Um engarrafamento se formou a caminho do Espaço Palazzo. Comentei com ela, meio a sério, meio fazendo graça: será que é tudo por causa do show? A sirene de uma ambulância obrigou o motorista a procurar fazer brecha e adiante encontramos a obra que causava o congestionamento. Mas a casa estava cheia, percebemos logo pela quantidade de carros nos estacionamentos dos arredores.
Qualquer um já deve ter ouvido a balela de que “no tempo da ditadura é que era bom” como introdução ao elogio da música produzida na época, mas o certo é que cada época tem alguma produção de valor, num futuro breve alçada ao status de clássico.
O bom público presente ao show “Acústicos Engenheiros do Hawaii”, apresentado ontem (19) por Humberto Gessinger em São Luís, era diverso: casais, pais e filhos, gente que era adolescente à época do auge do sucesso do grupo gaúcho, adolescentes que descobrem o grande museu de novidades de outrora nas plataformas digitais e saudosistas dos anos 1980 e 90 em geral.
O loiro cabeludo subiu ao palco pontualmente às 22h para um show de quase duas horas, como o título promete, um desfile de sucessos dos dois álbuns acústicos lançados pela banda – que teve várias formações ao longo da carreira, sempre centrada na figura de seu líder: como não há Guns’n Roses sem Axl Rose não existe Engenheiros do Hawaii sem Humberto Gessinger.
Conversando com o público ou colocando a cidade nas letras de suas músicas, citou São Luís como pode, retribuindo o coro da plateia, que cantou seus clássicos a plenos pulmões. A apresentação começou por “O papa é pop”, título do disco que os Engenheiros do Hawaii lançaram em 1990 – a estreia, com “Longe demais das capitais”, completa 40 anos em 2026.
Quando cantou “Toda forma de poder”, do álbum de estreia, atualizou os versos “o fascismo é fascinante/ deixa a gente ignorante fascinada”: àquela altura o Brasil mal havia saído de uma ditadura militar que durou 21 anos e é triste constatar que boa parte da população ainda clama por anistia por aqueles que tramaram um golpe de Estado que poderia ter mergulhado o país nas sombras novamente.
A inusitada parceria com Chico César em “Paraibah”, cuja letra cruza referências gaúchas e nordestinas, lançada no mais recente álbum solo de Humberto Gessinger, “Revendo o que nunca foi visto” (2025), foi precedida por um agradecimento por tudo o que o Nordeste fez pelo Brasil.
Humberto Gessinger não deixou a peteca cair: fez um show honesto que certamente agradou a cada um/a que estava ali, com ou sem saudosismo. Uma bela maneira de celebrar antecipadamente o dia do gaúcho, comemorado hoje (20).
A reportagem assistiu ao show a convite da Dux Produções.
A cantora e compositora Roberta Campos. Fotosca: Zema Ribeiro
“Casinha branca” foi a segunda música cantada por Roberta Campos no show de ontem (8), no Teatro João do Vale (Praia Grande), em São Luís. Era a segunda apresentação da cantora mineira na capital maranhense, em sua primeira viagem até aqui.
O compositor Gilson (autor do hit, com Joram) é pouco falado, mas tem parcerias com Carlos Colla e Aldir Blanc, entre outros, e já foi gravado por nomes como Maria Bethânia, Roberto Carlos, Rosa Maria e Zeca Baleiro.
Era apenas a primeira grata surpresa de um show de voz e violão que cativou o bom público presente pela delicadeza do canto, repertório e simpatia da artista, ela mesma uma colecionadora de hits que vem enfileirando nas paradas das rádios brasileiras e trilhas sonoras de telenovelas.
Com a reação da plateia ela chegou a gracejar: “eu pensei em fazer uma competição entre as plateias de ontem e hoje”, estimulando o público a cantar junto e bater palmas, o que conseguiu sem maior esforço, muito à vontade no palco.
Entre os hits desfilados no show de cerca de hora e meia, “Todo dia”, trilha sonora da novela “Órfãos da terra” – gravada por ela no dvd com que celebrou seus 10 anos de carreira discográfica, em 2019 –, “Miragem”, faixa de “O amor liberta” (2021) – seu disco mais recente, que dá título ao show –, gravada com a adesão do Natiruts, e “Começa tudo outra vez”, do mesmo disco, parceria com Humberto Gessinger, gravada em dueto com o Engenheiro do Hawaii.
Outros covers se fizeram presentes ao set list da sexta-feira: “Não vá embora” (Arnaldo Antunes/ Marisa Monte) e “Quem sabe isso quer dizer amor” (Lô Borges/ Márcio Borges), lançada por Milton Nascimento em 2002 (no disco “Pietá”) e só gravada por Lô Borges no ano seguinte (em “Um dia e meio”). A cantora revelou sua relação com a música, que gravou em “Varrendo a lua”, seu disco de 2010: “é uma das músicas mais bonitas que eu ouvi nos últimos tempos e durante muito tempo cantei achando que era do Milton; só depois eu descobri que era dos irmãos Lô e Márcio Borges e depois eu mergulhei na leitura do livro do Márcio, “Os sonhos não envelhecem” [Histórias do Clube da Esquina, Geração Editorial, 2009], que eu recomendo também a todos vocês”.
Como boa mineira, Roberta Campos revelou-se também uma engraçada contadora de causos – e contou um real: “durante a pandemia eu fiz muitas lives, dei muitas entrevistas. Um dia eu estava gravando uma e a entrevistadora falou “o pai dela” e eu fiquei assim [faz cara de assustada]… Quando ela repetiu, ligou o alerta. E de novo: “ah, ela não fala no pai dela, mas o pai dela sempre fala nela nas entrevistas”. Eu pensei: meu pai está lá na roça, no interior de Minas… não que ele não pudesse dar entrevista, mas eu acho que eu estaria sabendo. Eu resolvi perguntar: peraí, quem é meu pai?”. Após as gargalhadas da plateia, ela continuou, repetindo a pergunta da entrevistadora: “ué, você não é filha do Nando Reis?”, fazendo a plateia rir novamente. “Ela achando que eu era filha do Nando Reis… em menos de um mês essa música completa 23 anos, essa música tem quase a minha idade”, completou, antes de cantar “De janeiro a janeiro”, que ela gravou com a participação especial do ex-Titãs, e ontem cantou em dueto com o maranhense Sfanio, ela tocando violão.
A participação especial revelou afeto mútuo. Ela o descobriu por acaso numa plataforma de streaming. Em meio ao isolamento social imposto pela pandemia de covid-19 passaram a se corresponder virtualmente. “Aí hoje eu me toquei: ei, o Sfanio mora em São Luís!”, comentou Roberta. “Eu recebi o convite por volta de duas da tarde, ela perguntando se eu aceitaria fazer uma participação especial no show, e eu não sabia o que ia cantar, nem nada, mas é claro que eu aceito”, ele revelou não ter titubeado. Na sequência, ela lhe passou o violão (havia outro numa estante, mas somente um foi usado ao longo de toda apresentação) e cantaram juntos “Covardia” – “a minha música preferida dele”, ela revelou –, do refrão “sentir é foda, né?/ sentir é foda/ dá logo a covardia/ e covardia mata”, que o público também cantou junto.
Outra história contada por Roberta Campos foi quando, ainda em 1998, antes de estrear em disco, mandou uma carta para Fernanda Takai, perguntando se podia enviar uma fita demo para o Pato Fu, banda que ela ouviu bastante na adolescência e por quem sonhava ser gravada. “Ela respondeu a carta à mão, eu tenho até hoje essa carta lá em casa”. Ela, John Ulhoa (guitarrista da banda e marido de Fernanda) e Ricardo Koctus (baixista), tornaram-se parceiros e o Pato Fu gravou “Eu era feliz” em “Não pare pra pensar” (2014). Ela cantou ainda “Abrigo” (Fernanda Takai/ Roberta Campos).
Antes de cantar “Minha felicidade”, tema de abertura da novela “Sol nascente”, agradeceu novamente a presença do público: “toda vez que eu voltar aqui espero reencontrá-los”, disse. “No meio da música eu ensino o refrão pra vocês, pra gente cantar junto”, e cumpriu mais uma promessa: “lembra aquele tempo amor/ onde a gente se encontrou/ foi ali que começou/ minha felicidade”.
Aos pedidos de mais um, voltou ao palco e no bis mandou “Quase sem querer” (Dado Villa-Lobos/ Renato Russo/ Renato Rocha), sucesso da Legião Urbana que ela regravou como single em 2018. Deu tempo ainda de “Varrendo a lua”, faixa-título de seu segundo disco, encerrando o show com um último exemplo de sua comunhão com o público ludovicense: “e eu que não queria mentir/ passei então a sorrir do seu lado/ e eu que sempre quis te seguir/ criei meu mundo, meu mundo ao teu lado”.