Chorografia do Maranhão: João Neto

[O Imparcial, 2 de fevereiro de 2014]

Tendo integrado praticamente todos os grupos de choro de São Luís, o flautista João Neto é o 25º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Um chuvisco anunciava a noite em São Luís do Maranhão. A tradicional e pacata quitanda de Seu João, na Rua do Ribeirão, já abrigara, aquele dia, um ensaio fotográfico da cantora Alexandra Nicolas – o casarão lhe serviu de cenário ao encarte de Festejos, disco de estreia lançado ano passado. Ao fim dos trabalhos, ela degustava uma cerveja gelada por ali, na companhia da amiga e designer Raquel Noronha.

Era mais uma feliz coincidência das tantas que a Chorografia do Maranhão já proporcionou aos chororrepórteres que logo se juntariam a elas, mais próximos do balcão. O entrevistado da ocasião era o flautista João Neto, de passagem pela Ilha para curtir as férias de virada de ano – atualmente o músico mora em Belo Horizonte/MG, onde cursa mestrado em Música na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Alexandra Nicolas preparava a primeira edição da temporada de Festejos na Praça, show que apresentou 18 de janeiro no coreto da Praça Gonçalves Dias. João Neto deu uma canja na abertura, compondo o grupo Cantinho do Choro, que tem ocupado aquele logradouro em fins de tardes de sábado.

Raimundo João Matos Costa Neto nasceu em São Luís em 3 de julho de 1978, ano em que seu tio Josias Sobrinho [compositor] teve gravadas suas quatro primeiras músicas por Papete, no antológico Bandeira de Aço, lançado pela Discos Marcus Pereira. Ainda criança João Neto engatinhava entre instrumentos musicais na casa da avó Ingrácia, onde aconteciam os ensaios do grupo Rabo de Vaca, formado por Josias e outros bambas.

Ao tio Josias ele afirma dever as maiores influências, desde antes de ter se decidido pela flauta – passou por violão e toca também flautim, pífano, clarinete, cavaquinho e percussão. É filho do dentista Francisco Carlos Guterres Costa e da dona de casa Francisca Tereza Morais Silva.

Ano passado graduou-se no curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) com a monografia Um panorama histórico-cultural sobre vida e obra de compositores de Choro da Baixada maranhense: breve análise musical de obras já editadas.

A entrevista que ele concedeu à Chorografia do Maranhão foi musicalmente ilustrada por Língua de preto (Honorino Lopes), André de sapato novo (André Victor Correia) e Rosa (Pixinguinha/ Otávio de Souza), que começou com a voz de Alexandra Nicolas e terminou com um coral formado por todos os presentes à quitanda, que aquela noite teve o expediente aumentado.

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

Como era o ambiente musical em tua casa, na tua infância? Minha infância, de zero aos seis, sete anos, ela foi meio assim, dinâmica, em relação à casa em que eu estava. Eu ficava um tempo na casa da avó, um tempo na casa da outra avó. Uma dessas avós é dona Ingrácia, mãe de Josias. E lá rolavam os ensaios do Rabo de Vaca. Então eu já estava ali com dois anos, fui conhecido por Zezé [Alves, flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013], por Beto Pereira [cantor e compositor], desde criança eu estava ali naquela história. A família, muito musical, além de Josias, meu tio Armando tocava clarinete, meu tio Paulo toca violão, nada profissionalmente. Só quem seguiu profissionalmente foi Josias, compositor. Mas sempre em casa teve música, desde a infância até hoje, as festas são regadas a muita música. Sempre teve esse contato, em casa, minha mãe escutando Elis Regina, Chico Buarque.

Quando foi que você percebeu que iria encarar a música profissionalmente? Foi em Campina Grande. Fui morar em Campina Grande e lá tem um cara que hoje está nascendo aqui, o Madian [cantor e compositor], estudava lá. Eu fui pra lá, sabia que ele morava lá, morei numa república, pra fazer vestibular pra João Pessoa, um vestibular mais ou menos, na malandragem, já tocando violão. Eu fui pra Campina Grande pra tentar o vestibular para Odontologia em João Pessoa, meu pai é dentista e eu queria ser igual papai. Ele não queria. Eu cheguei e comecei a tocar violão pra caramba, Djavan, Chico Buarque, e foi uma escola muito legal. Foi a primeira vez que eu ganhei dinheiro tocando, foi com Madian e uma ex-mulher dele, uma grande cantora, de uma família de músicos lá da Paraíba. Eu tocava um tempo e Madian tocava outro tempo. Eu falei: “pô, dá pra ganhar dinheiro!”, tomando uísque, puta churrascaria lá, buffetzão. “Eu quero é isso pra mim!” Fiz vestibular, não passei, voltei pra cá, depois de seis meses em Campina Grande, vi o surgimento do [grupo] Cabruêra, um movimento musical muito forte.

Aí você voltou para São Luís. Veio fazer o quê? Eu tinha que estudar alguma coisa, acabei entrando no Ceuma, fiz dois anos de Direito. E paralelo, depois de um ano de Direito, passei em Filosofia na UFMA, e ao mesmo tempo tocando violão.

Você concluiu Filosofia? Que nada! Nenhum dos dois. Abandonei e fui para São Paulo, essa época já tocando flauta.

Significa dizer que tua profissão mesmo é a música? Não tem outra profissão? Não. Ter, tem outras coisas, meu pai tem uma clínica, eu trabalhei na parte administrativa coisa de cinco, seis meses, só. É difícil falar em profissão músico, pra mim, principalmente. Eu nunca toquei pra ganhar dinheiro. O dinheiro vem em consequência de minha arte. Eu vejo minha carreira como uma coisa da minha vida. Se eu for displicente com minha carreira eu estou sendo displicente com minha vida.

Mas cada vez mais você é cobrado para tocar profissionalmente. Isso! É uma consequência.

Não dá para dizer que você não é músico profissional. Não dá. Eu vivo da música.

Quando você fez essas outras tentativas. Odontologia, chegou a fazer vestibular, depois Direito, depois Filosofia. Elas eram, de algum modo, uma imposição da família? Eram. Eu tinha que corresponder a alguma coisa, eu não podia ficar ali. A gente deve uma satisfação. Músico é [visto como] vagabundo, né, cara? Principalmente flauta, flauta é luxo, entre aspas. O grupo tem violão, o grupo tem baixo, tem bateria, cavaquinho, mas a flauta vem muito depois. E depois que eu conheci flauta, eu larguei violão assim de uma forma. Virou meu amigo, parceiro, vez ou outra eu falo com ele.

Quando e como é que se deu a passagem do violão para a flauta? Há 12 anos, quando eu peguei a flauta transversal.

O que te motivou? Quem foi a pessoa que fez com que você se decidisse a tocar flauta? Foi um cara chamado Fabiano, que já tá lá com papai do céu já. Morreu muito novo, um cara que eu conheci em Campina Grande, era de Maceió. Era um cara surpreendente, tocava violão, baixo, teclado, bateria, trabalhava com tudo isso, e flauta também. Certa vez a gente na casa dele, eu e Madian, tocando lá, Djavan, um monte de música, ele pegou a flauta, começou a destruir, tocando um monte de coisas, tinha várias flautas doces na casa dele. Eu fiquei encantado e falei: “pô, Fabiano, como é que a gente faz aqui?” Ele falou: “não tem segredo, é só ouvido”. Eu fiquei mais encucado ainda, meio com raiva dele. Eu pensei: “esse cara toca pra caramba, não quer ensinar, dar um toque pros amigos”. Quando eu peguei a primeira flauta doce, que eu fui entender o que ele quis dizer lá atrás. Esse cara, esse encontro, esse dia foi que [interrompe-se]. Depois disso eu cheguei, fui pesquisar os flautistas, fui ajudado por muita gente.

Quem são os mestres que você considera essenciais? Na música, em primeiro lugar, para mim é Josias. Quando viu que eu estava tocando já chegou, me abraçou, eu tava tocando violão, me botou no palco, num show dele, eu já toquei violão com Josias, quando viu a flauta a mesma coisa. Musicalmente foi um cara que eu devo até hoje, até hoje é um parâmetro que eu tenho. Em relação à flauta o primeiro foi Zezé.

A família sempre te apoiou na decisão de buscar a música como caminho? A família da minha mãe sim. É muito musical, minha avó, que é um lance matriarcal forte pra caramba na família, meu avô morreu muito novo, com cinquenta e poucos anos, ela que segurou a onda toda. Lê muito, 86 anos, não assiste novela, passa o dia lendo, fazendo crochê. Escreve, no aniversário de 80 anos ela deu um presente à família, fez um livro de poemas. Toda uma espiritualidade muito forte. Tenho tios que me apoiam financeiramente, compram instrumentos, dão força, “taí, pega essa grana”, não é só “ah, é lindo!”, apoiam, investem. Tem incentivo da família.

Você falou de uma fase violão que rolava muito Djavan, Chico Buarque. Como é que foi a aproximação com os grupos de rock, principalmente a Mandorová? A Mandorová nem é um rock, a gente tocava rock. Tinha umas músicas que eram rock, mas a gente misturava, bumba boi, Josias, muita música nossa. A gente misturava isso por causa das influências de todo mundo. Veio uma galera de Campinas, Madian fez parte um tempo. Ela começou meio que um monte de gente, a gente conseguiu gravar umas coisas, eu já não tocava violão, já tocava flauta, pífano e percussão. Violão eu não tinha como meu instrumento, eu tinha como meu amigo. Eu gostava de cantar, mas essa voz, só nariz [risos]. Tudo que eu tocava eu cantava. Teve uma época que eu tinha o songbook de Chico Buarque, eu tocava mais de 60 músicas do Chico Buarque, aquelas melodias empenadas, ficava em casa, estudava. Mas a flauta veio e chegou e “peraí”, ela que me capturou, eu não escolhi.

Como é que foi a tua chegada ao universo do choro? Logo depois da flauta transversal, que eu comecei a tocar, Zezé pirou. Eu morei ali na época do Rabo de Vaca, ele “pô, sobrinho de Josias, tocando flauta!”. Não, vem aqui, vem aqui, me botou na Escola de Música [do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo], eu nem tinha feito prova, fiz Escola de Música, todas as percepções, ele me dava aula, “traz a flauta aqui”, me dava aula. Teve um tempo que se passava um ano e meio pra pegar em instrumento, só tendo aula de teoria, era algo meio maçante, o cara doido pra pegar no instrumento, hoje mudou isso. Então, Zezé foi um cara fundamental, até hoje é.

A música pra você é uma importante fonte de renda? Dá pra viver de música? O viver de música, viver de tocar. Eu não penso mais num futuro artístico pra mim. Eu penso num futuro acadêmico, que é uma coisa que vai me segurar, eu vou poder escolher o que quero tocar.

O professor pagando as contas do músico. Mais ou menos isso, mas pra mim é muito difícil separar o professor do músico. Tem gente que é um puta músico e não sabe ser professor, tem gente que é um puta professor e não toca porra nenhuma. Essas duas coisas são muito ligadas, eu amo ensinar, um projeto do Sesc que eu fazia parte, eu me coço todinho lá em casa, sem poder ensinar pra garotada, eu olho as fotos, aquilo era muito importante, 10 alunos tocando flauta. Minha vontade de estar lá é tão grande quanto minha vontade de voltar para cá e ir dar aulas na UFMA, na UEMA, crescer. Essa coisa da educação musical é uma coisa fundamental pra gente, pra definir um gosto musical. É tão grande essa nossa riqueza cultural, ao mesmo tempo a gente se submete a outras culturas impostas. Chega pra juventude, ninguém sabe quem é Coxinho, Mestre Felipe, Dona Teté [mestres da cultura popular, representantes, respectivamente, do bumba meu boi, tambor de crioula e cacuriá]. Isso é uma coisa que eu tenho como objetivo, além da vida artística, que é um sonho, uma coisa utópica, viver, ter filho, só tocando como flautista. O professor é um pé no chão, uma coisa palpável pra caramba, é uma coisa que eu estou construindo e com o choro, choro no Maranhão, na Baixada maranhense.

Houve um tempo aqui em que você tocava em 11 dos 10 grupos de choro que existiam. Teve um período em que o choro estava na crista da onda. Como é que você avalia o mercado de trabalho para o músico instrumentista em São Luís e em Belo Horizonte, se é que é possível algum tipo de comparação? Teve uma época que, por conta de uma efervescência do ritmo, ou uma influência do que estava acontecendo no Rio de Janeiro, do choro na Lapa, essa coisa de eu estar em vários grupos aconteceu exatamente concomitantemente com o projeto Clube do Choro Recebe, que propiciou a formação de outros grupos, além dos bares, cerca de cinco anos atrás, tinha o Por Acaso que tinha choro toda terça, o Antigamente toda segunda, o Feijão de Corda, na Ponta d’Areia, sexta-feira tinha no Tropical Shopping Center, o Clube do Choro Recebe todo sábado, vários lugares tinham choro. O fato de eu tocar com um monte de gente, quando eu estava chegando do Rio de Janeiro, Zezé fez um viaduto de safena, três pontes, ele falou, “ó, te vira aí”. Eu já fiquei no lugar dele no [Instrumental] Pixinguinha, na Escola de Música dando aulas no lugar dele, na Escola Municipal, e com o Xaxados e Perdidos.

Você está onde quer, fazendo mestrado hoje em Minas. Dá pra falar em saudade dessa cena de São Luís? Lógico! Faz com que surja os grupos, o movimento. Hoje, onde é que a gente tem choro? Só no Brisamar [hotel]. Fixo, só no Brisamar, pra reunir o pessoal que toca choro. Se não tem movimento, não tem avanço, não tem jeito. A efervescência desse movimento em São Luís fez surgir o Choro Pungado, Os Cinco Companheiros, os Madrilenus, que foi formado para acompanhar seu Eudes [Américo, compositor]. Em relação a Belo Horizonte, lá tem choro todo dia. Todo dia tem lugar onde tem choro, de segunda a segunda. O dia em que eu cheguei foi uma segunda-feira que eu fui pro Salomão [bar]. Nesse mesmo dia ele falou: “ó, toda segunda-feira vem pra cá!”, a galera na roda. Lá são dois dias, segunda e quinta. Toda segunda eu tenho ido. Pedra Azul [o cantor e compositor mineiro Paulinho Pedra Azul] tá toda segunda lá com a gente, já levou Fabiana Cozza [cantora], Silvério [Pontes, trompetista]… é um bar que a galera vai mesmo.

Além do Mandorová e do Choro Pungado de que outros grupos musicais você já participou, de choro ou não? Mandorová, Xaxados e Perdidos. Artistas que já toquei: Josias, toco até hoje, Rosa Reis, Cacuriá de Dona Teté, Omar Cutrim, Carlinhos Veloz, Alexandra Nicolas… De choro, o grupo Um a Zero, toco no [Instrumental] Pixinguinha, estou de férias nessa temporada, Tira-Teima, uma temporada, de reserva, de substituto, Choro Pungado, Urubu Malandro, Quartetaço, Os Cinco Companheiros eu fiz uma participação, o Não Chora que eu Choro, que era meu, Azeite Brasil.

E discos que têm tua flauta? Tem alguns. Que eu lembre assim, tem a Lena Machado [Samba de Minha Aldeia, 2010], Rosa Reis [Brincos, 2009], agora o que saiu do Osmar [do Trombone, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 23 de junho de 2013; Cinco Gerações, 2013], Gildomar Marinho [Olho de Boi, 2009]. Tem algumas produções de bumba meu boi daqui, muita coisa, “pô, vem gravar uma faixa”, às vezes sai, os caras nem me dão o disco. Grupo de samba tem o Vamu di Samba, que eu gravei os dois dvds dele, tem algumas produções que eu já fiz parte. O cd do Cláudio Leite, não sei se já saiu.

Há um grupo no cenário chorístico que deu o que falar, tanto do ponto de vista estético quanto das relações internas. O que significou para você o Choro Pungado? Não significou: significa. O Choro Pungado é mais ou menos assim um ideal. Eu acho que tanto pra mim quanto pra maioria dos que participavam, eu levo a sério mesmo. A gente conseguiu, assim de uma forma legal, descontraída, conseguimos compor, brincar com a música maranhense e choro, fundidos, de uma forma legal, livre, pelos integrantes terem uma desenvoltura musical muito avançada, eu acho, as coisas ficam mais fáceis, fluem mais rápido. Tanto que em pouco tempo de grupo a gente já tinha conseguido, pela crítica, vocês, Ubiratan Sousa [multi-instrumentista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 12 de maio de 2013] falou da gente, conseguimos vários elogios. Mas como você falou das relações, dentro do grupo, acontece, foi uma coisa muito rápida, o grupo teve uma vida curta, fatores extramusicais, agenda, por exemplo, Rui Mário [sanfoneiro, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 7 de julho de 2013], trabalha muito em estúdio, Luiz Jr. [violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 4 de agosto de 2013] toca com todo mundo, eu também toco com muita gente, então foi assim desgastando a história dos compromissos. Mas eu acredito que musicalmente falando foi um passo à frente nesse cenário musical do choro no Maranhão. Foi uma experiência muito válida em relação à inovação, à fusão, à hibridação, tentar misturar essas coisas que estão muito dentro da gente. Pra mim é uma pena ter acabado, ter terminado cedo assim. A gente podia construir mais coisa, avançar muito mais. Teve meio que uma pressa em fazer sucesso, faltou uma perseverança, faltou mais trabalho, mais sentar e conversar, não querer logo fazer um dvd, por exemplo. Foi uma coisa legal, mas não foi legal, em relação a produto. O amadurecimento já estava vindo justamente nas nossas composições, sentados, ensaiando, e compondo.

Hoje em dia você participa de algum grupo? Lá em Minas você está só nas rodas? Não. É muito prematura minha chegada em Minas. É muito difícil você chegar e já conquistar um espaço. Eu cheguei há quatro meses e vou ficar só mais quatro. Tem muitos flautistas bons, os caras tocam pra caramba. Você chegar e já pegar um espaço, se inserir no mercado, é muito difícil, tem que ser extraordinário.

Como é que você tem conciliado a atividade acadêmica com a atividade musical? Tá sendo muito difícil. É uma transição bem peculiar. A parte acadêmica exige muito tempo, parar para ler, lá na UFMG não brincam, os professores são alto nível, minha orientadora é formada em Sorbonne, tem doutorado em Sorbonne. Eu suei a camisa pra conseguir conciliar.

Qual a discussão da tua dissertação? Eu vou tentar fazer uma mescla da musicologia histórica com a etnomusicologia. Isso da etnomusicologia eu fiz agora, numa cadeira que eu fiz, fiz etnografias da III Semana Seu Geraldo [de Música], em São Paulo, do Bandão [da Escola Portátil de Música], lá no Rio, eu fiquei meio que apaixonado por etnomusicologia.

Fala um pouco de tuas pesquisas, tanto na graduação como no mestrado. O que você fez e o que vai fazer? Na graduação, no trabalho de conclusão, eu tentei mostrar que na Baixada maranhense tem compositores de choro. Peguei alguns compositores de choro, o Josias, o Osmar, um cara que eu descobri, que ninguém conhece, que eu descobri lá em Guimarães, seu Moisés Ferreira, um cara que era teatrólogo. Esse cara é que foi assim a válvula, o estopim, de dizer, “pô, tem!”. Eu estava meio em dúvida sobre o que fazer. Eu pensei também nessa fusão do choro com a música maranhense, nos arranjos de Ubiratan no disco do Biné do Banjo [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 31 de março de 2013; Visitação, 2011], que ficaram muito interessantes, eu pensei em falar deles. Eu percebi que a dimensão do choro, dos compositores de choro na Baixada maranhense é muito maior que um trabalho focado. É um trabalho que eu posso levar, posso pesquisar a minha vida toda. No meu TCC eu peguei o escopo de que existe, uma comprovação, fiz entrevistas com Osmar, Josias, seu Raimundo Abreu, lá de Cajari, um grande professor de música de lá. Tive como suporte teórico, suporte de pesquisa, a obra de João Mohana [padre, médico e escritor], aquele livro A grande música do Maranhão. Ele começou em Viana. É o único registro que a gente tem escrito disso. Joaquim Santos [violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 8 de dezembro de 2013] colaborou. Osmar, o avô dele, seu Macico [Marcelino Fernandes Furtado, flautista] foi um puta mestre de banda, fez arranjos de choro, foi um cara que recebia as partituras e fazia arranjos. Essa parte do mestrado eu quero justamente fazer isso, além da continuação do que eu fiz no TCC eu quero pegar material, do acervo João Mohana também.

Além de multi-instrumentista você desenvolve outras habilidades no campo da música? Arranjos, composição? Eu tenho composições. Na Mandorová a gente tocava umas duas, no Choro Pungado a gente gravou uma, um baião chamado Vim de lá, pá-pá-ri-ra-ri-pá-rá-rá [cantarola o ritmo], que eu fiz no pífano, depois a gente adequou para a flauta.

A Mandorová foi uma experiência boa? Foi fundamental. Com ela eu fui para São Paulo, passamos dois anos tocando, abrimos shows, saímos em jornal, passamos em matéria nacional do Jornal Hoje [da Rede Globo de Televisão], fizemos coisa de 10 interiores em São Paulo. Tocamos muito aqui no Canto do Tonico [extinto bar, na Rua Portugal, Praia Grande].

Pra você, o que é o choro? Se a gente vir pela história do choro, ele já começa importante. Começa como uma maneira de tocar, uma coisa que foi trazida, aquele amálgama da brasilidade no século XIX, meio que fez surgir aquela história toda de uma forma brasileira de tocar, depois virou dança, depois virou maxixe, depois virou tudo isso. Eu encaro isso como uma identidade brasileira, musical, mas além, social: uma identidade social, o choro. Se você leu O Choro [O Choro – Reminiscências dos Chorões Antigos], do Alexandre Gonçalves [Pinto], que fez o primeiro registro, em 1936, ele falou dos caras que tocavam, que faziam parte daquela história, que estavam na roda. Pra mim o choro é essa identidade brasileira, que por mais que mude a moda, que venha dessa transição de uma coisa pra outra, do violão pra isso, da jovem guarda pr’aquilo, o choro está sempre ali de alicerce. Desde a sua gênese, de sua aparição, seu apogeu, 1920, 1930, desde ali, ele pode ter caído mercadologicamente, financeiramente, tudo, esse campo artístico em volta do choro, mas ele nunca deixou de ser produzido. Se a gente falar na década de 1980, o rock’n roll, os melhores discos de Raphael Rabello [violonista sete cordas] foram lançados na década de 80, Baden Powell [violonista], Camerata Carioca.

Há quem ache que o choro é uma coisa estática, estagnada. Você acha que o choro é uma música fechada ou uma música aberta? A música em si é aberta. O que fecha é a cabeça das pessoas. Eu posso chegar numa roda de choro falando de choro, tocando do jeito que eu gosto, a galera pode não gostar. Yamandu Costa [violonista sete cordas], Hamilton de Holanda [bandolinista], Pixinguinha [Alfredo da Rocha Viana Filho, compositor e multi-instrumentista], na época dele, “esse cara é doido!”.

Você se considera um chorão? Não. Eu amo o choro, amo tocar choro, mas eu não me enquadro numa especificidade, num estereótipo. Mesmo dentro do choro, da linguagem choro, do gênero, você vê o ritmo baião, maxixe, tango, flamenco, é um universo. Como é que se vai dizer que é só uma coisa? É o mesmo que dizer “eu sou roqueiro”, eu acho que limita. Eu sou músico!

Chorografia do Maranhão: Wanderson

[O Imparcial, 13 de outubro de 2013]

Dos ritmos da cultura popular do Maranhão ao choro, o passeio desenvolto do percussionista Wanderson, 17º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão

Foto: Rivanio Almeida Santos

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Wanderson dos Santos Silva iniciou sua trajetória artística no bumba meu boi mirim Capricho Sesiano, organizado por Dona Laura, professora de artes das unidades Lara Ribas e Ana Adelaide Belo do Serviço Social da Indústria, popularmente conhecidas como Sesi do Santa Cruz e Sesi da Alemanha.

Nascido em 11 de abril de 1980 na Maternidade Benedito Leite e criado por perto do primeiro, o percussionista até hoje mora no Conjunto Radional. Filho de Silvio Matos da Silva, farmacêutico falecido, e Maria Ribamar dos Santos da Silva, cabelereira, Wanderson seguiu as trilhas percussivas: do Capricho Sesiano passou ao Barrica, em paralelo aos estudos e ao esporte – chegou a disputar várias edições dos Jogos Escolares Maranhenses e formou-se em Administração.

Membro do Regional Chorando Calado, grupo que integrava o cardápio musical do Bar e Restaurante Chico Canhoto à época do Clube do Choro Recebe, o músico hoje se orgulha de já ter tocado com quase todos os chorões da cidade.

Professor da Banda do Bom Menino do Convento das Mercês, atualmente Wanderson está em estúdio, gravando um disco instrumental autoral, um passeio por toda sua formação musical, o que inclui bumba meu boi, tambor de crioula, tambor de mina e choro – um pé na modernidade sem tirar o outro da tradição. Ele conversou com a chororreportagem no Chico Discos, antes de seguir para o Teatro Arthur Azevedo, onde seu set percussivo já estava montado para mais um show de sua agenda.

Foto: Rivanio Almeida Santos

Como era a vivência musical na tua casa, na tua infância? Geralmente era aos fins de semana, meu pai só descansava aos domingos, então ele botava o som o dia todo para tocar. Eu escutava Altemar Dutra, essas músicas mais ou menos dessa época, Roberto Carlos.

Ele comprava discos? Comprava discos, cds, k7s. Até hoje eu guardo, tenho comigo.

Que outras vivências musicais você tinha? Em casa, praticamente foi assim, influências também de meus irmãos mais velhos, que eram quem botavam o som na época, tipo Titãs. Meu outro irmão que escutava bastante samba, por incrível que pareça, hoje é evangélico e não escuta mais nada. Eu via a turma de meus irmãos tocando. Lá onde eu moro a influência musical é praticamente zero.

Mas eles tocavam instrumentos? Brincavam de tocar percussão, atabaques, faziam aquela rodinha de samba.

Daí veio a tua vontade de aprender a tocar percussão? Também teve aquela influência da escola. Por volta da terceira série, por aí assim, eu cantei no Capricho Sesiano [grupo de bumba meu boi formado por alunos do Serviço Social da Indústria – Sesi]. Cantei lá, toquei durante uns três anos seguidos, Moça Laura [professora de artes], chegamos até a viajar para Belém.

Como você escolheu o estudo da percussão? Por volta de 14 anos de idade comecei a me interessar por tocar. Eu sempre escutei bastante música regional, bastante boi, sempre gostei de boi, das músicas daqui da região. Eu tinha uma irmã, Darlene, ela pegou e me levou pra Madre Deus. A gente foi, digamos assim, beber da fonte. Eu quero aprender, eu vou na Madre Deus, naquela época era assim, os melhores percussionistas tocavam na Madre Deus. Peguei minha mochila e fui com ela. Fui fazer o teste para o Bicho Terra, não era aquele alvoroço que é hoje, a gente ainda tocava como bloco tradicional, na rua. Fiz o teste e fiquei. De lá comecei a ter as influências de ritmo, comecei a pesquisar, ir pra Madre Deus, estudar percussão. Por volta de 1994, 95, por aí assim. Ainda não tinha nem projeto Viva [de revitalização e construção de praças em diversos bairros da capital] nem nada.

Você não chegou a buscar outra profissão? Na época eu fazia assim: eu tive influências também, depois, de canto coral. Eu cantei três anos no [Coral] Lilah Lisboa, de Chico Pinheiro [professor da Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo e membro das bandas da Companhia Barrica e Bicho Terra]. E paralelamente, na escola, eu fazia esportes. Normal, jogava basquete, JEMs [os Jogos Escolares Maranhenses], essas coisas tudinho. Mas sempre paralelo com o estudo da música. Em 2001, 2000 eu já fui trabalhar de auxiliar administrativo, no Laboratório Salomão Fiquene, aí eu saía de lá, quando era época de São João eu ia tocar, época de coral eu ia pro coral, era tudo ali perto, o coral era na São Pantaleão, o laboratório era no Apicum.

Você sempre recebeu apoio da família, da mãe, do pai, para trilhar o caminho da música? No começo foi difícil. Minha mãe ela queria que eu estudasse, como toda mãe, estudar, fazer vestibular. Meu grande passo para a música foi depois do falecimento de meu pai. Meus irmãos viram e disseram “vamos pra cá!”, por volta de 96, quando eu entrei na Escola de Música.

Quando você cita o falecimento de seu pai, ele era o mais radicalmente contra? Não. Ele era a favor de tudo. A mãe que geralmente era “não, é pra estudar”. Fazia parte de tudo, mas não podia largar o estudo. Por exemplo: se fosse pedir um livro de música, aí era difícil ela entender, hoje a gente já tem como garantir.

Antes da Escola de Música você já tocava profissionalmente? Eu tocava com o Barrica. Toquei com o Barrica 15 anos, cheguei novinho lá.

Que instrumentos você tocava lá? Todos os instrumentos de ritmo regional. Eu entrei pra tocar no Bicho Terra. De lá fiz um teste e passei pro Barrica. Eu fui o primeiro a ser de fora da Madre Deus a entrar pro grupo, de percussão. Era só gente do meio. Dessa forma foi que eu procurei a Escola de Música e outras fontes, por que por ser de fora tinha preconceito, botavam até o pé pra eu cair tocando.

Com quantos anos você entrou na Escola de Música? Eu entrei em 1996, com 15, 16 anos.

Pra estudar percussão mesmo? Pra estudar cavaquinho. Não tinha o curso de percussão.

E aí? Estudei, toquei cavaquinho durante uns quatro anos. Toquei nesses grupos de samba, tocava em rodas de samba, fui um dos primeiros cavaquinhos do Retoque, um grupo que tinha lá no Belira. E paralelamente tocava percussão no Barrica. Meu primeiro instrumento na Escola de Música foi violino. Só que quando eu peguei o violino eu não me adaptei e o instrumento era caro. Peguei uma poupança que eu mesmo fiz, naquela época mamãe não apoiava, a poupança eu fiz com um bolão da Copa [do Mundo] de 1994, ninguém acreditou que o Brasil ia pros pênaltis, eu ganhei o dinheiro todinho. Saquei o dinheiro e comprei meu primeiro cavaquinho, meu primeiro instrumento. Aí mudei de curso. Meu primeiro professor, na época, foi até Raimundo Luiz [bandolinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 15 de setembro de 2013]. Depois de Raimundo que eu fui ter aula com Juca [do Cavaco, professor de cavaquinho da EMEM]. Depois é que entrou o curso de percussão na Escola de Música. Mas paralelamente eu já tocava percussão no Barrica e estudava cavaquinho na Escola. Tinha essa coisa dessas influências do samba, e eu misturava essa coisa do samba com os ritmos regionais. Até no Barrica.

Quando você mudou para percussão na Escola? Eu fui da primeira turma. Acho que 1997, 98.

Nem terminou o curso de cavaquinho? Não, eu tranquei. Paralelamente eu fazia os dois. Depois me decidi pela percussão.

Quem são teus principais mestres da percussão? Na Escola era Jeca, meu professor. Dei uma parada durante uns dois anos, fiquei só no Coral, parei por conta de problemas familiares, tava jogando JEMs, quando eu retornei, já era Nonatinho [percussionista do Instrumental Pixinguinha] o professor.

Você disse que passou uns 15 anos no Barrica. Sua saída de lá é mais ou menos recente. A que se deveu? A eu me profissionalizar mesmo. A eu correr atrás do meu trabalho.

No sentido de que o Barrica é um espaço amador? Não, no sentido de que o Barrica tem um dono e eu resolvi ser meu próprio dono. Decidi virar um profissional da música. Lá são pequenos cachês, é de grupo. Lá você não é visto, é visto o grupo: a Companhia Barrica.

Hoje você consegue viver de música? Consigo. Hoje eu tenho outros trabalhos paralelos, mas eu consigo.

Quais são esses trabalhos paralelos? Eu tenho minha carreira acadêmica. Sou graduado e pós-graduado em administração. Estou pensando em dar aulas em faculdade. Justamente visando um futuro, por que a carreira musical tem certos limites, na minha opinião. Na Europa o cara é dentista e toca na orquestra, não tem essa história de ser músico e ser só músico, tu tem outra alternativa, tu pode fazer as duas coisas paralelamente. Eu bati muito de frente aqui, o cara é só músico, quer ser só músico. Infelizmente o nosso mercado não dá pra isso. Eu tenho amigos que moram fora, vivem de música e vivem bem. É o que eu sempre digo: tu quer viver bem ou tu quer sobreviver? São coisas bem diferentes.

Antes de formado, você conseguiu viver bem de música? Com música você sobrevive. Viver bem, bem, é difícil. São poucos os que conseguem.

Você não acha que no teu caso essa condição decorre de ser um cara novo? Tipo, daqui a 10 anos você poderia estar vivendo bem de música? Eu acho que o mercado, aqui em São Luís, é um pouco complicado. Talvez se eu fosse pra fora.

Quem são os percussionistas que você mais admira aqui em São Luís? [Carlos] Pial, meu amigo, me ajudou bastante quando comecei a tocar. O próprio Jeca, aquela história, a gente não descarta da onde a gente veio. Zé Pretinho, um cara bom pra poxa. E outros, os grandes mestres. No Barrica, quando entrei, como passei por muito preconceito, eu ia comendo de outras fontes, pra já chegar lá sabendo. Em vez de aprender só lá, como eles não queriam me ensinar, “não, tu é de fora, então eu não vou te ensinar, se tu quiser, tu olha, tu aprende”, eu ia por fora, eu ia na Liberdade, eu ia nos encontros que tinha no Reviver [o bairro da Praia Grande], eu participei dos primeiros Pungar, encontros de tambor de crioula, Leonardo [mestre de tambor de crioula] ainda vivo. Então a gente ia por esse caminho, observando, conversando com Zé Olhinho [mestre de bumba meu boi].

E no cenário nacional? Qual é o nome que chama tua atenção? [Marcos] Suzano, que hoje é meu amigo, Celsinho Silva, meu amigo também, fiz oficinas com eles, saí daqui, peguei meu ônibus, fui bater em Teresina, oficina com Suzano. Na linha do pandeiro eu digo que tenho umas cinco influências: Jorginho do Pandeiro, Celsinho Silva, Marcos Suzano, Bira Presidente [pandeirista do grupo Fundo de Quintal] e Jackson do Pandeiro. Fora também o estilo de tocar de pandeiro diferente aqui, do pessoal do Fuzileiros da Fuzarca [bloco carnavalesco da Madre Deus]. E influência assim que eu tenho da percussão geral, eu gosto muito do Gustavo di Dalva, que toca com Gilberto Gil, Leonardo Reis, são os grandes nomes de percussão mais ou menos nesse jeito que eu gosto de tocar. Por que tem várias linhas: tem o cara que é do axé, tem o cara que é do forró…

A gente sabe que a percussão é um mundo. Na falta de instrumentos, até numa mesa dessa aqui você vai fazer música. Em que instrumento você se sente mais à vontade? O que eu sinto mais à vontade são os instrumentos de percussão maranhense, por essa vivência toda que eu tive durante esses 15 anos lá dentro da Companhia [Barrica], eu colhi muito. Os próprios músicos, o próprio Zé Pretinho, o pessoal lá de frente da percussão, eles dizem que eu fui o único que soube pegar de lá e botar em outro lugar. Os instrumentos daqui, o pandeiro de couro, que eu estudei mais, e os instrumentos também de samba, que vem do tempo em que eu tocava cavaquinho.

Quais seriam esses instrumentos maranhenses? Zabumba, tamborito, pandeirão, tambor de crioula – a parelha, eu toco todos três –, vindo pro lado do carnaval, contratempo, retinta, particularmente todo instrumento maranhense eu toco. A própria caixa do divino, que é um instrumento tocado por mulheres, lá no Barrica quem tocava era eu.

Além de Barrica e Bicho Terra de que outros grupos você já participou? Quando eu saí, que eu decidi me profissionalizar, eu já toquei com quase tudo que é grupo de São Luís.

Mas como integrante? Como integrante praticamente só lá. Toquei em grupos de samba: toquei no Retoque, desde a época do cavaquinho eu tirava mais festa. Eu tava nesse processo: cavaquinho, percussão, nessa briga. Ou eu escolhia um ou outro. Podia chegar num ponto que eu não seria melhor em nenhum, eu seria mediano nos dois. Então eu decidi estudar.

E grupo de choro? Choro foi o seguinte: quando eu entrei na Escola eu vi o [Instrumental] Pixinguinha tocando e eu sempre me interessei. E eu tinha comigo que eu não sabia tocar pandeiro. Aí eu vi aquilo e disse: vou aprender isso aí. Comecei a estudar e o primeiro grupo de choro, formado, bonitinho, foi o Chorando Calado. Na época em que eu entrei, éramos eu, Jordani [percussão], Tiago [Souza, sax e clarinete], Wendell [Cosme, cavaquinho e bandolim] e João [Eudes, violão]. Depois Jordani saiu, ficamos só nós quatro.

Qual a importância do Chorando Calado pra você? A gente é uma família, nós quatro. Quatro irmãos. Através de muito estudo, muita repetição, ensaio, a gente conseguiu essa abertura no meio dos grupos grandes que já existiam aqui, de chorões. A gente recebeu, como éramos da Escola, muito apoio do Pixinguinha, a maioria eram nossos professores, botavam a gente pra tocar nos eventos lá. Às vezes a gente sabia só 10 músicas. Hoje quando a gente se junta, é só olhar um pro outro.

Mas o Chorando Calado nunca mais fez apresentações como Chorando Calado. O que está faltando? Tiago! Nós chegamos a botar outros, [os flautistas] Lee Fan, [João] Neto, até Zezé [Alves, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013], mas a gente decidiu não usar mais o nome. Até por que teve a história do Clube do Choro [Recebe] dar um tempo. Eu tenho esperança que volte, foi uma escola pra gente na época. Um projeto de suma importância, na época era o nosso palco. Ali que a gente começou a fazer nosso trabalho, a ter novidades no repertório.

Fora o Chorando Calado, você integrou outros grupos de choro? Eu já toquei com o Pixinguinha, um tempo em que o Nonatinho se afastou. Já toquei nOs Cinco Companheiros, com Osmar do Trombone [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 23 de junho de 2013]. Essa vivência [no Clube do Choro Recebe] fez com que eu tivesse o prazer de hoje já ter tocado com praticamente todos os grupos de choro daqui.

Daqui a pouco quando você terminar essa entrevista, vai participar da gravação de um dvd [o show Justiça de Paz e Pão, em que servidores do Tribunal Regional do Trabalho no Maranhão interpretaram obras de compositores maranhenses]. De que discos você já participou? Já, bastante discos. [O compositor Luiz] Bulcão, [a cantora] Teresa Cantu, cds e dvds. Várias bases de bumba meu boi. [O cantor] Mano Borges é um trabalho constante, uma das pessoas que na época em que fui tentar me profissionalizar foram pessoas que me deram apoio, começaram a me injetar nas coisas, Oberdan [Oliveira, guitarrista], Antonio Paiva [contrabaixista]. Outra influência de que lembrei agora, que eu tive na infância, bastante grande, foi a Casinha da Roça. Eu cresci naquilo ali.

A gente percebe essa vivência, essa tua natureza da cultura popular do Maranhão em tua base percussiva. Como você percebe a relação da percussão da cultura popular do Maranhão com a prática do choro? É possível fazer esse encontro? Você acha interessante? É possível, é bastante interessante, até por que essa questão do ritmo maranhense não é valorizado pelo maranhense, mas quando a gente viaja, que dá uma volta por outros ares, é o diferencial. É o que tu chega, é o que tu mostra, e o pessoal fica de boca aberta.

Cabe no choro? Cabe. Inclusive a gente lá no Chorando Calado botava muito boi, bloco misturado com choro. Cabe. É uma célula a mais. O choro em si é um gênero, então ele agrega um monte de ritmos. Eu sou um admirador da cultura popular do Maranhão. Meu set up tem um monte de instrumentos de fora, mas tem os instrumentos daqui pelo meio. Eu não me esqueço de onde eu vim. O Barrica, pra mim, foi uma escola. Quando eu viajava, eu sempre ia conversar com músicos, ia atrás de informação, sempre fui bastante curioso.

O que é o choro para você? Tanto quanto é o bumba boi é uma influência musical muito grande. É visto com preconceito, como música de velho, mas na verdade é uma música muito difícil. Eu digo pra meus alunos: todos os que vão pra linha do choro se tornam bons músicos. Os compositores de choro são grandes mestres da música. O choro não tem música feia. Até as mais atuais, a qualidade é lá em cima.

Com toda essa vivência já demonstrada na seara da cultura popular, você se considera um chorão? Considero. Até meus amigos dizem que quando vai pro lado do choro eu sou meio ranzinza. Eles, “não, Wanderson, é por que tu é chorão” [risos]. Eu me considero. Eu ouço choro todo dia: Zé da Velha, Silvério Pontes, Tira-Poeira, Época de Ouro, Zé Nogueira. Eu escuto tudo, os tradicionais, os modernos. As músicas de choro que eu mais gosto vêm daquele tempo que eu tocava cavaco: gosto muito de Naquele Tempo, de Pixinguinha, Minhas mãos, meu cavaquinho, de Waldir [Azevedo]. É essa linha que eu gosto mesmo de escutar, de sentar pra escutar.

Você tocou no disco inédito de Joãozinho Ribeiro [Milhões de Uns, disco de estreia do compositor, gravado ao vivo no Teatro Arthur Azevedo, em novembro de 2012]. O que significou para você? Você vê o quanto o trabalho do maranhense é esquecido. Ali eram só composições antigas, só que totalmente atuais. Tem muita música ali que eu nem sonhava em tocar, são atuais, podem tocar em qualquer lugar. Foi uma experiência muito boa, os músicos, todo mundo voltado pro show. Eu já escutava muito [a música] Milhões de Uns, quando eu me vi naquele local tocando, era uma coisa que eu almejava fazer e hoje eu faço parte. Pessoas com quem eu nem sonhava tocar.

Gravado em Belo Horizonte, Cinco Gerações será lançado amanhã (24) em São Luís

Como o disco de estreia de Osmar do Trombone show de lançamento terá participações especiais

Oriundo de Carajri, na Baixada Maranhense, Osmar do Trombone é um talentoso músico, cujo nome pode ser lido em diversas fichas técnicas de discos e shows, além das rodas informais, escola fundamental para qualquer músico que se preze, ainda mais em se tratando de choro.

A genética não explica tudo e é sempre necessário muito trabalho para se desenvolver um talento. Feito pimenta e facebook, Osmar do Trombone vem sendo curtido já faz bastante tempo. Nascido em uma família de músicos, a história é por demais conhecida. Frequentadores do saudoso Clube do Choro Recebe, ouvintes do Chorinhos e Chorões de Ricarte Almeida Santos na Rádio Universidade FM (106,9MHz) e, mais recentemente, leitores da Chorografia do Maranhão nas páginas de O Imparcial, série para a qual o músico foi entrevistado em junho passado, já a leram ou ouviram, talvez mais de uma vez.

Inspirado e cheio de brejeirice, Osmar compôs um choro ao qual deu o nome de Quatro gerações. Eram ele – o próprio Osmar –, seu filho Osmar Jr., saxofonista, seu pai e seu avô. Depois, ao descobrir um bisavô que já tocava, mudou o nome da música: Cinco Gerações.

O belo choro batiza a estreia de Osmar do Trombone em disco solo, gravado ano passado em Belo Horizonte. O nome do solista não aparece na capa. Cinco Gerações é encarado como um trabalho da dupla formada por pai e filho, ou além, da grande roda que se tornou a feitura desta bolachinha recheada de felizes coincidências.

Osmarmanjos filho e pai em detalhe do encarte de Cinco Gerações

Depois de desistir do curso de Administração e resolver dedicar-se integralmente à música, Osmar Jr. prestou vestibular para Música em Minas Gerais – está cursando o bacharelado em saxofone na UFMG. Rapidamente virou figurinha fácil em rodas de choro em bares como Salomão, Pastel de Angu, Bolão e Mosteiro – tive a oportunidade de visitar este último em dezembro passado e já deveria ter escrito algo para compartilhar com os poucos mas fiéis leitores, não é mesmo?

Nestas rodas, Osmarzinho, como também é conhecido, sempre falou do pai – “papai toca trombone” – e sempre procurou mostrar a música instrumental produzida no Maranhão. Um dia Osmar foi visitá-lo, descascou o trombone e mandou ver Na Glória (Ary dos Santos/ Felipe Tedesco/ Raul de Barros): quase toma de seu filho o posto de xodó dos mineiros.

Entre idas e vindas entre Maranhão e Minas, sem pressa, com participações especiais e um repertório entre o autoral e as belas criações de nossos grandes mestres na arte de compor, Osmar do Trombone foi moldando Cinco Gerações, sonho agora realizado, já acalentado há bastante tempo.

Solidariedade e gentileza sabemos o que geram: senhor de seu instrumento, Osmar humildemente permitiu a presença de outros trombonistas em seu disco, o que certamente contribuiu para enriquecê-lo. O resultado evidencia as qualidades de Osmar enquanto instrumentista e compositor, um artista apto a subir em qualquer palco no mundo, sem nunca esquecer as referências de sua Baixada, de seu Maranhão de origem. As influências estão ali nas células rítmicas de suas criações, mesmo quando elas deixam livres – para improvisar e mostrar também suas influências – os músicos de Minas que aparecem na ficha técnica: Abel Borges (pandeiro), Alaécio Martins (trombone), Fábio Martins (percussão), Gilberto Júnior (trompete), Lucas Ladeia (cavaquinho), Lucas Telles (violão sete cordas), Luísa Mitre (sanfona), Marcelo Braga (sax soprano), Marcos Flávio (trombone), Miguel Praça (trombone), Oszenclever (pandeiro), Rafael Francisco (flauta), Raíssa Anastásia (flauta), Rodrigo Picolé (pandeiro), William Alves (trompete), além dos maranhenses João Neto (flauta) e Osmar Jr. (saxofones), este também integrante do Quarteto de Saxofones completado por Cesar Baracho (sax alto), Harrison Santos (sax tenor) e Luís Flávio (sax barítono).

Osmar do Trombone assina cinco composições: Saudades de Tororoma, homenagem a um rio que lhe banhou a infância, Cinco Gerações (que aparece em duas gravações, uma um bis em execução do Quarteto de Saxofones integrado por Osmar Jr. na UFMG), Momentos, Pulo do Gato, com acento jazzístico, e De ladeira abaixo. Intercaladas à porção autoral, as demais faixas funcionam como uma antologia do choro maranhense: O samba é bom (Antonio Vieira), Das cinzas à paixão e Rayban (ambas de Cesar Teixeira), Saiba, rapaz (Joãozinho Ribeiro) e Terra de Noel (Josias Sobrinho) demonstram também a coragem de Osmar do Trombone. Não é fácil nem simples regravar em leitura instrumental, choros com letras, ainda mais da lavra destes compositores. Não é que o músico dispense a lírica dos bardos, isso não explicaria: o que Osmar e companhia fazem é tornar – nunca reduzi-las a – instrumentais as criações alheias.

Cesar Teixeira, Joãozinho Ribeiro e Josias Sobrinho são alguns dos convidados do show de lançamento de Cinco Gerações, que acontecerá nesta sexta-feira (24), às 21h, no Barulhinho Bom (R$ 10,00, ingressos à venda no local). Além do filho Osmar Jr. (saxofones), Osmar do Trombone será acompanhado por Daniel Cavalcante (trompete), Domingos Santos (violão sete cordas), João Neto (flauta), João Soeiro (violão), Luciano Lima (percussão), Rafael Guterres (cavaquinho), Rui Mário (sanfona) e Wanderson Santos (percussão). Mas como em qualquer roda de choro que se preze, no Maranhão, em Minas Gerais ou em qualquer lugar, outros nomes com certeza aparecerão. São Cinco Gerações festejando: você não vai deixar a sua fora dessa, vai?

Cantar, a sagrada vocação de Renato Braz

Passarim cosmopolita, Renato Braz solta o canto no Chorinhos e Chorões

Extremamente simpático e bastante modesto – “eu tou tocando errado aqui”, desculpou-se ao interpretar, em off, o Cigarro de paia, de Armando Cavalcanti e Klécius Caldas, sucesso de Luiz Gonzaga –, Renato Braz esteve em São Luís sábado passado (20), para um show reservado. Era a terceira edição do projeto Ponta do Bonfim – Música e Por do Sol, organizado pelos amigos Eden do Carmo, Aristides Lobão e Lúcio. Cabelos ao vento, ele trajava calça xadrez e uma camisa com uma estampa de Amarcord, de Federico Felini. Emoldurado pela bela paisagem, Renato Braz fez um show onírico qual o cinema do italiano: vê-lo e ouvi-lo era também a realização de um sonho.

Além do paulista, também desfilaram talentos ao palco Zeca do Cavaco e João Neto Trio (com o próprio na flauta, João Eudes, violão sete cordas, e Vanderson, percussão), Milla Camões (acompanhada de Celson Mendes ao violão, Jeff Soares, contrabaixo e Fleming, bateria) e Sérgio Habibe (com Edinho Bastos, guitarra, e Rui Mário, sanfona). Aposto que alguns dos poucos mas fiéis leitores estão indignados de só estarem sabendo disso agora.

Renato Braz passeou pelo repertório de seus discos e cantou coisas que gosta, lembrando os centenários Wilson Batista e Dorival Caymmi, elogiando ainda os maranhenses que o antecederam no palco. Celson Mendes e Marconi Rezende subiram ao palco para acompanhar-lhe, em participações especiais. Puro deleite.

Aproveitando a passagem pela ilha, o músico compareceu aos estúdios da Rádio Universidade FM (106,9MHz), e concedeu uma entrevista a Ricarte Almeida Santos e este blogueiro, imensa honra – como disse o apresentador, “fazer Chorinhos e Chorões tem seus privilégios”. O bate papo musical vai ao ar amanhã (28) domingo que vem (4/8), às 9h.

Renato Braz aponta influências – “o primeiro grande artista que eu quis ser era o Tim Maia, é minha primeira referência como cantor” –, fala da carreira (sete discos lançados desde 1996, incluindo Por toda a vida, inteiramente dedicado ao repertório dos irmãos paulistas Jean e Paulo Garfunkel, e Papo de Passarim, dividido com Zé Renato, ex-Boca Livre, outro ídolo), da relação com a música maranhense (a amizade com Rita Ribeiro e Zeca Baleiro, de quem gravou Bambayuque no disco de estreia, e Flávia Bittencourt, em cuja estreia cantou em Flor do Mal, de Cesar Teixeira), discos fundamentais para sua formação, como Brazilian Serenata, de Dori Caymmi, e Urubu, de Tom Jobim, as novas tecnologias e a feitura de seus discos, hoje independentes – “só canto aquilo que me emociona”, rodas de choro e, em tom brincalhão, da amizade com o casal-música Paulo César Pinheiro e Luciana Rabello.

Em meio a tudo isso, música. Muita música, de qualidade. Além de faixas de seus discos, surpresas, como interpretação sua ao violão para Só louco, de Dorival Caymmi (que completaria 100 anos em 2014), além de uma inédita de Fred Martins – Depressa a vida passa, como depressa passou esse Chorinhos e Chorões. Mais não digo para não estragar a surpresa – ou já o fiz?. Nada, este texto é nada perto do programa.

Errata: os poucos mas fiéis leitores deste blogue e os muitos e fiéis ouvintes do Chorinhos e Chorões terão que esperar mais um bocadinho para ouvir o programa acima anunciado apressadamente. Amanhã (28), aproveitando sua passagem pela ilha, Ricarte Almeida Santos conversa com o professor Marco César.

Chorografia do Maranhão: Serra de Almeida

[Primeira entrevista da série Chorografia do Maranhão, publicada em O Imparcial, 3/3/2013]

 

 

O flautista Serrinha inaugura série de entrevistas com grandes instrumentistas do Choro maranhense. Chorografia do Maranhão será publicada quinzenalmente aos domingos em O Imparcial.

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Mais conhecido pela alcunha de Serrinha, Serra de Almeida é um senhor tranquilo e elegante. Naquela tarde quente, típica de São Luís, estava mais à vontade, de bermuda, camisa e boné. E flauta em punho, tocada em alguns momentos do bate-papo, a ilustrar musicalmente a conversa, acontecida no bar e restaurante Cumidinha de Buteko (Cohajap, São Luís/MA). Sua imagem, uma espécie de Copinha timbira, contrastava o senhor de camisa e calça sociais, sempre muito bem alinhadas, quando de apresentações em espaços como a Serenata Caixa Alta, o Clube do Choro Recebe e as mais recentes rodas com o Regional Tira-Teima que têm ocupado as sextas-feiras do Hotel Brisa Mar.

Aos 76 anos, diz ser um velho sem muito tempo dedicado ao choro – para ele a música maior. Isso apenas para explicar que passou a maior parte da vida trabalhando com petróleo. Mas só no Tira-Teima já está há quase um quarto de século.

José Serra de Almeida nasceu em São Bernardo/MA, em 13 de novembro de 1936, filho de Francisco Coutinho de Almeida, comerciante que chegou a prefeito do município, flautista diletante, e da dona de casa Maria Magnólia Serra de Almeida. Ainda na infância o menino se apaixonou pela música. A seguir, os melhores momentos da entrevista.

Fale um pouco de suas experiências profissionais, além da música, com o petróleo e hoje trabalhando em cartório. Nesses 70 e poucos anos que eu tenho, já fiz muita coisa. Mas o trabalho que eu perdurei mais na vida foi quando eu fui petroleiro, petrolista, não sei como é que chama. Eu era auxiliar técnico de petróleo. A empresa investiu muito em mim, fiz vários cursos de petróleo: refinaria, terminal. Houve uma época em que eu passava muito tempo naqueles navios.

Você trabalhava no Maranhão? Não. Eu trabalhei na Bahia, todo esse tempo. 21 anos. De fevereiro de 1960 até 1980. Voltei novamente ao Maranhão, aí saí da empresa. Eu digo 21 anos, mas incompletos.

E quando o senhor saiu do ramo do petróleo, foi fazer o quê? Vim pra cá, fui ser comerciante, comércio de madeira, exploração de madeira, aqui em São Luís. A maior burrice que já fiz. Peguei um ramo errado na minha vida. Foi onde eu gastei quase tudo o que eu ganhei na minha vida, lá na Bahia. Terminei indo à falência. Aquela recessão de 1983, 84, eu comprei uma serraria ali no Anil. A maior serraria de São Luís era a minha, mas eu não tinha experiência. Passei a vida toda trabalhando na Petrobrás, cheguei aqui, fui me meter nisso, arranjei um sócio quebrado, meu irmão, o mais novo, que me induziu a esse tipo de coisa. Sempre muito humilde, eu aceitava tudo aquilo. Nunca tive a impressão que aquilo estivesse errado, sempre tocava pra frente, pagava tudo à vista, pagava os impostos rigorosamente como manda a lei, tinha empregados além do que precisava. Se eu precisava de oito, eu tinha 16. Tinha um caminhão trucado que eu puxava tora do interior pra cá, pra serrar.

E hoje, está aposentado? Eu tive que me aposentar. Foi aí que eu comecei minha vida de novo. Essa flauta aqui [está com o instrumento nas mãos], que eu tocava muito fraco [tinha pouco conhecimento] nesse tempo, ainda, que me ajudou a manter inclusive meus filhos no colégio.

Você se tornou um flautista respeitado em São Luís. Teu pai era flautista. Além do teu pai, qual era o universo musical de tua cidade? Tu conviveste com bandas? Como era o universo musical na tua infância e adolescência? Isso aí sempre teve muita influência por que eu era apaixonado por música. O padre de lá, Padre Nestor, que mataram lá em São Bernardo, não sei se você soube dessa história, ele era formado em música e conseguia tudo pra lá, instrumentos, tudo. A banda tocava em festas, em cidades vizinhas. Lá, só tinha mais do que em São Bernardo, só em Brejo. Brejo sempre foi uma cidade muito musical, histórica. Teve uma época que teve o Pedro Ambrósio, um grande músico, nascido em São Luís, que era muito amigo desse padre.

Havia algum músico, além desse padre, do Pedro Ambrósio, que tu observava em São Bernardo e tinha admiração por ele? Tinha. Não só um, mas vários. Tinha Chico Vaz, que tocava clarinete, o Assis, que tocava trompete e trombone, o Elpídio tocava cavaquinho, o Péricles tocava violão. Essa turma toda, eu menino ainda, convivia com eles. Eles gostavam muito de mim, eu só andava pelo meio.

O fato de tu ter um pai flautista foi o que te levou pra flauta? Nunca teve vontade de aprender outro instrumento? Em parte foi. Em parte foi essa herança de meu pai. A flautinha dele era uma flautinha de ébano, de sete chaves.

E ele foi quem te deu as primeiras aulas? Não, pelo contrário. Eu depois que comprei uma flauta na Bahia, que eu trouxe uma flauta dessas, ainda dei umas aulas para ele [risos].

Tu tinha que idade? Eu já era coroa, já tinha mais de 40 anos.

Teus pais, então, nunca apoiaram, essa iniciativa de tocar? Meu pai nunca desapoiou. Pelo contrário, ele gostava demais disso. Agora, ele não tinha bagagem assim, pra me ensinar. Ele foi aluno desse padre, do maestro Pedro Ambrósio, e lia música. Melhor do que eu. Eu leio muito mal.

O rádio teve alguma influência? Muita! Eu gostava daqueles programas americanos, jazz, aquele Benny Goodman, eu era louco por aquele cara. Eu tenho um dvd em casa que a maior parte é com ele. É um tributo a Louis Armstrong que parece muito com aquela época. A Orquestra Tabajara. Severino Araújo saiu aqui da Paraíba muito novo, mas já formado.

Fora esses, quem são os músicos que te influenciaram, flautistas ou não, brasileiros ou não? Depois que eu comecei a tocar flauta, Altamiro Carrilho. Minha maior referência sempre foi Altamiro Carrilho. Onde eu via qualquer coisa dele eu comprava. Até hoje é assim. Tudo o que passa [na tevê] dele eu gravo. O bom humor dele. Eu tenho um programa que eu gravei já perto de ele morrer, em que ele começava a tocar [imita o som da flauta com a boca] Mozart, um arranjo que ele fez [toca o trecho de abertura na flauta]. Isso ele começou a tocar e no meio da música parece que faltou alguma coisa na memória. Aí ele botou a flauta assim [põe a flauta no colo] e “quiá, quiá, quiá” [imita], caiu na gargalhada [risos]. Aí ele voltou e começou a explicar que a paixão dele era Mozart.

E hoje tu estando aposentado e tendo mais tempo para te dedicar à música, dá para dizer que tu vive ou já viveu de música. Ou é só prazer? Como aposentado eu não tenho muito tempo para música. Já tive. Mas aí eu saturei e tive que arrumar algo para fazer, se não ia ficar estressado, ia adoecer. Há muito tempo vinham me oferecendo uma vaga no cartório, e eu resolvi pegar, já tinha trabalhado com isso. Ele [o proprietário] morreu e eu assumi um compromisso com a filha dele. Sobre a questão de me sustentar com música, isso só nessa época que te falei, que a flauta me ajudou. Eu tava quebrado mesmo. Mas eu, pela ajuda de Deus, eu tive muita sorte, e na Caixa Econômica [Associação do Pessoal da Caixa] tinha uma seresta [Serenata Caixa Alta], e quem fazia, não deu certo. Paulo Trabulsi, Sadi, esse pessoal, não deu certo. Aí eu entrei. Entrei e como eu sempre respeitei muito tudo aquilo que eu pego pra fazer, eu não gosto de falhar, eles não ligavam para nada e eu comecei a mostrar que eu tinha interesse pela coisa. Aí os diretores me chamaram. “Serra, você é que vai ser o chefe do grupo”. E eu digo, “mas rapaz, Paulo é meu amigo”. “Não senhor, é você quem é o chefe do grupo, ou então nada feito”. Me encostou na parede, né?

Como era o nome do grupo? Era Chão de Estrelas. Anos 80. Durante três anos aquilo ali foi dinheiro. Era organizado. Sempre vinham grupos de fora. Eu conheci muita gente boa. Dominguinhos, por exemplo. Sempre que chegava gente, me diziam: “toma conta desse cara”. Aí eu ia andar com Dominguinhos, com outros.

De que grupos musicais você já fez parte? Você disse ainda há pouco que já tocou com Agnaldo [Sete Cordas, lenda vida do instrumento em São Luís]. Agnaldo era do grupo lá da Caixa. Paulo, cavaquinho, Agnaldo, violão [não consegue lembrar de outros nomes]. Ivone cantava, muito boa, Paulo deve ter alguma coisa dela gravada…

Esse era o Chão de Estrelas. Antes, tu já tinha tocado em outro regional? Antes disso aí eu tocava com Paulo mesmo. Era eu, Paulo e Zé Carlos [percussão]. Era esse trio.

Tinha nome esse trio? Não. Era o Tira-Teima mesmo. Por que ele [o regional Tira-Teima] varia muito a formação. O único original que ainda está no grupo é Paulo.

De que grupo você participou por mais tempo? O Tira-Teima mesmo. Do Chão de Estrelas foram quatro anos. No Tira-Teima eu estou desde 89.

Qual a sua opinião sobre o Tira-Teima? O que você acha desse grupo? É muito cheio de caracol, é muito enrolado [risos]. Mas pra mim, não é por que eu participo do grupo não, mas pra mim ainda é um dos grupos que toca tudo. Tudo o que você pensar o Tira-Teima toca. É um grupo genuinamente de choro, o nosso forte é choro, mas se você quiser valsa, baião, música clássica, se toca. Esse que eu toquei agora é um clássico. De Mozart. Minueto do divertimento, o nome dele.

Além de instrumentista, você desenvolve outros tipos de habilidades na música? Compositor, arranjador… Eu me meto a tudo, a compor, a arranjar, a ler música, que eu não sei. Mas quando eu quero eu faço. Faço e escrevo. Paulo fica admirado: “rapaz, como é que tu escreveu isso?” Quando eu tinha tempo, né? Agora…

Tu tens quantos choros, quantas composições? Três. Dom Chiquinho, um choro amaxixado. Eu fiz um choro, e eles [os músicos do Regional Tira-Teima] mudaram. Zé Carlos, com a batida dele, terminou ficando um maxixe. Tem o Choro nobre, que é o segundo. E tem Chorinho embolado, um choro muito bonito [toca um trecho na flauta]. Por aí você já vê que é um choro bonito. Mas mais bonita é a terceira parte [toca novamente; e a pedido de Ricarte, um trecho de Dom Chiquinho]. Eu comecei a cismar com ele [o choro Dom Chiquinho] por que quando eu fiz esse choro eu não conhecia um choro chamado Cheguei [de Pixinguinha], e a segunda parte dele tem muito disso aqui [toca um trecho de Cheguei]. Tem alguma coisa diferente, mas é quase todo igual. Parece demais! Mas eu nem conhecia esse choro. Depois que eu conheci, eu comecei a querer aleijar o Dom Chiquinho, mas já tinha pegado.

Serra, tu já participou da gravação de algum disco? Já. Tem um disco aí, Na palma da mão [verso de Uns e alguns, de Jorge Aragão, que dá título ao primeiro disco do grupo Serrinha & Companhia], que eu participei, no Tributo a Zé Hemetério [outra faixa do disco, de Gordo Elinaldo, executada pelo Regional Tira-Teima, em participação especial] e em Das cinzas à paixão [de Cesar Teixeira, cantada no disco por Zeca do Cavaco, membro do Tira-Teima; Serra de Almeida toca um trecho na flauta]. No cd de Anna Cláudia, num do Festival da Caixa na Paraíba, tem até uma música de Paulo [Trabulsi].

Quem são os compositores do Maranhão que tu mais admira? Da música em geral. Aqui do Maranhão Cesar Teixeira para mim é o melhor. Gosto muito de Ubiratan [Souza], também é um cara muito inteligente.

Na tua opinião, qual a importância do choro para a música brasileira? O choro é a única música brasileira, genuinamente brasileira. Se não fosse tão boa não era tão admirada lá fora. Não era invejada. Causa inveja em algumas partes do planeta. Alemanha, França, Espanha. E difícil! O choro é isso: ninguém consegue dominar com facilidade.

Tu acha que o choro, enquanto linguagem, influencia a música popular brasileira? Não deixa de influenciar. O samba, por exemplo.

Você tem acompanhado o desenvolvimento do choro no Brasil? Tem desenvolvido demais. Pelos contatos que tenho, alguns amigos, televisão, a gente vê. O [clarinetista brasiliense] Fernando Machado me conta muita coisa sobre a evolução do choro lá em Brasília, as novas gerações, todo mundo, os jovens entusiasmados tocando choro. Esse Dom Chiquinho ele levou a partitura. Depois esteve aqui e disse: “Serra, teu choro tá sendo tocado lá pelos garotos”.

Isso te alegra? Não deixa de me alegrar, né? Eu já tou mais pra lá do que pra cá e vou levar uma coisa que eu sei que agradou alguém.

Tu participou daquele show de Zé da Velha e Silvério Pontes [lançamento do cd Só Pixinguinha, da dupla, no Circo da Cidade, em 2006, produzido por Ricarte Almeida Santos, com participação de diversos nomes da cena local]. O que foi pra você dividir o palco com aquelas figuras nacionalmente reconhecidas? Foi um verdadeiro banho de orgulho, por estar tocando ali. Aquilo foi um orgulho pra mim. Esse orgulho que tenho não me diminui, não faz mal. Acho que sou capaz de fazer algo semelhante ao que eles fazem.

Eles disseram isso. Compararam com Copinha, que é um dos maiores. Isso também Turíbio Santos já me disse. “Rapaz, você até parece com o Copinha!” Apesar de eu não zelar como devia, pela desenvoltura ao instrumento. Se eu pegasse todo dia no instrumento, como músico tem que fazer.

Tu acha que o choro hoje é diferente de antigamente? Houve algumas modificações, mas em se tratando de choro, na essência, é a mesma coisa. Isso aí ninguém pode mudar.

Qual a tua avaliação do choro praticado no Maranhão hoje? Eu vejo muito pouca coisa. No Maranhão nós somos poucos. Destaque tem você [Ricarte], que é um homem que se dedica, tem que respeitar. Depois tem grupos como o nosso [o Regional Tira-Teima], o [Instrumental] Pixinguinha. Tem muita gente aí que toca choro, mas não é com a alma. Não é como nós, que tocamos e admiramos outras músicas, mas o choro é a principal.

Tu acha que falta, no Maranhão, um espaço de valorização da cultura do choro? Fora o programa de Ricarte [Chorinhos e Chorões, aos domingos, às 9h, na Rádio Universidade FM, 106,9MHz], o [projeto] Clube do Choro Recebe, que aconteceu no bar do Chico Canhoto. Eu acho. O negócio vai mudando muito devagar. Não é como em Brasília que a gente vê o entusiasmo. O Chico Canhoto foi importante, mas o vento levou. Aquilo deixou um resultado. A gente [o Regional Tira-Teima] tá tocando no Hotel Brisa Mar [Ponta d’Areia], toda sexta-feira, de sete e meia às 10 e meia da noite. O rádio tá divulgando, de vez em quando chega gente que era de lá [frequentadores do Chico Canhoto].

Quem são os maiores instrumentistas de choro no Maranhão hoje? Essa pergunta é um pouco difícil. Flauta, eu e João Neto. João Neto é um músico que toca choro. Eu sou chorão. Eu toco choro por prazer, não troco por nada, não desisto. João Neto não é um entusiasta do choro. A pessoa que eu admiro tocando choro aqui é Paulo Trabulsi. Ele é um entusiasta do choro. E não é por que seja meu colega, não.

O Tira-Teima é o mais antigo grupamento de choro em atividade no Maranhão. O grupo não já devia ter um disco gravado? O que falta para isso? Sim. Isso é um descaso. Uma falta de responsabilidade nossa, até. Falta unificar o pensamento e o interesse do grupo. Eu nunca perdi o ânimo, continuo na esperança de a gente gravar um disco. Quando o negócio tá pra se encaminhar, todo mundo esquece. Não é falta de condição financeira, é falta de responsabilidade mesmo.

Tu arriscaria dar um chute sobre como estará a cena daqui a alguns anos? Eu faço votos de que a gente esteja muito melhor. Nomes novos estão surgindo, mas não é a essência do choro. Eles mudam as coisas. Outro dia eu ouvi o Luizinho [Sete Cordas, músico paulista] dizendo: “gente, vamos respeitar o choro! Vocês estão querendo colocar o carro adiante dos bois”. É isso mesmo!

Charme e elegância

Quem já ou/viu Léo Spirro num palco, sabe bem que estas duas palavras são tradução possível de suas performances.

Há algum tempo o setentão gravou um disco dedicado ao repertório de Cartola.

Hoje, ele sobe ao palco para cantar músicas deste disco entre outros clássicos da música brasileira.

Isso tudo, por si só, já valeria o show. Mas ele terá a participação especial de Silvério Pontes, ao trompete, somando-se ao grupo que o acompanhará: Celson Mendes (violão), João Neto (flauta) e Fleming (bateria).

É logo mais, no Barulhinho Bom:

Divulgação

Eu nem sei quantas vezes reencarnei esse ano*

Faça como eu que vou como estou porque só o que pode acontecer/ é os “pingo” da chuva me molhar (Os “pingo” da chuva, 1974)

Depois de um bem sucedido tributo ao capixaba Sérgio Sampaio, apresentado por duas vezes em São Luís, a cantora Tássia Campos volta aos palcos, desta vez para homenagear Os Novos Baianos. Tanto o primeiro quanto a trupe musical de Moraes Moreira, Luiz Galvão, Paulinho Boca de Cantor, Pepeu Gomes e Baby à época Consuelo são marcas fundamentais na formação musical de Tássia, cuja estreia em disco deve acontecer em breve.

Casada com o contrabaixista João Paulo, com quem tem um filho, Felipe, ela divide os amores entre eles e a música. O marido toca na banda que a acompanhará em Tássia Campos F. C. – Sorrir e cantar como Novos Baianos, longo título do show que pega emprestado os títulos do disco de 1973 dOs Novos Baianos [Novos Baianos F. C.] e de sua faixa de abertura [Sorrir e cantar como Bahia]. A formação se completa com Edinho Bastos (guitarra), Jesiel Bives (teclado), João Neto (flauta) e Joel Monteiro (bateria). No palco, a cantora contará ainda com as participações especiais de Alexander Carvalho (ex-Daphne), Djalma Lúcio (ex-Catarina Mina), Lena Machado e Yuri Brito. A abertura fica por conta da sempre competente, pesquisada e animada discotecagem do DJ Franklin, parceiro da cantora já de outras empreitadas.

Com um time desses não deve ser à toa que Tássia carrega o sobrenome Campos: predestinada, como em outros shows/partidas, deve receber muitos aplausos da plateia/torcida a cada música/drible. É gol!

Tássia Campos F. C. – Sorrir e cantar como Novos Baianos acontece nesta quinta-feira (20), às 23h, no Odeon Sabor e Arte (Rua da Palma, 217, Praia Grande). Os ingressos custam R$ 10,00 e podem ser adquiridos no local. Sobre o show e o futuro, a cantora conversou com este blogue.

ENTREVISTA: TÁSSIA CAMPOS
A ZEMA RIBEIRO

ZEMA RIBEIRO – Para começar com um trocadilho futebolístico, que seleção a plateia pode esperar, em termos de repertório?

TÁSSIA CAMPOS – O repertório faz um passeio pelas minhas predileções na discografia dOs Novos Baianos. O show ‘tá todo feliz, cheio de boas mensagens. Rearranjamos algumas coisas, também tem momentos onde apenas alguns instrumentos tocam…

A banda que vai te acompanhar não tem violão ou cavaquinho na formação, instrumentos fundamentais na musicalidade dOs Novos Baianos. Não é um pouco “arriscoso” recriá-los sem os dois instrumentos ou faz parte do processo de, digamos, desconstrução que pretendes levar ao palco? Todos os meus shows têm um padrão fiel à proposta estética do meu trabalho. Confesso que se eu incorporasse cavaquinho, violão e pandeiro no show deixaria de ser eu. Quando tu me perguntou sobre o set list eu esqueci de dizer que a escolha, além de delicada, se tornava mais difícil, pois eu tinha que escolher algo que funcionasse com o formato que tenho. O show vai ser mais elétrico mesmo. E como te disse: os rearranjos fazem isso pela música. Recriá-las, dar uma cara nova, mas sem que ela perca a essência é o desafio do intérprete. Conto com João e Edinho pra pensarem junto comigo e definirmos os motes. Eles são sensíveis e como nossa linguagem é parecida eles incorporam e executam com maestria. O risco a gente sempre corre, mas também a gente se adapta e faz as coisas com os recursos que temos. Quem for ao show pode esperar um show feito com carinho e cuidado.

Os Novos Baianos significaram um sopro de frescor na música brasileira, sobretudo pela fusão de rock e choro que impregna seus principais discos, sobretudo Acabou Chorare (1972), que completa 40 anos. O que o show trará dessa fusão? E o que há de novidades em meio aos rearranjos? Sempre trouxe comigo o que tem de subjetivo no trabalho dOs Novos Baianos e embora não tenha vivido esse tempo, os discos foram importantes, pois reafirmavam meus ideais de liberdade, a minha queda pela contracultura e, claro, pelo Tropicalismo. No show, as tentativas em rearranjar as melodias “empenadas” de Moraes Moreira, resultaram em algo menos “empenado”. A gente deu uma limpada e sofisticada na sonoridade, por que os trabalhos dos caras, quando não são apenas arranjos de violão, as músicas contêm muita informação… Essa limpada serve pra imprimir minha identidade nas canções, o que é algo que busco sempre quando interpreto um trabalho. Tenho uma predileção pela simplicidade, mas sem perder a sofisticação musical. É uma encrenca, mas rolou naturalmente.

Teu disco de estreia, hoje em fase de gravação, trará uma música de Moraes Moreira, da fase pós-Novos Baianos, elogiada pelo próprio. O que significou pra ti gravá-la e receber este elogio empolgado do autor? Ela entra no show? A música se chama Nesse mar, nessa ilha [a sexta faixa de Moraes Moreira, de 1975, primeiro disco solo dele]. Conheci através de um amigo que disse que queria ouvir a canção na minha voz. Achei de uma delicadeza e poesia tão profunda que decidi gravar. Então conheci o Edu Krieger, um sambista da nova geração carioca. A gente cantou junto e ele se interessou pelo meu trabalho. Daí ele sugeriu uma parceria e eu fiquei de pensar em algo… Quando eu ouvi a gravação do Moraes Moreira, pensei logo no sete cordas do Edu e quando ele veio aqui em São Luis novamente, gravamos a música. Ensaiamos no hotel em que ele ‘tava hospedado e o Edu disse: ‘vamo’ gravar com o axé do compositor? Então ele ligou pro Moraes Moreira e conversamos ali por uns 15 minutos. Ele me perguntou sobre a música e disse: “canta pra eu lembrar?” [risos]. Ele nem se lembrava da música, mas ficou contente com minha escolha e disse que só deixava eu gravar com uma condição: que depois mostrasse pra ele, porque ele ficou curioso. Geralmente os cantores e cantoras que gravam Moraes Moreira gravam as mais conhecidas e essa é praticamente inédita. Depois de gravar, fizemos uma pré e eu mandei, sem mix nem nada. Receber o elogio dele foi emocionante, até por que não foi um elogio vazio. Ele me apontou critérios, prestou atenção em como me apropriei da canção, talvez seja a sensação que tenho sentido de ilha mesmo. Ela não entra no show de quinta, porque ainda quero deixá-la inédita.

Um show com o repertório inteiramente dedicado aOs Novos Baianos é o segundo tributo que tu presta em pouco tempo. Antes, o escolhido foi Sérgio Sampaio, dito “maldito”, pouco conhecido, embora fundamental na formação musical de muitos artistas contemporâneos importantes. Os Novos Baianos são mais festejados, conhecidos, populares, apesar de passados 40 anos do lançamento de seu mais festejado, conhecido e popular disco. O nome do show, aliás, é chupado do título de um disco deles, Novos Baianos F. C., e da primeira música desse disco, Sorrir e cantar como Bahia. Pela fuga da obviedade de que tu já falou, o que a plateia pode esperar, em termos de seleção de repertório? Foi fácil selecionar? Tu escolheste sozinha o set list? Como se deu esse processo? Eu decidi esse ano prestar homenagens a compositores que foram importantes pra feitura da minha fisionomia artística. Sérgio Sampaio é essencial, pois é o cara com que me identifico no que ele quer dizer, a poesia é rica e tem um efeito forte pr’aquilo que acredito na arte, que é a fusão de qualidade e sentimento. O Sérgio Sampaio, embora lado b, fazia melodias, arranjos bonitos, linhas melódicas que fugiam da obviedade e claro, as letras com muitas verdades. Sempre me preocupo com a mensagem das canções. Embora diferentes um do outro, Sérgio Sampaio e os Novos Baianos têm em comum essa fuga dos clichês, essa observação da vida por outros ângulos, um recorte da realidade otimista. Eu venho tentando ser otimista. É uma questão de saúde pra mim acreditar no que canto. Se até meus gritos em silêncio me deixam rouca, que eu grite em alto e bom som o que acredito através das canções, já que vou ficar rouca de qualquer jeito. O título Tássia Campos F. C. foi uma brincadeira, roubando a capa do disco mesmo… [risos] e o subtítulo Sorrir e cantar como Novos Baianos é alusão a Sorrir e cantar como Bahia, uma das minhas músicas preferidas daquele LP. Decidir a set list é sempre delicado, principalmente de compositores com obra vasta e atemporal, como é o caso dos outros compositores que já homenageei. Em meus shows sempre convido participações, colegas de profissão ou mesmo quem eu ache que executaria a canção a contento. Penso sempre em nomes inusitados que geralmente não estão associados ao estilo desenvolvido por mim e pra isso tenho que pensar em músicas que casem com a proposta do show e que eu imagino o artista que vai cantar comigo. É muito mais subjetivo do que prático. É intuitivo e sempre deu certo.

Uma aura mística perpassa toda a história dOs Novos Baianos, a vida em comunidade, o uso de drogas, o encontro com João Gilberto, que lhes apresentou o Brasil Pandeiro de Assis Valente… Você fala em subjetividade e intuição e alia isso ao domínio das técnicas musicais, unindo o saber cantar ao bom gosto. Se é que é possível calcular, quanto cada coisa é importante para você e, na sua opinião, para os artistas da música, em geral? Éguas!!! Os Novos Baianos viveram uma utopia que deu certo por um tempo determinado. Quando vi o [documentário Filhos de João – O] Admirável Mundo Novo Baiano [dirigido por Henrique Dantas], o Tom Zé, em seu depoimento disse que Os Novos Baianos realizaram uma tarefa nunca antes vista, não sei se exatamente nessas palavras, mas foi este o sentido, e eu concordo. Quando te falei em contracultura é exatamente isso da utopia. Deram um upgrade no estilo de vida underground, alternativo. Creio que “libertário” é a palavra. Fazer música libertária e é bem aí que fico fascinada. Pois eles viveram isso como verdade e deu certo. E quanto ao uso de drogas não sei avaliar bem, pois não acredito que as drogas tenham comprometido a qualidade musical deles. Pro meu trabalho e pro que busco pra ele tem sido superpossível aliar intuição e ainda assim manter uma qualidade técnica. No tempo em que artistas “moderninhos” lançam cds audíveis mas fazem um som ao vivo completamente comprometido, quanto à execução de seus trabalhos, seja por falta de experiência, cancha ou estudo mesmo, prefiro me manter à margem disso, procurando ser o melhor que posso ao vivo. Acredito muito que o palco é o solo sagrado do artista e lá ele tem que procurar ser profissional. Por isso, chamo músicos profissionais pra fazerem os shows comigo, a gente se encontrou e todos estamos comprometidos com o trabalho. A banda é como a roupa que me veste e, claro, se ‘tou com uma boa banda ‘tou bem vestida e as coisas acontecem com mais segurança. É meu compromisso com a canção. Não dá pra matar música alheia. Ou faço um show direito, ensaiado, bem tocado e redondo ou não saio de casa. E meu amor pela música é como o amor que sinto pelo meu filho, é imaculado. Mesmo com toda dedicação em fazer um trabalho tecnicamente aceitável, audível e que satisfaça minhas aspirações, o amor prevalece e creio que é isso que me faz buscar o fazer bem feito sempre. Ainda estou engatinhando, mas daqui a um tempo já vai dar pra caminhar.

O que o público pode esperar de Tássia Campos a curto, médio e longo prazo? Esse ano tem sido bom, produtivo. Fiz pelo menos um show por mês desde março. É gratificante poder construir um público e me sentir responsável por ele. As coisas têm acontecido de forma natural e todos os trabalhos que fiz este ano têm servido pra amadurecer e embora eu tenha convites pra fazer shows fora daqui ainda não sentia que o trabalho estava pronto. Mas agora está. Acredito ser importante as coisas acontecerem a seu tempo. Como já tenho interiormente bem definido o que quero, agora é a hora de olhar pra frente. Depois do show do dia 20, ainda tenho apresentações no projeto BR-135, capitaneado por Alê Muniz e Luciana Simões, no Ceprama. Esse show vai ter um formato estranho, pois não pude levar a banda completa. Fiz um novo show pra ocasião, um repertório bem bacana, pra funcionar só com guitarra semiacústica e baixo. E tenho também show na 7ª. Mostra Sesc Guajajara de Artes e é com essa apresentação que já inicio os trabalhos do disco que tá saindo, um show inédito e que pretendo trabalhar por todo 2013, aqui e em outras cidades. O que o público pode esperar de mim? Uma artista mais madura, com uma sonoridade mais firme e coesa. Embora tenha 26 anos apenas, não me considero uma moderninha, eu gosto das coisas bem feitas. Acho que isso é sinal do meu respeito pelo público e o comprometimento em estar levando às pessoas muito mais que diversão. Claro que me divirto estando no palco, mas a música é a minha vida e eu levo tudo isso muito a sério. O que o público pode esperar é alguém que não tá brincando de música. E a médio prazo é viajar mais, ir mostrar meu trabalho em outras cidades. Começaremos por Brasília, depois a gente vai descendo. Em dezembro começam as correrias pra uma turnê de bolso. Pretendo começar a escrever um blog pra falar de cada cidade. Lembrando que esses shows estão em negociação e são de caráter independente. Não tenho financiamento de editais, nem de bancos, nem de empresas. Claro que não fecho as portas pra isso, mas por enquanto vou na raça mesmo, a convite de casas de shows. As expectativas pra este ano e pro próximo são as melhores e conto com o apoio do público, dos blogueiros e dos amigos pra continuar a caminhada numa cadeia produtiva e fortalecer o tecido cultural, levando a música feita aqui pra troar nos ouvidos do país todo! Tenho muito receio de que a sensação insular de São Luis não me deixe sentir o sopro dos ventos do continente. Acho que todo artista tem que subir em outros palcos. Além de talento e coragem o artista, na minha opinião, tem que ser de qualquer lugar. Estou otimista com o futuro! Quero viver dignamente fazendo o que amo.

*o título é surrupiado da carta de Galvão (Joãozinho Trepidação) a Augusto e Aroldo (sic) de Campos, no disco de 1973. O P. S. diz assim: “Eu tinha vontade de mandar tudo isso pra João Gilberto por nada.

Profissão: cantora

ALBERTO JR.*
ESPECIAL PARA ESTE BLOGUE

Dicy Rocha: "ser cantora é um exercício profissional e uma missão espiritual a ser cumprida"

Numa repartição pública como outra qualquer de São Luís, em meio a papéis e burocracias institucionais, o funcionário fez-lhe a pergunta de praxe: “Profissão?”. A resposta soou como novidade e espanto para ele que estava acostumado em carimbar documentos de profissionais dos mais diversos. Nunca tinha lhe aparecido uma cantora. E a cantora, no caso, era Dicy Rocha.

No imaginário daquele funcionário as cantoras são como sereias midiáticas que só se manifestam no palco, no rádio ou na televisão. Quem diria que uma jovem negra, de olhos graúdos e voz doce chegasse num dia de semana qualquer requerendo o reconhecimento de sua atividade profissional, como se fosse uma operária ou artesã no ofício de cantar.

Para ela, ser cantora é um exercício profissional e uma missão espiritual a ser cumprida. Não há grandes sonhos ou fantasias almejadas. O que existe de fato é uma força muito grande e a responsabilidade de que seu canto e sua música promovam encontros e afetos. Sua arte não está a serviço do mercado, passa por ele e o transcende.

Projeto Sexta do Vinil – Para a apresentação de amanhã (6), no Porto da Gabi, Dicy Rocha preparou um repertório pelo Dia de Santos Reis. Além das canções já conhecidas do público, algumas novidades e encontros musicais darão o tom especial da noite. Acompanhando a cantora estarão os músicos João Simas (violão), Davi Oliveira (baixo), Isaías Alves (bateria) e João Neto (flauta e cavaquinho).

Além deles, duas participações especiais: o percussionista moçambicano Jorge Paco, que está de passagem por São Luís, e que apresentará no palco os timbres e ritmos africanos, e também o mestre Josemar Ribeiro, percussionista maranhense dos mais renomados e um dos pioneiros da Companhia Barrica, que volta aos palcos após um hiato de alguns anos sem tocar. Ele é marido da Gabi proprietária da casa.

O show faz parte do projeto Sexta do Vinil, que acontece todas as sextas no Bar Porto da Gabi, localizado no Aterro do Bacanga, sempre com discotecagem da equipe de som da Rádio Zion e Radiola Reggae, na presença dos djs Joaquim Zion, Marcus Vinícius e Neto Myller, e com participação de artistas convidados.

Carreira – No ano que findou, o nome de Dicy provocou muita curiosidade nos ouvidos mais atentos e sensíveis da cidade. Alguns ainda teimam em confundir sua pronúncia inserindo um ‘erre’ ou alterando o som da sílaba tônica. Outros falam no nome como se fosse verbo, sinônimo de quem tem o que dizer (cantar).

Do aparecimento de sua voz para o público, junto com o grupo vocal Flor de Cactos, em festivais de música organizados pelo cantor Wilson Zara, até o seu mais recente projeto, Negra Melodia, nas noites do bar Odeon Sabor e Arte, a cantora vem experimentando um repertório de canções brasileiras que ressaltam a identidade negra e a música do campo, buscando o diálogo entre gerações diferentes de músicos e compositores.

Recentemente, a cantora recebeu o troféu de “talento da noite” pelo Prêmio Universidade FM. Um reconhecimento dado por um público que já é cativo e renovado a cada apresentação. Ela agradeceu dizendo: “Chegou um momento da minha vida que eu tive que fazer duas opções: cantar ou cantar”, reforçando a canção de Caetano que diz: “o certo é ser gente linda e cantar. O certo é fazendo música”.

Dicy está em processo de gravação do seu primeiro álbum, com produção do músico espanhol Javier Sirera León. Contemplada com os editais de 2011 da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (SECMA) e do Banco do Nordeste (BNB), a previsão para que o disco seja finalizado e lançado é até julho deste ano.

Quem tiver ouvidos que ouça o som de Dicy Rocha, amanhã à noite, no Bar Porto da Gabi.

*Alberto Jr. é radialista

SERVIÇO

Projeto Sexta do Vinil | Show de Dicy Rocha e Banda | Discotecagem da Rádio Zion e Radiola Reggae | Dia 6 de janeiro (sexta), 22h | Bar Porto da Gabi, Aterro do Bacanga | Entrada: R$ 10,00 | Maiores informações: (98) 8849-9016.

Rosas, Tetés e Joanas

JOÃOZINHO RIBEIRO*

Encantamento de D. Teté, premiação do Rosa Secular como melhor show do ano, posse de Joana Bittencourt no Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão… qual assunto tomar como tema desta coluna? A tarefa não parece das mais simples, porém não pode ser excludente, afinal de contas existe uma relação de causa e efeito recíprocos em todos eles, que não nos permite optar deliberadamente por um só, excetuando os demais.

D. Teté virou azulejo na madrugada do último sábado, após uma vida inteira de encantamentos e magias, dedicada ao reforço e valorização das nossas ancestralidades, deixando para todos um legado imenso de cantorias e atitudes que servirão de exemplo para as presentes e futuras gerações. Como mulher, negra, mãe, avó, artista, companheira e pessoa humana, nem física ou jurídica, da maior dignidade.

Da simplicidade de mestra da cultura popular do Maranhão a postura de sacerdotisa africana, quando puxava as ladainhas no Laborarte ou em qualquer outro espaço que exigisse a sua altiva intervenção. Ultimamente, em suas raras aparições públicas, sentada num troninho, armado exclusivamente para a altura da sua majestosa presença, que tanto encantou o mundo, extrapolando as fronteiras do país, sob os auspícios e incentivo do guerrilheiro Nélson Brito.

De sua criativa cantoria ficarão para sempre em minha memória uns versos cantados pelo seu Cacuriá, que parecem ter sido feitos sob encomenda para Amália, minha mãe inesquecível, cujo apelido carinhoso de infância era Mariquinha:

“Mariquinha morreu ontem,
ontem mesmo se enterrou
na cova de Mariquinha
nasceu um pé de fulô”.

Almerice era o seu nome de batismo, que muitos poucos conheciam. Teté, este sim, ganhou o mundo e penetrou os terrenos das nossas imaginações através das danças sensuais do Cacuriá e das inúmeras e insinuantes letras e melodias, que até hoje nos incitam e excitam quando são executadas. Uma delas mereceu o coro das vozes minha, de Josias Sobrinho, Chico Saldanha e de todos os presentes na última edição do show Rosa Secular II, realizada no dia 10/12, no Bar Daquele Jeito, com a plateia de pé, cantando comovida em uníssono:

“Lera chorou, Lera chorou
eu te disse, Lera,
vão te tomar teu amor”.

De Teté para Noel: deu a Rosa Secular na cabeça, como costumam dizer os apontadores do jogo do bicho. Só que a coisa não foi obra de nenhum “palpite infeliz” de alguma pessoa amiga ou das pessoas que detesto, conforme atestam os versos do poeta da vila; porém, o reconhecimento de mais de trezentos jurados que resolveram agraciar o Rosa Secular com o prêmio Universidade FM 2011, na categoria “Melhor Show do Ano”.

Da esquerda para a direita: Joãozinho Ribeiro, Chico Saldanha, Cesar Teixeira e Josias Sobrinho, protagonistas do melhor show do ano para o prêmio Universidade FM 2011

Um justo presente natalino para uma produção eminentemente coletiva, realizada em janeiro de 2011 no Bar Daquele Jeito, encharcada das humanidades e emoções dos compositores Cesar Teixeira, Chico Saldanha, Joãozinho Ribeiro e Josias Sobrinho; dos convidados especialíssimos, Léo Spirro, Célia Maria, Lena Machado e Lenita Pinheiro; dos talentos criativos dos artistas plásticos, Lena Santos e Ton Bezerra; do acompanhamento dos músicos maravilhosos: Arlindo Carvalho, Vandico, Domingos Santos, João Soeiro, João Neto e Juca do Cavaco; do auxílio luxuoso da Sociedade Artística e Cultural Beto Bittencourt e de todos os seus integrantes; da cumplicidade solidária de Zema Ribeiro e Marla Silveira.

Enfim, de todos apoiadores, poucos mas sinceros, e, principalmente, do público que lotou a casa e mostrou que ainda há espaço na cidade para eventos musicais que possam dar vez e voz para as pessoas expressarem seu “direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios (…)”, como está destacado no artigo XXVII da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Foi respeitando este direito de participação, que o Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão abriu as suas portas na noite do 15 de dezembro último para receber, em seu respeitável quadro de sócios, uma das figuras mais queridas e solidárias, representante legítima do engenho e arte da cultura maranhense, agora confreira – Joana Bittencourt.

Com justiça e mérito intelectual, nossa “mãe” e “irmãzinha” do coração, poeta, escritora, compositora e diretora teatral – Joana Bittencourt -, que transformou sua própria residência num Ponto de Cultura para abrigar a Biblioteca Dinâmica Mário Meirelles, passou a ocupar a cadeira nº. 36 do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, patroneada por Jerônimo Viveiros. Motivo de orgulho e glória para todos nós que a guardamos no lado esquerdo do peito.

Com esta última coluna do ano, agradeço a paciência e desejo a todos os leitores, do fundo deste combalido coração de poeta, um FELIZ NATAL!

*Publicado no Jornal Pequeno do último 19 de dezembro, data em que o blogueiro completou 30 anos de idade.

&

Grande notícia!: o show Rosa Secular terá bis dia 14 de janeiro de 2012, no Bar Daquele Jeito (Vinhais), às 22h. Mais detalhes por aqui em breve.

Pétalas de rosas seculares marcam trilha da boa música

Show Rosa Secular II repete tributo a Noel apresentado ano passado mas vai além, homenageando nomes nacionais e locais

"Meus tempos de criança" abre tributo a Ataulfo prestado por Itamar Assumpção

“Eu daria tudo o que tivesse/ pra voltar aos tempos de criança/ eu não sei pra quê que a gente cresce”. Muito marmanjo por aí canta, com algum saudosismo, os versos de Ataulfo Alves. Outros, desejam ter nascido noutra época. Há ainda quem simplesmente admire “música de velho”, sendo, por vezes, alvo de chacota. Pouco importa, quase rima involuntária.

Foi João Gilberto quem apresentou a música de Assis Valente aos Novos Baianos

“Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor”. Assis Valente já havia subido quando os Novos Baianos de Morais, Galvão, Baby, Pepeu e Paulinho Boca de Cantor regravaram um de seus maiores clássicos, em Acabou Chorare (1972), eleito pela revista Rolling Stone como o maior álbum brasileiro do século 20. Não é pouco!

“Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar”. Ou era a Guerra dos Mundos, cuja história foi recentemente recontada pelo professor Francisco Gonçalves e sua equipe de pesquisadores, que botou os pingos nos is deste importante capítulo da radiofonia maranhense, ou era a impressão do povo com um blockbuster hollywoodiano qualquer. Nem uma coisa, nem outra: era novamente Assis Valente, o mesmo compositor que “vestiu uma camisa listada e saiu por aí” ou, feminino antes de Chico Buarque, “meu moreno fez bobagem”.

Estreia de Cartola na Marcus Pereira tem time de primeira linha

“Esse trabalho fez a cabeça da minha geração e hoje sei que não fui só eu que passei meses tirando os acompanhamentos e tocando em casa junto com o disco”, afirmou, acerca da estreia de Cartola na Discos Marcus Pereira, o cavaquinhista e escritor Henrique Cazes, em Choro – Do quintal ao municipal, “obra de referência indispensável para estudiosos e amantes do choro e da música brasileira em geral”, como atestou o insuspeito antropólogo Hermano Vianna, no prefácio da citada obra.

“Chatice tudo isso para você, sou o primeiro a reconhecer, homem cheio de trabalhos e compromissos, em luta permanente contra o relógio para chegar onde deve pelo menos com atraso menor, mas no momento não me ocorre o nome de nenhuma outra pessoa a quem mandar isso que nem sei direito o que venha a ser”. O trecho parece ter sido escrito sobre estes nossos dias corridos, doidos e doídos. É do misto de autor, ator, escritor e compositor Mário Lago, em Manuscrito do heróico empregadinho de bordel (1979), num tempo em que o termo artista multimídia sequer havia sido inventado. Sim, é ele o compositor de Ai, que saudades da Amélia (com Ataulfo Alves), Aurora (com Roberto Roberti), Nada além (com Custódio Mesquita) e Fracasso, entre outros sucessos radiofônicos de outrora.

Nelson Cavaquinho, nascido em 1911, teve o registro alterado para ingressar nos quadros da polícia carioca: foi registrado como se nascido um ano antes. Membro da polícia montada, deixava o cavalo preso e ia beber nos botequins aos arredores do Morro de Mangueira. Um dia – ou, melhor dizendo, uma noite – o cavalo soltou-se, regressando ao quartel antes de seu “jóquei”. O autor de Juízo final (com Élcio Soares) foi dispensado. Sorte do samba nacional, da música brasileira, que quando pisa em Folhas secas (Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito), quer que “tire o seu sorriso do caminho/ que eu quero passar com a minha dor”, esta e a morte presenças constantes em seu temário.

De Noel Rosa sobram histórias geniais, pitorescas e engraçadas, o que inclui a recente homenagem do compositor Edu Krieger, que em tempos de Amy Winehouse, Kurt Cobain, Janis Joplins, Jim Morrison e Jimi Hendrix, entre outros, decretou: “rock’n roll pra valer foi Noel Rosa, que partiu sem chegar aos vinte e sete”.

Assis Valente, Ataulfo Alves, Cartola, Mário Lago, Nelson Cavaquinho e Noel Rosa, os compositores-personagens acima, todos centenários, recebem homenagens de Chico Saldanha, Joãozinho Ribeiro e Josias Sobrinho em show que contará com as participações especiais de Célia Maria, Lena Machado, Lenita Pinheiro e Léo Spirro.

A apresentação acontece dia 10 de dezembro (sábado), data em que se celebra o aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e que antecede o aniversário de nascimento de Noel Rosa, que ano passado recebeu homenagem do trio anfitrião mais Cesar Teixeira.

Saldanha, Ribeiro e Sobrinho, juntos, apresentaram-se em projeto no Sesc Pompeia, em São Paulo, em 2004. Antes, em São Luís, foram protagonistas do show Eu e meus companheiros, no Circo da Cidade e Bagdad Café. O trio de bambas e seus convidados serão acompanhados por um regional idem: Arlindo Carvalho (percussão), Domingos Santos (violão sete cordas), Fleming (bateria), João Neto (flauta), João Soeiro (violão), Juca do Cavaco, Osmar do Trombone e Vandico (percussão).

Além dos bambas supra, Rosa Secular II, reprise ampliada do tributo a Noel Rosa, prestado ano passado e repetido, a pedidos, no início deste, homenageará também maranhenses saudosos, eternos na memória de amigos e admiradores: Antonio Vieira, Cristóvão Alô Brasil, Dilu Mello, João Carlos Nazaré e Lopes Bogéa.

Rosa Secullar II acontece dia 10 (sábado), às 21h, no Bar Daquele Jeito (Vinhais). Os ingressos custam R$ 20,00 (R$ 10,00 para estudantes com carteira).

Serviço

O quê: Show musical Rosa Secular II.
Quem: Chico Saldanha, Joãozinho Ribeiro e Josias Sobrinho. Participações especiais: Célia Maria, Lena Machado, Lenita Pinheiro e Léo Spirro.
Quando: dia 10 (sábado), às 21h.
Onde: Bar Daquele Jeito (Vinhais).
Quanto: R$ 20,00 (R$ 10,00 para estudantes com carteira).

[Release-colagem. Textos assim deverão aparecer com mais frequência por aqui. Em breve devo fechar o Ponte Aérea São Luís]