Separados pelo nascimento

O palhaço Tiririca, hoje deputado federal…
… e o reitor da UFMA, Natalino Salgado

Quem lembrou do primeiro ao ver a pose do segundo foi Edivar Cavalcante, no Facebook, por conta da matéria Chuva de dinheiro na UFMA!, publicada na edição 34 (julho/2012) do Vias de Fato, já nas melhores bancas da Ilha.

Júlio Gilson

Richard Bittencourt, o Fi, tirando onda com a “polêmica” do momento. Como diria o assessor de Bill Clinton, “é a economia, estúpido!”. Tivesse Carolina Dieckmann posado para uma Playboy da vida e recebido grana por isso, o vazamento das fotos da atriz nua certamente não seria tão comentado nem geraria tanta revolta na Teodoroa de Fina Estampa.

Ao Fi cheguei via Adão (ops!).

Entrevista autêntica

Experiências de uma vida inteira me ensinaram uma regra jornalística verdadeiramente perturbadora: a qualidade de uma entrevista não depende do espírito e do saber do entrevistado e sim do grau de inteligência do entrevistador que leva a coisa para a impressão.

A entrevista real

Shalom, sr. Tola’at Shani. Meu nome é Ben. Fui mandado aqui pela redação. Procurá-lo. Quer dizer: para uma entrevista.”

“Sente-se, jovem. Estou às suas ordens.”

“Nada mau, sua barraca. Tem classe. Palavra. Tem porão?”

“Ao que eu saiba, tem.”

“E ainda tem jardim na frente. Cabanas deste tipo custam caro, não é?”

“É verdade.”

“Pois é. Como já disse, estou aqui para entrevistá-lo sobre o romance histórico que escreveu. Foi o senhor mesmo que escreveu, não é?”

“Acabo de terminar a obra.”

“Ótimo. Então, o senhor já acabou o romance. Como se chama?”

Tu és pó.”

“Por que me trata por “tu”, de repente?”

“É o título do meu novo livro.”

“Ah, sim. Certamente fará um enorme sucesso. Como todos os seus livros. O senhor só tem escrito sucessos.”

“Faço o possível. Mas se o consigo, isto se deve aos leitores.”

“Palavras de ouro. E por que, sr. Tola’at Shani, escreveu aquele pó, ou melhor, aquele romance ou o que quer que seja, quero dizer, por que escreveu o livro? Justamente agora?”

“Por favor, seja um pouco mais claro.”

“Certo. Para mim, não faz diferença. Quero dizer, o que queria saber é: de que trata a coisa?”

“Se entendi bem, o senhor quer conhecer o enredo da minha mais nova criação.”

“O enredo, correto. Eu já disse isso.”

“Não vai fazer anotações?”

“Não preciso. Guardo na cabeça. Tudo. Inclusive o enredo. O que é o enredo?”

“Meu romance descreve um panorama das fraquezas e paixões humanas. Passa-se durante a Segunda Guerra Mundial. Seu herói é um soldado da Brigada Judaica. A jovem e bonita filha do prefeito de uma cidadezinha no sul da Itália apaixona-se por ele.”

“O senhor disse “soldado”. Na história ocorrem certamente umas pancadarias de primeira, não?”

“Como é?”

“Pancadarias, quero dizer, lutas.”

“Certamente, descrevo algumas ações militares, porém só de passagem. Trata-se, principalmente, do conflito interno, provocado pela guerra cruel, na alma do nosso soldado.”

“O que quer dizer “nosso soldado”? Soldado de quem?”

“O soldado do romance.”

“Ah, isso. O senhor devia ter sido mais claro. Então, o que é que há com ele?”

“No peito desse soldado trava-se uma luta entre seu fervente patriotismo e seus sentimentos de ódio contra a guerra desumana.”

“Quem ganha? E que quadro é esse?”

“Que quadro?”

“Aquele, na parede, ali.”

“Não é quadro, meu jovem, é meu diploma.”

“Diploma. Muito bem. Um diploma de quê? Não importa. Então, seu livro sobre a Itália é uma história verdadeira?”

“Até certo ponto. O cenário é autêntico, mas a história propriamente é uma variação sobre o tema da Antígona, de Sófocles.”

“Do quê?”

“Sófocles. Um autor de tragédias grego.”

“Já ouvi falar. O senhor tem toda a razão. Mas o senhor já disse algo contra a guerra.”

“Antígona era filha do rei Édipo.”

“Claro. Édipo. Aquele da psicanálise. Nada mau. É esta, então, sua story, não é?”

“A story tem, forçosamente, caráter local. Mas sua mensagem é universal. Uma espécie de levantamento da situação da nossa época. O amigo não quer mesmo fazer umas poucas anotações?”

“Para quê? Eu me lembro de tudo. Não se preocupe. Mais alguma coisa?… Ah, sim: creio que o senhor está transbordando de alegria, não é?”

“Por quê?”

“Quando alguém termina de escrever algo, não deve transbordar de alegria?”

“Hum. É possível. Creio que sim.”

A entrevista publicada

TRANSBORDANDO DE ALEGRIA!

É o que diz o autor do romance O aspirador de pó, numa entrevista exclusiva para nosso colaborador.

O conhecido escritor Tola’at Shani me recebeu no seu lar, para uma entrevista exclusiva. Ocasião: a publicação de seu novo romance, para o qual o autor vaticina um estrondoso sucesso.

Estou sentado diante do poeta, em seu estúdio mobiliado com extremo bom gosto. Observo seu perfil de linhas pronunciadas, a figura esbelta, os dedos finos, nervosos. Pela janela, pode-se apreciar a vista do bairro. É tardinha.

Tola’at Shani: Gosta da minha casa?

Eu: Nada mau.

T. Sh. (orgulhoso): Tem jardim na frente, três cômodos e meio e água encanada. Casas assim são muito, muito caras.

Eu: Dá licença de perguntar sobre o enredo de seu novo romance?

T. Sh.: Com prazer. Há um major na Brigada Judaica, pois a história se passa no estrangeiro, num domingo. E há muito tiroteio e outros choques. Em suma, uma tremenda confusão. Há ainda uma jovem filha na cidade italiana, uma figura quase clássica, como se fosse estrela de cinema. Ela tem um caso com um rapaz, um escritor, um que anda sonhando, um sonhador, por assim dizer, um bailarino-no-sonho…

Eu: É um de nossos soldados, não é?

T. Sh.: Correto. Em casa ele ainda é universitário, o soldado, e estuda uma porção de coisas. Mas agora, como soldado, caiu num conflito, quer dizer, numa rivalidade pela moça. Ela se chama Shula…

Eu (interrompo): Um instante, prezado amigo. Shula. Isso soa como tragédia grega.

T. Sh.: Correto. Acertou em cheio. E essa moça, como é seu nome?, é contra a guerra e louca por… por…

Eu: Édipo?

T. Sh.: Exato. Construí a coisa assim, para formular o complexo diretamente da tragédia de Sypholux. Eu devia ter dito ao senhor que nosso soldado tende um pouco para a “coluna-do-meio”, o senhor me entende. Mas não o demonstra. Além do mais, a história é verdadeira.

Eu: Pode-se dizer que se trata de um balanço da época atômica?

T. Sh. (surpreso): O senhor acha?

Eu: Sem dúvida.

T. Sh.: Está bem. Eu não costumo dar muitas voltas para chegar ao assunto. Lá, na parede, o senhor vê meu diploma.

Eu: Magnífico, Tola’at Shani.

T. Sh.: Diplomas não se ganham sem mais nem menos, o senhor sabe. Mais alguma coisa?

Eu: Uma última pergunta: o senhor está feliz por ter terminado O aspirador de pó?

T. Sh.: Estou transbordando de alegria.

&

Efraim Kishon, Como aborrecer um guarda (p. 15-18). 3ª. ed. São Paulo: Círculo do Livro, 1988.

De novo: qualquer semelhança com o jornalismo cometido pela maioria absoluta de nossos jorna(l)is(tas) não é mera coincidência.

Lançamento duplo no Papoético

Dyl Pires lança O perdedor de tempo, reunião de poemas, e Bruno Azevêdo e Karla Freire lançam a reunião de fototiras que “conta” o primeiro ano de Isabel, filha do casal (abaixo, na foto que traz detalhes sobre os lançamentos, clica que amplia!, pai, filha e o gato Marreco, personagem das fototiras), Isabel comics! – ano I, mais detalhes aqui em breve.

Malditos cartunistas, benditos Daniéis

Era de se esperar que boa parte da plateia (pequena) passasse quase todo o filme gargalhando. Malditos cartunistas [documentário, Brasil, 2010, 93min., direção: Daniel Garcia e Daniel Paiva], exibido anteontem (7) no Teatro Alcione Nazaré (Maranhão na Tela), conta com depoimentos importantes de cartunistas, chargistas, quadrinhistas, desenhistas, tiristas – “existe isso?”, um deles se pergunta –, ou tudo isso ao mesmo tempo. Ou, antes de tudo isso, simplesmente humoristas.

De Jaguar e Ziraldo (O Pasquim) a Ota (Mad), passando por Angeli (Chiclete com Banana), Adão Iturrusgarai (Aline), Allan Sieber (Vida de estagiário), Glauco (Abobrinhas da Brasilônia) em sua última entrevista (foi assassinado em março do ano passado junto ao filho Raoni; a eles o filme é dedicado), Laerte (Piratas do Tietê), André Dahmer (Malvados), Lourenço Mutarelli (creditado como o desenhista que abandonou os quadrinhos para se dedicar à literatura), Chiquinha (única mulher do grupo) e Maurício de Souza (Turma da Mônica), entre outros.

O pai de Cascão, Cebolinha e Magali, aliás, destoa dos demais da turma, por ter sido o primeiro a assumir um padrão industrial de produção: muitas das histórias de Maurício de Souza – para não dizer quase todas – hoje são criadas por profissionais contratados por seu estúdio, que há muito já nem se dedica mais exclusivamente aos gibis. Mas disso já sabíamos, antes mesmo de assistir o documentário. O que não tira o brilho do filme. Nem a importância do desenhista.

A maldição dos cartunistas sugerida pelo título é relativa: com Chiclete com Banana Angeli chegou a vender quase 200 mil exemplares da revista em bancas nos anos 1980 e hoje publica tiras na Folha de S. Paulo, como outros noutros jornais; Ziraldo é apresentador de tevê e teve diversos personagens seus levados à telinha (O menino maluquinho, Pererê), Reinaldo era Ótima Bernardes (entre outros personagens) no global Casseta & Planeta Urgente!, vários deles têm sistematicamente sido (re-)publicados em edições de bolso pela L&PM e vários etc.

Os depoimentos de Malditos cartunistas são hilários, constantes a auto-tiração de sarro, a auto-ironia, o rir da própria desgraça (antes de desenhar a própria e/ou a alheia). Os olhares sempre bem humorados acerca de diversas temáticas: a profissão em si, cultura, humor, política, poder, dinheiro, sexo, machismo, censura (engana-se quem pensa que acabou com o fim da ditadura)…

Mutarelli é o mais engraçado, mesmo que não quisesse. Confessa chutar “manicure” quando indagado sobre sua profissão ao preencher fichas em hotéis; e diz que convidado para um evento como cartunista “me pagaram 300 paus; pouco depois, fui como escritor, recebi um pau e 600”; o mais careta, sem graça e, por que não?, sério é Maurício de Souza, em uma imponente “mesa de chefe” – antes, a câmera passeia por seus estúdios, com uma funcionária explicando o passo-a-passo da feitura da Turma da Mônica até os gibis chegarem às mãos de seus filhos. Sobre os cenários, aliás, vale destacar: prestem bem atenção neles e nos trajes de nossas personalidades. Estantes, pilhas de livros, mesas e pranchetas de trabalho, computadores, lixo e camisas com motivos animados nos ajudam a entender um pouco melhor o universo dessas figuras.

São vários “humoristas” falando sobre as mesmas coisas, depoimentos em sequência, um aceso na bagana do outro, mas não acerta quem pensa em cansaço, enfado ou sono durante a sessão – isso seria como acreditar que “quadrinhos são coisa de criança”.  O doc mostra (explicitamente) que não.

Se nem os próprios cartunistas se levam tão a sério, imagine a sociedade em geral: quadrinhos ou são “coisa de criança” ou são apenas para serem vistos e lidos, uma risada rápida e acabou. Ledo engano. Muitas vezes um cartoon, uma charge, uma tira, nos fazem compreender melhor determinada situação, apesar de uma página ou mais, com matéria(s) sobre o assunto, no mesmo jornal. É a tradução risonha do “uma imagem vale mais que mil palavras” – se vier com legenda ou balões, então…

Levando a sério quem ri e tira sarro de si mesmo o tempo todo durante as entrevistas, Malditos cartunistas joga luz em personalidades importantes, quase sempre marginalizadas, em geral rotuladas de produtores de “sub-cultura” ou coisa que o valha. A estrutura do filme em si é simples: depoimentos, depoimentos e mais depoimentos, no melhor esquema “faça você mesmo”. Certamente muito material ficou de fora e as figuraças que desfilam pela tela bem poderiam falar mais e mais e mais. O filme não angariou recursos públicos – é dos raros em que não vemos as logomarcas de sempre no início da projeção – e deve ter saído barato. Entre aspas: seus realizadores também desenham e, fãs do elenco, o que deve ter facilitado um pouco as coisas, pagaram tudo do próprio bolso, às próprias custas s. a., mestre Itamar.

O doc resgata até mesmo um fato ocorrido em Porto Alegre, quando a prefeitura financiou uma revista de funcionários da municipalidade. Anos depois a cena é engraçada, um apresentador de tevê rotulando os editores de pornógrafos, defendendo a moral e os bons costumes, os “réus” nervosos, defendendo seu ponto de vista. Adão respondeu a processo durante anos pelo episódio. E a Prefeitura Municipal da capital gaúcha desde então não mais financiou a produção/publicação de quadrinhos.

Ainda durante a sessão impossível não lembrar de filmes, digamos, correlatos: Wood & Stock e Dossiê Rê Bordosa, baseados em personagens de Angeli. Bom seria um doc para cada um dos malditos entrevistados. Oxalá!

Deixo os poucos-mas-fieis leitores com o trailer do documentário.

A quem interessar possa, haverá outra sessão de Malditos cartunistas no Maranhão na Tela (programação completa aqui; chegar com meia hora de antecedência para retirada de ingressos, gratuitos, na bilheteria): dia 15 (quinta-feira), às 21h, no Cine Praia Grande.