Só me tornei editor porque não arrumei um!

Obra publicada em edição da revista Pitomba

Ficaria feliz em ter alguém que cuidasse de toda a parte chata do trabalho. Sobraria mais tempo pra escrever e terceirizaria o custo do material todo, que lucro mesmo eu nunca esperei. Grifes também fariam bem ao espírito, se calhasse.

Mas não calhou.

Tenho aqui tantas cartas de recusa de originais, que dava pra escrever um romance nas costas delas. Um dia uso pra alguma coisa, existe estilo, humor e sarcasmos deliciosos nelas.

A ideia da editora foi a de criar uma falácia. E se eu não fosse eu? Se me institucionalizasse? Criasse um nome de fantasia? O de batismo tinha falhado de todas as maneiras.

Meses depois, transformei o incômodo num pequeno texto chamado Manifesto Pitomba, no qual tentava enumerar problemas e soluções, mas que acabou brutalmente censurado pelo Reuben [da Cunha Rocha] e pelo Celso [Borges] — que têm mais senso do ridículo que eu — mas que insisto em colar, pequenininho, nos meus próprios livros. É no ridículo que opero.

Mas vamos lá. Ao problema.

Nossas possibilidades de edição se resumem a duas secretarias de cultura que valem menos que a merda do pombo da cumeeira do Oscar Frota. Os editais são escritos por um paquiderme, executados por um protozoário e resultam em livros tão feios que, ao longo dos anos, recusei-me a ler vários por não suportar o contato com o objeto.

Os caras não se importam com algo com o qual eu me importo muitíssimo, e isso me emputecia! Me inscrevi nesses editais por anos e anos, ganhei algumas vezes, mas nunca saía nada! É preciso que vocês entendam que um dia eu levei esse povo muito a sério. Eu até lia os poemas, porra!

Com o tempo, passou a me incomodar mais a atitude dos autores, que se sujeitam ao [Concurso Literário e Artístico] Cidade de São Luís todos os anos, sabendo do embuste, como se sujeitam aos editais da Secma (quando esta os faz). O trabalho deles ficava, ao logo dos anos, tão medíocre quanto o esquema todo. Parecia que os editais, antes de promover o tal fomento à produção, a viciava. Há de se tirar o chapéu ao funcionismo, conseguir travar gerações inteiras com uma estratégia de edição tosca e migalhenta como esta é um lance de gênio. Gente que, anos antes, tava amolando as pontas das facas aos murros.

A Pitomba é uma forma positiva de recusa à calhordice geral, ao amadorismo da oficialidade, devolvendo a ofensa na forma de livros ofensivos, porque ousamos achar que o livro é um troço importante, bonito, tesudo e tal. Também é uma maneira de existir, e qualquer existência fora das paredes das repartições, no Maranhão, é transgressora.

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Texto de Bruno Azevêdo, dono da Pitomba Livros e Discos, que publica as coisas dele [Breganejo Blues e O Monstro Souza, entre outros] e publicou, com o Vias de Fato, o Guerrilhas, do Flávio Reis. O reclame foi publicado no Suplemento Cultural e Literário JP Guesa Errante, do Jornal Pequeno, sábado passado (30/6).

A Pitomba edita também a Pitomba. Digo, o selo/editora publica a revista, editada por Bruno com os citados Celso e Reuben, que também publicaram textos sobre a Pitomba, a revista, no Guesa. O do último tá no blogue dele (donde roubei a ilustração do post). O do remanescente da Guarnicê, se ele me mandar, que ver mesmo o Jornal Pequeno de sábado, eu não vi, eu penduro cá no blogue.

Nossa miséria cultural (ou: acorda, serpente!)

[Do Vias de Fato de maio]

Pode haver luz no fim do túnel, será um trem vindo na direção oposta?, Nossa Senhora da Vitória, rogai por nós!

POR ZEMA RIBEIRO

Um texto revoltado da cantora Nathália Ferro, publicado primeiro em sua conta no Facebook e depois repercutido por alguns periódicos locais, ganhou certa repercussão, apontando diversos problemas por que passa nossa produção cultural, digo, da Ilha de São Luís do Maranhão e do estado como um todo.

Criticava o marasmo a que está relegada a cena artística na capital maranhense, cujo aniversário de 400 anos se avizinha e sobre o que nada foi feito – aquele relógio ridículo na cabeceira da ponte do São Francisco, não conta.

A cantora criticava a tudo e a todos – e suas críticas, claro, eram merecidas, tendo sido repercutidas e comentadas também pelo poeta e compositor Joãozinho Ribeiro, ex-secretário de cultura do Estado do Maranhão, em sua coluna semanal no Jornal Pequeno.

Keyla Santana, atriz, também colocou a boca no trombone. Ela buscou o financiamento de uma peça em que atuava pela internet, num sistema de crowdfunding, financiamento coletivo já bastante utilizado no centro-sul do país, que aqui sequer engatinha, com razão: a iniciativa estatal aposta em mais do mesmo, a privada faz jus ao trocadilho. Como incentivar pessoas comuns, como este que escreve, o caro leitor, a cara leitora, a enfiar a mão no bolso e bancar o que quer que seja?

Diversos agentes culturais envolvidos com a feitura do projeto BR-135, capitaneado pelo casal Criolina, Alê Muniz e Luciana Simões, têm discutido propostas e possibilidades para que se avance no rumo da implementação de efetivas políticas públicas de cultura por estas plagas. Além de reuniões e debates, a galera está fazendo, se movimentando, mostrando nomes e coisas interessantes, misturando, experimentando. É daí e assim que pode surgir o novo.

Foi justamente o mote para o texto de Nathália Ferro: o pouco público presente às edições do BR-135, realizadas no Circo Cultural da Cidade, fruto inclusive, segundo ela, da desunião da classe artística local – alguns certamente mais preocupados com “meus projetos” e a procura por financiamentos (quase sempre estatais) para “meu próximo disco”, “meu próximo livro”, “minha próxima peça de teatro” ou mesmo para a inclusão de “meu show” no circuito junino.

O BR-135 tem a ideia de mostrar o que de novo a cena ilhéu tem produzido, numa demonstração de altruísmo digna de louvor: com o reconhecimento nacional que têm hoje, Alê Muniz e Luciana Simões sequer precisariam morar em São Luís. No entanto, preferem ficar, tentar fazer algo diferente e mostrar que é possível conquistar o país a partir da Ilha (sem qualquer daqueles adjetivos cuja maioria perdeu completamente o sentido).

Keyla Santana, pela internet, conseguiu algo próximo da metade dos três mil reais de que necessitava para botar seu bloco na rua, isto é, sua peça no palco de um teatro da capital, uma pequena temporada de dois dias. Para não perder o que alguns haviam investido, seu marido completou, do próprio bolso, a outra metade do valor restante.

Experiência bem sucedida de crowdfunding, fora da rede mundial de computadores, foi a realização do I Festival de Poesia do Papoético – Prêmio Maranhão Sobrinho, organizado pelo poeta e jornalista Paulo Melo Sousa. O Papoético, tertúlia semanal realizada no Bar Chico Discos, no centro da capital maranhense, é um espaço privilegiado para a discussão de assuntos relativos à arte e cultura, tendo aberto uma trincheira para os insatisfeitos com o status quo.

Paulão, como é mais conhecido seu mentor, levantou os fundos necessários à realização do festival principalmente entre os frequentadores habituais do debate-papo semanal, além de entre amigos, professores universitários e artistas em geral. O festival, cuja final será realizada dia 31 de maio no Teatro Alcione Nazaré, no Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, na Praia Grande, premiará em dinheiro os primeiros lugares em poema e interpretação e os segundos e terceiros lugares em cada categoria com livros, discos, revistas e outros produtos culturais, tudo arrecadado entre aqueles citados doadores e com a realização de rifas.

A organização solicitou ao Comitê Gestor dos 400 anos de São Luís, integrado por secretarias e órgãos públicos municipais e estaduais, apoio para a realização do festival, de orçamento modestíssimo. Sequer recebeu resposta, mostrando o desinteresse generalizado dos poderes públicos para qualquer iniciativa criativa que não parta de sua burocracia interna. O problema é que nada criativo parece vir dali. O festival recebeu mais de 100 inscrições de diversas cidades do Brasil e custou menos de 3 mil reais, com cortes em gorduras como material de divulgação (folders e cartazes), importantes em qualquer empreitada cultural.

Teimosos, os organizadores do Papoético já anunciam sua próxima invenção: um concurso de fotografia terá regulamento anunciado já em junho, com base no mesmo esquema. Dia 7, Chico Saldanha e Josias Sobrinho apresentam, no Chico Discos, o show DoBrado ResSonante, que estreou em Brasília/DF. Os ingressos custam R$ 20,00 e podem ser adquiridos antecipadamente no local. Toda a renda será revertida para a realização do concurso de fotografia.

O Estado – tanto faz ler prefeitura e/ou governo – é tímido e continua apostando apenas em grandes festas populares, quais sejam, os períodos carnavalesco e junino, salvo raríssimas exceções. É o que dá mídia, é, em tese, o que dá voto – sobretudo, embora pareça óbvio, em ano eleitoral.

Faltam cerca de 100 dias para o aniversário da cidade. Não se ouve falar ainda em programação ou, antes, em planejamento de quaisquer ações comemorativas. Mas não é por isso, ou não só por isso, que clamam os artistas revoltados, aqueles que não se satisfazem com o tilintar de umas poucas moedas nos pires, um tapinha nas costas, a logomarca de um órgão público em seu disco, livro ou programa, e, no fundo, um grande “cala a boca” em qualquer vírgula que se oponha às péssimas gestões que hoje têm o Maranhão e sua capital São Luís. E aqui o comentário não se restringe ao aspecto cultural.

O que estes artistas requerem, com propriedade, é a pulsação constante da Capital Americana da Cultura, é que ela faça jus ao título. Mais que um troféu, um papel, um certificado, um evento, São Luís e o Maranhão precisam deixar o passado e a teoria de lado. É preciso viver o presente e vivê-lo na prática: já não somos Athenas Brasileira – se é que um dia fomos – e mais que bumba meu boi e/ou tambor de crioula para turista ver, é preciso que nossos logradouros sejam ocupados por arte permanentemente. É capital da cultura ou não é?

São Luís e o Maranhão não estão as maravilhas anunciadas na televisão pelas gestões municipal e estadual. Na propaganda, tudo parece correr às mil maravilhas, de propaganda nossos gestores são bons – pudera, é preciso descarregar toneladas de maquiagem para ludibriar o povo e garantir a perpetuação dos grupos no poder. A realidade é outra e é esta que precisa ser enfrentada para que algo mude. Que não emudeçam os artistas que estão corajosamente tocando as feridas para curá-las. E que ao coro dos descontentes somem-se cada vez mais artistas. Ou não, que cultura é coisa de todos nós.

A nossa miséria cultural está exposta, fratura que carece de urgente cura. Só não sente nem vê quem não quer. Já é mais que hora dessa serpente acordar!

Um Maranhão Sarney-free

O Maranhão tem jeito? Nesse momento de saúde frágil (dele), que pensamentos dedica ao ex-presidente José Sarney?

Anseio muito por uma virada política do Maranhão. É um estado soterrado por corrupção, miséria e usura. Mas é também lindo, rico e culturalmente abençoado. Não posso desejar a morte do Sarney, porque isso contraria meus princípios, afinal fui criado em família católica, não fui ensinado a torcer pela morte de ninguém, nem mesmo do inimigo. Mas a única perspectiva de mudança que vislumbro pro Maranhão depende da morte política de seu legado tirano.

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Zeca Baleiro a Pedro Só na Billboard Brasil nº. 30 [maio/2012, capa: Keith Richards e Mick Jagger]. Sobre seu O disco do ano, um dos temas da entrevista de que catei o trecho acima, escrevo em breve por aqui.

A vida é uma festa! completa 10 anos

A foto é em preto e branco, mas a vida e a festa são coloridas

Apresentação multicultural semanal capitaneada desde maio de 2002 pelo poetamúsico ZéMaria Medeiros (foto), A vida é uma festa! irá comemorar a primeira década de vida e de festa nesta quinta-feira (17), a partir das 17h30min, em frente à Companhia Circense de Teatro de Bonecos, na Praia Grande, seu palco costumeiro, desde que deixou o extinto Bar de Seu Adalberto, onde tudo começou.

Além das apresentações musicais do anfitrião, sempre acompanhado pela Banda Casca de Banana, a programação incluirá ainda discotecagem de Maguelo e Ganja Man, além de shows de Omar Cutrim e Saci Teleleu, além de muito improviso, uma das características do palco livre. Outra é que é grátis!

A arte de produzir ideias perigosas

REUBEN DA CUNHA ROCHA*

Guerrilhas, coletânea de artigos publicados por Flávio Reis na imprensa maranhense ao longo da última década, campo minado de fustigações sem centro, sobrevoa e permite ver, como numa fotografia aérea, um traço terminante da aventura de seu autor, figura de exceção entre nossos pensadores e professores – o cultivo radical da dissidência.

Permite ver, mas veja, não é que o torne visível, isso não passa batido aos leitores de suas outras obras (Cenas marginais e Grupos políticos e estrutura oligárquica no Maranhão), tampouco aos alunos do homem magro de fala digressiva segurando livros como facas, misturando dois ou três autores para ver se explode; ocorre que nessa recente investida os elementos sobem todos à mesa – temas, sim, e o território. Dança imprescindível a toda guerrilha, saber jogar com o espaço, pervertê-lo em arapuca, cemitério de engodos. No caso, é mesmo nossa imprensa que, invariável e totalmente comprometida, por mil golpes de astúcia deixou-se infiltrar pelos mordazes artigos desse livro, também o próprio território das ideias, no qual Flávio opera articulações vitais, nunca no interesse dalgum “campo” mas da erosão de nosso oco solo mental.

O olhar esclarecedor sobre as relações de força, a política e suas redondezas – descaso, cinismo, violência –, espaço antigo da reflexão do autor, que nunca cedeu ao apelo das conciliações típico de certa esquerda “prática” ou de cartilha, notadamente a universitária, incapaz de se desvencilhar do desejo de mandar adivinhado no esgoto exposto das alianças; a exímia capacidade de enredar fios de nossa história mal contada, pondo-nos à vista de nós mesmos (“Antes da MPM”, “O nó-cego da política maranhense”, “Oligarquia e medo” etc.); o mergulho em obras de arte desestabilizadoras ou no mínimo provocantes, cuja incidência sobre sua escrita é a bela mostra dum pacto com as potências da imaginação; mesmo as incursões pela psicanálise, disciplina cujas sugestões e descobertas fundamentais nunca frearam uma tendência fortemente ordenadora, cheia de andaimes cientificistas propícios ao folclore burguês – Flávio é mestre em transformar tais zonas em impulso de nutrição, aproximando-se disso ou daquilo conforme as contingências da balbúrdia.

Apenas não se confunda o prisma de temas que o autor encara com o pano surrado da interdisciplinaridade, escudo acadêmico que nunca serviu, a olho nu, para mais do que recheio de linguiça em formulários de não-sei-quantas vias. Aqui o caso é de pura indisciplina, do livre pensar e do gosto por uma boa briga.

Panorama de intervenções na parca discussão local, a mira em riste no rumo de nossa arena de ideias, o Maranhão persiste como ruído de fundo em cada tópico, sem contar que é o centro mobilizador na quase totalidade dos artigos. Começando por uma sequência de pauladas dadas no epicentro da querela em torno da fundação de São Luís, que na verdade é a discussão dos níveis inacreditavelmente obtusos, para não dizer mesquinhos, em que se deram e dão as reações ao trabalho de Maria de Lourdes Lauande Lacroix, passando pelas análises matadoras do emaranhado atávico entre política, desmando e miséria, das condutas paroquiais com relação ao poder, e da ofensiva de mídia, mercado e academia no comércio ridículo da cultura, esta insígnia a ser ostentada por uma intelectualidade (no fundo um punhado de funcionários de governo distribuídos entre repartições, instituições de saber e a “classe artística”) que a tudo vê como se a um grande curral, com narcisismo indisfarçável e característico.

Compõe-se quadro a quadro uma galeria em que figuram, por exemplo, certo juiz, personagem de Nascimento Moraes num livro de 1923, trazido à roda em Guerrilhas, juiz de faroeste a resolver tudo na bala ou no bogue, à luz do dia, em pleno centro da cidade em cenas inacreditáveis sobretudo porque poderiam ter ocorrido na tarde de ontem. Ou quem sabe se repitam amanhã, como de fato se repetiriam, na execução do professor Flávio Pereira pelo policial civil Olivar Cavalcante (o pistoleiro segue solto) e na do artista Geremias Pereira da Silva, o Gerô, espancado até a morte por uma gangue de policiais militares – à luz do dia, em pleno centro da cidade, cabeça do século XXI.

A história geral de nossa canalhice, quer se exerça pela violência elevada a valor, a distinção social, com a invariável impunidade que não cessa de adoecer nossa sensibilidade coletiva, quer se exerça pela constrangedora passividade a alimentar eternamente a estrutura de nossa sujeição, praticamente voluntária, demonstrando que a única reforma eleitoral que importa é o suicídio coletivo dos políticos.

Assistindo, como assistimos, a uma escalada do uso oficial da mentira enquanto narrativa dos “feitos” de uns e outros (nossa cota, parece, da escalada do fascismo em várias esferas da vida nacional – passarela em que desfila com o perigoso traje da falsa ausência), nem se pode afirmar que o autor, nas fissuras que causa, enfoque as coisas pelo avesso, ou se pelo avesso ele as encontra.

Flávio, claro, tem estômago. A atenção que dedica à casca grossa dos eventos não passa sem uma reversa escrita de precisão & excesso, que revela para desviar ou o contrário, dilatando pupilas, abrindo narinas, temperando perspectivas. Correm por aí, nutrindo os planos de fuga, figuras de Júlio Bressane, Elyseu Visconti, Bruno Azevêdo, Cesar Teixeira, Celso Borges e tantos meliantes cumplices de arruaça nos quais o autor ensina a ver os truques para se manter vivo, isto é, íntegro e mandando bala.

Seu fôlego de saque se trama justamente na capacidade de farejar em temas, textos e acontecimentos o cheiro dalguma pólvora. “Isso aqui não é pra entender, mas pra sentir o cheiro”, quantas vezes não ouvi de Flávio em sala de aula ou pelas salas do afeto, diante de questões fascinantes e árduas ante as quais o lance sempre foi fazer o que se pode. Disso não faltam mostras em seu texto ágil, cheio de toques analíticos jamais impostos à força de argumentações exaustivas, mas ofertados na fluência de caracterizações e imagens.

A condição do pensamento é a de estar nas curvas mais sem amparo, distante do que já se sabe e impõe-se como instância regulamentar. Não é para ordenar que se necessita de ideias. O resto são intelectuais de Sessão da Tarde, erguendo-se aqui e ali para constranger proposições de problemas (“se nada presta, que fazer?”), como se o nebuloso das respostas desmentisse a evidência das perguntas.

Que fazer, então? Sempre, apenas, o que se pode; muitas vezes se avacalha. Como Tom Zé, Rogério Sganzerla ou os Sex Pistols, Flávio Reis ensina que quaisquer ingredientes servem à feitura de bombas, desde que haja sacação, argúcia, inteligência e – sobretudo – que o sujeito não arregue. É chegado o tempo do arsenal contra o repertório.

*Reuben da Cunha Rocha é poeta e pesquisador. Edita, com Bruno Azevêdo e Celso Borges, a revista de poesia, artes gráficas & sacanagem Pitomba!.

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Serviço: Flávio Reis lança Guerrilhas dia 16 (quinta-feira), às 19h. no Papoético (Chico Discos, Rua Treze de Maio, esquina com Afogados, sobre o banco Bonsucesso). Entrada franca. O livro custa R$ 20,00.

Baleiro, ímpar, íntegro

“Adoraria fazer algo aí, especialmente pra essa ocasião [os 400 anos de São Luís], mas diante do contexto político da cidade e do estado, não posso tomar parte. Confesso que às vezes sinto uma certa vergonha da situação social e politica do Maranhão. Temos vocação para a riqueza e somos miseráveis. Temos uma cultura exuberante e nossos artistas morrem à míngua. Temos um patrimônio arquitetônico único e a cidade de São Luís é só ruínas. Triste!”

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Afiado e certeiro, Zeca Baleiro em entrevista a Samartony Martins nO Imparcial de hoje (28) [Impar, p. 1]. Com participações especiais de Nosly e Criolina (Alê Muniz e Luciana Simões) o cantor e compositor faz show acústico no Teatro Arthur Azevedo na próxima terça-feira (31), às 20h30min. O espetáculo, beneficente, se dá em prol da finalização da construção da Casa da Acolhida Nossa Senhora da Graça (Rua Touro, nº. 10, Recanto dos Signos, Cidade Operária), em São Luís.

Cultura em 2011

Aos 45 do segundo tempo, às vésperas do fechamento da edição de dezembro do Vias de Fato (nº. 27, capa acima, ora nas melhores bancas da Ilha), inventei de fazer uma retrospectiva cultural. No último dia 12 encaminhei a uma pá de agentes culturais um e-mail com a seguinte pergunta: “Para o bem ou para o mal, no campo cultural, o que você destacaria numa retrospectiva particular do ano que se encerra?”.

Alguns responderam, outros não; outros ainda o fizeram depois do fechamento do jornal. O blogue traz abaixo um mix do que saiu na edição impressa do mensal com respostas que chegaram depois à caixa de e-mails do blogueiro (os depoimentos em itálico só aparecem acá).

RETROSPECTIVA CULTURAL

O jornal Vias de Fato traz aos leitores uma retrospectiva construída a muitas mãos – a coletividade uma característica da publicação. Veja o que diversos agentes culturais destacaram entre os acontecimentos do ano que se encerra

ZEMA RIBEIRO

Ano em que o mensal Vias de Fato completou dois de circulação ininterrupta – apesar de todas as dificuldades – e véspera do quarto centenário da capital maranhense – há controvérsias – 2011 foi marcado por diversos acontecimentos na área cultural.

Em vez de fazer uma retrospectiva certamente incompleta, resolvemos ouvir gente da área, que entende do assunto. Maranhenses ligados ao setor, residentes ou não aqui ou mesmo nem nascidos, mas com alguma ligação com o estado, destacaram o que de bom e ruim aconteceu no ano que se encerra.

“Para o bem ou para o mal, no campo cultural, o que você destacaria numa retrospectiva particular do ano que se encerra?” foi a pergunta feita pelo Vias de Fato. Leia abaixo as respostas.

O crítico Alberto Jr.: otimismo

“A primeira coisa que me vem à cabeça ao pensar em cultura neste ano de 2011 é a palavra ‘otimismo’, sobretudo em relação ao trabalho que muitos artistas vêm desenvolvendo de forma independente na busca de uma cena cultural cada vez mais urbana e ‘conectada’ com as experiências desenvolvidas em outros estados.

Um exemplo disso é o pessoal do gênero pop/rock, que, neste ano, conseguiu produzir shows e eventos fazendo circular pela ilha bandas alternativas com trabalho autoral e promovendo esse diálogo musical dentro dos circuitos nacionais de festivais de música independente. Cito aqui o Coletivo Velga, Garibaldo e o Resto do Mundo, Gallo Azzuu, Megazines, Nova Bossa, entre outros.

Beto Ehongue, Dicy Rocha, Tássia Campos, Milla Camões, Bruno Batista e Djalma Lúcio me fizeram bater muitas palmas em todos os projetos que estiveram envolvidos.

Algumas casas noturnas também me ofereceram bons encontros e boas experiências sonoras. Salve o Odeon Sabor e Arte que voltou com boas energias e a novidade regueira que é o Porto da Gabi. Experiências transcendentais.

No difícil campo das artes cênicas, a Pequena Companhia de Teatro, a Santa Ignorância Cia. de Teatro e o talento do dramaturgo Igor Nascimento não deixaram eu me acomodar na confortável resignação de fruir de espetáculos simples. Foram geniais!

Tivemos quatro festivais de cinema com programação de qualidade e algumas com caráter popular que me fizeram chorar com a vida e arte de grandes artistas e inclusive com alguns filmes que serviram bem mais do que ter pago qualquer valor para um analista ou psicólogo. Quando a ficção ajuda até a tua subjetividade.

Enfim, pelos exemplos que citei, percebe-se a pouca referência a instituições ou órgãos públicos como apoiadores desses projetos. O otimismo está aí: essa sensação de testemunhar experiências culturais contemporâneas que nos afastam de qualquer saudosismo ou nostalgia com outras décadas e colocam nossos sentidos para viver o presente, sem vícios, sem dependências e com a coragem de quem confia na autoestima de nossa produção cultural contemporânea.

E o próximo ano será bem melhor!”

Alberto Júnior, radialista e crítico musical

“O fato mais marcante foi a grande quantidade de shows em São Luís no início do ano. Foi uma verdadeira explosão de bons shows e shows inéditos ou quase inéditos em São Luís. Infelizmente o ano de 2011 não prosseguiu com a grande “leva” de shows, talvez por acanhamento de muitos produtores, mas os primeiros meses do ano foram realmente surpreendentes. Só para lembrar, tivemos apenas em abril, Pitty, Marcelo D2, Lobão, Richie Spice, Doro Pesch e outros. O primeiro semestre de 2011 também nos agraciou com shows de Jason Mraz, Adriana Calcanhotto, Marcelo Camelo, Blues Etílicos, Arnaldo Antunes e muitos outros. O segundo semestre também pode ser lembrado com shows do Teatro Mágico e os internacionais Blind Guardian e Flo Rida. Dezembro será fechado com chave de ouro com show de Paulinho Moska, em mais uma edição do Prêmio da Rádio Universidade. Com certeza esqueci de mencionar vários outros shows, mas todos esses shows provaram que São Luís pode sim receber grandes nomes da música brasileira e exportações da música pop”.

Andréa Barros, jornalista, ex-assessora de comunicação da Lima Dias Turismo, agência responsável pela vinda de muitos dos shows citados à capital maranhense

Ehongue lembra a dinheirama despejada no carnaval carioca em detrimento dos artistas que produzem no Maranhão

“Queria tanto estar agora escrevendo algo de bom sobre os rumos culturais de nossa cidade/estado em 2011, sério mesmo. Queria poder dizer que grandes eventos aconteceram e melhor ainda acreditar que o ano seguinte mostra uma luz clara no fim do túnel, mas não dá. Ficamos carentes de políticas culturais onde ainda prevalecem as decadentes e assistencialistas programações de São João e Carnaval.

Os milhões dedicados à escola de samba Beija Flor, a Praia Grande abandonada e outros milhões dispersados em uma árvore de natal são só algumas das aberrações que indicam que nossa terra anda completamente na contramão das necessidades. Isso tudo merece um DELETE.

Fora da esfera oficial aconteceram coisas boas, como por exemplo o Prêmio Nacional de Música recebido pela dupla Alê Muniz e Luciana Simões. Isso serve de inspiração para toda uma geração de músicos maranhenses que mesmo sem o apoio ou a lembrança dos órgãos que trabalham com cultura continuam teimando com talento e criatividade.

Em 2012 desejo a todos um ano mais sincero e promissor.”

“Beto Ehongue, compositor e produtor musical, homem à frente das bandas Negoka’apor e Canelas Preta

“Destacaríamos, em 2011, o Papoético como uma ideia que germinou e está criando raízes no panorama cultural da cidade. Apesar de ainda não ter a visibilidade necessária na mídia, está se expandindo entre as pessoas que pensam e se preocupam com a cultura em São Luís e no Maranhão. Como evento, São Luís, Outros 400 [temporada de nove shows apresentada pelo compositor Joãozinho Ribeiro e convidados no Novo Armazém] foi um acontecimento que reuniu a nata da música e da cultura maranhenses nos últimos meses do ano.

Também citaríamos o Café Literário, promovido no [Centro de Criatividade] Odylo Costa, filho, organizado pela professora Ceres Fernandes e, finalmente lembramos, para lamentar, o pouco caso que a Prefeitura de São Luís dedicou à Feira do Livro, um evento agregador e com grande potencial econômico, turístico e cultural, mas que está sendo continuamente esvaziado devido à miopia dos atuais administradores da cidade”.

Beto Nicácio, arte-educador, publicitário e quadrinhista, e Iramir Araújo, historiador, publicitário e quadrinhista, a Dupla Criação

Para Mesito, Feira do Livro foi decepcionante

“A decepcionante 5ª. Feira do Livro de São Luís (Felis). Para mim foi a maior decepção cultural nos últimos tempos”.

Bioque Mesito, poeta

Para o editor da Pitomba!: "De mal (...) quase tudo que tenha (...) alguma oficialidade"

“O Papoético é um lance massa! É o que vejo de mais interessante, por ser um lance coletivo e agregador, sem falar na pinga. De mal houve quase tudo que tenha as mãos de alguma oficialidade: tombamento do boi, feira do livro, essas coisas”.

Bruno Azevêdo, escritor, autor de Breganejo Blues e O Monstro Souza, editor da revista Pitomba! e, a partir deste número, colunista do Vias de Fato

“Na música eu destacaria a trajetória de sucesso de Cine Tropical, que deu o Prêmio da Música Brasileira ao Criolina. Na literatura, o lançamento de aliado involuntário, novo livro de poemas de Fernando Abreu”

Celso Borges, poeta e jornalista, parceiro da Alê Muniz e Luciana Simões em São Luís-Havana, faixa que levou o troféu de melhor música no Prêmio Universidade FM 2010

Prêmio do Criolina e livro de Fabreu foram os destaques para CB, aqui visto em uma de suas elogiadas performances

“Vamos logo para o bem.
Mesmo não sendo lá essas coisas, difícil não destacar no ano de 2011, no campo cultural e longe dos afagos oficiais, os lançamentos primorosos dos CDs de Bruno Batista e de Nosly, o amadurecimento  da dupla Criolina, a garra e a beleza das performances de Celso Borges, o Papoético do Paulão [o poeta e jornalista Paulo Melo Sousa], o Café Literário, o livro do Fernando Abreu, os Outros 400, projeto de Joãozinho [Ribeiro] etc . Saldo positivo.

De tristeza: a continuada  favelização da Praia Grande e a perda de D. Teté.”

Chico Saldanha, compositor, lançou Emaranhado em 2007 e, ao lado de Cesar Teixeira, Joãozinho Ribeiro e Josias Sobrinho, levou o troféu de melhor show do ano no prêmio Universidade FM 2011

Memória cinemetográfica

“Como a minha área de atuação é o cinema, acho que é importante destacar que em 2011 tivemos várias mostras e festivais. Isso é uma importante conquista para o público, que certamente teve acesso a produções destacadas no cenário nacional e no internacional.

Não podemos esquecer também esse maravilhoso trabalho do cineasta Murilo Santos de devolver às comunidades aquilo que a sua câmera registrou com o passar dos anos, tanto na forma de sessões como na de belos painéis fotográficos, além dos novos vídeos gerados nesses encontros.”

Francisco Colombo, cineasta e professor universitário, curador das mostras de Cinema Infantil e Cinema e Direitos Humanos na América do Sul, realizadas em São Luís em 2011

Gildomar Marinho entra em estúdio em janeiro para gravar sucessor de Olho de Boi (2009) e Pedra de Cantaria (2010)

“O destaque é o próprio jornal, com sua linha editorial que se configura um contraponto à cultura vivenciada no Maranhão atualmente, eivada de vícios, paternalismos e extremamente violenta contra qualquer perspectiva de emancipação cultural. Vias vai às veias, às tripas, aos fatos. Um soco no estômago de uma elite autocrática. Um sopro de vida à verdadeira imprensa livre”.

Gildomar Marinho, compositor

Para Lena Machado, destaque foi o show de Cesar Teixeira

“O show Bandeira de Aço de Cesar Teixeira em julho, no Circo da Cidade. Ver o nosso querido poeta feliz e à vontade no palco, cantando clássicos, além de apresentar inéditas como Cubanita e Boi de Medonho foi maravilhoso. Tão bom que não canso de perguntar: e aí, Cesar, quando seremos presenteados com o segundo?!!”

Lena Machado, cantora

Descaso com artistas entre as lembranças de Milla Camões, que estreia em disco ano que vem

“O que me marcou de forma positiva foi o Lençóis Jazz e Blues Festival. Claro, houve a minha participação, mas muito mais pelo fato de São Luís ter entrado, definitivamente, na rota comercial deste tipo de música, no Brasil. Além de, por falar em rota, termos tido também, bons shows (apesar de, às vezes, a preços exorbitantes, por conta da falta de espaço adequado para as apresentações ou mesmo falta de compromisso dos contratantes), boas peças de teatro, enfim. Vi um suspiro de qualidade entrando nas veias da cidade e isso me deixa feliz. Dois fatos me deixam extremamente triste: a falta de responsabilidade e compromisso de donos de bares, casas noturnas e governantes com a música em geral (não pensem que calotes, prejuízos etc., acontecem só com uma fatia: inclua aí TODOS os estilos), e, embora redundante, a pergunta anual, que continua sem resposta: “Até quando?”; e a perda de figuras importantes de nossa cultura, a exemplo de Dona Teté. Seu cacuriá continuará vivo, por que existem pessoas dispostas a se comprometer com seu legado. Mas quantos mestres morreram, esquecidos em interiores deste Estado, quantas culturas, quantas danças estão entrando em extinção, por não haver interessados em repassar ao próximo seu conhecimento? Aulas de cultura popular, de arte em geral, nas escolas; a aprovação e inclusão definitivamente dessa Lei [que torna obrigatório o ensino de música nas escolas], seria de grande valia. E que 2012 nos traga felicidade, poesia, música e arte ao cubo!”

Milla Camões, cantora

Falecimentos de Carlos de Lima e Dona Teté entre os maus momentos lembrados por Moema

“Tivemos bons e maus momentos, alegres e tristes. Com certeza a morte de D. Teté e a do Sr. Carlos Lima foram nossas grandes perdas. Alegres foram os outros momentos, incluindo (para quem gosta): o carnaval, as festas juninas, as feiras, principalmente a de livros e a de artigos de vários paises. O lançamento do livro de Aymoré Alvim, meu irmão, foi um dos melhores momentos da nossa Academia. Lamentáveis os fatos que envolveram o Prof. Saraiva [acusado de racismo por estudantes da UFMA], manchando uma reputação construida com muito sacrifício, ao longo de muitos anos”

Moema de Castro Alvim, sebista, proprietária do Papiros do Egito

Papoético de Paulão entre os mais lembrados na retrospectiva

“Acompanhei pouco as agitações culturais este ano. Só estive mesmo ligado no Papoético, mas, acho que a revista Pitomba! fez a diferença. Fazer literatura, no Maranhão, hoje em dia, é ato de heroísmo e publicar é altruísmo puro. A Pitomba! deu uma importante contribuição, aliando agitação literária com um material de qualidade, gerando, inclusive, polêmica, o que serviu para oxigenar o cenário da cultura local”.

Paulo Melo Sousa, jornalista e poeta, coordenador do Papoético, tertúlia semanal realizada no Chico Discos (Rua 13 de Maio, Centro)

“Eu destacaria o filme A alegria, de Felipe Bragança e Marina Meliande, bem como a Trilogia Coração no Fogo, da qual o filme faz parte, pelas razões que já expus aqui. É um cinema que produz, com suas imagens oxigenadas, outras maneiras de ver. Munição pesada para a imaginação, o sonho e a coragem”.

Reuben da Cunha Rocha, jornalista e poeta

Ricarte Almeida Santos lembra bons momentos, apesar da ausência de política cultural, objeto de seu estudo no mestrado em Cultura e Sociedade (UFMA)

“Para o bem: o projeto Outros 400 [temporada capitaneada pelo compositor Joãozinho Ribeiro, no Novo Armazém]; o show Rosa Secular II [com Chico Saldanha, Joãozinho Ribeiro, Josias Sobrinho e convidados, Bar Daquele Jeito, 10/12]; o lançamento do cd Eu não sei sofrer em inglês, o segundo de Bruno Batista;  o show Bandeira de Aço, de Cesar Teixeira [Circo da Cidade, junho]; a Mostra de Cinema Infantil [Cine Praia Grande, 12 e 13/10]; o Festival Guarnicê de Cinema; as várias rodas de choro em vários locais da Ilha (de shoppings a botequins); o lançamento do cd A Canção de Cartola na voz de Léo Spirro. Para o mal: nem um passo dado no sentido de uma política cultural para o Maranhão; o governo de Roseana Sarney financiando o carnaval da Beija Flor carioca; a morte de Dona Teté; a cultura de eventos que ainda prevalece; e o abandono da Praia Grande”.

Ricarte Almeida Santos, sociólogo e radialista, apresentador do dominical Chorinhos & Chorões, às 9h, na Rádio Universidade FM (106,9MHz)

Urias critica parte da classe artística

“São Luís, 400.000 lamentos. Um povo é o reflexo de seu governo ou o governo é reflexo do seu povo? Estamos no ápice da mediocridade no nosso fazer cultural (talvez com exceção para as “brincadeiras” populares). Uma secretaria medíocre, cercada de nós, artistas ainda mais medíocres, que sempre pensamos que nosso trabalho é a maravilha. A miséria que vem nos cercando, sem dúvida, vai sendo refletida na qualidade de nossos produtinhos “inventados” e não criados com um debruçar sobre si mesmo para por em prática um processo que venha alterar e complementar a consciência de quem somos nós. Ouvi outro dia de um amigo “artista”: “Ah!, esse negócio de processo (!!!!), de treino e ensaio pesado me enche o saco. Agora tudo é processo! Eu quero mais é fazer!”. Acho que todos nós realmente temos o direito de fazer o que nos dá na telha e nos desejos, mas na minha liberdade de pensar, penso também que esse papo é de “artista” que não tem que batalhar para viver da arte que faz e tem casa, comida e roupa lavada, além de não dar a mínima pro seu crescimento pessoal, o que por si só justifica a busca de um processo de trabalho..”

Urias Oliveira, ator premiado internacionalmente, botando o dedo na ferida

Wilson Marques é outro que destaca o cinema em 2011

“Destaco o primeiro Festival Internacional de Cinema, da Lume, evento de alto nível que infelizmente foi pouquíssimo prestigiado pelo público de São Luís”.

Wilson Marques, escritor, lançou em 2011 A Lenda do Rei Sebastião e o Touro Encantado em Cordel

ZéMaria Medeiros destaca evento próprio e descaso com artistas pelo poder público

“Os 9,7 anos de A Vida é uma Festa, os lançamentos dos cds Onde tá o coro, de ZéMaria Medeiros & A Casca de Banana, e Arriba Saia, de Omar Cutrim, os falecimentos de Mundica e Dona Teté, os atrasos entre seis meses e um ano para pagamento de cachês de artistas, um absurdo!, o carnaval 400 anos da Beija Flor, ridículo!, o desprezo da produção musical do Maranhão pelos maranhenses, em valorização do axé, breganejo, pornoforró e tchans!”

ZéMaria Medeiros, poeta e músico, comanda há mais de nove anos o happening A Vida é uma Festa, que acontece semanalmente às quintas-feiras na Praia Grande

Feliz Pitomba! nova!

Bobos da corte maranhense refestelam-se no carnaval carioca: o povo paga a conta

Ontem encaminhei ao Vias de Fato a página de cultura da edição deste mês, que chegará às bancas junto com o terceiro número da revista Pitomba!: o lançamento desta está marcado para esta sexta (16), às 19h, no Bar do Porto, aberto ao público (a revista custa R$ 5,00).

O que fiz para o jornal “que não foge da raia”: uma retrospectiva cultural. Diversas personalidades da cultura do Maranhão responderam à pergunta “para o bem ou para o mal, no campo cultural, o que você destacaria numa retrospectiva particular do ano que se encerra?”

O resultado você poderá conferir na edição impressa do Vias de Fato (aqueles que foram questionados por e-mail e responderam após o fechamento da edição terão suas respostas publicadas cá no blogue, junto das dos que responderam a tempo) e talvez você estranhe eu tanto falar do jornal quando o post deseja outra coisa.

O lance é o seguinte: entre as boas lembranças de alguns agentes culturais está o nascimento, a consolidação da revista Pitomba! Houve mesmo quem lembrasse da polêmica, de que tomou parte este blogue, envolvendo a publicação e o leitor-livreiro José Lorêdo, cujo texto que remonta à inquisição, acabou indo parar nas páginas do número 3 da de-vez-em-quandal editada por Bruno Azevêdo, Celso Borges e Reuben da Cunha Rocha. Dúvida que não quer calar: venderá a livraria Resistência Cultural este número da Pitomba!?

Abre este post poster encartado no caroço da revista, publicado com exclusividade neste blogue, retratando personalidades como a cantora Alcione, o secretário de saúde Ricardo Murad, o de cultura Luiz Bulcão, a governadora Roseana Sarney, o “sempre ridículo” Pergentino Holanda (cf. Flávio Reis) e outros “poderosos”, baba-ovos e quetais. Os maranhenses na festa carioca da Beija-Flor, paga com dinheiro dos que não serão convidados para esta festa podre. O derramamento de dinheiro público para bancar o carnaval alheio, de samba-enredo fruto de ensandecimento coletivo, foi outro fato lembrado na retrospectiva cultural do Vias de Fato, “para o mal”.

Apesar da turma ilustrada por Joka, 2011 fecha com saldo positivo, as sobrevivências de Pitomba! e Vias de Fato, sem o apoio de quaisquer verbas governamentais, provas incontestes disso, exceto, é claro, em se tratando das contas bancárias dos editores das publicações.

Abaixo, detalhes sobre o lançamento do novo número da Pitomba! e os nomes de quem está nesta edição.

Secma: s de silêncio

Mesmo contra a vontade da Secretaria de Estado da Cultura, sociedade civil tem se mobilizado para participar dos Fóruns Regionais de Cultura, etapas prévias ao Fórum Estadual

Numa clara tentativa de desmobilizar e desarticular a participação da sociedade civil, a Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma) pouco tem divulgado a realização de Fóruns Regionais de Cultura como etapas preparatórias à realização do Fórum Estadual de Cultura, previsto para os próximos dias 20 e 21 de setembro, em São Luís, ocasião em que será eleito o Conselho Estadual de Cultura (Consec).

Três fóruns regionais já aconteceram: em Balsas, dia 9 de agosto, em Buriticupu, dia 11, e em Itapecuru, dia 23 – lá, para se ter uma ideia, apenas três pessoas da sociedade civil da cidade anfitriã participaram, tendo São Luís a maior delegação, com 20 representantes, esforço explicado pela atriz, gestora e produtora cultural Elizandra Rocha: “A participação tem sido importante para derrubarmos as tentativas de manipulação na eleição do Consec. Em Itapecuru conseguimos derrubar algumas propostas no regimento”, afirma. Entre elas, a manutenção de privilégios ao ex-presidente do Consec: ele, conforme o regimento, membro da Comissão Eleitoral Estadual, poderia ser votado para o cargo de conselheiro e/ou delegado.

A capital São Luís, que concentra o maior número de agentes culturais no Maranhão, por exemplo, não contou, no calendário e geografia da Secma, com a realização de uma etapa prévia à estadual. Hoje (25) acontece a edição de Codó. Além de pouco divulgados, os fóruns foram ainda reduzidos: em vez dos cinco originalmente anunciados nesta notícia publicada pela assessoria de comunicação da Secma – numa das raras que encontramos “dando um Google” no assunto –, acontecerão apenas quatro fóruns regionais prévios ao estadual. O de hoje junta as mesorregiões Leste e Centro do Maranhão – com outro fórum, previsto para o município de Presidente Dutra, simplesmente deixando de acontecer e, idem, contribuindo para o esvaziamento da participação da sociedade civil no processo.

Por um motivo – a falta de divulgação e, portanto, de transparência – ou por outro – a pressa com que o processo se dá e a concentração geográfica – o “toque de caixa” da Secma talvez “se justifique” pelo seguinte: o Consec está com mandato vencido desde o ano passado.

Procurados pela reportagem para falar sobre o assunto, o ex-presidente do Consec Armando Nobre, o secretário de Estado de Cultura Luiz Bulcão e sua assessoria não se manifestaram até o fechamento da matéria.

Letras mortas

Ensino de história e cultura afrobrasileira e indígena e música nas escolas são leis que nunca saíram do papel.

A data de 13 de maio é “vendida” em calendários oficiais e comemorações idem como dia da abolição da escravatura. A ela o Movimento Negro refere-se como “falsa abolição”. “O Movimento Negro Unificado, a partir de 1978, instituiu a data como Dia Nacional de Denúncia Contra o Racismo, para desconstruir o heroísmo da princesa bondosa”, afirma Maurício Paixão, Assessor de Direitos Étnicos, Povos e Comunidades Tradicionais do Centro de Cultura Negra do Maranhão. A princesa bondosa a que ele se refere é a princesa Isabel, filha do imperador D. Pedro II, tida como “a mão que assinou a Lei Áurea”.

Para o assessor do CCN, “a classe dominante brasileira da época escondeu que às vésperas da abolição apenas 5,6% da população negra ainda era escravizada. A grande maioria dos negros já tinha efetivamente detonado o escravismo, através de várias formas de luta, entre as quais fugas massivas, insurreições e o quilombismo”. Para ele uma estratégia para calar e apagar quaisquer resquícios de resistência e luta da história de um povo.

“Mais de 500 anos depois da descoberta do Brasil o povo negro ainda busca reconstruir sua dignidade e conquistar sua própria liberdade”, continua.

Não é recente a obrigatoriedade do ensino de cultura e história afrobrasileira e indígena nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio. Sancionada pelo presidente Lula, a Lei 11.645, de 10 de março de 2008, diz: “Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”.

Mas a quantas anda, de fato, o cumprimento das leis que a asseguram, principalmente no Maranhão? “Algumas escolas têm incorporado os assuntos em disciplinas como História e Artes. Mas ainda é um número pequeno e menor ainda na rede pública, onde em geral este ensino depende da boa vontade de professores, de forma isolada. Outros inserem o conteúdo em projetos, apresentados em vários momentos ao longo do ano letivo”, afirmou a professora Joana D’Arc Martins, do Colégio São Marcos.

No quesito descumprimento, aliás, à Lei 11.645 soma-se a 11.769, de 18 de agosto do mesmo ano: esta devolve à música o status de conteúdo obrigatório do currículo escolar – a expressão artística já havia figurado entre as disciplinas obrigatórias entre 1932 e 1971. Seu retorno a este rol foi proposta da então senadora Roseana Sarney (PMDB). No entanto, a legislação permanece apenas no papel e, se ainda não vemos “músicos em formação” – papel que nem teria o ensino obrigatório da música – tampouco tempos estudantes mais sensíveis, ou com gosto mais apurado.

O dia da Consciência Negra (20) – este sim, celebrado pelo movimento negro – e o de Santa Cecília (22), padroeira da música, estão em novembro. Seis meses até lá para se elevarem preces aos céus para que na terra as leis dos homens (e mulheres) sejam cumpridas. Procurada para comentar os assuntos a Secretaria de Estado da Educação (Seduc) não se pronunciou até o fechamento desta matéria – espera-se que estivesse ocupada tratando da greve dos professores, que já conta cerca de dois meses de idade. Aliás, cabem orações aí também.