piloto de Boeing, eu ficava voando, todo final de semana. O escritório era uma coisa familiar, de noite uísque rolava. Ele ia comprar uns tratores, acabou me contratando também para cuidar da parte técnica, foi esperto, pagava um para fazer o serviço de dois [risos], mas foi bom para mim também, continuei voando. Eu resolvia toda a questão técnica, ganhei um bocado de dinheiro, não tinha onde gastar, não tinha tempo. Depois meu pai resolveu montar uma destilaria de álcool em Cururupu, onde ele tinha, tem, um terreno. Vim pra cá, cheguei aqui 10 de outubro de 1980. Por que eu lembro? Primeira notícia que eu tive aqui foi que tinha afundado um barco chamado Lima Cardoso, com metade do povo de Cururupu, inclusive parentes e amigos meus. Isso fez meu retorno ao Maranhão, lembro bem desse sentimento, tinha passado minha vida toda fora, Minas [Gerais], São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Norte e Pernambuco.

Nessa época você morava em Cururupu? Sim, eu morava na fazenda, a 10 quilômetros da [sede da] cidade.

Voltando um pouco, você viveu no Rio numa época de bastante efervescência, sobretudo na cena musical. Como isso reverberou em você? Quando eu me entendi por músico meus colegas de turma tinham banda. A música que eles tocavam eram Beatles. Eu achava bonito, interessante, a banda. Mas a música que me tocava era escutar Tom Jobim, Chico Buarque, João Donato, que eu passei a ter acesso aos discos. Eu ia para a casa da tia Eneida, ela tocava muito bem acordeom, cansei de vê-la, João Donato no piano, ela no acordeom, depois eles revezavam. O Amim ficava numa bateria atrapalhando todo mundo [risos]. Eu escutava aqueles temas, ficava encantado. Muitas músicas até se perderam, bolavam na hora, aquelas pegadas jazzísticas. A primeira vez que eu ouvi Samba da bênção [de Vinicius de Moraes e Baden Powell], eu fiquei alucinado. Depois eu me apaixonei por música francesa, era a época de Pierre Barouh [ator, compositor e cantor francês], que também tinha uma ligação com a bossa nova, cinema francês. Nós tivemos recentemente falecido, já com quase 90 anos, foi até um dos percussores da bossa nova, grande compositor, gravou com Rosa Passos [cantora], inclusive: Henri Salvador [cantor, compositor e guitarrista francês]. Ele gravou um disco com uma moça, não lembro se sueca ou norueguesa, chamada Lisa Ekdahl [cantora sueca]. É lindo, lindo, lindo [repete, enfático]! A bossa nova e o jazz, através da influência desse primeiro professor de violão. Minha ligação não era com o jazz, com exceção de Glenn Miller, que eu pai botava e eu ouvia. Meu pai comprou uma usina em Campos, e tinha uma roda de choro. Eu fui lá, eles em volta de uma mesa tocando. Eu me aproximei e fiquei observando. Uma hora eles pararam, conversaram, eu continuei parado. Uma hora sem me dar nem boa tarde. Aí entra no recinto, um galpão, Ivon Curi [cantor, compositor e ator]. Ele chega por trás de mim, botou a mão e disse: “esse camarada aqui toca violão também”. Ele, muito gente boa, simples, dava o show dele, depois sentava do teu lado. Aí os caras me olharam, “é mesmo?”, eu achei de uma indelicadeza, eu era um jovem, eles, todos senhores, eu achei de uma arrogância tão grande, saí e fui jogar sinuca. Mas aquilo me marcou. Foi o contrário do que aconteceu com Paulo [Trabulsi, cavaquinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 22 de dezembro de 2013]. Paulo quando foi sacaneado por Zé Hemetério [multi-instrumentista e compositor], botou na cabeça e disse “eu vou mostrar que eu posso”. Eu fiz exatamente o contrário, me desinteressei, me afastei. Eu comecei a observar que havia dois comportamentos distintos: o pessoal mais ligado ao jazz, à bossa, gostava de agregar, o pessoal do choro era “se sabe, sabe, se não sabe, cai fora e nem faz barulho”.

E como se deu a escolha pelo violão? Foi por causa desse disco [Sambas e marchas da nova geração, de Paulinho Nogueira]. Eu completei 15 anos, meu pai tinha um relógio Mido de ouro, eu botava os olhos, achava lindo, todo mundo elogiava aquele relógio. Quando eu fiz 15 anos, eu acordo, ele começou: “vou lhe dar um presente” [imita o pai, sacudindo o relógio]. Aí ele disse: “se eu fosse lhe dar um presente, do que você gostaria?”. Eu respondi: “um violão”. Ele murchou [risos]. Ele parou e pensou: “é um idiota. Em vez de ganhar um relógio, que vale não sei quanto, quer um violão”. Fomos a A Guitarra de Prata [loja de instrumentos musicais na Rua da Carioca, Centro do Rio de Janeiro]. E ele: “traga o melhor violão que você tiver”. Na cabeça dele, um violão não podia custar o preço de um relógio. Aí veio uma caixa, com o violão, eu olhei o violão, aquela boca de madrepérola, tinha um senhor no balcão, afinou o violão, começou a tocar, parecia uma escola de samba, meu pai ficou olhando: “O senhor é um artista!”. Era o Codó [violonista, cantor e compositor baiano]. Tocou uma música chamada Boladinho [de Codó], me deu um disco, eu tenho até hoje. Quando papai perguntou quanto era o violão, levou um susto: “é só um, eu não vou montar uma orquestra” [risos]. Mas fez o cheque, levou, foi meu primeiro violão. E ainda comprou um baita dum estojo, muito caro também. “Não adianta ter um violão desses e ficar jogado” e já queria me matricular no outro dia, aí eu falei: “calma!”. Eu não queria entrar em escola, queria voltar para meu professor no Recife, eu não queria ser músico profissional, nunca tive essa ideia.

Por que você não queria ser músico profissional? Nunca tive essa pretensão. Eu vim para cá, eu tocava com Anna Cláudia [cantora], com Léo [Capiba, cantor e percussionista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 4 de maio de 2014], e Anna Cláudia precisou fazer um disco, pediu para que eu fizesse um projeto. Eu comecei a ser profissional numa circunstância interessante: num show de Joãozinho [Ribeiro], comemorativo de 40 anos dele. O diretor musical dele tinha ido embora e Arlindo Carvalho [percussionista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 18 de agosto de 2013] tinha me visto tocar em algum lugar e disse a ele que eu quebrava o galho dele. Eu passei 48 horas acordado para fazer três dias de show no Teatro Alcione Nazaré. Outro dia eu postei uma foto, estávamos eu, Zé Américo [maestro, arranjador, multi-instrumentista], Rui Mário [sanfoneiro, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 7 de julho de 2013] começando, um dos primeiros shows dele. Eu nunca tinha aceitado cachê na minha vida, mas dessa vez a grana era tão boa, e você se diverte. Hoje eu vivo em torno da música, eu não vivo só de tocar: trabalho com projeto, um estúdio de gravação.

Teu pai nunca ofereceu resistência a você seguir a carreira de músico? Não. Ele era muito do “não quero saber o que você vai fazer. Agora, faça bem”. Eu fui campeão brasileiro de pouso de precisão. Ele tinha uma certa restrição com a coisa da aviação. Ele achava que eu era muito afoito. Quando eu estava na força aérea, sempre tinha uma turma que ia para a esquadrilha da fumaça. Ele tinha pavor de que isso pudesse acontecer, ele sabia que se eu fosse eu ia morrer. Nas décadas de 1950 e 60 morreu muita gente da esquadrilha, hoje bem menos, a técnica é outra, os equipamentos são mais modernos. Mas eu gostava mesmo é de loucura, passar embaixo de ponte, quinze minutos invertido, o motor falha, você voltava, essa era a farra.

O músico que mais te influencia do ponto de vista do estilo é Paulinho Nogueira? Não, eu tenho uma admiração pela limpeza do violão do Paulinho Nogueira. Lógico que ele também tem uma técnica, é uma pessoa que nunca entrou numa escola, aprendeu com um irmão, quem escrevia suas partituras era um rapaz aqui do Ceará, o André Jereissati [violonista]. O que mais me influencia é Baden Powell. Eu cheguei a assistir o mesmo show de Baden Powell 11 vezes. Ainda roubei a carteira de cigarros dele [risos], levei para Cururupu, minha mulher jogou fora – depois de quase 20 anos –, foi uma confusão danada. Eu era apaixonado. Baden fazia de tudo, tem uma coisa que me lembra muito o Yamandu [Costa, violonista sete cordas gaúcho]: ele saía desse plano, saía de órbita quando tocava. Ele tinha a habilidade de violonista, a sensibilidade de compositor, normalmente o grande músico não é um bom compositor. Ele conseguiu fazer coisas simples e belíssimas. Baden tinha um ritmo, era um sujeito miudinho, franzino, fumava desbragadamente, no palco, fumava e bebia. Eram sempre dois bancos, num ficavam a carteira de cigarros e o copo de uísque.

Que grupos musicais você já integrou? Nós tivemos tribos. Por incrível que pareça, minha primeira tribo era exatamente a do choro. Era Paulo Trabulsi, era Solano [Francisco Solano, violonista sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 26 de maio de 2013], Zeca [do Cavaco, cantor e cavaquinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 21 de julho de 2013], Serrinha [Serra de Almeida, flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 3 de março de 2013], era o [Regional] Tira-Teima, basicamente. Na época tinha o Teles, já falecido, tocávamos no fundo do quintal da casa de Paulo. Foi onde eu conheci Carlinhos Veloz [cantor e compositor], Léo Capiba também fazia parte, Anna Cláudia, que na época era casada com Paulo. Como grupo de formação profissional, o primeiro grupo foi o Ensaio Três. Foi uma história muito engraçada: trabalhávamos eu, Léo e o Mariano Aguado, que era assessor chefe da presidência do Instituto de Planejamento. Nós éramos muito ligados, Mariano gostava de tocar timba, Léo de tocar pandeiro e cantar, e eu, violão. Uma sexta-feira, deu duas da tarde, o presidente nos dispensou, era véspera de um feriado, alguma coisa. A gente acostumado a trabalhar até seis, passei em casa, peguei o violão, passamos na casa de Léo, pegou o pandeiro, compramos uma timba para Mariano, no caminho, ainda não tinha essa estrutura da [avenida] Litorânea hoje, compramos uma garrafa de uísque, gelo, isopor. Chegamos lá, Léo começou a desfiar o repertório dele. Lá pela trigésima música, eu pensei: “já dá um show”. E disse: “se tu aguentar, a gente podia fazer uma história”. E ele disse: “eu tenho música é pra fazer 10 shows”. Resultado: saímos da praia quase 11 da noite, já com quase 100 músicas tonalizadas. Voltamos sábado de manhã, outro litro de uísque. No outro sábado, de novo. Foram três ensaios. Depois do terceiro já arrumamos um contrato, fomos tocar no Pelicano, já tínhamos umas 300 músicas. Durou um tempo, depois do Ensaio Três, agregamos Paulo Lima, grande baixista, violonista, grande músico, depois o filho dele, Athos, guitarrista, grande músico também. Durante um bom tempo o Pelicano era o ponto de encontro, todo mundo que vinha de fazer show, o ponto de encontro era lá. Já montei muitos quartetos, quintetos, veio o Bom Tom. O Bom Tom é o seguinte: nós montamos o Estúdio Bom Tom, e um dia o Marcelo Bianchini, eu nem sabia que ele cantava, ele deu uma canja no Dom Calamar, eu fiquei encantado com a voz dele, e disse que ia montar um grupo só para acompanhá-lo, acabamos montando o Bom Tom, era um quarteto, depois virou quinteto, já chegou até a hepteto. A ideia era um grupo para acompanhar intérpretes, eventualmente tocamos música instrumental, não somos solistas natos.

E tua participação no Regional Caixa de Música [grupo que acompanhou Joãozinho Ribeiro no Circuito Samba da Minha Terra, entre 2002 e 2003], quando você ganhou o prêmio Universidade FM de melhor violonista? Eu reconheço que aquele prêmio foi mais pelo conjunto da obra, o grande mérito é de Joãozinho Ribeiro, um projeto complicado, de meio de rua, feito com sacrifício, mas aquilo foi fantástico. Para mim, pessoalmente, me deu conhecimento de pessoas da cidade, mais uma vez comprovei que qualquer lugar que você chegue com boa música, do Olho d’Água ao Anjo da Guarda, a boa música será apreciada. Uma história que eu sempre me emociono quando lembro: eu estava tocando num lugar, chegou um senhor, pediu uma garrafa de vinho. Sentou na nossa frente, ele estava pra baixo, arriado. A gente tocando, eu bem de frente pra ele. Eu comecei a prestar atenção que a cada música que a gente tocava ele levantava um pouquinho. Secou a primeira garrafa de vinho, pediu outra, não tomava depressa. Perto de a gente acabar, ele não bebia mais, a feição era outra. Acabamos de tocar, comecei a arrumar meu violão, ele: “posso falar com o senhor? Me acompanha numa taça de vinho?”, chamou o garçom, pediu um prato de frios e outra taça. Ele passou uns 30 segundos olhando para minha cara, o garçom veio, me serviu, e ele disse: “em primeiro lugar eu quero agradecer. Não só o senhor, todo o grupo, mas eu estava prestando muita atenção no senhor. Eu cheguei aqui com um firme propósito, era minha última garrafa de vinho”. Eu disse: “que bom, parar de beber”. Ele frisou: “não, minha última garrafa de vinho. Mas não será mais minha última garrafa de vinho, tanto que eu já pedi outra”. Ele sério, eu gelei: tinha ido ali beber, sair dali e jogar o carro contra um poste, me disse que tinha tido uma decepção muito grande, não entrou em detalhes. Depois ele me disse: “olha, se existe alguma coisa nobre, é o que vocês fazem. Foi Deus que me trouxe aqui. Se eu tivesse ido pra outro lugar… mas vocês tocaram meu coração”.

E discos gravados, participação em discos? Não tenho muitos, não sou um músico de estúdio. Gosto mais de palco. A última agora foi com Vieira [O Natal Azul de Antonio Vieira, com vários intérpretes, lançado em dezembro de 2014], o Memória [Música do Maranhão, de 1997] eu pensei, coordenei o projeto, mas não toquei. Registramos vários compositores da velha guarda. Há ali uns registros muito interessantes. O Canta Cidade, um dia Dr. Jackson [Lago, ex-prefeito de São Luís, ex-governador do Maranhão] chegou muito irritado na Prefeitura, ele tinha ido a um evento, pediu para tocar o Hino da Cidade [Louvação a São Luís, de Bandeira Tribuzzi] e ninguém sabia, aí ele mandou fazer um disco.

Você também teve um papel importante na realização do Festival Internacional de Música de São Luís, infelizmente até aqui, de única edição. Para mim foi a coisa mais importante, musicalmente, que eu já fiz na vida.

Para você, o que é o choro e qual a importância dessa música para a música brasileira? Não concordo que seja a única música brasileira, mas a importância é inegável. Se você olhar hoje, no Brasil, os melhores músicos que nós temos passam pelo choro. Ou pelo menos pelo erudito. E mesmo no erudito, não tem jeito, passa ao menos por Ernesto Nazareth [pianista e compositor]. O choro tem um pé no erudito, um pé no popular, e hoje, com essa turma nova, já pisa em outros terrenos.

Você se considera um chorão? Não, eu não tenho essa pretensão. Se eu dissesse que sim seria muito pretensioso. Não posso de jeito nenhum dizer que sou um chorão. Na realidade, não posso dizer que eu sou um chorão, que eu sou um jazzista. Na verdade, se prestar bastante atenção no que eu faço, talvez seja possível dizer que eu sou um sambista. É, a coisa que eu mais gosto de tocar é samba. Na verdade, como dizia Maestro Nonato: “esse pessoal fica pedindo pra tocar choro. É samba!” [risos].

Para finalizar, gostaria que você falasse um pouco de sua relação com seu Antonio Vieira. Por duas vezes eu fiz essa observação: Vieira foi meu segundo pai. Ele foi um cara que me mostrou muita coisa do mundo. Era um sujeito aparentemente simples, mas era de uma sapiência. Nós viajamos muito, convivemos muito, 24 horas, ficávamos no mesmo apartamento, andávamos, ensaiávamos, tocávamos, três, quatro dias, eu não me cansava nunca dele [emocionado]. Fizemos muitos shows juntos, viajamos o Brasil inteiro. Hoje eu conheço muita gente fora por causa de Vieira, por ter ido acompanhando, ele me deu essa visibilidade, me botou em outro patamar. Eu tenho aproximadamente 50 MDs [minidiscs] de Vieira, isso vai dar mais de 80 horas de Vieira cantando, falando, conversando. Às vezes a gente sentava, ele falava: “tu já vai ligar tua besteira?”. Era uma figura!

Choro em dose dupla – ou quádrupla

[remix dum release já distribuído]

RicoChoro ComVida terá duas edições extras, na mesma noite, dentro da programação da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia no Maranhão. Apresentações de Chorando Callado, Regional Tira-Teima, Anna Cláudia e Luciana Simões são gratuitas e acontecem na Praça Maria Aragão

Apreciadores de boa música nunca estão satisfeitos com o dito popular “tudo o que é bom dura pouco”. Frequentadores assíduos de RicoChoro ComVida sempre reclamam: ou a festa mensal é curta; ou deveria ser semanal. Por outro lado, reconhecem a importância do projeto, nos moldes do saudoso Clube do Choro Recebe, então semanal, no Bar e Restaurante Chico Canhoto, com breves passagens pela Pousada Portas da Amazônia/ La Pizzeria, na Praia Grande, e Associação do Pessoal da Caixa (APCEF), no Calhau.

A este coro de mais ou menos descontentes, um motivo de alegria está agendado para a semana que se inicia: amanhã (20), às 20h, de graça, na Praça Maria Aragão, nada menos que dois shows – ou melhor, quatro – poderão ser presenciados, sob produção de Ricarte Almeida Santos, na programação da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia no Maranhão – que acontece entre os dias 19 a 25 de outubro –, evento promovido pela Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação, pasta cujo titular é Bira do Pindaré (PSB).

A noite desta terça (20) terá nada menos que o retorno do Chorando Callado – um dos grupos surgidos por ocasião do Clube do Choro Recebe, celebrando 10 anos de estrada – e o Regional Tira-Teima, mais antigo grupamento de choro em atividade no Maranhão, prestes a lançar seu disco de estreia. Os grupos receberão, respectivamente, as cantoras Anna Cláudia – com disco novo pronto, a ser lançado em breve – e Luciana Simões (do duo Criolina), com repertório baseado em Dalva de Oliveira (1917-1972), Carmen Miranda (1909-1955) e Noel Rosa (1910-1937).

O Regional Chorando Callado – cujo nome homenageia Joaquim Antonio Silva Callado, considerado um dos pais do choro – é formado por Wendell Cosme (bandolim e cavaquinho), Wanderson Silva (percussão), João Eudes (violão sete cordas) e Lee Fan (flauta e saxofone). O Tira-Teima – batizado por um choro de Ubiratan Sousa, um de seus fundadores, ainda na década de 1970 – é atualmente integrado por Paulo Trabulsi (cavaquinho solo), Zeca do Cavaco (voz e cavaquinho centro), Luiz Jr. (violão sete cordas), Zé Carlos (voz e percussão), Serra de Almeida (flauta) e Henrique (percussão).

Wendell Cosme revela a alegria em participar do projeto: “Estamos felizes em participar do RicoChoro ComVida. A gente já estava conversando há algum tempo e, na verdade, nós estamos comemorando os 10 anos de Chorando Callado. Parece que o Ricarte adivinhou. Estamos com o projeto de um show e da gravação de um disco para festejar essa data. Será um grande prazer começar essa comemoração acompanhado a Anna Cláudia”, revelou.

Wanderson também revela empolgação em participar do projeto e admiração por Anna Cláudia: “Nós estamos todos felizes com o convite, [Anna Cláudia] é uma cantora que tem um perfil que se encaixa com o Chorando Callado, bem alegre, extrovertida e profissional, assim como nossa maneira de fazer música”, declarou.

O violonista João Eudes reforça a importância das amizades para a consolidação do grupo: “É uma sensação prazerosa, esta reunião é uma relação de amizades concretas e sinceras que só o tempo constrói. Acompanhar Anna Cláudia é uma emoção: além de uma grande amiga, sua voz e afinação são impecáveis”, elogiou.

A cantora Anna Cláudia durante canja em edição do projeto RicoChoro ComVida. Foto: Rivanio Almeida Santos
A cantora Anna Cláudia durante canja em edição do projeto RicoChoro ComVida. Foto: Rivanio Almeida Santos

 

A paraense, há muito radicada no Maranhão, por seu lado, devolve o entusiasmo e antecipa um pouco do que será sua apresentação: “Participar desse projeto é uma honra. O repertório é todo formado por músicas de compositores maranhenses”, contou, antecipando nomes como Djalma Chaves, Gerude, Nosly, Ronald Pinheiro e Zeca Baleiro entre os autores que gravou em Bons ventos, segundo disco de sua carreira, cujo lançamento oficial arquiteta para breve.

O violonista Luiz Jr. já vinha há algum tempo substituindo Francisco Solano [violão sete cordas] em apresentações do Regional Tira-Teima no Hotel Brisamar [em cujo terraço o grupo toca às sextas-feiras] e em outros projetos do grupo. “Pra mim é uma honra, um prazer, integrar um grupo que conheço desde a época em que eu frequentava a roda de choro no Monte Castelo, Bateau Mouche [apelido do bar que abrigava o encontro]. Eu era criança, estava começando, mal tocava violão, na verdade eu não tocava nada, e já acompanhava esse grupo desde aquela época, com a presença de Zé Hemetério e grandes chorões de São Luís e do estado do Maranhão”, lembrou.

“Isso [sua presença efetiva no grupo] vai reforçar mais minha afirmação em relação ao [violão] sete cordas, meu estudo do sete cordas, diariamente ensaiando com Paulo [Trabulsi, cavaquinista do grupo]. Esse grupo é referência em relação ao choro, não só no estado, mas no Brasil, pelo trabalho de pesquisa em relação aos autores maranhenses, está com novos projetos, disco que está vindo, preparando uma turnê para tocar em outros estados, esse grupo vai chamar muita atenção país afora e espero que cresça muito mais”, adiantou.

Sobre a participação na edição extra de RicoChoro ComVida, garantiu: “esse show vai ser interessante, com a Luciana Simões, grande intérprete da música brasileira, já reconhecida em São Paulo e outros eixos. Pra gente vai ser muito interessante, contemplando o ambiente muito agradável da Praça Maria Aragão, aquela beleza de visual da ponte, da lua, de Gonçalves Dias, que é outra fonte de inspiração. Quem for vai gostar muito. A alegria e a felicidade são maiores ainda em saber que o projeto RicoChoro ComVida, tão necessário, está se expandindo”.

A cantora Luciana Simões. Foto: Renan Perobelli
A cantora Luciana Simões. Foto: Renan Perobelli

 

Luciana Simões, que também cantará nomes como Lupicínio Rodrigues (1914-1974), Humberto Teixeira (1915-1979), Lopes Bogéa (1926-2004) e Cesária Évora (1941-2011), ressalta a importância do projeto e a honra em participar desta edição: “fiquei muito feliz com o convite. Sinto-me honrada em fazer parte deste projeto único, de extrema importância para a cidade, tanto para o público apreciar essa música preciosa que é o chorinho, quanto para o músico tocar esse repertório e incentivar outros projetos que já existem, como é o caso do próprio Tira-Teima”, afirmou.

E reafirmou: “para mim é uma honra ser acompanhada por estes músicos, por quem tenho o máximo respeito. Ao ser convidada fui logo reouvir umas músicas de que gosto muito, nas grandes vozes da era de ouro do rádio”. Luciana anunciou ainda a participação especial do marido, Alê Muniz, durante sua apresentação: “ele canta uma ou duas comigo”, antecipou.

Para o produtor Ricarte Almeida Santos “a importância da presença do projeto RicoChoro ComVida, com essas atrações e encontros de artistas de linguagens diversas, na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, se dá pela compreensão de que a prática da arte, da música, é uma importante dimensão da produção de saberes e técnicas distintas e, portanto,  de trocas de informações, de influências e de culturas. Portanto espaço da produção de novos conhecimentos e de reinvenção das identidades”, declarou.

Serviço

O quê: edição especial de RicoChoro ComVida
Quem: Regionais Chorando Callado e Tira-Teima, Anna Cláudia e Luciana Simões
Quando: dia 20 de outubro (terça-feira), às 20h, na programação cultural da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia no Maranhão
Onde: Praça Maria Aragão (Centro)
Quanto: grátis

Carmen Mirandivando

Já descalça, Alexandra Nicolas presta reverência aos grandes que lhes escoltam. Foto: Rivanio Almeida Santos
Já descalça, Alexandra Nicolas reverencia aos grandes que lhe escoltam. Foto: Rivanio Almeida Santos

 

O sucesso das duas edições anteriores de RicoChoro ComVida já haviam consolidado em definitivo o espetáculo mensal no calendário cultural da capital maranhense. Sábado passado (3), o grupo Urubu Malandro, com os reforços de Rui Mário (sanfona) e Fleming (bateria), e, antes, o DJ Joaquim Zion, já haviam aquecido o público, quando a cantora Alexandra Nicolas subiu ao palco, em tons de rosa e azul dos pés à cabeça, para homenagear Carmen Miranda, que confessou ser sua maior influência musical.

As várias preocupações da artista – figurino, pesquisa e seleção de repertório etc. – fizeram merecer, à sua apresentação – e ao projeto como um todo –, o epíteto de espetáculo, literalmente. O público, sempre acostumado a vê-la cantar descalça, deve ter estranhado o salto alto decorado que calçava para ser estrela ao lado de astros nada distraídos, para contrariar uma canção que não cantou.

Subiu ao palco dançando, provocante, Diz que tem [Vicente Paiva e Aníbal Cruz], dando pistas do que seria a noite dali por diante. Seguiram-se Disseram que eu voltei americanizada [Luiz Peixoto e Vicente Paiva] e O samba e o tango [Amado Regis], quando ela confessou: “meu repertório é à base de alegria e amor, por isso eu estou aqui, são a base de tudo o que faço”. Então tá explicado!

Vieram Tico-tico no fubá [Zequinha de Abreu], Teleco-teco [Marino Pinto e Murillo Caldas], Bambo de bambu [Almirante e Valdo Abreu], em que botou a plateia para cantar e bater palmas, e E o mundo não se acabou [Assis Valente]. Até que ela tirou os sapatos, botou-os em cima do tamborete, e confessou: “é uma honra calçar esse sapato, mas eu já cantei muito calçada”, riu e fez a plateia sorrir. “Esse sapato é quase uma pessoa, então vai ficar aqui à disposição de quem quiser tirar foto”, continuou. Já estavam todos entregues aos encantos de Alexandra e de sua homenageada.

Quando cantou Quem é [Custódio Mesquita e Joracy Camargo] lamentou a ausência de um par para duetar – na gravação original da música, Carmen Miranda dialoga com Grande Otelo –, prometendo-o para uma próxima ocasião. Arlindo Carvalho (percussão), Osmar do Trombone, Juca do Cavaco e Domingos Santos (violão sete cordas) vez por outra interagiam fazendo-lhe um divertido coro.

Após Camisa listada [Assis Valente], Alexandra louvou a existência de outras Carmens na música brasileira, destacando os nomes das Ritas Lee e Benneditto, Ná Ozzetti e Ney Matogrosso, todos de sua admiração.

A Meu rádio e meu mulato [Herivelto Martins], seguiu-se Na cabecinha da Dora [Antonio Vieira], externa ao repertório da “pequena notável”. “Carmen Miranda me contou em sonho que só não gravou essa música por que não conheceu Seu Vieira. Eu acredito nisso. Eu não podia deixar também de prestar essa homenagem, pois ele [o compositor] está aqui”, disse, apontando para o afoxé – usado por Fleming durante o show – pousado num banco, o que seria do artista – um dos fundadores do Urubu Malandro –, não fosse seu falecimento em abril de 2009.

Com o choro que dá nome ao grupo [Urubu malandro, de Pixinguinha, João de Barro e Louro], aliás, Alexandra Nicolas encerrou, apoteoticamente, sua primeira incursão no palco do Barulhinho Bom, que abriga o projeto RicoChoro ComVida. Aos aplausos e gritos de “mais um” em uníssono, respondeu com mais uma dose de O samba e o tango, fazendo jus à letra: “eu canto e danço sempre que possa”.

A festa continuou, com canjas de Anna Cláudia – que anunciou lançamento de disco novo para breve –, Tássia Campos – que dividirá com Cesar Teixeira e Marcos Magah o palco do Baile da Tarja Preta, de aniversário de seis anos do jornal Vias de Fato, dia 14 de novembro, no Porto da Gabi – e Joãozinho Ribeiro – que lembrou o centenário de Orlando Silva e se apresenta dia 10 de outubro (sábado), na programação de aniversário do Laborarte (em sua sede, na Rua Jansen Müller, 42, Centro). Joaquim Zion garantiu a necessária prorrogação, quando os insistentes, qual este cronista e(m) boas companhias, já em pé, dividiam-se entre o som, os últimos goles e doses, o papo e arriscar um ou outro passo.

Carmen Miranda será homenageada no RicoChoro ComVida

[release]

Repertório chorístico imortalizado pela cantora será lembrado por Alexandra Nicolas, acompanhada do grupo Urubu Malandro. O DJ Joaquim Zion também é convidado da terceira edição do projeto

Foto: divulgação
Foto: divulgação

 

“Carmen Miranda é minha maior inspiração como cantora. Eu escuto Carmen Miranda desde menina, mamãe era muito apaixonada por ela, e sempre me dizia que ela era alegria pura, que cantava com os olhos, além das mãos, além da voz. Quando eu pensei nessa alegria de retomar um trabalho com Ricarte, eu pensei nela, em associá-la a essa vida, desse RicoChoro ComVida”.

A cantora Alexandra Nicolas [leia entrevista] emociona-se ao referir-se a Carmen Miranda, a quem homenageia no palco do projeto RicoChoro ComVida, e ao convite para participar de sua próxima edição, que acontecerá dia 3 de outubro (sábado), às 18h, no Barulhinho Bom (Rua da Palma, 217, Praia Grande).

Alexandra Nicolas será acompanhada pelo grupo Urubu Malandro, formado pelos músicos Arlindo Carvalho (percussão), Juca do Cavaco, Osmar do Trombone e Domingos Santos (violão sete cordas). À formação do grupo somam-se, em participações especiais, Fleming (bateria) e Rui Mário (sanfona).

O Urubu Malandro se notabilizou à época do projeto Clube do Choro Recebe, também produzido por Ricarte Almeida Santos, entre 2007 e 2010. Até seu falecimento, o grupo foi integrado por Antonio Vieira (voz e percussão, 1920-2009), também fundador, na década de 1970, do Regional Tira-Teima, mais antigo grupamento de choro em atividade no Maranhão.

“A minha relação com os integrantes do Urubu Malandro vem através de Arlindo Carvalho, que é um percussionista que eu costumo dizer que é meu mestre. É alguém que escuta as batidas de meu coração desde a escolha de meu repertório, até a hora em que eu canto a última frase em um show meu. É o músico que mais me acompanhou em shows até hoje”, revela Alexandra Nicolas. O percussionista é o único maranhense em seu disco de estreia, Festejos [2013], gravado com grandes nomes do choro brasileiro, a exemplo de Luciana Rabello (cavaquinho), Maurício Carrilho (violão) e João Lyra (violão e viola), entre outros.

Sem perder a alegria típica da homenageada, numa das características fundamentais que mantêm vivo seu legado até os dias atuais, Alexandra Nicolas centrará o repertório de seu tributo em músicas mais voltadas ao choro, principal gênero – mas não o único – do cardápio musical oferecido por RicoChoro ComVida. “Urubu malandro [Pixinguinha, João de Barro e Louro] eu não poderia deixar de fora. Ah, tem tanta coisa. Tem uma música chamada Diz que tem [Vicente Paiva e Aníbal Cruz], que é fantástica! É isso aí, a mulher brasileira, quando ela se propõe, ela tem tudo isso, “tem cheiro de mato, tem gosto de coco, tem samba nas veias, e ela tem balangandãs” [recitando trecho da letra]”, adianta.

“Eu me identifico muito com tudo o que ela fez. Tem Camisa listada [Assis Valente], Disseram que eu voltei americanizada [Vicente Paiva e Luiz Peixoto] não pode faltar. Na verdade eu estou montando uma história sobre as épocas de Carmen como cantora. Ela não é uma cantora só que canta, ela conta uma história muito boa, e por isso me identifico tanto com ela. Ela conta tanto, que ela modificou a maneira de cantar. Quando você olha para os olhos dela, ela está te contando alguma coisa e você tem que prestar atenção”, continua.

Foto: Claudia Marreiros
Foto: Claudia Marreiros

 

Quem também recebeu com alegria o convite da produção foi o DJ Joaquim Zion [leia entrevista]. Ele junta-se ao coro de Alexandra em elogios ao produtor e idealizador do projeto. “Pra mim é uma honra. Tenho imensa admiração pelo Ricarte e o projeto RicoChoro ComVida é de fundamental importância para o desenvolvimento da boa musica em nosso país”, declarou.

Clementina de Jesus, João Nogueira, Dona Ivone Lara, Gilberto Gil, Dominguinhos, Di Melo, Paulo Moura, Jorge Ben, Caetano Veloso, Djavan, Pixinguinha e Donga, além de surpresas que ele só revelará na hora, estão no set list preparado por Joaquim Zion para abrir e encerrar a festa.

O DJ também destacou a importância da homenageada da noite. “Carmen Miranda foi a primeira cantora brasileira a ter reconhecimento nos Estados Unidos, o que de alguma maneira abriu portas para a nossa música lá fora. O pioneirismo dela fez com que o mundo abrisse os olhos para o Brasil e para a nossa música”, afirmou.

Produção de RicoMar Produções Artísticas, RicoChoro ComVida tem patrocínio da Fundação Municipal de Cultura (Func), Gabinete do Deputado Bira do Pindaré, TVN e Galeteria Ilha Super, e apoio do Restaurante Barulhinho Bom, Calado e Corrêa Advogados Associados, Sonora Studio, Clube do Choro do Maranhão, Gráfica Dunas, Sociedade Artística e Cultural Beto Bittencourt e Musika S.A. Produções Artísticas.

Serviço

O quê: RicoChoro ComVida – 3ª. edição
Quem: DJ Joaquim Zion, grupo Urubu Malandro e Alexandra Nicolas
Onde: Restaurante Barulhinho Bom (Rua da Palma, 217, Praia Grande)
Quando: 3 de outubro (sábado), às 18h
Quanto: R$ 30,00. Vendas antecipadas de mesas (R$ 120,00 para quatro pessoas) pelo telefone (98) 988265617

Chorografia do Maranhão: José Luís Santos

[O Imparcial, 8 de fevereiro de 2015]

Clarinetista, saxofonista, professor de música e língua portuguesa e escritor, José Luís Santos é o 47º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVANIO ALMEIDA SANTOS

José Luís Carvalho dos Santos nasceu em Teresina, capital do vizinho Piauí, em 16 de abril de 1948. É saxofonista, clarinetista, professor de música e de língua portuguesa e escritor, autor de, entre outros, Cotidiano II [vencedor do Prêmio Literário Gonçalves Dias, da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão, em 2008], volume de contos e crônicas, e do romance Oceano. Está prestes a lançar Português: tirando dúvidas de quem tem, espécie de gramática prática.

Zé Luís é filho de Luís José dos Santos, “regente da banda de música da Polícia Militar do Piauí e professor de língua portuguesa da rede estadual”, que “chegou a ser diretor de uns dois ou três colégios por lá, é nome de rua, nome de praça”, e Adélia Carvalho Santos, que “cuidava dos afazeres domésticos, papai não admitia que mulher dele trabalhasse para ninguém, aquela mentalidade da época”.

Lembrando seu pai, falecido em 2010, aos 85 anos, ele comenta: “quando ele se reformou da Polícia Militar foi direto para a Escola Técnica fazer uma banda de música que até hoje existe por lá, ficou lá como regente, professor de língua portuguesa”.

O 47º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão é o mais velho de 13 irmãos, numa família em que todos desenvolveram aptidões musicais. Sua irmã, Beth Moreno, é considerada “a Marrom do Piauí”, em alusão à cantora maranhense Alcione, a “Marrom”. O mesmo gosto foi herdado pelos seis filhos de Zé Luís, entre os quais a cantora Virna Lisi, o pianista Carlinhos Carvalho e o violonista Luiz Jr. [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 4 de agosto de 2013].

José Luís venceu os seguintes festivais: Festival de Música Popular do Estado do Piauí, promovido pela TV Clube, em 1975, com a música Reconstrução; V Encontro Nacional do Compositor de Samba, Riotur, 1975, com Melhor pra quem sorrir no final; Festival do Sesi/MA, 2011, com Samba e chorinho na Madre Deus; Festival de Música dos Correios, 2011, obtendo o primeiro lugar nas eliminatórias de São Luís, Belém e Belo Horizonte com a música No peito e na raça.

Durante a entrevista, realizada no Bar do Léo em uma tarde de sábado, Zé Luís estava acompanhado de Maria das Dores Lima de Sousa, mais conhecida como Dora, funcionária dos Correios, com quem vive há 15 anos. O técnico agrícola, professor e médico Jonas Eloy da Luz, organizador de festas de forró pé de serra, acompanhou parte da entrevista, marcada por encontros: também apareceu por lá o mergulhador Daniel, neto do lendário Bigode, saudoso proprietário do bar a que emprestou o apelido, que ainda resiste, sob administração de João José, na Praça das Flores, no Renascença.

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

Quando você veio para o Maranhão? Cheguei aqui em 17 de dezembro de 1981, definitivamente para morar.

Você já tinha vindo antes? Tinha parentes? O que o trouxe em definitivo? Já, passava três, quatro, cinco dias de férias na minha juventude, mas estava bem afastado. Tinha alguns parentes. Eu era professor da então Escola Técnica Federal do Piauí e me transferiram para cá. Em uma viagem que eu fiz, um final de semana, gostei muito da cidade, “acho que venho morar aqui”, conversei com o diretor da Escola, passei um dia a mais, um dia útil, e ele disse: “se você quiser vir, já pode se considerar transferido”. E eu vim no intuito de ficar por uns três anos e estou até hoje [risos].

Na Escola você era professor de música? Não. Na Escola eu era professor de língua portuguesa. A música eu sempre pratiquei fora da Escola Técnica Federal. Lá em Teresina eu dava aula tanto na Escola Técnica Federal quanto nos colégios do Estado, mas sempre como professor de língua portuguesa.

Como era o ambiente musical de sua infância, em sua casa? Foi um ambiente muito musical. Meu pai além de tudo ainda tinha uma escola particular, ele mantinha em casa. Muitas pessoas estudavam lá, tanto música, quanto preparatório para exames de admissão, ele tinha uma escola registrada na Secretaria de Educação, a Escola Dom Pedro I, inclusive foi lá que eu dei minhas primeiras aulas.

Na Escola Técnica Federal do Maranhão você chegou a se aposentar como professor? Não, na Escola Técnica Federal, não. Ela mudou de nome, como todas, virou Cefet, Centro Federal de Educação Tecnológica, e depois Ifma, Instituto Federal de Educação Tecnológica. Eu me aposentei no último ano de Cefet, praticamente, em julho de 1998.

Em algum momento de sua vida você chegou a viver de música? Ou a música sempre foi um hobby, uma coisa paralela à questão da língua portuguesa? Sempre foi um hobby. Nunca vivi de música, assim, tocando na noite. Toquei na noite, criei um conjuntozinho com meus filhos, mas nós não vivemos daquilo, eu tinha meu salário, tanto federal como estadual, e depois quando eu vim para cá, São Luís me adotou, e eu era professor de quase todos os grandes cursinhos daqui, por exemplo o José Maria do Amaral, Meng, Anglo, colégios particulares como o Dom Bosco, uns se acabaram, o Dom Bosco ainda está aí. Eu era professor, ainda sou da rede estadual, através de concurso público. Não deu para viver de música, mas com minha escola eu devo reconhecer que ganhei um dinheirinho até bom, como professor de música da minha escola particular.

Você continua na ativa como professor de língua portuguesa? Sou professor de língua portuguesa da rede pública estadual. Ensino no bairro do Anjo da Guarda, no Vicente Maia.

Quem foram teus principais mestres? Quem te influenciou a ir para a música? De tanto passar, vendo meu pai dando aula de música, eu fui aprendendo naturalmente a ler, escrever e tal. Comecei a tocar clarinete bem cedo, e depois meu pai me tirou o clarinete, que não era mais para eu tocar, pois eu não estava indo bem no colégio.

Era o instrumento dele? Ele tocava que instrumento? Não. Ele era trompetista. Tocava trombone também muito bem, bombardino, mas o forte dele era o trompete.

Você aprendeu o clarinete autodidaticamente? Autodidaticamente, mas sempre acompanhado de uma partitura. eu aprendi a ler antes da prática do instrumento.

Pelo que você conta, seu pai tinha resistência em você seguir a carreira musical, mesmo ele sendo músico? Tinha uma certa resistência. Tanto que eu fui da Polícia Militar do Piauí, mas eu entrei lá através da Escola de Oficiais. Passei três anos e desisti, pois vi que não era minha vocação. Aí fui para o magistério.

Nessa tua passagem pela polícia, tinha alguma questão com música? Não, nenhuma questão. Era Academia Militar do Ceará. Eu era do Piauí, mas era custeado para estudar na Academia do Ceará, eu sairia de lá aspirante, mas nem cheguei a terminar o curso, desisti.

Você aprendeu clarinete autodidaticamente, seu grande mestre, ainda que involuntariamente foi seu pai. Quem era tua referência no clarinete? A figura que você via e achava que era uma influência positiva para você? Eu comecei cedo, mas meu pai me interrompeu os passos. Eu tinha uma admiração por um clarinetista chamado Abel Ferreira. Foi a pessoa que me fez voltar ao clarinete. No dia da morte dele, eu estava ouvindo rádio quando se deu a notícia de que ele havia falecido, o grande músico, compositor e maestro Abel Ferreira. A partir daquele momento eu disse para mim mesmo: vou me tornar um clarinetista. Ele foi minha referência. Eu fiquei tão comovido que prometi a mim mesmo me tornar um clarinetista. Peguei um clarinete da Escola Técnica Federal do Piauí e fui treinar diariamente. Terminava o expediente e eu ia treinar.

Que outros nomes foram referência para você? Para todos os clarinetistas: Paulo Moura e Severino Araújo.

Se ouviam muitos discos em sua casa? Papai era um romântico, ouvia muitos discos, não faltavam Waldick Soriano, as grandes orquestras, Ângela Maria fez parte de nosso acervo, Nubia Lafayette, Maysa, Dolores Duran, Cauby Peixoto, esse era o pessoal que circulava lá por casa, através de seus discos, suas gravações, suas músicas.

E rádio? Também se ouvia muito? Muito rádio! Aliás, na nossa rua a primeira casa a ter uma radiola [risos] foi a nossa, aquela do bracinho, com aquela agulha, a gente substituía quando gastava, foi a primeira casa a ter, antes da geladeira, por sinal [risos].

Quer dizer, a música era mais importante. Pois é. Meu pai como regente, ele acabou criando muitas bandas de colégios da rede pública estadual. Era um professor de música, muita gente que passou por ele e agradece isso, gente das forças armadas, aeronáutica, polícia, gente daqui mesmo, uma turma do Piauí que veio para cá. O pessoal de lá do Piauí costuma dividir a música em antes e depois de Luís Santos.

Ele é um personagem importante na história da música piauiense. Sim, na história da música piauiense. É nome de rua, nome de praça. Ainda está recebendo várias homenagens por lá. Faleceu em 2010, aos 85 anos. Compositor, muitas músicas gravadas.

Então você não teve escolha: herdou geneticamente tanto a coisa da música como da língua portuguesa. É. Foi uma condenação [risos]. Eu nasci condenado a ser músico. Pena que eu não consegui ser um músico formado. Já tentei três vezes. Sou da primeira turma de música da Universidade Federal do Piauí, da primeira turma da Universidade Federal do Maranhão, nunca terminei o curso, estou lá, passei naquele vestibular, embora sendo formado, fiz vestibular. Nem tranquei. Por que em seguida veio minha nomeação como professor do Estado, e chocavam os horários.

Você gosta de dar aulas? É o que eu fiz a vida inteira, vou fazer a vida inteira, sinto falta quando paro. Eu costumo dizer para meus alunos que meu maior prazer não era morrer em casa ou no hospital, mas dentro da sala de aula [risos]. Se um infarto me pegasse, que me pegasse dentro da sala de aula.

Além de músico e professor, você também é escritor. Sim. Eu sempre gostei de literatura. Quem colocou os primeiros livros, que posso chamar de literários nas minhas mãos, foi minha mãe, que era uma boa leitora. Ela colocou revistas, livros e tudo, aqueles personagens, As viagens de Gulliver [do escritor irlandês Johathan Swift], A volta ao mundo em 80 dias [do escritor francês Julio Verne], aquilo ficou, “um dia eu vou escrever um livro, um dia eu vou escrever um livro”. Hoje eu tenho vários livros publicados e tem um no prelo, para sair nos próximos dias.

Quantos livros? Uns seis ou sete. Esse agora é na área didática. Eu tanto faço na área didática, quanto na área artístico-literária. O título é Português: tirando dúvidas de quem tem. São mais de 300 dúvidas e, questões aleatórias, os colaboradores do livro são as pessoas que conversam comigo nas mesas de bar, ou elas acertam uma linguagem difícil, que pouca gente acerta, ou erram a linguagem que não deveriam errar. Tudo isso está no livro, claro que sem citar o nome de personagem nenhum.

Recentemente você ganhou um concurso literário. Sim, com Cotidiano II. Eu ganhei aqui e no Piauí, primeiro lá, depois aqui. É um volume de crônicas e contos. Tenho um romance publicado, Oceano, ambientando no Piauí. Tenho um inédito ambientado aqui, ainda não está terminado, chamado A hora fatal.

Se você fosse escolher um dos ofícios para dizer que se realiza mais em um ou outro, é possível escolher um? Dar aulas, a música ou a literatura? É meio difícil. O que está em terceiro plano mesmo é o ofício de escritor, requer uma dedicação maior, exclusiva, e eu ainda não posso me aposentar por que não preciso mais de dividendos, não: eu trabalho por que eu preciso trabalhar. Eu faço por prazer, mas também por obrigação.

Você acha que estes ofícios, em alguma medida, se ajudam, se atrapalham ou não têm nenhuma relação? Eles sempre se ajudam. Por que escrever não é uma coisa muito fácil, a pessoa tem que acreditar no que está escrevendo, até ter um estilo, um estilo próprio.

Em alguma medida você consegue separar o Zé Luís escritor, do Zé Luís professor do Zé Luís músico? Ou eles estão sempre misturados? Eu sou muito acusado de autobiográfico, de me meter nas obras que eu faço. Muita gente vê, por exemplo, o Marcos Alencar [personagem de Oceano], as pessoas veem o Zé Luís por trás dessa história. Eu procurei fugir de mim mesmo, são realmente figuras literárias de ficção, mas muita gente acha que eu me meto em minhas músicas e em minha literatura. Eu já paguei caro, já fui acusado de certas coisas que nem fiz, mas como eu escrevi, o pessoal “não, isso aí é ele mesmo” [risos].

Na sua escola de música seu filho Luiz Jr. acabou aprendendo como você aprendeu: de tanto ver e ouvir o pai ensinando. Que outros nomes de destaque passaram pelas suas mãos? Eu comecei a ensinar música aqui, foi onde eu comecei a levar a música a sério. Eu tocava violão, era um seresteiro, boêmio. Eu cheguei a ter alunos como Roberto Ricci [violonista], uma figura conhecidíssima aqui, o Marquinho Duailibe [cantor]. Muita gente passou pela Escola de Música Vinicius de Moraes, era em frente à Lusitana [supermercado] da [rua das] Cajazeiras, onde hoje é a Ponto Branco [loja de roupas]. Aquela casa parece que nasceu com uma vocação musical, hoje é da Selma Delago [cantora, compositora e empresária, proprietária da Ponto Branco].

Você falou em clarinete, violão e sabemos que você toca também saxofone. Você toca os quatro naipes de saxofone? E que outros instrumentos você toca? Eu toco sax alto, eu toco os outros, mas não vivo tocando, o tenor, tenor eu nem tenho em casa, tenho o soprano, gravei algumas músicas com o sax soprano.

Falando em gravar, em que discos podemos ler teu nome na ficha técnica? Tem um disco chamado Talentos da Educação, gravado em Fortaleza, eu estou lá. Tem também o V Encontro Nacional do Compositor de Samba, fui um dos vencedores. Inclusive ele tem aqui [informa que o Bar do Léo, onde acontece a entrevista, tem o disco em seu vasto acervo]. E vários outros discos.

E composições, você tem quantas? Mais de 200 músicas.

Quando você faz, faz letra e música? Por que imagino que, como entende de música, toca, é professor, e ao mesmo tempo é professor, dá aula de português, isso ajuda? Você faz letra e música? Tenho poucas parcerias, o resto tudo eu fiz letra e música. Meu percentual de música sem letra é muito pouco. A maioria tem letra. Tenho uma música conhecida no Nordeste inteiro, chamada Grito do professor, onde homenageio a classe e ela é o hino do Sindicato dos Professores do Ceará. Ela roda todo sábado em Fortaleza, num programa dos professores. No Piauí também. Não sei por que não roda aqui.

Além de instrumentista e compositor, você desenvolve outras habilidades na música? Os arranjos das músicas que eu faço são também meus. A não ser quando alguém quiser gravar, pode cuidar disso. Eu faço arranjo, fiz um curso básico de piano, dá para extrair partituras para outros instrumentos.

Você se considera mais saxofonista ou clarinetista? Eu sou mais clarinetista. Durante muito tempo o saxofone foi visto como consequência do clarinete. O pai do sax é o clarinete. Na Europa, um grande músico cujo nome não lembro agora, recomendou que quem quisesse aprender saxofone que começasse pelo clarinete. Coisa que já dizíamos aqui há tempos. Quem toca clarinete, quando pega o sax, é questão de semana para aprender a tocar. O clarinete é um instrumento dificílimo.

Qual a sua percepção sobre Luiz Jr., seu filho, um virtuose do violão, uma figura reconhecida? Como você percebe o papel dele na cena chorística, musical do estado? Quando Júnior tinha mais ou menos 11 para 12 anos de idade ele, na verdade, era um cantor mirim. Aquela música do Jessé [o cantor José Florentino dos Santos], [cantarola trecho de Solidão de amigos, de Eunice Barbosa e Mário Maranhão] “Lenha na fogueira”, ele disse que ia cantar na escola. “Eu queria que o senhor fosse me acompanhar”. Eu tinha três provas para corrigir, eu disse assim: “eu vou pegar o violão, vou te ensinar uns acordes e você mesmo se acompanha”. Ensinei três acordes, fui dar aula, quando eu voltei, ele estava realmente se acompanhando, eu acrescentei mais um acorde, pronto, foi a única aula que eu dei para ele. Ali eu percebi a aptidão dele para o violão, percebi que ele seria um grande violonista. Eu disse para ele que ele não podia deixar a escola, fiz como meu pai fez. Se ele não demonstrasse desenvolvimento dos dois lados eu teria que tomar o violão dele. Só que ele só queria saber de música, deu um trabalhão na escola, nunca terminava o ensino médio, professor já olhava com vontade de reprovar, ele tinha preguiça de fazer os trabalhos, mas o violão crescendo. Um dia eu cheguei para ele e perguntei: “mas o que é mesmo que você quer ser?”. E ele: “papai, eu só quero ser músico”. E eu disse: “olha, uma coisa é você ser músico, outra coisa é você viver de música. Antes você tem que pelo menos terminar esse ensino médio”. Mas foi o que me disse que queria mesmo ser músico, assumiu isso e eu disse para ele todas as dificuldades. Júnior é o meu orgulho! Eu me sinto satisfeito em ele representar tão bem o Maranhão onde ele vai. Por acaso eu ainda estava no Piauí quando ele nasceu, ele nasceu lá mas é maranhense. Você é sua cultura: Júnior é maranhense.

Você se considera um chorão? Sim. Aliás, eu sou chorão inclusive literalmente [risos]. Pra eu chorar é daqui pra li. Eu sou meio bruto também, hoje não, mas eu tenho o coração muito mole, qualquer coisa, acabou.

Chorografia do Maranhão: Márcio Guimarães

[O Imparcial, 25 de janeiro de 2015]

Cavaquinista do Cantinho do Choro e um dos articuladores da cena choro em São Luís, o herdeiro musical de Six é o 46º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVANIO ALMEIDA SANTOS

Márcio Henrique Guterres Guimarães é um dos novos militantes da cena choro em São Luís do Maranhão, cidade em que nasceu em 12 de novembro de 1981. Há cerca de dois anos “sentou praça” na praça Gonçalves Dias, cartão postal também chamado de Largo dos Amores, no Centro da capital maranhense.

Com recursos do próprio bolso e a ajuda de amigos fundou o movimento Cantinho do Choro, que realizou no logradouro apresentações gratuitas aos sábados, aproveitando a beleza da vista do por do sol no lugar. Sem patrocínio e estrutura, o projeto foi forçado a acabar. Mas guerrilheiros fiéis do gênero seguiram o comandante e fundaram o grupo Cantinho do Choro, que se apresenta semanalmente às quartas-feiras no Salomé Bar, novo point da Lagoa.

Márcio Guimarães é filho de José Henrique da Silva Guimarães, engenheiro, e Maria Raimunda Guterres Guimarães, funcionária pública. É sobrinho-neto de Francisco de Assis Carvalho da Silva, o Six, advogado e cavaquinista falecido, a seu tempo, um dos agitadores do gênero no país – entre outros feitos, fundou o Clube do Choro de Brasília.

Casado com Thaís Monteiro Frias Guimarães, a musicista e produtora cultural Tathy Estrela, que acompanhou a entrevista, e pai da pequena Luna, Márcio foi o primeiro aluno formado em cavaquinho na Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo [EMEM].

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

Quais as tuas primeiras lembranças de música na infância? Eu fui me envolver mesmo com música aos 15 anos, quando eu saí em bloco tradicional. Fui começar a tocar cavaquinho aos 19. Sempre envolvido com música. Eu tinha um tio, que eu me lembro vagamente, não tive oportunidade de tocar com ele, que é o Six, um dos fundadores do Clube do Choro de Brasília. Era meu tio. Cheguei a presenciar algumas rodas de choro dele aqui em São Luís, na casa de meus parentes.

Teus pais gostam de música? Meu pai é boêmio, sempre gostou de música. Minha mãe é mais parada, na dela, mas sempre gostou de ouvir aquele estilo de música, Roberto Carlos, mais MPB.

E se ouvia muita música em tua casa? Teus pais compravam muitos discos? Muita música. Houve uma época, há uns 15 anos eu era dj, e ficava pesquisando estilos de música da época e o que havia de novo. Depois que eu comecei a namorar com Thaís, já estamos há 10 anos juntos, eu passei a consumir mais MPB, por que Thaís tem um acervo muito grande de MPB, e tocar com ela. Começamos um projeto que era mesclar violão e cavaquinho, era algo que não tinha aqui, ela tocava violão e cantava e eu improvisava, a partir de umas aulas que eu tive na Escola de Música com o professor Juca [do Cavaco, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 13 de abril de 2014]. Mas quem me ensinou isso aí foi João Soeiro [violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 30 de março de 2014]. Foi meu primeiro professor na Escola.

Você atribui a Six a sua maior influência em sua escolha pelo choro? Ah, sim. A veia musical familiar eu atribuo a ele. É primo legítimo da minha vó, foi criado lá em casa. Tem um tio meu que era muito boêmio, vivia lá em casa, infelizmente faleceu ano passado, era pandeirista, ele sempre falava para mim: “meu filho, não dá pra você ser boêmio, por que tu não quer virar a noite, nem quer beber” [risos]. Eu não bebo. Mas ele sempre gostou de música, música instrumental. Era aficionado.

Você falou que veio tocar cavaquinho aos 19 anos. Antes, você passou por outro instrumento? Eu comecei a me envolver com violão aos 17, 18 anos, comecei a fazer aula, fiz três meses, só que o cara enrolava, eu comecei a ser autodidata. Comecei a ver uns amigos meus tocando cavaquinho, aquele som, me encantei, foi paixão à primeira vista. Eu comprei meu primeiro cavaquinho dum amigo meu, chamado Gustavo Smith, passei dois anos pesquisando, autodidata, fiz prova para a Escola e passei, de primeira, graças a Deus. Daí continuei, ainda peguei dois anos de aula quando era ali na Beira-Mar. Quem fez a prova comigo foi o professor Charles, na época. Foi uma oportunidade muito boa, por que quando a gente vai estudar música a gente vê que não sabe de nada, e até hoje, eu te digo: eu ainda estou aprendendo. Cada profissional que chega, como a gente já teve vários cursos de choro, eu até acho bom vir mais cursos de choro para São Luís. Teve um que a Petrobras trouxe, e a Vale, foi o primeiro [curso] de choro que teve aqui, que veio a [cavaquinista] Luciana Rabello. Tu é louco! Uma didática de palheta, que eu fiquei: “cara, eu não sei nada”. Depois fiz o segundo, e nunca parei de estudar. Comecei em bloco tradicional, e tal, quando entrei na Escola vi que não sabia nada, e comecei a estudar choro.

Você concluiu o curso de cavaquinho na Escola? Concluí o curso em 2007 e ao concluir o curso eu fui saber por meu professor, o Juca, que eu era o primeiro aluno a formar na história da Escola de Música, eu não sabia. “Olha, eu tenho uma surpresa pra ti: você é o primeiro aluno a se formar [em cavaquinho] na Escola”. E eu, “pô, professor, bacana”. É uma pessoa por quem tenho muita afeição e até hoje é meu mestre. Eu sou fã dele, uma pessoa humilde, simples. E ele morava lá perto da casa da minha vó. Eu morava na Praça da Alegria e Juca morava na Rua do Norte, amigo do pessoal lá, amigo do pessoal da família de Thaís também. Eles se reuniam, faziam roda de choro lá na praça.

Além de músico, você tem outra profissão? Eu sou formado em Sistemas de Informação, bacharel em Informática. Mas hoje eu larguei a informática, só vivo de música, só vivo para a música. Sou músico profissional.

Dá para viver de música? É difícil demais. Mas com projetos, dando aulas, eu dou aulas, sou professor de música, tem o chorinho, tenho minha banda, em paralelo, a gente toca em casamentos etc. A gente toca tudo da atualidade, dos anos 1960 à atualidade. Mas eu amo chorinho, chorinho para mim… eu ouço todo domingo o Chorinhos e Chorões [programa dominical apresentado por Ricarte Almeida Santos às 9h na Rádio Universidade FM (106,9MHz)], alivia, relaxa. Meu maior sonho é trazer um conservatório de música para São Luís. Eu soube de um para Imperatriz, aprovado na Lei de Incentivo [a Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão].

Você passou pelo violão. O que te fez escolher o cavaco? O violão eu toquei nível básico. O cavaco foi paixão à primeira vista, olhando as pessoas solando, me encantou. As pessoas pensam que o cavaquinho, por ter só quatro cordas, é um instrumento limitado. Engano. Quem estuda realmente, cada instrumento é um mundo diferente. O cavaquinho pra mim não é limitado, dá para fazer muita coisa. Se se estudar tem muita coisa de campo harmônico para fazer.

Quem você considera seus principais mestres? Em São Luís Juca é meu mestre. Fora a Luciana Rabello, tive oportunidade de pegar aula com ela, excelente aula, meu sonho pra mim é o [cavaquinista] Henrique Cazes. Na Escola de Música a gente estudou pelo método dele e ele outro método que ele está lançando.

Teus pais sempre apoiaram tuas escolhas? Apoiaram pouco no começo. Sempre falavam “vai estudar, música não dá futuro” e tal. Quando eles olharam que eu me interessei, me dedicava àquilo, começaram a apoiar. Depois de um ano, o presente de natal que meu pai me deu foi um cavaquinho, um Paulistinha da Rossini, nunca esqueço, ainda tenho esse cavaquinho. Meu primeiro cavaquinho foi um tonante Trovador, que eu comprei desse Gustavo. Quem também me deu uma força foi Michael, um amigo meu, me incentivou, eu tirava umas dúvidas com eles.

Qual o bloco tradicional em que você tocava? Cavaquinho eu toquei n’Os Vingadores, percussão em 1995, eu tive a oportunidade de tocar percussão n’Os Versáteis, fui tricampeão pel’Os Versáteis, fui levado por meu primo, Henrique Machado, que hoje mora em Brasília. Em 1999 eu toquei pel’Os Vingadores, 1999, 2000, em 2001 eu fui para Os Feras. Toquei n’Os Feras de 2001 até 2004, 2005. Depois eu saí de bloco tradicional. É um ritmo sensacional! Adoro o ritmo de bloco tradicional. Tem um cd carnavalesco meu, um projeto paralelo nosso, o Mixiricu, que no meio de músicas eu botei o bloco tradicional, o tambor de crioula, que pra mim é um dos ritmos mais lindos do Maranhão. Tive oportunidade de fazer aula percussiva com Lazico [o percussionista Lázaro Pereira], a gente fez um curso só de ritmos maranhenses, para se aprofundar mais, é uma oportunidade de valorizar mais a música do Maranhão. Aqui no projeto a gente toca não só choros conhecidos, mas também músicas de compositores maranhenses, como Zezé [Alves, flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013], Domingos [Santos, violonista sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 16 de março de 2014], Osmar do Trombone [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 23 de junho de 2013], dia 28 [de janeiro] ele vai estar aqui, com Osmarzinho [Osmar Jr., filho de Osmar do Trombone, saxofonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 5 de janeiro de 2014], que se formou agora em BH, gente fina, caras que tocam muito e são humildes. Gosto disso neles, somam e a gente vai aprendendo. Em termos de dar aulas, para mim foi muito bom. É um incentivo não só para estudar, mas para ver outras vertentes. Tem aluno que tu tá ensinando uma coisa para ele e ele te mostra outro caminho.

Você hoje tanto faz [cavaquinho] centro como solo? Sim, tanto centro como solo. Na Escola eu fazia mais centro, hoje estou estudando os dois.

Você considera o Juca teu grande mestre. Ele toca muito no estilo Waldir Azevedo. Você também segue esse estilo? Não. Hoje estou tentando me adequar por causa do grupo. O Juca ele domina tanto o centro quanto o solo, eu era mais centro. Hoje faço os dois. É mais um motivo pra gente estudar cada vez mais.

A Luciana Rabello também tem um estilo próprio, não é? Sim. Eu gostei muito, no estilo dela, da divisão de palheta, que ela faz no cavaquinho, que ela puxa as duas de cima, as duas de baixo [demonstra, no cavaquinho]. Ela divide o som, dá outro som. A gente explora, no grupo, música nordestina, muito Josias Sobrinho [compositor]. A gente está valorizando os compositores da terra. Aqui tem vários compositores excelentes. O Maranhão não perde para outros estados, e sim soma. O pessoal tem é que acabar com a cultura, uma cultura musical que eu não gosto, o pessoal quer ganhar como profissional, mas não age como profissional. Em termos de horário, por exemplo: o ensaio é tal hora e as pessoas não chegam; não são todos, é claro. Outra coisa: lá fora, todo mundo é unido. Se briga como qualquer um, mas defendem uma bandeira, não te queimam. Aqui em São Luís é cada um querendo puxar o tapete do outro, isso tem que acabar. Minha maior briga cultural mesmo é esse negócio: ser profissional. Às vezes a pessoa não é profissional aqui, tem que pensar que é tua empresa. Em tua empresa você chega bem arrumado. A Tathy Estrela, nossa produtora, padronizou a vestimenta da gente [aponta o bordado Cantinho do Choro no peito direito da camisa], já estamos pensando em outras roupas para outros horários. Isso dá estrutura para o trabalho da gente, a gente sempre estudando, faz com que sejamos valorizados.

Aqui há um grupo que passou a ter uma postura mais organizada, profissional e passou a influenciar outros grupos: o grupo Argumento. É outra postura em relação a contratos, já influenciou o pessoal do Bossa Nossa, vários grupos estão se estruturando. Outra influência para nós é o Calhau Jazz, do meu amigo Arlindo Pipiu [multi-instrumentista], que dá muita força pra gente, é uma pessoa que, desde o começo apoiou o trabalho da gente, além da Tathy e do Monteiro Jr. [cardiologista e violonista]. Ele está ali, paralelamente com a gente, sempre dando ideia, desde o começo, quando o projeto era na praça, sempre somando. São pessoas que chegam para ajudar a gente.

Qual a formação do Cantinho do Choro, hoje? Eu no cavaco, no bandolim o Raul, se formou agora, no violão seis cordas, o Carlos Reis, na percussão Nonatinho [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 6 de julho de 2014], na flauta transversa João Neto [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 2 de fevereiro de 2014], e no sax o Ricardo.

O Raul começou em um projeto do Sesc. Está tocando muito. Humilde, estudioso, dedicado. Tem tudo para crescer, muito futuro. É um talento que vem aí para abraçar o choro também.

O grupo nasce com aquele projeto da praça [Gonçalves Dias]? Conta pra gente a origem do Cantinho do Choro. O Cantinho do Choro foi um projeto que a gente colocou na praça, eu e Tathy Estrela. A gente chegou para agregar, chamando amigos, alunos da Escola, professores. Até o diretor da Escola foi um que abraçou, o Raimundo Luiz [bandolinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 15 de setembro de 2013], “pô, Márcio, eu vou lá pra te dar uma força”, meu amigão. Estávamos fazendo do bolso, tirando, o pessoal indo pelo choro. Por que paramos? Não tem estrutura, o local estava sendo depredado, todo pichado, uma bagunça, estava tendo assalto. Houve um assalto com homicídio, não no choro, mas a gente parou justamente com medo. Ali estava tão bom o local, a gente pega o por do sol, a praça é belíssima. O pessoal do centro turístico já estava começando a parar, enchendo de turistas, e a gente sem estrutura. Aqui em São Luís, como em todo lugar, o Estado devia garantir banheiros químicos, às vezes senhoras de idade não tinham onde sentar. O choro em São Luís não é consumido só por pessoas de idade, crianças que gostavam iam, ficavam dançando no meio da roda, muito massa! Contagia todas as pessoas o chorinho. Pra gente continuar com esse projeto na praça, teria que ter essa estrutura, justamente pra gente dar um conforto às pessoas, não só ao grupo. A gente fez um projeto, esse projeto a gente levou para a Secretaria de Cultura, passamos na Lei de Incentivo e infelizmente não conseguimos patrocínio, de jeito nenhum. Até agora, tudo o que a gente conseguiu foi do bolso. Monteiro Jr. colaborou, Selma Delago [cantora e empresária], da Ponto Branco, até hoje, essa camisa que eu tou, essa branca aqui [aponta para o bordado], bordado dela, a Ponto Branco é patrocinadora forte da gente hoje em dia, são pessoas que agregam por que gostam do projeto. Infelizmente não há empresários grandes que chegam para investir. Outras pessoas a quem a gente deve muitos são vocês, o Ricarte divulgando nossa agenda no Chorinhos e Chorões, desde o começo observando como está o projeto. A gente começou esse projeto por que aqui em São Luís acabou o Clube do Choro. Acabou, parou. E a gente sentiu necessidade de estudar o choro, saindo daquele âmbito de Escola de Música. Uma época a gente foi para a Bahia. Na Bahia todo dia tem recital de música. Na Escola de Música eles só vão fazer recital no final do semestre. Eu voltei com um projeto lá, não é meu esse projeto, o Sexta Musical. Quando eu saí, graças a Deus que Jair [Torres, guitarrista] continuou. Era um projeto em que todos os alunos tocavam. A gente desenvolveu esse projeto para agregar essas pessoas, alunos e professores terem a oportunidade de chegar junto e estudar.

Fora o Salomé Bar, vocês têm outra agenda atualmente? Não. O Salomé Bar é um parceiro. O Cantinho do Choro já tem dois anos, a gente estava correndo atrás de casa [para tocar]. A gente está fechado com o Salomé. Foi a primeira casa que abriu para a gente fazer um projeto de choro, viu o projeto, abraçou, e está sendo um sucesso, cada vez mais cheio. Todas as quartas, a partir das 20h. Era das 20h às 22h, às vezes tem que reservar mesa. Nós já estamos fazendo das 20h às 23h, três horas de choro aqui. É como o Clube do Choro, faz duas horas de chorinho e um convidado. A gente está chamando os mais conhecidos do choro, mas também pessoas novas. Nessa quarta agora vai ter o Monteiro Jr., tive a oportunidade de trabalhar com ele, fazer centro para ele. Até hoje a gente se reúne e toca. É bom ter essas pessoas que gostam do choro aqui em São Luís.

Você é cavaquinista e falou em composições. Além destas, há outras habilidades que você desenvolve na música? Eu trabalho mais arranjos no trabalho de Tathy Estrela, ela fazendo violão e eu improvisando. No cd de carnaval eu faço meus arranjos dando a ideia e transfiro para o metal [o naipe de metais]. Noutros trabalhos também. Como compositor fui um dos classificados para a Exposamba, entre 800 concorrentes, eu já estava entre os 160, já estava na terceira etapa, e parou. Eu e Selma Delago, grande compositora, está vindo com um cd de samba excelente, compõe maravilhosamente bem. Ela é tia de Tathy Estrela, a família é musical, isso já te estimula a tocar.

Além de blocos tradicionais e do Cantinho do Choro, você já integrou outros grupos? Eu já toquei em grupos de samba. O primeiro foi na Liberdade, chamado Supersamba, toquei num do Centro que era Samba Ponto Com. O último em que toquei foi o Pra Ficar, com o Dinho, que canta no Argumento. A gente passou um tempo, o Junior [Henrique Cardoso, violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 10 de agosto de 2014], que está no Bossa Nossa, fazia o violão.

E de choro? Choro eu toquei nesse de Monteiro, Tocando com o Coração, toquei em recitais da Escola de Música, e agora no Cantinho do Choro.

Já tem quanto tempo o Cantinho do Choro? O projeto tem uns dois anos. Agora esse grupo que a gente está tem uns seis meses. São pessoas que frequentavam lá, não deixaram o projeto na mão e ficaram com a gente.

Como tem sido a dinâmica do Cantinho do Choro? Vocês se reúnem durante a semana, definem repertório? O repertório de uma semana não é igual ao de outra? Toda terça-feira estamos nos reunindo. Não, a gente sempre acrescenta cinco músicas novas e estuda as da pessoa que vai participar. Por exemplo, Osmar com o Cinco gerações, nós vamos tocar com ele o cd Cinco gerações.

Você tem participação em discos? De chorinho no disco de Monteiro Jr. De samba, Selma Delago, gravei agora um cd com composições próprias para carnaval, tem dois, um é o Mixiricu, com músicas para carnaval e São João. Passei com um baião no Sesc [a mostra de música Onde canta o sabiá?], ficou entre as 12, está indo para um disco agora, o nome da música é Na pisada do baião, foi selecionada, defendi-a agora. Não foi concurso, foi seleção. Ano passado a gente ficou em segundo lugar no concurso de marchinhas carnavalescas [do Sesc/MA], e eu harmonizei a de Selma Delago que foi a campeã. E eu e Tathy ganhamos como melhores intérpretes. A gente vai começar a gravar um disco de choro e quem vai produzir é Arlindo Pipiu, um disco de choro do Cantinho do Choro.

Para você o que é o choro e qual a importância dessa música? O choro não é só estudo, mas também é um modo de eu ganhar mais agilidade, mais técnica. É uma biblioteca musical. Eu acho que todo músico devia estudar choro, aquilo te dá um leque de possibilidades para trabalhar a música. E é uma música de qualidade. O choro é uma escola complexa de música, por que o choro abrange todos os estilos.

Uma pergunta que pode soar óbvia, mas que é de praxe fazermos: você se considera chorão? Eu sou um mero estudante [risos]. Mas eu me considero chorão por que eu amo o choro. Eu amo o choro, toco choro até em casa. Outro dia mesmo eu peguei o cavaquinho, estava tocando pra minha filhinha de quatro meses, e ela olhava para o dedilhado e eu “ah, essa vai ser musicista”, ela não piscava [risos].

Segunda edição de RicoChoro ComVida gera grandes expectativas

[release]

Célia Maria, considerada a “voz de ouro” do Maranhão, será acompanhada pelo Trítono Trio. Noite terá ainda discotecagem de Pedro Sobrinho

Robertinho Chinês (cavaquinho e bandolim), Rui Mário (sanfona) e Israel Dantas (violão), o Trítono Trio. Foto: divulgação
Robertinho Chinês (cavaquinho e bandolim), Rui Mário (sanfona) e Israel Dantas (violão), o Trítono Trio. Foto: divulgação

 

É grande a expectativa para a segunda edição de RicoChoro ComVida. Com edições mensais até o fim do ano no Barulhinho Bom (Rua da Palma, 217, Praia Grande) e produção de Ricarte Almeida Santos, o projeto pretende repetir o sucesso da edição inaugural, quando o restaurante ficou completamente lotado.

Desta vez os convidados são o Trítono Trio, a cantora Célia Maria e o DJ Pedro Sobrinho. O primeiro é formado pelos virtuoses Israel Dantas (violão), Robertinho Chinês (bandolim e cavaquinho) e Rui Mário (sanfona). A eles somam-se o talento de Mauro Sérgio (contrabaixo) e Ronald Nascimento (bateria). Sim, o trio vira um quinteto nesta ocasião.

“Na verdade, eles são nossos convidados. Junto deles podemos explorar mais sonoridades para nossa música, pelo fato de compartilharem de ideias iguais às nossas”, explica Robertinho Chinês. “Somos três solistas, precisaríamos de outros instrumentos que dessem uma cor diferente para nosso trabalho. Assim decidimos que teríamos a opção de eventualmente esse trio se tornar um quinteto, dando até uma dinâmica nas nossas apresentações. Então os convidamos, dois grandes e maravilhosos músicos”, completa Rui Mário.

O repertório promete: composições próprias e releituras de clássicos do choro e da música brasileira. Dominguinhos, Hermeto Pascoal, Ivan Lins, João do Vale, Zequinha de Abreu, Egberto Gismonti, Tom Jobim e Sivuca estão no cardápio do grupo.

O "dejota" Pedro Sobrinho. Foto: divulgação
O “dejota” Pedro Sobrinho. Foto: Fafá Lago

Discotecagem – Antes, o DJ Pedro Sobrinho aquece o público. Antenado, “plugado”, como se chama o programa de rádio que apresenta, ele é um dos mais requisitados “dejotas” – como ele mesmo brinca de aportuguesar a sigla de disc jockey – da ilha. Na ocasião, em sua seleção sempre calcada em pesquisa, samba rock dos anos 1960 e 70, remixes de bossa nova, samba e choro, sem fugir da essência do RicoChoro ComVida.

“Pela grandeza, é um evento de que tenho o maior prazer de participar. Agradeço o convite do seu idealizador Ricarte Almeida Santos. Espero que a plateia ouça e se divirta com esse repertório, criado especialmente para aquecer esse projeto mensal que valoriza o músico maranhense e o choro, esse patrimônio genuinamente brasileiro”, declarou Pedro Sobrinho.

Voz de ouro – Formada na escola dos programas de auditório de rádios do Maranhão, Célia Maria ganhou o nome artístico justamente ao se apresentar em um pela primeira vez: com medo de ser reconhecida, Cecília Bruce dos Reis usou o nome artístico que a acompanha até hoje. Chegou a cantar nas rádios Nacional e Mayrink Veiga, nos programas de César de Alencar e Abelardo Barbosa, o Chacrinha.

A diva Célia Maria. Foto: Ton Bezerra
A diva Célia Maria. Foto: Ton Bezerra

No mítico Zicartola conheceu e cantou ao lado de figuras como Zé Kéti, João do Vale, Paulinho da Viola e Jackson do Pandeiro, entre outros. Conhecida como “a voz de ouro” do Maranhão, Célia Maria tem um disco gravado, o homônimo Célia Maria (2001). Naquele ano, deu ao compositor Joãozinho Ribeiro o prêmio Universidade FM de melhor composição, pelo choro Milhões de uns, com arranjo de Ubiratan Sousa.

Atualmente prepara seu segundo disco, inteiramente dedicado a sambistas da Madre Deus. O trabalho tem produção e direção musical do violonista Luiz Jr. Participou das coletâneas Memória – Música do Maranhão (1997) e Antoniologia Vieira (2001), este último lembrado entre os 12 discos mais importantes da música do Maranhão, em enquete do jornal Vias de Fato junto a produtores, radialistas, jornalistas, djs, escritores e pesquisadores. Em Milhões de uns – vol. 1, estreia fonográfica de Joãozinho Ribeiro, interpreta o choro Saiba, rapaz.

Os músicos do Trítono Trio derretem-se em elogios à diva. “Já tive a honra de acompanhá-la algumas vezes e gravar no seu cd que está em fase de elaboração. Dona Célia é uma grande dama da música, é sempre uma satisfação e um aprendizado acompanhá-la”, revelou Robertinho Chinês. “Ficamos muito felizes em saber que iríamos acompanhar essa grande cantora, grande intérprete, de uma sensibilidade rítmica e melódica incrível. A responsabilidade é imensa, mas também, vai ser um encontro maravilhoso, onde vamos fazer de tudo para que o show seja um grande espetáculo”, prometeu Rui Mário.

RicoChoro ComVida tem patrocínio da Fundação Municipal de Cultura (Func), Gabinete do Deputado Bira do Pindaré e TVN, apoio do Restaurante Barulhinho Bom, Calado e Corrêa Advogados Associados, Sonora Studio, Clube do Choro do Maranhão, Gráfica Dunas, Sociedade Artística e Cultural Beto Bittencourt e Musika S.A. Produções Artísticas e produção de RicoMar Produções Artísticas.

Serviço

O quê: RicoChoro ComVida
Quem: Trítono Trio, Célia Maria e DJ Pedro Sobrinho
Quando: 5 de setembro (sábado), às 18h
Quanto: R$ 20,00 (metade para estudantes com carteira e demais casos previstos em lei). R$ 120,00 (mesa para quatro lugares. Venda antecipada pelo telefone (98) 988265617)
Onde: Barulhinho Bom (Rua da Palma, 217, Praia Grande)
Patrocínio: Fundação Municipal de Cultura (Func), Gabinete do Deputado Bira do Pindaré e TVN
Apoio: Restaurante Barulhinho Bom, Calado e Corrêa Advogados Associados, Sonora Studio, Clube do Choro do Maranhão, Gráfica Dunas, Sociedade Artística e Cultural Beto Bittencourt e Musika S.A. Produções Artísticas
Produção: RicoMar Produções Artísticas
Maiores informações: (98) 988265617, 981920111 e/ou 991668162

Amilar: 100 anos de Choro

CESAR TEIXEIRA

Foto: divulgação
Capa da reedição em cd do disco de Amilar. Reprodução

 

Nascido na cidade de Pinheiro, em 15 de agosto de 1915, completa 100 anos de nascimento, hoje, o multi-instrumentista Amilar Arthur Costa Brenha, que se notabilizou no Maranhão como um dos grandes mestres do bandolim. Aos 11 anos de idade ele já se apresentava em emissoras de rádio, teatros e circos, onde teria como inspiração o virtuoso músico e amigo Laquimé.

Foi no circo que pode mostrar seu talento, a partir de 1926, não só como instrumentista, mas também como palhaço e atuando em comédias e dramas. Mudou-se aos 15 anos para São Luís, onde ampliou seus conhecimentos de violão e aprendeu banjo, rabecão, violão tenor, cavaquinho e bandolim, com o qual conquistaria fama.

Na capital, Amilar juntou-se a grandes músicos que tocavam em bailes e clubes. Entre eles, Chaminé (acordeom), Jorge Cego (trombone), Agnaldo (violão), Vital (bateria), Roque (rabecão), Hemetério (violino), que também alegravam as boates tradicionais da Zona do Baixo Meretrício (ZBM), como Monte Carlo, Cristal, Bela Vista, Casablanca, e as madames Maroca, Lili, Zilda… Depois curavam a ressaca no Hotel Central.

Viajando pelo norte do país com o Circo Teatro Íbis, o artista chegou até o Território Federal do Amapá. Para lá retornou no início de julho de 1958 no Rebocador Araguary, pondo um fim nas atividades circenses. Arranjou emprego na Companhia de Eletricidade do Amapá, guardou o bandolim, mas continuou participando com seus amigos das rodas seresteiras como violonista.

Em fevereiro de 1965, deixou a CEA e foi trabalhar na Prefeitura do município de Mazagão, ocupando os cargos de capataz, auxiliar administrativo e almoxarife. A essas alturas, seus dotes com o cavaquinho e o bandolim já tinham sido descobertos pelos seus colegas de trabalho, que sempre o convidavam para festividades públicas.

Candidatou-se e elegeu-se vereador pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), em 1972, tomando posse no ano seguinte, mas em 1976 renunciou ao mandato, descontente com o partido. Nesse mesmo ano foi convidado a ministrar aulas de violão na Escola Estadual D. Pedro I, o que iria compensar os baixos e atrasados salários da Prefeitura.

Para melhorar sua escolaridade, Amilar fez vários cursos na área da música e do folclore, capacitando-se para o Magistério de 1ª a 5ª Séries do 1º Grau, em 1980, por meio do Instituto de Educação do Território do Amapá, tendo recebido o registro de professor.

No Amapá integrou o conjunto de Aimoré Batista e os grupos de choro Os Piriricas, Café com Leite e o Regional E-2, da Rádio Difusora de Macapá, sempre tendo como fiel escudeiro o violonista Nonato Leal. Em 1986, com o apoio do governo do estado, gravou um disco em vinil com 12 músicas suas, entre outras, Piririca no Choro, Laquimé, Choro Café com Leite, Capitão Boca Torta e Mazagão no Choro.

Amilar Arthur Brenha sofria com as complicações do diabetes, que chegou a afetar seu olho direito. Faleceu em Macapá no dia 20 de abril de 1991. Muito querido no Amapá (considerado um verdadeiro tucujuense), na cidade de Mazagão virou nome de escola estadual e em Macapá nome de rua, no bairro Jardim Felicidade.

Desde maio deste ano o Projeto “Macapá no Choro”, reunindo músicos do grupo Pau e Cordas e seus convidados, vem realizando apresentações semanais no espaço cultural Casa do Chorinho para comemorar o centenário de Amilar, reconhecido como o precursor do choro no Amapá. No Maranhão, até agora, não foi lembrado. (Com informações de Nilson Montoril, Chico Terra e Renivaldo Costa)