A Paulista é a avenida mais importante da maior cidade do Brasil. Av. Paulista [Companhia das Letras/ Quadrinhos na Cia., 2012, 88 p.], de Luiz Gê, é um profundo retrato do corredor, espécie de miniatura do mundo.
Surgiu de encomenda, em 1991, quando a história foi publicada na extinta Revista Goodyear, distribuída apenas para clientes, que naquele dezembro levaram-na ao recorde de 30 mil pedidos.
Fruto de extensa pesquisa de Gê, os quadrinhos contam a história da via que lhe dá título, desde sua fundação até os dias atuais – 20 anos depois, ganhou atualizações nos textos e mais páginas com desenhos.
Os quadros se mesclam a textos que funcionam como um guia, conduzindo o leitor a um passeio não só pela paisagem, mas pela história da avenida, fugindo do óbvio e do rigor acadêmico: Av. Paulista é também uma análise de sua “evolução”, sem poupar críticas ao conservadorismo de sua fauna e à especulação imobiliária, pragas contemporâneas.
Por isso falamos em miniatura do mundo: todos já ouvimos falar e de algum modo fomos atingidos por expressões como capitalismo, globalização, neoliberalismo, crise e FMI, temas que também passeiam pelo traço fino e crítico de Luiz Gê, nome menos conhecido do que deveria.
Talvez por que ele, arquiteto, doutor em Comunicações e Artes, professor universitário, tenha feito um monte de outras coisas, além de quadrinhos, a que Av. Paulista marca sua volta triunfal: foi um dos editores da saudosa Circo – um dos maiores sucessos dos quadrinhos nacionais, chegando a vender 40 mil exemplares mensais em bancas –, desenhou as HQs que inspiraram Clara Crocodilo (1980) e Tubarões Voadores (1984) – os discos mais conhecidos de Arrigo Barnabé – e foi roteirista do infantil global TV Colosso.
À pesquisa para a realização de Av. Paulista se mistura a ficção, em que prédios ganham e perdem vidas, onde não se sabe o que é glória e decadência, passado e futuro. Mais ou menos como diria o poeta: “a arte existe por que a vida não basta”.
Richard Bittencourt, o Fi, tirando onda com a “polêmica” do momento. Como diria o assessor de Bill Clinton, “é a economia, estúpido!”. Tivesse Carolina Dieckmann posado para uma Playboy da vida e recebido grana por isso, o vazamento das fotos da atriz nua certamente não seria tão comentado nem geraria tanta revolta na Teodoroa de Fina Estampa.
Criança, sempre ouvi dizer que “remédio de doido é doido e meio”, dito popular em que você pode substituir o doido por qualquer palavra que dá certo. Por exemplo, excêntrico.
Bob Dylan proibiu a presença de jornalistas e fotógrafos nos shows que fez recentemente pelo Brasil, exigência sem sentido num tempo em que (quase) qualquer pessoa que bloga “pode” ser um jornalista e que qualquer celular que não o meu fotografa. A gente troca por excêntrico ou deixa o doido mesmo no ditado?
Não googlei, mas devem ter pipocado na internet milhares de textos relatando a experiência, (ainda) inédita para este que vos enrola antes de ir ao que interessa, de ver um show do Bob Dylan. Jotabê Medeiros (sempre ele!) havia postado em seu blogue uma foto feita por sua mulher, que foi pega pelos seguranças e liberada após não encontrarem a imagem em sua câmera, sei lá por que, apagou depois.
Dyl Pires lança O perdedor de tempo, reunião de poemas, e Bruno Azevêdo e Karla Freire lançam a reunião de fototiras que “conta” o primeiro ano de Isabel, filha do casal (abaixo, na foto que traz detalhes sobre os lançamentos, clica que amplia!, pai, filha e o gato Marreco, personagem das fototiras), Isabel comics! – ano I, mais detalhes aqui em breve.
Era de se esperar que boa parte da plateia (pequena) passasse quase todo o filme gargalhando. Malditos cartunistas [documentário, Brasil, 2010, 93min., direção: Daniel Garcia e Daniel Paiva], exibido anteontem (7) no Teatro Alcione Nazaré (Maranhão na Tela), conta com depoimentos importantes de cartunistas, chargistas, quadrinhistas, desenhistas, tiristas – “existe isso?”, um deles se pergunta –, ou tudo isso ao mesmo tempo. Ou, antes de tudo isso, simplesmente humoristas.
De Jaguar e Ziraldo (O Pasquim) a Ota (Mad), passando por Angeli (Chiclete com Banana), Adão Iturrusgarai (Aline), Allan Sieber (Vida de estagiário), Glauco (Abobrinhas da Brasilônia) em sua última entrevista (foi assassinado em março do ano passado junto ao filho Raoni; a eles o filme é dedicado), Laerte (Piratas do Tietê), André Dahmer (Malvados), Lourenço Mutarelli (creditado como o desenhista que abandonou os quadrinhos para se dedicar à literatura), Chiquinha (única mulher do grupo) e Maurício de Souza (Turma da Mônica), entre outros.
O pai de Cascão, Cebolinha e Magali, aliás, destoa dos demais da turma, por ter sido o primeiro a assumir um padrão industrial de produção: muitas das histórias de Maurício de Souza – para não dizer quase todas – hoje são criadas por profissionais contratados por seu estúdio, que há muito já nem se dedica mais exclusivamente aos gibis. Mas disso já sabíamos, antes mesmo de assistir o documentário. O que não tira o brilho do filme. Nem a importância do desenhista.
A maldição dos cartunistas sugerida pelo título é relativa: com Chiclete com Banana Angeli chegou a vender quase 200 mil exemplares da revista em bancas nos anos 1980 e hoje publica tiras na Folha de S. Paulo, comooutros noutros jornais; Ziraldo é apresentador de tevê e teve diversos personagens seus levados à telinha (O menino maluquinho, Pererê), Reinaldo era Ótima Bernardes (entre outros personagens) no global Casseta & Planeta Urgente!, vários deles têm sistematicamente sido (re-)publicados em edições de bolso pela L&PM e vários etc.
Os depoimentos de Malditos cartunistas são hilários, constantes a auto-tiração de sarro, a auto-ironia, o rir da própria desgraça (antes de desenhar a própria e/ou a alheia). Os olhares sempre bem humorados acerca de diversas temáticas: a profissão em si, cultura, humor, política, poder, dinheiro, sexo, machismo, censura (engana-se quem pensa que acabou com o fim da ditadura)…
Mutarelli é o mais engraçado, mesmo que não quisesse. Confessa chutar “manicure” quando indagado sobre sua profissão ao preencher fichas em hotéis; e diz que convidado para um evento como cartunista “me pagaram 300 paus; pouco depois, fui como escritor, recebi um pau e 600”; o mais careta, sem graça e, por que não?, sério é Maurício de Souza, em uma imponente “mesa de chefe” – antes, a câmera passeia por seus estúdios, com uma funcionária explicando o passo-a-passo da feitura da Turma da Mônica até os gibis chegarem às mãos de seus filhos. Sobre os cenários, aliás, vale destacar: prestem bem atenção neles e nos trajes de nossas personalidades. Estantes, pilhas de livros, mesas e pranchetas de trabalho, computadores, lixo e camisas com motivos animados nos ajudam a entender um pouco melhor o universo dessas figuras.
São vários “humoristas” falando sobre as mesmas coisas, depoimentos em sequência, um aceso na bagana do outro, mas não acerta quem pensa em cansaço, enfado ou sono durante a sessão – isso seria como acreditar que “quadrinhos são coisa de criança”. O doc mostra (explicitamente) que não.
Se nem os próprios cartunistas se levam tão a sério, imagine a sociedade em geral: quadrinhos ou são “coisa de criança” ou são apenas para serem vistos e lidos, uma risada rápida e acabou. Ledo engano. Muitas vezes um cartoon, uma charge, uma tira, nos fazem compreender melhor determinada situação, apesar de uma página ou mais, com matéria(s) sobre o assunto, no mesmo jornal. É a tradução risonha do “uma imagem vale mais que mil palavras” – se vier com legenda ou balões, então…
Levando a sério quem ri e tira sarro de si mesmo o tempo todo durante as entrevistas, Malditos cartunistas joga luz em personalidades importantes, quase sempre marginalizadas, em geral rotuladas de produtores de “sub-cultura” ou coisa que o valha. A estrutura do filme em si é simples: depoimentos, depoimentos e mais depoimentos, no melhor esquema “faça você mesmo”. Certamente muito material ficou de fora e as figuraças que desfilam pela tela bem poderiam falar mais e mais e mais. O filme não angariou recursos públicos – é dos raros em que não vemos as logomarcas de sempre no início da projeção – e deve ter saído barato. Entre aspas: seus realizadores também desenham e, fãs do elenco, o que deve ter facilitado um pouco as coisas, pagaram tudo do próprio bolso, às próprias custas s. a., mestre Itamar.
O doc resgata até mesmo um fato ocorrido em Porto Alegre, quando a prefeitura financiou uma revista de funcionários da municipalidade. Anos depois a cena é engraçada, um apresentador de tevê rotulando os editores de pornógrafos, defendendo a moral e os bons costumes, os “réus” nervosos, defendendo seu ponto de vista. Adão respondeu a processo durante anos pelo episódio. E a Prefeitura Municipal da capital gaúcha desde então não mais financiou a produção/publicação de quadrinhos.
Ainda durante a sessão impossível não lembrar de filmes, digamos, correlatos: Wood & Stock e Dossiê Rê Bordosa, baseados em personagens de Angeli. Bom seria um doc para cada um dos malditos entrevistados. Oxalá!
Deixo os poucos-mas-fieis leitores com o trailer do documentário.
A quem interessar possa, haverá outra sessão de Malditos cartunistas no Maranhão na Tela (programação completa aqui; chegar com meia hora de antecedência para retirada de ingressos, gratuitos, na bilheteria): dia 15 (quinta-feira), às 21h, no Cine Praia Grande.
Muitos dos poucos mas fieis leitores deste blogue devem ter recebido por e-mail as imagens que colo abaixo, do genial Quino, cartunista argentino mundialmente famoso por sua Mafalda, eternamente contestadora e eternamente conquistadora de nossos corações de leitores (de HQs ou não ou não leitores).
A mensagem não me dá a data em que foram produzidos, mas a gente não enxerga o mundo de hoje no traço abaixo? É como diz o ditado: seria cômico se não fosse trágico.