Tive o prazer de falar um pouco sobre a diva madre-divina para o documentário de Tairo Lisboa que estreia hoje, às 18h30min, no Cine Praia Grande. Xiri meu, o curta-metragem, foi selecionado pelo projeto São Luís nos 4 cantos, que produziu 10 documentários, todos exibidos na programação do festival Maranhão na Tela, que está ocupando os espaços do Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, na Praia Grande, por estes dias.
Além da própria Patativa e deste que vos perturba, comparecem ao vídeo, entre outras figuras, nomes como Cesar Teixeira e Ricarte Almeida Santos. Além desta produção, vocês ainda ouvirão falar no nome da compositora: a sambista está concorrendo no Festival de Música Carnavalesca promovido pelo Sistema Mirante de Comunicação e deve lançar este ano seu disco de estreia, produzido pelo músico Luiz Jr.
O talento de Patativa há tempos merece ser mais conhecido. Estas iniciativas são importantes. Que venham outras, valorizando sua arte e a de outros mestres.
Jards, documentário musical de Eryk Rocha, sim, o filho do homem, será exibido amanhã (28), às 22h, no Cine Praia Grande, e quinta (30), às 18h, no Teatro Alcione Nazareth, ambos no Centro de Criatividade Odylo Costa, filho (Praia Grande). Ambas as sessões são gratuitas, devendo os interessados retirar os ingressos nas bilheterias com uma hora de antecedência das exibições.
“Relembrai vossa origem, vossa essência;/vós não fostes criados para bicho,/e sim para o valor e a experiência”
(Dante em P. Levi, É isto um homem?)
Para Ana Clara (in memoriam)
CAMPO DE PEDRINHAS
Passagem de 2013 para 2014, ainda em meio às festas do Natal e Ano Novo, clima carnavalesco chegando, expectativas da Copa do Mundo, nova onda de protestos e eleições de outubro, e eis que o “espetáculo do suplício” maranhense ganha nova projeção no país dos “Amarildos”. Aparece como relâmpago a iluminar, por instantes, o coração das trevas desse país, na forma dos horrores da Penitenciária de Pedrinhas, localizada na periferia de São Luís. Guerra civil em estado puro, banal, sem mediações.
Corpos “picadinhos”, perfurados a balas, facas, facões e canivetes, segundo a lógica da revolta, do ódio, do crack; cabeças degoladas, exibidas como troféus ou bolas de futebol; esqueletos de ônibus queimados; homem, mulheres e crianças em chamas; tiros em delegacias e policiais morrendo e matando adoidado; denúncia do estupro de mulheres por presos em “visitas íntimas” coletivas; cidade com mais de milhão de habitantes tomada pelo medo; imagens do horror na mídia em transe; divulgação de gravação dos papos de guerra via celulares entre membros do “Bonde dos 40” e do “Primeiro Comando do Maranhão” (PCM), antiga facção dos “baixadeiros”, inspirada no PCC-SP e CV-RJ; estado de emergência decretado no sistema prisional (de fato, em toda a região metropolitana), entregue ao domínio “pacificador” da PM e da Força Nacional, num estado onde, como disse certa vez um ex-secretário da segurança, “tudo é possível”; planos e planos emergenciais; denegação sobre denegação de um governo radicalmente alienado, simulando Roseana “no país das maravilhas” para uma população prisioneira da impotência, assombrada e indignada.
Mesmo difícil, vale distinguir as razões da explosão midiática daquelas da implosão de Pedrinhas em si. Há dez anos, pelo menos, denúncias são feitas por órgãos como SMDH, MP-MA e OAB-MA. Várias rebeliões, com mortes e decapitações, ocorridas antes, foram noticiadas pela imprensa. Exemplos: presídio São Luís-Pedrinhas, com 18 mortes (3 decapitações), novembro de 2010; Delegacia Regional de Pinheiro, Baixada maranhense, com 6 mortes (4 decapitações), fevereiro de 2011; CADET-Pedrinhas, com 9 mortos e dezenas de feridos, outubro de 2013. No entanto, sem força para criar abalos maiores.
Claro que é imoral expor ou esconder as barbaridades do Maranhão apenas por razões eleitorais, embora isto seja um dado real da briga pelo poder entre bandos partidários. Mas, sem dúvida, o modo como o Maranhão oficialmente se olha e quer ser visto foi posto em questão, como nunca antes, quando da divulgação mundo a fora dos vídeos das decapitações (feita pelos presos na rebelião de 17 de dezembro de 2013), imediatamente considerada pelo Governo do Estado “ato criminoso” (a divulgação, é claro), invertendo a situação; e, em seguida, das imagens dos ônibus incendiados (3/1/2014) e, dias depois, a morte de Ana Clara, em cujo enterro se fez presente o senador João Alberto, linha de frente da oligarquia Sarney, ex-governador (abril de 1990 a março de 1991) famoso pela “Operação Tigre” e alcunha de “Carcará”. Sobre as cenas da decapitação, o argentino Juan Ernesto Méndez, relator membro do Alto Comissariado para Direitos Humanos da ONU, observou: “Já vi cenas de morte entre presos… mas é a primeira vez que eu vejo decapitação… Depois que vi essas terríveis imagens em Pedrinhas, pedi à minha equipe de Genebra que analise o assunto” (Folha de S. Paulo, 12/1/2014).
Não foi, portanto, o simulacro da cultura, da cidade “patrimônio da humanidade”, dos Lençóis maranhenses, mas a brutalidade dos vídeos expondo presos decapitados, “videodrome” produzido em celular pelos próprios, que catapultou o Maranhão da Oligarquia Sarney e suas prisões e, por tabela, sua tragédia social, numa escala inédita. Primeiro sucesso maranhense mundial. Com certeza um marco que assinala a entrada do Maranhão no século XXI. Não é só uma questão de espetáculo, de exploração mercadológica e contemplação passiva da própria desgraça. Estratégia fatal, a violência em si dos presos atingiu um extremo praticamente impossível de ser batido, de ser trocado na mesma moeda, pela violência do poder oligárquico. A não ser que este fosse capaz de degolar a si mesmo. Eis aí, quem sabe, a “grandeza” desse ato pérfido numa terra em que, já dizia João Lisboa no século XIX, “miséria” e “mal” (dos opressores) não sofriam compensações do “bem”.
De toda maneira, numa região onde a violência da colonização e do império deixou traumas arraigados, e onde elite e povo tendem a decidir o que é bom e ruim quase sempre pelo espelho de fora, o giro neste espelho – agora não mais da barbárie em civilização, mas da civilização em barbárie, expondo o Maranhão atroz e mentiroso criticado pelo autor acima –, produzido pelo bombardeio das notícias e vídeos do terror local na imprensa nacional e do Mundo, feriu a imagem oficial esquizofrênica do “povo cordato” cujo monstro da violência, vindo não se sabe de onde, um governo-protetor se encarregaria em manter preso nos labirintos das Pedrinhas. Seu lugar merecido e justo.
Resta saber se tais deslocamentos levarão à consciência das classes populares quanto às causas materiais, políticas e sociais da violência que lhes atinge em primeiro lugar, potencializando sua capacidade de indignação, ou ao reforço das velhas expectativas messiânicas e, em especial, a ânsia por novas formas de controle (tipo Sistema BI paranaense, coleira eletrônica, novo “modelo de gestão” e coisas do tipo.).
Embora Pedrinhas seja um dos principais presídios do Brasil, seu universo carcerário é relativamente minúsculo. Representa 1%, ou menos que isso, da crescente população carcerária do país (de mais de 500 mil). Em números absolutos, fontes do TJ-MA indicam, até 12/12/2013, um total de 5.466 presos em todo o estado, dos quais 1.555 cumprem penas em delegacias. Déficit de 2.562 vagas. Segundo o Banco Nacional de Mandatos de Prisão do CNJ existem ainda 5.539 mandatos por cumprir. Pergunta-se: como é possível a um Governo de Estado cuja população atinge quase 6.800.000 habitantes (nas estimativas recentes do IBGE), e cujo pacto com o poder federal é cantado e decantado, “fracassar” de modo tão grotesco na guarda de 5.466 presos?
É comum se dizer que as condições extremas em Pedrinhas, absolutamente desumanas, decorrem de um sem número de fatores, tais como: concentração e superpopulação de presos do interior e da capital num só lugar, com celas totalmente inadequadas, cheias de “gambiarras”, insalubridade; falta de recursos humanos e materiais; corrupção, inexistência da fiscalização e mistura indiscriminada dos presos, fora da Lei de Execuções Penais; presos ilegais; facções e rebeliões; denúncia de abusos, tortura, espancamento e morte, cometidos pelo chamado “Serviço Velado da Polícia Militar”; paralisação na Delegacia da Estiva da maioria dos inquéritos das mais de 300 mortes nos últimos 10 anos; crimes no interior das prisões denunciados e não investigados; assassinato de denunciantes; crimes com erros periciais básicos; desaparecimento de presos, etc.
São práticas e situações de governo deliberadas, sistemáticas e sabidas, ligadas, por um lado, a uma ideia particular de justiça, para não dizer fascista, bastante comum na Colônia penal maranhense, segundo a qual presos devem pagar pecados no inferno carcerário. Nem lugar de passagem para cumprimento da pena, nem de reclusão, a prisão é o próprio espaço da pena de morte. Oficina do diabo, sem dúvida. Crença de que bandido não pode ter “privilégios” e o sistema carcerário é a “última das prioridades”. O imaginário dominante é marcado pelo ódio arraigado aos “direitos humanos”. A ideia é de que “monstros” devem ser punidos como “monstros”.
Trata-se, sem dúvida, de assumido preconceito social e racial oriundo das camadas senhoriais, mas aceito como natural por extensa parte da população. Incapacidade crônica do miserável em perceber as causas históricas, sociais e políticas da violência num contexto em que elas berram. Basta observar, para verificar essa aceitação, que, dentro do Campo de Pedrinhas (alguma dúvida de que é um tipo de Campo?), o berço étnico-social comum não é apagado pelas diferenças das posições e funções – se presos, agentes penitenciários, monitores, inspetores ou policiais. São quase sempre negros esfolando negros a serviço de brancos ou quase-brancos, situados a quilômetros e quilômetros de distância, em bairros, edifícios e condomínios nobres à beira do Atlântico.
De outro lado, o quadro atual do “abandono” liga-se a uma situação não menos decisiva de “descontrole”, caracterizada pelas disputas no interior das polícias, especialmente entre alto comando da Polícia Militar e Secretário de Segurança; Secretário do presídio e agentes penitenciários (a divulgação do vídeo falso da perna dissecada não veio daí?); gangues contra gangues. Como se a lógica do “monstro” se reproduzisse para todos os lados. O caos instalado favorece o “domínio das facções” e suas guerras cruéis envolvendo controle das prisões, comércio das drogas em franca expansão na Ilha e no Continente; disputas entre presos da Capital e do Interior (os “cara da baixada”); abuso sexual das mulheres (negado por alguns presos). A desordem instalada resulta num ambiente inevitável de delinquência, propício aos conluios entre bandidos e agentes penitenciários corruptos e, sobretudo, à livre exploração econômica da prisão pelas facções do governo e empresas dos comparsas contratadas. Negócios e intolerâncias se retroalimentam.
A “delinquência, ilegalidade dominada, é uma agente para a ilegalidade dos grupos dominantes”, diz Foucault em Vigiar e Punir. O que se chama “fracasso” da prisão é, na verdade, êxito. Forma de produção da criminalidade com o apoio da polícia visando estabelecer, a serviço dos grupos dominantes delinquentes, o controle e a exploração social. Pedrinhas é parte de um montante de investimentos que só entre 2009 e 2013 movimentou 274,1 milhões do governo do estado para empresas de “familiares, amigos e correligionários” (O Globo, 12/1/2014, “Roseana Sarney já gastou 274 milhões…”). Não dá para dissociar a conversão das prisões em negócios rendosos de compadres, a cada volta no parafuso do nosso estado de emergência, da atual configuração do capitalismo: novo regime da crueldade baseado precisamente na militarização da vida social e administração da miséria absoluta.
AMNÉSIA E NEGAÇÃO DA CRUELDADE
Mas a contribuição de Pedrinhas para a sucessão de horrores que vem causando fascínio e repulsa no mundo é fruto de um “princípio do mal” ainda mais horroroso, estrutural, sem a qual não funciona a máquina social e histórica perversa e fantasmagórica chamada “Maranhão”. Uma espécie de “Louisiana” do Norte, com a qual, no entanto, o atual Brasil “civilizado, moderno e industrializado” convive há séculos sem espanto algum. Na verdade desde que o Maranhão era a antiga Província do Norte do Império. Ou terá sido apenas acaso que a nova “Guantánamo” noticiada do país, esteja encravada, desde o finalzinho de 1965, na capital de um dos estados do nordeste, onde nervos, cabeças e ossos estão literalmente entre os mais expostos da fratura social brasileira do Planeta?
Violência social e histórica, a crueldade que caracteriza o mundo infeliz dos cárceres maranhenses não é, de modo algum, produzida exclusivamente dentro dele; não é, no fundo, diferente daquela que distingue a relação do governo com o mesmo povo negro, mestiço e pobre nas escolas, hospitais, transportes, saneamento, moradia e mundo do trabalho. Todos os dias, matérias e matérias são divulgadas na imprensa sobre cada um destes setores e a situação quase sempre é de completo desprezo e falta de humanidade. Ou será que a “superlotação” das prisões é tão diferente assim da dos ônibus, hospitais e moradias usadas pelos trabalhadores? Vistos como indignos de viver, são explorados como se pertencentes ao mundo dos “animais” ou das coisas, cujo único modo possível de tratamento, além do religioso (isto é, busca da salvação da alma), é a aplicação da lei social da indiferença e crueldade. A “taca” de “deixar nós moído”, nas palavras de um “monstro” ao radialista Silvan Alves.
O Maranhão das Pedrinhas, sobretudo, é o mesmo Maranhão miserável dos massacres, assassinatos, genocídios de camponeses, índios, quilombolas; o mesmo Maranhão 66 de Glauber Rocha, filme que teima obsessivamente em não acabar, eterno retorno do inferno, para o qual Pedrinhas, nascida já como depósito de detentos, não passou despercebida; mas também o Maranhão da extinção indígena, denunciada em Serra da Desordem (filme inquietante de Andréa Tonacci), pela invasão de fazendas, madeireiras, exploração de minério; o Maranhão da alta bandidagem de Grupos políticos e estrutura oligárquica, de Flávio Reis; o Maranhão da província escravista de O Mulato (lançado em 1881, em São Luís), de Aluísio Azevedo; o Maranhão da barbárie e do simulacro de João Lisboa, enfim, em que a oligarquia Sarney funda, pelo monopólio, exploração e depredação mafiosa das verbas públicas, o seu domínio de quase meio século, e faz de tudo para ocultar e dissimular de todos, até do mundo, pela estratégia de mudar a mentira em verdade e a verdade em mentira, conforme as circunstâncias e conveniências de quem age como se fosse um poder divino, criador da luz a partir do nada (não é esse o discurso do “Maranhão Novo”?), dono do destino, da vida e da morte dos seus súditos.
A reação do governo diante do horror do Campo de Pedrinhas é sintoma explícito da gravidade da sua esquizofrenia moral e social: “rede de boatos”; “mal que vem para o bem”; “fruto da ação do governo”; “o estado está mais rico”; “cresce e melhora”; “o Maranhão de verdade”; “campanha política contra o Maranhão”; “não existe oligarquia”; “licitações” para compra de lagostas e caviar; “Eu amo o Maranhão, aqui é bom demais”; “sou pacifista”; “falta de fundamentação”; e até a conspiração da oposição com a imprensa internacional. Nem a junção da mais fina ironia de Machado de Assis com o espírito mais anárquico de Rogério Sganzerla daria conta em narrar e filmar todo o jogo de negação, deformação e recalque sarneista da memória da crueldade do Maranhão e em especial da sua própria barbárie.
Exploração e recusa radical do outro, o sarneismo é um tipo de anomalia histórico-social, banalização do mal, que jamais poderá encarar suas origens e história. A não ser no terreno da mistificação, dos mitos, da simulação, da estetização cultural, do “inexplicável”. Como a barbárie pode encarar a si mesma? Olhar em seus olhos opacos? De todas as oligarquias do Maranhão, essa foi talvez a que, visando o domínio total, mais fez para apagar a relação dos seus súditos com o real. Grau zero da simulação. No entanto, historiadores e estudiosos, de distintas formações e colorações ideológicas, alcançaram (sabe o deus das pesquisas e arquivos locais como) denunciar e analisar as contradições do Maranhão e sua violência, sob os mais diversos aspectos, em vários momentos. Permita o leitor, ainda que de passagem, a lembrança necessária de alguns: João Lisboa, Jornal do Timon; Dunshee de Abranches, O Cativeiro; Carlota Carvalho, O Sertão; Mathias Assunção, A Guerra dos Bem-te-vis; Alfredo Wagner, A Ideologia da Decadência; Victor Asselim, Grilagem: corrupção e violência em terras do Carajás; Wagner Cabral da Costa, Sob o signo da morte: o poder oligárquico de Victorino a Sarney; Lourdes Lacroix, Jerônimo de Albuquerque Maranhão: guerra e fundação no Brasil colonial; Mundinha Araujo, Insurreição de escravos em Viana, 1867; Manuel da Conceição, Essa terra é nossa; Maristela de Paula Andrade (org.), Chacinas e Massacres no Campo; Yuri Costa, A Outra Justiça: a violência da multidão representada nos jornais, etc.
Para alguém minimamente afeito à realidade absurda do estado, as cenas de Pedrinhas evocam um filme de horrores inacreditáveis, presentes desde sua pré-história colonial. Tempos das primeiras guerras cruéis, onde cabeças indígenas eram decepadas em estranhos “folguedos bárbaros”. Horrores cuja recorrência, hoje, nem os estudiosos mais cretinos teriam coragem de negar. Em primeiro lugar, os da Balaiada, guerra matricial do Maranhão pós-colonial, desencadeada no final de 1838, por uma revolta na cadeia da vila da Manga (atual Nina Rodrigues), vale do Munim, por conta de recrutamentos arbitrários.
Horror reconhecido de cara por um autor monarquista, Gonçalves de Magalhães, com “um só fato”, mas que dizia tudo: “a um mísero ancião octogenário cortaram o ventre e nele coseram um leitão vivo, que lhe roía as entranhas; esta recordação horrível de um suplício tartáreo foi feita ante os olhos dos filhos e da esposa do desgraçado velho, e nem deixaram os frios algozes, que galhofavam, sem o ver exalar o último expiro no meio das cruéis vascas e dolorosos gritos da família, que além deste martírio foi espancada em despedida. A tanto chega a cruel fereza do coração humano!” (Memória histórica e documentada da Revolução da Província do Maranhão. São Paulo, Siciliano, 2001, p. 46). Houve quem duvidasse do exemplo, vendo exagero, por expressar preconceitos racistas de um conservador da Corte do Império. Mas, no dizer de autora mais insuspeita, Carlota Carvalho, a guerra dos Bem-te-vis foi um “espetáculo dos suplícios” traumático e alucinador (O Sertão. Ética, 2000, p. 138).
Numa entrevista recente, intitulada “Bonde errado”, dada ao jornal O Estado de S. Paulo (11/01/14), o advogado Luís Antonio Pedrosa, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA, questionado sobre “vídeos de terror” em Pedrinhas, diz: “Num deles o preso teve o olho extraído e jogado ainda pulsando na direção de uma juíza que negociava as reivindicações; em outro abriram o tórax de um preso, tiraram o coração, deceparam seu pé e o colocaram dentro da cavidade. Entrar num presídio logo após uma rebelião é encontrar vísceras.” Na mesma entrevista, informa que presos dizem que a prática adotada pelas facções do presídio, de cortar cabeças de pessoas vivas como modo de impor respeito, foi inaugurada por um índio guajajara (Barra do Corda), tal o grau de revolta com as humilhações sofridas ali.
A visibilidade dos aspectos sinistros do sarneismo tem suas chances aumentadas, no entanto, na medida em que o país se ajusta com sucesso ao controle total do capital. Será mera coincidência que o instante em que o relâmpago de Pedrinhas ilumina o Brasil como “Grande Maranhão”, é o mesmo em que ele é atravessado pela lógica desastrosa do mercado mundial? Sem querer dizer que este sinal de alarme esteja sendo ouvido, é como se a “hora maranhense” do país se aproximasse a cada volta dada no ponteiro do relógio da normalização da exceção, da militarização da vida social e da administração da miséria extrema.
Na feição desmedida do Maranhão, a monstruosidade social brasileira atual é expressão, sem dúvida, do pacto republicano pra lá de diabólico do sarneismo com o governo FHC, intensificado com o Lulismo. Criatura genuína de uma ditadura que alçou a barbárie brasileira a patamares inéditos, essa oligarquia acompanhou e foi protagonista do colapso da modernização nacional-desenvolvimentista e da extinção da política no país. Ajustada às novas Administrações emergenciais do PSDB e depois PT, configura-se como um tipo bem sucedido de poder que ampliou as diferenças de classes, estrangulando suas lutas através da guerra civil molecular. Dirigido por um poder senhorial endinheirado, sua violência maior, com a conivência de sempre do poder nacional, foi transformar o estado num deserto de miseráveis físicos, intelectuais, morais e políticos. Como esperar iniciativa de mudança de um povo que não tem sequer saúde para se manter em pé?
Para os sobreviventes, resta o sentimento indefinível do acúmulo de problemas praticamente insolúveis. Não por acaso, nas últimas décadas, muitos têm fugido (quando não são traficados) em busca desesperada de saídas ou abrigos nos estados do Norte, Centro-Oeste, Sudeste, na expectativa ilusória de uma exploração mais civilizada. Outros seguem ralando e resistindo na província, do jeito que podem, no meio do nada. Será tão difícil assim compreender que o Maranhão, sem deixar de ser questão político-social, é também um problema humanitário?
SINAL DE ALERTA MARANHENSE
Nessas horas, ante a constelação de impasses insolúveis dentro da estrutura social-oligárquica de poder vigente, ou de qualquer pacote de medidas emergenciais vindas do governo federal, recoloca-se um enigma de dois séculos de idade, pelo menos, e que sintetiza vários outros. Afinal, o que é o Maranhão?
Preconceitos não deixam de ressoar no trato da pergunta. E o preconceito, como se sabe, não é só questão da ignorância dos fatos, como da forma de narrá-los. Quem estuda o Maranhão com sensibilidade crítica, e não só o do governo de ontem ou da “era Sarney”, sabe da cegueira singular gestada no coração sombrio das suas classes senhoriais. Mas quem, por exemplo, já passou pelo sudeste aprende logo que, desde muito tempo, o Maranhão não é apenas questão de geografia, simples ponto no extremo norte do país, mas símbolo do “atraso brasileiro” na sua forma igualmente extrema. Nunca entenderam (desconhecemos exceções) a modernidade radical desse atraso.
Uma coisa é certa: é imenso equívoco falar do Maranhão como se fosse caso isolado, “feudo” distante, exótico lugar de “banquetes totêmicos”, originalidade das originalidades, tanto quanto como se fosse mais uma variação da situação nacional. Afirmação essa rapidamente explorada pela oligarquia para assegurar cinicamente sua “irresponsabilidade” criminosa e considerar injusto o que se diz sobre o Maranhão, e ainda posar como defensora “revoltada” da auto-estima de um povo que na prática destruiu e corrompeu. Contra o crescimento da vergonha, insegurança e desânimo popular, denegar sempre, até o fim: “não, o Maranhão não é isso; o maranhense é ordeiro”; o ocorrido foi coisa de “alguns celerados”; aqui “nunca teve uma tradição de violência”. A culpa é das “drogas”. Não é daqui…
É preciso indagar, sem ilusões, sobre a situação do estado e suas conexões obscuras com o país (a concordância dos últimos governos federais com o horror maranhense prova isto), mas evitando deduzir tal situação simplesmente a partir de uma abstração “nacional” ou do que se sabe sobre determinadas localidades e regiões (São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo), como fizeram diversos comentaristas e nossa oligarquia de cada dia. Diferença de grau? Pode ser. Mas diferença decisiva. Neste momento em que determinadas regiões do país parecem dar sinais de vitalidade social (indicado nos protestos de 2013), mas em que a exceção maranhense tende a tornar-se regra nacional, importa, no entanto, compreender a “dialética” de que se o Brasil é e sempre foi país de oligarquias, da desigualdade social e do encarceramento de pessoas das classes populares, nem todas as oligarquias, desigualdades ou formas de encarceramento são como as maranhenses (ou são?). Não é problema de quantidade, volume ou primazia, seja lá no que for, mas intensidade e duração. Qualidade das coisas.
Nas últimas décadas, abriu-se a possibilidade para recolocar a questão indicada, mas pelo avesso: a de uma “maranhensização” do Brasil a caminho. Fenômeno caracterizado pela disseminação de um coquetel improvável e atual a não poder mais de estado de exceção, formas de acumulação primitiva, combinação feliz de softwares importados e mão de obra barata e controlada, espoliação do trabalho (precisa lembrar que o estado é campeão do trabalho escravo?), agiotagem, assassinato de jornalistas corruptos e prefeitos idem, operação “boi barrica”, “operação tigre”, “Caso Matosão”, agronegócio predador, compra de eleições, força crítica e técnico-científica no chão, formas antigas de dependência cultural, desigualdade social, intolerância de todo tipo, alienação, impotência ou baixíssima capacidade de reação popular e campos de barbárie nos limites de Pedrinhas. Estamos falando de colônia, naturalmente.
A sensação é de que o clarão sobre o horror do Maranhão e seu universo carcerário (labirinto do minotauro que devorou Ariadne, ao contrário da fábula famosa) abre a possibilidade para pensar não apenas o estado em suas vísceras, mas, através destas, digamos sem receios, a genealogia do “totalitarismo” brasileiro emergente na virada do século XX para o XXI. Ao seu modo, o laboratório de Pedrinhas é isso aí. As cabeças degoladas e a vida da menina Ana Clara, que se foi nas chamas do ônibus incendiado, podem iluminar, no entanto, os caminhos do debate sobre as conexões entre ditadura e democracia, sarneismo e lulismo, norte e sudeste, pré-história e história do Brasil; produzir ângulos para perceber que o povo “capado e recapado, sangrado e ressangrado” deste estado é hoje um dos resultados mais visíveis, ou melhor, o resto, sem tirar nem pôr, do logro civilizatório do Brasil; e, sobretudo, a possibilidade de que este mesmo povo, das ruas e das prisões, abra os olhos, não para a salvação de quem nunca quis salvá-lo, “o Maranhão”, mas para a invenção da luta, das armas, invenção de si, visando superar de vez a guerra e a paz de cemitério deste programa fantasmagórico.
*Flávio Soares é professor do Departamento de História da UFMA. Texto originalmente publicado na edição de janeiro do Vias de Fato, nº. 50, já nas bancas
Ficção usa elementos de documentário, entre o bang bang e o filme de gangster, com grandes interpretações
Juliano Cazarré interpreta um personagem com seu próprio nome (Juliano) em Serra Pelada [Brasil, 2013, drama]. E é com um big close em seu rosto, durante um depoimento, que tem início o retorno do cinema nacional ao maior garimpo a céu aberto do mundo: em 1982, no auge de suas atividades, Os Trapalhões na Serra Pelada foi rodado lá.
Encravado no sul do Pará, o garimpo de Serra Pelada foi a maior concentração de trabalho braçal humano desde as pirâmides do Egito, dado a que cheguei ao ver o filme. No caso da paisagem brasileira, foi construída uma enorme pirâmide de cabeça pra baixo, informação que o roteiro também nos traz, embora essa seja mais fácil deduzir. Algo como parece querer fazer a ganância da Vale, por exemplo, com as minas de Carajás, não por acaso no mesmo cenário: o Pará.
O capitalismo é, aliás, apresentado como metáfora para entendermos a hierarquia do garimpo. Muitos homens embarcaram para Serra Pelada no início da década de 1980, ainda durante o regime militar – a ditadura brasileira chegou a intervir no local e a Caixa Econômica Federal a fazer o câmbio oficial do ouro extraído.
Os que tomaram o rumo daquelas bandas tinham o sonho de enricar ou ao menos fazer um pé de meia. Era mais ou menos como ganhar na loteria. Inclusive com o jogo virando vício: uma vez os números sorteados em um globo, a vontade de ganhar mais. A única diferença é que no garimpo, além da sorte necessária para o triunfo lotérico, é necessário o uso da força. E de outras artimanhas, por vezes.
Sérgio Chapelin e Cid Moreira, ainda de cabelos pretos nas bancadas do Jornal Nacional e Globo Repórter, embora na tela em preto e branco, dão ao filme um ar de documentário – o que Serra Pelada é, em parte, embora seja obra de ficção, algo entre um bang bang e um filme de gangster. O recorte de Heitor Dhalia (também diretor de Nina e O Cheiro do Ralo) para nos (re)contar essa história é a amizade de Juliano e Joaquim (Júlio Andrade), um professor que deixa a mulher grávida para ir garimpar uns trocados.
É em nome de sua amizade com o professor que Juliano inaugura seu currículo de homicida, adaptando-se rapidamente à lei da selva – literalmente. Porém a ambição desmedida e a paixão pela prostituta Teresa (Sophie Charlotte), mulher de Carvalho (Matheus Nachtergaele), um dos coronéis locais, levam-no a ir cada vez mais fundo, sem trocadilhos com o garimpo ou o cabaré. Todos têm atuações memoráveis e ela surpreende os que, qual este blogueiro, conheciam-na apenas de papéis em novelas e séries da Globo.
A atuação do coprodutor Wagner Moura também merece destaque. Com um bigodinho sem vergonha e uma careca a la São Francisco, ele interpreta o bandido Lindo Rico, um dos mais temidos da trama, responsável por cenas entre trágicas e hilariantes.
É um filme com final feliz, desculpem-me os pessimistas. Costurado por uma bela trilha sonora – que nos mostra o que era o Pará, musicalmente falando, antes de Joelmas, Chimbinhas e seus inúmeros covers –, Serra Pelada recria o ambiente violento e romântico do garimpo, entre ganâncias, traições, brigas, assassinatos por armas brancas e de fogo, prostituição, farras, sonhos e amores. Mais que uma miniatura do garimpo, um resumo desta selva chamada vida.
Está confirmada para entre os próximos dias 26 de novembro e 1º. de dezembro a realização a 8ª. Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul em São Luís. Como ano passado, acontecerá no Teatro da Cidade de São Luís (antigo Cine Roxy) e terá como produtor local o cineasta e professor universitário Francisco Colombo.
A capital maranhense passou a integrar o roteiro da Mostra Cine DH – como é carinhosamente chamada – a partir de sua quinta edição, em 2010. Desde 2011 a Mostra chega a todas as capitais brasileiras e é também realizada em alguns municípios do interior.
26 de novembro (terça-feira) acontece a sessão de abertura, às 19h, ocasião em que serão ouvidas as falas de algumas autoridades e serão exibidos os filmes A onda traz, o vento leva [Brasil, 2012, 28 minutos, direção: Gabriel Mascaro] e Uma história de amor e fúria [Brasil, 2013, 75 minutos, direção: Luiz Bolognesi, trailer acima]. Aos presentes, que devem retirar os ingressos com meia hora de antecedência na bilheteria do teatro, será distribuído – somente na sessão inaugural – um kit, com camisa, sacola, caneta, lápis e bloquinho.
Entre os dias 27 de novembro e 1º. de dezembro serão realizadas quatro sessões diárias – todas gratuitas –, sempre às 13h, 15h, 17h e 19h, perfazendo um total de 38 filmes na programação – todos com closed caption, garantindo o acesso de pessoas com deficiência auditiva. Para pessoas com deficiência visual, três sessões serão realizadas com audiodescrição.
Novidades – Uma novidade da Mostra Cine DH este ano é a Mostra Indígena, composta de quatro filmes realizados por indígenas e/ou sobre a temática. O homenageado em 2013 é o cineasta Vladimir Carvalho, que terá cinco filmes exibidos ao longo da programação. Outra é que 515 pontos de exibição no Brasil – a maioria, cineclubes – receberão um kit com cinco filmes que integram a programação desta 8ª. edição da Mostra.
Maranhão – O premiado Acalanto [Brasil, 2013, 23 minutos], de Arturo Saboia, integra a programação da 8ª. Mostra. Baseado em conto do moçambicano Mia Couto, o filme conta, segundo a sinopse, a história de uma senhora analfabeta que busca amenizar a saudade de um filho, pedindo a um conhecido que leia a mesma única carta enviada por ele há 10 anos, criando uma bonita amizade e cumplicidade entre os dois.
Grupos prioritários – estudantes, idosos, pessoas com deficiência, entre outros – podem agendar a participação prévia em sessões pelo telefone (98) 8118-1829 e/ou e-mail nofieldabalanca@yahoo.com. O Teatro da Cidade de São Luís tem 256 lugares. O blogue voltará ao assunto para divulgar a programação completa e todas as sessões da Mostra.
Sempre que penso em Giuliano Gemma (ou Montgomery Wood, seu pseudônimo americano), a primeira lembrança que me vem à cabeça é o poema de Celso Borges: “belas as baladas de Cat Stevens que me abalam/ as balas de Giuliano Gemma que não me calam”.
A partir deste poema, que conheci cantado-entoado por Rita Ribeiro em XXI (2001), foi que cheguei ao cinema do ator italiano. Desde então é sempre assim: à menção de seu nome, lembro o poema e depois penso nos tantos filmes que já assisti com o galã.
O mocinho nunca morre no final. É no que vou continuar acreditando para sofrer menos com a subida deste meu herói. Gemma não resistiu aos ferimentos provocados por um acidente de carro e faleceu ontem, na Itália.
Documentário de Antonio Carlos da Fontoura – a montagem é de Ruy Guerra –, de 1965.
O curta-metragem não é sobre isso, mas também toca na relação arte e mercado. É um depoimento bonito, sincero, importante. Não deixa de ser contundente. E atual.
Uma das atrações é a querida Eloína Reis, esposa do brother DJ Franklin. Boa pedida, promessa de bailindo.
Dois bailes de aperitivo aos poucos mas fieis leitores: o Baile Catingoso do Mestre Ambrósio, pra entrar no clima junino que a festa certamente terá, impossível fugir:
E o Baile Perfumado de Fred Zeroquatro na voz de Stela Campos, que batiza a festa, homônima ao filme de Paulo Caldas e Lírio Ferreira sobre Benjamim Abraão, o homem que clicou Lampião.
Ambos os bailes aqui exibidos são da trilha sonora deste clássico do cinema nacional. No youtube tem versão completa. Deixo um trailer:
Público lotou o teatro na primeira edição do BR-135 em 2013. Repertório do disco foi tocado na íntegra
Um encontro para a história da música brasileira
O Teatro Arthur Azevedo ficou absolutamente lotado para a celebração aos 35 anos do disco Bandeira de Aço, de Papete, divisor de águas da música brasileira produzida no Maranhão.
O projeto BR-135, capitaneado pelo casal Criolina, Alê Muniz e Luciana Simões, propôs uma revisita ao repertório do antológico LP lançado pela Discos Marcus Pereira e revelou o que todos já sabíamos: todo mundo que faz música aqui bebe na fonte do disco que reuniu a obra dos “compositores do Maranhão”, como assinalava a capa da obra que muitos ouvem hoje como se fosse uma antologia, dada a qualidade do repertório. Não à toa Bandeira de Aço encabeçou a lista dos 12 discos mais lembrados da música do Maranhão, recentemente realizada pelo jornal Vias de Fato.
Um balanço do projeto ao longo do ano passado mostrou números impressionantes no telão, principalmente de artistas que passaram pelos palcos do BR-135 – iniciado no ainda desativado Circo da Cidade, que precisa ser urgentemente reativado pela atual gestão municipal –, e de público presente aos eventos, cujo principal objetivo é a formação de plateia – o que se viu ontem no TAA é o bom resultado da iniciativa.
A projeção de um documentário, dirigido e narrado pelo poeta e jornalista Celso Borges, revelou histórias que jogam luz às polêmicas que sempre envolveram o Bandeira de Aço, sempre envolto por uma aura mística, justo também por isso. Entre os entrevistados, os quatro compositores das nove faixas, Cesar Teixeira, Josias Sobrinho, Ronaldo Mota (o único que não mora no Maranhão e que não participou do show de ontem) e Sérgio Habibe, além do intérprete Papete, Chico Saldanha (que jogou a fita com a obra dos quatro nas mãos do percussionista maranhense e este apresentou-a a Marcus Pereira e o resto é história) e de diversos artistas para os quais o álbum é referência.
Ao longo do show o filme continuou dialogando com a plateia, entre uma música e outra, apresentando o contexto da época, as insatisfações de cada compositor com a interpretação de Papete para suas obras, o clima em que foi gestado e a repercussão do disco para suas carreiras artísticas e para a música do Maranhão e do Brasil em geral.
A homenagem do BR-135, a exemplo das edições anteriores do projeto, propôs também um diálogo entre a velha guarda e a nova geração de instrumentistas, cantores e compositores, percebido desde a formação da ótima banda que acompanhou a todos os artistas que pisaram no palco para a celebração: Erivaldo Gomes (percussão), Isaías Alves (bateria), João Paulo (contrabaixo), João Simas (guitarra) e Rui Mário (teclado, sanfona e laptop). Alê Muniz assinou os arranjos do que foi ouvido na noite histórica.
O repertório seguiu a ordem do disco, sob o cerimonial do ator César Boaes, ou de sua personagem na comédia Pão com ovo, sucesso de bilheteria que volta ao palco do TAA nas comemorações dos 196 anos da casa de espetáculo: o mestre de cerimônias carregou no humor, os risos da plateia em peso garantidos também pelas deliciosas histórias que os protagonistas relatavam.
Boi da lua, de Cesar Teixeira, abriu o show com interpretação do autor, num arranjo próximo ao original. De Cajari pra capital (Josias Sobrinho) foi interpretada por Bruno Batista, entre a lentidão e uma “porrada de pista”. Flávia Bittencourt interpretou Flor do mal (Cesar Teixeira), música registrada por ela em Sentido (2005), seu disco de estreia. Boi de Catirina (Ronaldo Mota) teve o vigor interpretativo de Madian, com vocais das Afrôs. Fechando o lado a, Josias Sobrinho cantou e dançou sua Engenho de flores.
O lado b seguiu com Josias Sobrinho sendo interpretado pelas Afrôs: Dente de ouro, com direito a mina incidental. Eulália, interpretada por seu autor Sérgio Habibe ficou entre o bumba meu boi e a cantiga de ninar, reforçada pelo teclado de Rui Mário – muita gente foi ninada pelas letras das músicas do disco. Catirina, de Josias Sobrinho, ganhou arranjo reggae na interpretação competente de Dicy Rocha. Com introdução tango, o casal Criolina subiu ao palco para interpretar a faixa título, que fecha o disco. Entre o tango e o bumba meu boi, convidaram Papete ao palco, e depois todos os outros que por lá já haviam passado. A plateia tornou-se um imenso arraial, com muitos dos presentes batucando pequenas matracas distribuídas pela produção, e já que todo mundo havia engrossado o coro do batalhão, o assíduo Zé da Chave também estava no palco, dividindo a percussão com Erivaldo Gomes.
Há tempos eu não via o Arthur Azevedo tão cheio para um espetáculo de artistas genuinamente maranhenses. Que a semente do BR-135 floresça, a começar por um bis desta homenagem a Bandeira de Aço e, quem sabe, ainda este ano, uma homenagem ao também antológico Lances de Agora, de Chico Maranhão, outro disco trinta-e-cincão de nossa música. Fecho com o que declarou o dj Joaquim Zion (esposo de Dicy) em sua conta no facebook: “uma noite pra ficar na história da Música Popular Brasileira”.
Hoje é o último dia da mostra Tati por inteiro, do Sesc, no Cine Praia Grande. Ingressos devem ser retirados gratuitamente na bilheteria do cinema com meia hora de antecedência às sessões. Programação abaixo.
Sinopses (do catálogo da mostra): Parada > Apesar de ter sido filmado em sua maior parte em vídeo (Tati pressentiu a transição gradual para o digital), financiado pela televisão sueca, Parada foi realizado com o objetivo de ser lançado nos cinemas, mesmo que um espetáculo circense tenha sido privilegiado neste que seria seu último filme. Interpretando o sr. Loyal, Tati garantiu a sequência dos números de sua apresentação de circo, dando vida nova às músicas de Impressions Sportives, que ele realizava no music hall. Tati: seguindo os passos do sr. Hulot > Dirigido por Sophie Tatischeff, filha de Tati, o documentário apresenta um Tati por trás das câmeras, como autor, produtor e diretor. Vários registros de seu trabalho foram feitos ao longo de suas viagens pelo mundo. Com base nesses registros, Sophie deu vida a este material, um retrato da personalidade exigente, determinada e à frente de seu tempo, características tão marcantes em Tati, que exercia sua profissão sem se deixar influenciar pelas convenções.
Ei, tu aí,
Jacques Tati!
Onde estás?
Aqui, aqui, Jacques Tati.
Eu aqui, tu aí,
Jacques Tati
Converso contigo numa noite de S. Paulo.
Os cachorros seguem tio Hulot
e lambem com carinho os farrapos de teus passos.
Pousas numa poça?
Danças numa praça?
O passarinho que olhas canta pra ti, Tati.
Te pede a luz da janela que abres
e teus olhos acompanham esse som infinito
de Satie?
de Bach?
de Debussy?
um som que teu silêncio embrulha
como presente pra mim, Tati.
som imenso e simples
que ninguém consegue samplear.
São Paulo, 1997, depois de ver Meu Tio
&
Poema de Celso Borges que eu trago da caixa de comentários ao espaço principal do blogue. Promoção do Sesc, a mostra Tati por inteiro segue até sábado no Cine Praia Grande, de graça (ingressos devem ser retirados com meia hora de antecedência na bilheteria do cinema). Abaixo, programação d’hoje, que nunca é demais repetir, Tati, Tati, Tati…